296. Verdade, o que é a verdade?
Jober Rocha*
Segundo consta nos Evangelhos de João e de Marcos, que fazem parte do Novo Testamento, esta pergunta teria sido feita por Pôncio Pilatos (governador da província romana da Judeia entre os anos 26 e 36 d.C. e conhecido, na tradição Cristã, como o juiz que interviu contra os fariseus que pediam a condenação de Cristo) durante o julgamento de Jesus no Pretório ou Tribunal de Justiça.
Pilatos, dentre outras coisas, teria perguntado a Jesus se ele era o rei dos judeus, ao que Jesus teria respondido: - “Tu dizes que sou rei. Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz”.
Pilatos teria, então, perguntado a Jesus:
- “Verdade, o que é a verdade”?
Jesus calou-se na ocasião, nada respondendo.
Inúmeros pensadores (antes, durante e depois da criação da religião de Roma, pelo imperador Constantino, no ano de 325 d.C., na ocasião do Concílio de Niceia) deram as suas interpretações religiosas para o silêncio de Jesus Cristo naquela oportunidade.
A Filosofia, no entanto, já se ocupava da verdade desde muito antes de Pilatos fazer a famosa pergunta, sendo Platão um dos primeiros a formular o que seria um discurso verdadeiro:
- “Verdadeiro é o discurso que diz as coisas como são e falso é aquele que as diz como elas não são” – teria dito Platão.
Mas convenhamos, meus caros leitores, a quem caberia decidir ou julgar, em última análise, como as coisas verdadeiramente são e como elas não são, senão às próprias pessoas que discursam ou as que ouvem os seus discursos?
Assim, a Filosofia e seus representantes, os filósofos, têm buscado, ao longo dos tempos, entender a genealogia da verdade e seus conceitos.
Filosoficamente, na atualidade, distinguem-se cinco conceitos de verdade: como correspondência, como revelação, como conformidade a uma regra, como coerência e como utilidade. Cada um destes conceitos foi formulado por uma ou por várias escolas filosóficas ou por alguns filósofos isolados e não entrarei em maiores detalhes sobre os conceitos, pois podem ser encontrados nos dicionários ou na literatura disponível na WEB.
Considerando tudo aquilo mencionado até aqui, portanto, e em sendo verdadeiros os questionamentos de Pilatos e as respostas de Jesus, contidas nos mencionados evangelhos de João e de Marcos, tentarei especular sobre os motivos que teriam levado Jesus a manter-se calado, face a velha pergunta que lhe dirigiu Pôncio Pilatos e que dá título ao presente texto.
O processo dialético ou simplesmente dialética (do grego: a arte do diálogo ou o caminho das ideias) teria sido já mencionado desde a antiguidade por diversos filósofos, dentre os quais Sócrates, Platão, Aristóteles, Parmênides, Heráclito, Zenão, etc., todos eles muito anteriores ao nascimento de Jesus Cristo, que, certamente, ao ser interrogado por Pilatos já conhecia ou teria ouvido falar sobre o referido processo; posto que, diversos autores contemporâneos consideram que Jesus fizera parte da seita judaica dos Essênios.
A descoberta dos chamados Manuscritos do Mar Morto, no século 20, aumentou o interesse dos pesquisadores do Antigo e do Novo testamento sobre as comunidades dos Essênios, consideradas responsáveis pela elaboração desses manuscritos descobertos. Admite-se hoje que as doutrinas dos Essênios, seu afastamento das coisas mundanas, seus conhecimentos filosóficos e científicos, seu estilo de vida comunitário, influenciaram a aurora do cristianismo e muitos acreditam que João Batista e o próprio Jesus estiveram em estreito contato com as comunidades de Essênios que pontilhavam, então, os desertos da Palestina.
Por outro lado, ao longo da Idade Média e da Idade Moderna, inúmeros outros filósofos trataram da Dialética, cada um tendo a sua própria visão sobre a matéria. Embora estudada por muitos filósofos modernos, a Dialética se tornou mais conhecida do público através dos escritos de Friedrich Hegel (1770 – 1831) que a teria formulado de forma idealista e, algum tempo depois, ela foi aperfeiçoada por Karl Marx (1818 – 1883), que a teria estendido para todas as atividades, pois “tudo tem a ver com tudo e os lados que se opõem são, na verdade, apenas uma unidade na qual um dos lados prevaleceu”.
O Processo Dialético é também conhecido como Princípio do Contraditório, na Ciência do Direito, e afirma que a verdadeira verdade (ou uma ideia verdadeira ou a descrição de um acontecimento verdadeiro) seria o resultado de uma síntese entre duas outras supostas verdades, a tese e a antítese. A tese, seria a verdade percebida e mencionada por uma das partes, enquanto a antítese seria a verdade percebida e formulada pela outra parte. Como síntese destas duas visões ou versões anteriores, surgiria uma terceira versão que, talvez, fosse aquela que, verdadeiramente, mais se aproximaria da verdadeira verdade. A luz da Dialética, portanto, a contradição (entre a tese e a antítese) seria, assim, reconhecida como o princípio básico do movimento pelo qual todos os seres existem, evoluem e as verdades acabam aparecendo.
O referido Processo Dialético, conforme pensam os filósofos, teria por foco a contraposição e a contradição de ideias (ou fatos ou afirmações ou modo de ver as coisas), que daria origem a novas ideias mais aperfeiçoadas; não buscando, pois, o processo, interpretar a realidade, mas, apenas, refletir sobre ela tentando se aproximar, ao máximo, da verdade.
Por outro lado, da mesma forma que os filósofos gregos se interessaram pela Dialética, também tinham interesse naquilo que ficou conhecido como Relativismo Sofista; isto é, uma linha de pensamento da filosofia grega que defendia a subjetividade da verdade, questionando as verdades universais propaladas pelo homem.
O filósofo grego Protágoras, ao afirmar que “o homem é a medida de todas as coisas, daquelas que são, enquanto são, e das que não são, enquanto não são”, estabeleceu uma concepção relativista do conhecimento Nesse caso, cada um de nós seria, por assim dizer, o juiz daquilo que era considerado como verdadeiro e daquilo que não era.
Segundo o pensamento relativista, aquilo em que o homem acreditaria e defenderia como verdade, seja como moral ou conhecimento, estaria, pois, de acordo com o que ele via e experimentava; isto é, conforme o seu próprio contexto. Desta forma, o que uma pessoa consideraria como verdade poderia não ser verdade para outra, de modo a que ambas poderiam estar certas, cada uma segundo o seu ponto de vista (influenciado este pelo próprio contexto particular do indivíduo).
Considerando que tanto a Dialética quanto o Relativismo caminham em uma mesma direção e que este só viria fortalecer aquela, fazendo com que, através da síntese proposta pela Dialética, ambas as verdades relativistas (a tese e a antítese) se transformassem em uma verdade única, a síntese (mais próxima da verdadeira verdade do que as anteriores), podemos, pois, entender (independentemente de qualquer consideração de ordem religiosa), segundo penso, o silêncio filosófico do ser humano Jesus Cristo quando questionado por Pilatos.
Até por que, o Dr. Bart D. Ehman (PhD em Teologia por Princeton e professor de Estudos Religiosos na Universidade da Carolina do Norte), em sua obra “Quem Jesus foi, quem Jesus não foi”, afirma (de forma polêmica) que “o surgimento final da religião cristã representa uma invenção humana que, em termos de seu significado histórico e cultural, pode ser considerada a maior invenção da história da civilização ocidental”.
“A Trindade é uma invenção cristã, posterior, baseada, segundo os argumentos do bispo Atanásio e outros, em passagens das Escrituras, mas, que, na verdade, não aparece em nenhum dos livros do Novo Testamento. Em três séculos, Jesus deixou de ser um profeta apocalíptico judeu, para se tornar o próprio Deus; isto é, um membro da Trindade”.
Por sua vez, Marcelo da Luz, em seu livro “Onde a religião termina”, afirma (também de forma polêmica): “Nos séculos seguintes os evangelhos divergentes foram destruídos, para que a definição dada pelo Concilio de Nicéia, no ano de 325 d.C., fosse considerada como a única interpretação aceitável. Estes dados históricos mostram como a figura divina do Cristo é um produto, pouco a pouco, construído pelo fanatismo e pelo interesse político-econômico dos seus seguidores”.
Robert Amberlain em seu livro “Jesus ou Le Mortel Secret des Templiers”, afirma (também de forma polêmica) que “a causa do extermínio dos templários deve ser buscada nas suas descobertas e pesquisas em torno da figura de Jesus”.
Robert Amberlain apresenta, dentre outras, as seguintes afirmações em seu livro:
. Jesus era um líder Zelote que lutava contra o domínio romano na Judéia e aspirava tornar-se rei;
. Os copistas manipularam textos evangélicos para esconder a verdadeira natureza de Jesus;
. Os Templários conheciam a verdadeira história de Jesus, razão pela qual tiveram extinta a sua organização, no ano de 1.307, foram presos e muitos deles exterminados por Filipe IV da França, sob ordem do papa Clemente V.
Em sendo assim, como já mencionado no início do presente texto e conforme os autores das obras citadas, imagino (de forma polêmica) que o ser humano Jesus Cristo, certamente, conheceria tanto a Dialética quanto o Relativismo Sofístico, considerações filosóficas que tiveram suas origens na antiguidade grega alguns séculos antes do seu próprio nascimento. Ademais, ele teria dito para Pilatos, por ocasião de seu julgamento, que tinha vindo ao mundo para "dar testemunho da verdade", não tendo dito que viera para dizer qual a verdadeira verdade, que, certamente, ele, como qualquer outro ser humano, desconhecia. Da mesma forma, teria afirmado que “todo aquele que é da verdade ouve a minha voz”. Não disse, no entanto, que a sua voz era a fiel expressão da verdade.
Como tudo indica, porém, ele sabia (através de seus conhecimentos de Filosofia obtidos junto aos Essênios e também na Índia, na qual teria vivido durante algum tempo, segundo o teólogo alemão Holger Kersten, que revela que logo no início da adolescência Jesus rumou para a Índia, onde foi iniciado no budismo por monges. Para apoiar essa tese, ele apresenta uma farta documentação histórica) que a verdade de cada um, embora verdadeira para cada indivíduo em particular, poderia ser diferente da verdade dos demais e que estas poderiam vir a se transformar, no passo seguinte, em outras verdades e assim sucessivamente, na medida em que o conhecimento humano se expandisse e aumentasse. A percepção e o entendimento da verdade universal seria, pois, um atributo apenas daquele que tudo criou, o único que saberia, verdadeiramente, qual o objetivo que o teria norteado e qual o futuro da sua criação.
Olhando, portanto, pelo aspecto filosófico da questão (e de forma polêmica), Jesus (reconhecidamente um ser humano honesto e justo; como também um filósofo competente que, com toda certeza, era) não poderia, em sã consciência, ter respondido à pergunta formulada por Pilatos por desconhecer a resposta, tanto quanto este, e, consequentemente, foi isso mesmo que ele fez, mantendo-se calado, em completo silêncio.
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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