domingo, 29 de dezembro de 2019


345. Modernas ilações sobre as velhas pragas do Antigo Egito

Jober Rocha*



                           Segundo antiga lenda egípcia na dinastia do faraó Khufu, filho de Sneferu e de Hetepheres, uma colossal praga mista de gafanhotos e escorpiões assolou o vale do Rio Nilo, ameaçando destruir as culturas irrigadas pelas águas daquele rio em razão da voracidade dos gafanhotos, o que provocaria a fome de milhares de pessoas; bem como, vitimaria e incapacitaria milhares de outras, em razão das terríveis picadas dos venenosos escorpiões negros da região, que agiam de surpresa vivendo nas trevas, escondidos e aguardando a hora propícia de inocular seu veneno nas desprevenidas vítimas.

                                      Khufu, para os leitores que não sabem, era o conhecido faraó Quéops (também chamado de Khufu, em egípcio antigo) e foi o soberano egípcio que reinou por volta de 2551 a.C. a 2528 a.C. sendo o segundo faraó da Quarta Dinastia, responsável, naquela ocasião, por dar fim a estas tão temidas e nefastas pragas.

                                     À Khufu tem sido creditada, também, a construção da Grande Pirâmide de Gizé e do complexo funerário anexo. As fontes históricas descrevem-no como um governante generoso e piedoso; porém antigos textos gregos, ao contrário, referem-se a ele como um governante cruel.
                                      Como os leitores poderão constatar, a mídia, já naquela época, era movida por interesses ideológicos e financeiros. Os bem cevados cronistas da época, quando agraciados com favores e verbas públicas, faziam, sempre, a apologia dos governantes do momento. Por outro lado, quando malcuidados ou relegados pelos poderosos, estes historiadores e cronistas de então tratavam-nos, em represália, com desdém, menoscabo e desapreço, passando a posteridade, por vezes, uma imagem falsa do personagem.

                                        Foi ele quem deu divulgação e destaque ao célebre Papiro Westcar, que consistia em um texto egípcio contendo cinco histórias sobre episódios considerados milagrosos, realizados em sua dinastia por sacerdotes e magos. Cada uma dessas histórias foi, posteriormente, contada nas cortes seguintes por seus filhos e sucessores, sendo está presente estória uma destas histórias. As histórias ou estórias, pois ninguém pode, ao certo, confirmar a veracidade delas, contidas no referido papiro, foram traduzidas posteriormente para o inglês como ‘King Cheops and the Magicians’ (Rei Quéops e os Mágicos).
                                         O papiro Westcar tem sido do mais alto interesse para historiadores e egiptólogos, uma vez que é um dos mais antigos documentos egípcios a conter relatos tão detalhados daquela dinastia. Infelizmente, o verdadeiro nome do seu autor foi perdido, podendo, talvez, ter sido o próprio Khufu quem o escreveu.

                                            Os leitores mais argutos encontrarão muitas ilações entre o episódio que passarei a narrar, supostamente extraído de velho papiro e que teria ocorrido no Egito Antigo sob o reinado de Queops, com a atual situação política e psicossocial do nosso maltratado país, após décadas de governos incompetentes e de tendência esquerdista.
                                               Da mesma forma, os leitores mais perspicazes perceberão que, desde a mais remota antiguidade até os dias atuais, só existe uma maneira eficaz de se lidar com determinados problemas e situações que, embora inusitados e complexos, costumam ocorrer em todas as épocas. Mesmo não se tratando de idênticos problemas, as soluções adotadas para uns podem, por similitude, seguir uma mesma linha de raciocínio que conduza a resultados semelhantes nos demais casos, embora versando estes sobre temas e assuntos diferentes.
                                          Logo ao surgir o problema, portanto, a autoridade responsável por resolvê-lo irá ouvir inicialmente diversas opiniões, muitas delas conflitantes entre si. Inúmeras soluções serão propostas por homens de pouco saber, mas de muita opinião e com interesses particulares em jogo. Só quando alguém verdadeiramente sábio analisar o problema com profundidade, sob as óticas da Ciência e da Filosofia, der a sua interpretação para a origem do mesmo e propor uma solução pragmática e factível, o problema poderá ser resolvido em definitivo
                                            Foi o que fez o faraó Queops, na ocasião, com respeito ao seguinte fato que passarei a lhes narrar a continuação.
                                              Em um belo dia de sol, com o céu de um azul intenso e algumas nuvens esparsas, a população da cidade do Cairo viu, repentinamente, o horizonte escurecer. Parecia que, depois de tantos anos sem chover, finalmente, uma copiosa chuva se aproximava da região. Com o passar do tempo, começaram a chegar os primeiros precursores daquela enorme nuvem negra que se aproximava, mas não eram grossos pingos de chuva que chegavam e sim enormes gafanhotos. A nuvem negra, como logo perceberam os habitantes locais, era formada por gafanhotos.

                                      Em poucos dias todas as plantações das regiões circunvizinhas, por todo o vale do Rio Nilo, estavam cheias de gafanhotos. Muitos egípcios que tentaram combater a praga, foram picados por escorpiões negros, espécie altamente venenosa encontrada em profusão nos campos de colheita, onde antes eles não existiam.

                                          Logo perceberam que eram duas as pragas que assolavam a região, uma de gafanhotos e outra de escorpiões.
                                                Khufu, de imediato, mandou convocar os ministros e conselheiros do reino para uma reunião em palácio.

                                          As opiniões se sucediam, cada ministro com uma concepção diferente sobre as causas e as soluções propostas para a extinção do problema. As causas, conforme Khufu ouviu em silêncio, variavam, desde a falta de respeito aos deuses, por parte do povo egípcio, até as poucas virgens sacrificadas ao deus Amon durante aquela dinastia.
                                           As soluções propostas variavam desde o aumento dos sacrifícios humanos até a tentativa de fazer com que um determinado sacerdote buscasse estabelecer contato mental com o Gafanhoto Mor e com o Escorpião Mor (os chefes, respectivamente, da nuvem de gafanhotos e do ciclone de escorpiões, considerados, na ocasião, como pragas em razão de suas excessivas quantidades).

                                           Em síntese, buscaria o sacerdote escolhido cooptar os dois insetos chefes para que fossem embora dali, levando consigo a sua turma. Evidentemente alguma vantagem pessoal lhes seria oferecida, caso concordassem em ir embora deixando o Egito em paz.
                                     Alguém do grupo, mais pessimista, disse que as coisas eram assim mesmo e que períodos ruins de colheita eram sucedidos por períodos bons. Nada deveria ser feito contra as pragas, pois o meio ambiente deveria ser preservado a qualquer custo. Restava, tão somente, esperar o tempo passar e oferecer facilidades financeiras para que algumas organizações não pertencentes à dinastia (OND’s), embora vinculadas a personalidades da nobreza local, zelassem pelo controle e conservação dos vastos desertos da região e das águas do Nilo.
                                      Um judeu bastante viajado que ocupava importante cargo na corte, pediu a palavra e disse que na Índia existia um grande sábio que, sem dúvida alguma, poderia resolver aquele problema, pois os monarcas indianos a ele recorriam sempre que algum problema os afligia.
                                         Khufu determinou, então, que trouxessem aquele famoso sábio, imediatamente, a sua real presença.

                                      Em breve o sábio indiano viu-se sentado diante do faraó a ouvir, diretamente dos lábios deste, a real extensão e a total magnitude do problema egípcio.

                                              Tendo se inteirado de todos os fatos pertinentes ao caso, o sábio indiano iniciou sua fala com as seguintes palavras:

-  Mahānt (grande) rājan (rei), os egípcios, até onde sei, conhecem profundamente os mistérios iniciáticos e possuem enormes conhecimentos mágicos; dominam a astrologia, as altas matemáticas, o esoterismo oculto do septenário teosófico e a ciência do Grande Arcano. Rendem culto à Isis, à Osíris, à Horus e à Rá. Seria, portanto, uma indelicadeza da minha parte, além de muita pretensão de um simples homem de Ciência e de Filosofia, querer ensinar alguma coisa aos egípcios.

- No entanto, pelo que percebo, existe uma analogia entre este caso e alguns outros dos quais já tomei ciência anteriormente. Dentre as antigas Leis do Caibalion (escritas por um legislador e filósofo egípcio chamado Hermes Trimegisto e, sem dúvida alguma, do conhecimento de vossa alteza), que tive o cuidado de estudar em profundidade, destaco as seguintes como tendo aplicação direta ao presente caso:

“O Universo é mental; o que está em cima é como o que está embaixo; o que está dentro é como o que está fora; tudo é duplo, tudo tem dois polos, tudo tem o seu oposto; o igual e o desigual são a mesma coisa; os extremos se tocam; todas as verdades são meias-verdades; todos os paradoxos podem ser reconciliáveis; toda causa tem o seu efeito, todo efeito tem a sua causa”.

- Pragas de gafanhotos e de escorpiões, segundo penso e deduzo destas leis, podem ser, respectivamente, comparadas às assembleias de nobres de natureza política e aos fóruns de ideólogos interessados em propagar suas concepções filosóficas, mesmo que maléficas e nefastas às populações e aos reinos.

- Os gafanhotos, com suas ilimitadas voracidades, tal qual os nobres de natureza política cleptocráta, desejam tomar conta de tudo, imaginando que o mundo lhes pertence e que podem dispor daquilo que desejam, da forma como quiserem, onde, quando e sempre que tiverem vontade.

- Os escorpiões com seus instintos assassinos e maléficos, tal qual os ideólogos de tantas concepções filosóficas espúrias, malignas e nefastas, desejam inocular seus venenos nos corpos e contaminar o maior número possível de seres humanos, como fazem os ideólogos com o veneno de suas teorias nas mentes das pessoas.

- Veja, pois, grande rei, que existem semelhanças entre as pragas de insetos que assolam vosso reino e as pragas de nobres de natureza política venal, bem como a de ideólogos que assolam outros reinos, distintos do vosso, em outros locais e em outras épocas, conforme deixam claro as Leis do Caibalion, por mim mencionadas, que, ademais, são atemporais e universais.

- Segundo minha maneira prática de ver esta questão, fruto de muita meditação e da análise comparativa de outros fatos históricos semelhantes, por mim vivenciados, creio que a única forma eficaz e rápida de se livrar destes problemas citados (pragas de insetos, de nobres de natureza política venal e de ideólogos mal intencionados) é a utilização, rápida e eficiente, de métodos repressivos que eliminem, definitivamente, tais pragas que só produzem o mal, pois seus integrantes só visam o próprio bem e o exclusivo interesse.

- Muitos súditos, inclusive alguns pertencentes à nobreza da sua corte, se posicionarão contra esta decisão, que considerarão ilegal e temerária. Levante a vida pregressa deles e verá que não lhe são leais e que possuem interesses divergentes do seu. Muitos daqueles nobres que serão contra as suas medidas repressivas, no tocante as pragas, são aqueles mesmos que, praticando crimes de lesa majestade, enriquecerão com a importação de alimentos, que será necessária em virtude da destruição de toda a colheita motivada pela ação predatória dos gafanhotos e que enriquecerão, também, com a importação de antídotos e medicamentos contra picadas de escorpiões.

- Veja, pois, meu grande rei (e isto vale para todos os líderes de todos os reinos e de todas as épocas) que foi Deus que lhe permitiu chegar a esta posição de relevo e de poder a que chegou; logo, se o seu reinado, para você e para seus súditos, deve ser colocado acima de tudo, é evidente que Deus deve estar acima de todos vocês. Isto, conforme já dito por mim e levando em consideração as Leis do Caibalion, vale para todas as épocas e para todos os reinos e lugares.

- Sendo vossa alteza o representante máximo de seus súditos e o guardião das fronteiras e da integridade nacional, não hesite, pois, em adotar medidas fortes, mas necessárias, para livrar-se e ao seu reino destas pragas que, de tempos em tempos, acometem muitos reinos ao redor do planeta. As pragas podem ser de insetos, mas, também, de pessoas e de ideologias.
                                          O faraó, logo em seguida, conforme a orientação recebida do sábio indiano, desfechou intensa campanha repressiva contra gafanhotos e escorpiões. Em breve, o Egito estava livre destas duas pragas. Como efeito colateral das medidas adotadas, os nobres da corte com interesses políticos e ideológicos conflitantes com os do faraó, a partir de então, ‘colocaram as suas barbas de molho’ e passaram a rezar pela cartilha de Queops.

                                          O soberano, tão logo o problema foi resolvido, chamou o sábio ao palácio e perguntou-lhe o que desejava em retribuição ao conselho que havia dado e que se mostrara tão eficaz.
                                          O sábio, cofiando a longa barba branca, declarou:

 - Grande rei, se puder divulgar esta atual experiência que teve para as gerações futuras do vosso reino e de outros mais, eu me sentirei inteiramente recompensado!

                                     Foi assim, portanto, meus caros leitores, que teve início a elaboração do famoso papiro Westcar, que muitas autoridades brasileiras ainda desconhecem, mas que pode ser considerado como uma fonte inesgotável de inspiração a aconselhar e a orientar homens de bem que, por influência divina, carregam em suas costas, nos mais distantes rincões do planeta e em distintas épocas, o peso de conduzir e velar por vidas humanas e a responsabilidade de trabalhar pelo progresso e engrandecimento de nações.


_*/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha. Membro titular da Academia Brasileira de Defesa – ABD e do Centro Brasileiro de Estudos estratégicos – CEBRES.                                                                 


Nenhum comentário:

Postar um comentário