345. Modernas
ilações sobre as velhas pragas do Antigo Egito
Jober Rocha*
Segundo antiga lenda egípcia na dinastia
do faraó Khufu, filho de Sneferu e de Hetepheres, uma colossal praga mista de
gafanhotos e escorpiões assolou o vale do Rio Nilo, ameaçando destruir as
culturas irrigadas pelas águas daquele rio em razão da voracidade dos
gafanhotos, o que provocaria a fome de milhares de pessoas; bem como, vitimaria
e incapacitaria milhares de outras, em razão das terríveis picadas dos
venenosos escorpiões negros da região, que agiam de surpresa vivendo nas trevas,
escondidos e aguardando a hora propícia de inocular seu veneno nas
desprevenidas vítimas.
Khufu, para os leitores que não sabem, era o
conhecido faraó Quéops (também chamado de Khufu, em egípcio antigo) e foi o
soberano egípcio que reinou por volta de 2551 a.C. a 2528 a.C. sendo o segundo
faraó da Quarta Dinastia, responsável, naquela ocasião, por dar fim a estas tão
temidas e nefastas pragas.
À Khufu tem sido creditada, também, a
construção da Grande Pirâmide de Gizé e do complexo funerário anexo. As fontes
históricas descrevem-no como um governante generoso e piedoso; porém antigos
textos gregos, ao contrário, referem-se a ele como um governante cruel.
Como os leitores poderão constatar, a
mídia, já naquela época, era movida por interesses ideológicos e financeiros.
Os bem cevados cronistas da época, quando agraciados com favores e verbas
públicas, faziam, sempre, a apologia dos governantes do momento. Por outro
lado, quando malcuidados ou relegados pelos poderosos, estes historiadores e
cronistas de então tratavam-nos, em represália, com desdém, menoscabo e
desapreço, passando a posteridade, por vezes, uma imagem falsa do personagem.
Foi ele quem deu divulgação e destaque ao
célebre Papiro Westcar, que consistia em um texto egípcio contendo cinco
histórias sobre episódios considerados milagrosos, realizados em sua dinastia
por sacerdotes e magos. Cada uma dessas histórias foi, posteriormente, contada
nas cortes seguintes por seus filhos e sucessores, sendo está presente estória
uma destas histórias. As histórias ou estórias, pois ninguém pode, ao certo,
confirmar a veracidade delas, contidas no referido papiro, foram traduzidas
posteriormente para o inglês como ‘King Cheops and the Magicians’ (Rei Quéops e
os Mágicos).
O
papiro Westcar tem sido do mais alto interesse para historiadores e
egiptólogos, uma vez que é um dos mais antigos documentos egípcios a conter
relatos tão detalhados daquela dinastia. Infelizmente, o verdadeiro nome do seu
autor foi perdido, podendo, talvez, ter sido o próprio Khufu quem o escreveu.
Os leitores mais argutos encontrarão
muitas ilações entre o episódio que passarei a narrar, supostamente extraído de
velho papiro e que teria ocorrido no Egito Antigo sob o reinado de Queops, com
a atual situação política e psicossocial do nosso maltratado país, após décadas
de governos incompetentes e de tendência esquerdista.
Da mesma forma, os leitores mais
perspicazes perceberão que, desde a mais remota antiguidade até os dias atuais,
só existe uma maneira eficaz de se lidar com determinados problemas e situações
que, embora inusitados e complexos, costumam ocorrer em todas as épocas. Mesmo
não se tratando de idênticos problemas, as soluções adotadas para uns podem,
por similitude, seguir uma mesma linha de raciocínio que conduza a resultados semelhantes
nos demais casos, embora versando estes sobre temas e assuntos diferentes.
Logo ao surgir o problema, portanto, a
autoridade responsável por resolvê-lo irá ouvir inicialmente diversas opiniões,
muitas delas conflitantes entre si. Inúmeras soluções serão propostas por
homens de pouco saber, mas de muita opinião e com interesses particulares em
jogo. Só quando alguém verdadeiramente sábio analisar o problema com
profundidade, sob as óticas da Ciência e da Filosofia, der a sua interpretação
para a origem do mesmo e propor uma solução pragmática e factível, o problema
poderá ser resolvido em definitivo
Foi o que fez o faraó Queops, na ocasião,
com respeito ao seguinte fato que passarei a lhes narrar a continuação.
Em um belo dia de sol, com o céu de um
azul intenso e algumas nuvens esparsas, a população da cidade do Cairo viu,
repentinamente, o horizonte escurecer. Parecia que, depois de tantos anos sem
chover, finalmente, uma copiosa chuva se aproximava da região. Com o passar do
tempo, começaram a chegar os primeiros precursores daquela enorme nuvem negra
que se aproximava, mas não eram grossos pingos de chuva que chegavam e sim enormes
gafanhotos. A nuvem negra, como logo perceberam os habitantes locais, era
formada por gafanhotos.
Em poucos dias todas as plantações das
regiões circunvizinhas, por todo o vale do Rio Nilo, estavam cheias de
gafanhotos. Muitos egípcios que tentaram combater a praga, foram picados por
escorpiões negros, espécie altamente venenosa encontrada em profusão nos campos
de colheita, onde antes eles não existiam.
Logo perceberam que eram duas as pragas
que assolavam a região, uma de gafanhotos e outra de escorpiões.
Khufu, de imediato, mandou convocar os
ministros e conselheiros do reino para uma reunião em palácio.
As opiniões se sucediam, cada ministro com
uma concepção diferente sobre as causas e as soluções propostas para a extinção
do problema. As causas, conforme Khufu ouviu em silêncio, variavam, desde a
falta de respeito aos deuses, por parte do povo egípcio, até as poucas virgens
sacrificadas ao deus Amon durante aquela dinastia.
As soluções propostas variavam desde o
aumento dos sacrifícios humanos até a tentativa de fazer com que um determinado
sacerdote buscasse estabelecer contato mental com o Gafanhoto Mor e com o
Escorpião Mor (os chefes, respectivamente, da nuvem de gafanhotos e do ciclone
de escorpiões, considerados, na ocasião, como pragas em razão de suas
excessivas quantidades).
Em síntese, buscaria o sacerdote escolhido
cooptar os dois insetos chefes para que fossem embora dali, levando consigo a
sua turma. Evidentemente alguma vantagem pessoal lhes seria oferecida, caso
concordassem em ir embora deixando o Egito em paz.
Alguém do grupo, mais pessimista, disse
que as coisas eram assim mesmo e que períodos ruins de colheita eram sucedidos
por períodos bons. Nada deveria ser feito contra as pragas, pois o meio
ambiente deveria ser preservado a qualquer custo. Restava, tão somente, esperar
o tempo passar e oferecer facilidades financeiras para que algumas organizações
não pertencentes à dinastia (OND’s), embora vinculadas a personalidades da nobreza
local, zelassem pelo controle e conservação dos vastos desertos da região e das
águas do Nilo.
Um judeu bastante viajado que ocupava
importante cargo na corte, pediu a palavra e disse que na Índia existia um
grande sábio que, sem dúvida alguma, poderia resolver aquele problema, pois os
monarcas indianos a ele recorriam sempre que algum problema os afligia.
Khufu determinou, então, que trouxessem
aquele famoso sábio, imediatamente, a sua real presença.
Em breve o sábio indiano viu-se sentado
diante do faraó a ouvir, diretamente dos lábios deste, a real extensão e a
total magnitude do problema egípcio.
Tendo se inteirado de todos os fatos
pertinentes ao caso, o sábio indiano iniciou sua fala com as seguintes palavras:
- Mahānt
(grande) rājan (rei), os egípcios, até onde sei, conhecem profundamente os
mistérios iniciáticos e possuem enormes conhecimentos mágicos; dominam a
astrologia, as altas matemáticas, o esoterismo oculto do septenário teosófico e
a ciência do Grande Arcano. Rendem culto à Isis, à Osíris, à Horus e à Rá.
Seria, portanto, uma indelicadeza da minha parte, além de muita pretensão de um
simples homem de Ciência e de Filosofia, querer ensinar alguma coisa aos
egípcios.
- No entanto, pelo que percebo, existe uma
analogia entre este caso e alguns outros dos quais já tomei ciência
anteriormente. Dentre as antigas Leis do Caibalion (escritas por um legislador
e filósofo egípcio chamado Hermes Trimegisto e, sem dúvida alguma, do
conhecimento de vossa alteza), que tive o cuidado de estudar em profundidade,
destaco as seguintes como tendo aplicação direta ao presente caso:
“O
Universo é mental; o que está em cima é como o que está embaixo; o que está
dentro é como o que está fora; tudo é duplo, tudo tem dois polos, tudo tem o
seu oposto; o igual e o desigual são a mesma coisa; os extremos se tocam; todas
as verdades são meias-verdades; todos os paradoxos podem ser reconciliáveis;
toda causa tem o seu efeito, todo efeito tem a sua causa”.
- Pragas de gafanhotos e de escorpiões,
segundo penso e deduzo destas leis, podem ser, respectivamente, comparadas às
assembleias de nobres de natureza política e aos fóruns de ideólogos
interessados em propagar suas concepções filosóficas, mesmo que maléficas e
nefastas às populações e aos reinos.
- Os gafanhotos, com suas ilimitadas
voracidades, tal qual os nobres de natureza política cleptocráta, desejam tomar
conta de tudo, imaginando que o mundo lhes pertence e que podem dispor daquilo
que desejam, da forma como quiserem, onde, quando e sempre que tiverem vontade.
- Os escorpiões com seus instintos assassinos
e maléficos, tal qual os ideólogos de tantas concepções filosóficas espúrias,
malignas e nefastas, desejam inocular seus venenos nos corpos e contaminar o
maior número possível de seres humanos, como fazem os ideólogos com o veneno de
suas teorias nas mentes das pessoas.
- Veja, pois, grande rei, que existem
semelhanças entre as pragas de insetos que assolam vosso reino e as pragas de nobres
de natureza política venal, bem como a de ideólogos que assolam outros reinos,
distintos do vosso, em outros locais e em outras épocas, conforme deixam claro
as Leis do Caibalion, por mim mencionadas, que, ademais, são atemporais e
universais.
- Segundo minha maneira prática de ver
esta questão, fruto de muita meditação e da análise comparativa de outros fatos
históricos semelhantes, por mim vivenciados, creio que a única forma eficaz e
rápida de se livrar destes problemas citados (pragas de insetos, de nobres de
natureza política venal e de ideólogos mal intencionados) é a utilização,
rápida e eficiente, de métodos repressivos que eliminem, definitivamente, tais
pragas que só produzem o mal, pois seus integrantes só visam o próprio bem e o
exclusivo interesse.
- Muitos súditos, inclusive alguns
pertencentes à nobreza da sua corte, se posicionarão contra esta decisão, que
considerarão ilegal e temerária. Levante a vida pregressa deles e verá que não
lhe são leais e que possuem interesses divergentes do seu. Muitos daqueles
nobres que serão contra as suas medidas repressivas, no tocante as pragas, são
aqueles mesmos que, praticando crimes de lesa majestade, enriquecerão com a
importação de alimentos, que será necessária em virtude da destruição de toda a
colheita motivada pela ação predatória dos gafanhotos e que enriquecerão,
também, com a importação de antídotos e medicamentos contra picadas de
escorpiões.
- Veja, pois, meu grande rei (e isto vale
para todos os líderes de todos os reinos e de todas as épocas) que foi Deus que
lhe permitiu chegar a esta posição de relevo e de poder a que chegou; logo, se
o seu reinado, para você e para seus súditos, deve ser colocado acima de tudo,
é evidente que Deus deve estar acima de todos vocês. Isto, conforme já dito por
mim e levando em consideração as Leis do Caibalion, vale para todas as épocas e
para todos os reinos e lugares.
- Sendo vossa alteza o representante máximo
de seus súditos e o guardião das fronteiras e da integridade nacional, não
hesite, pois, em adotar medidas fortes, mas necessárias, para livrar-se e ao
seu reino destas pragas que, de tempos em tempos, acometem muitos reinos ao
redor do planeta. As pragas podem ser de insetos, mas, também, de pessoas e de
ideologias.
O faraó, logo em seguida, conforme a
orientação recebida do sábio indiano, desfechou intensa campanha repressiva
contra gafanhotos e escorpiões. Em breve, o Egito estava livre destas duas
pragas. Como efeito colateral das medidas adotadas, os nobres da corte com
interesses políticos e ideológicos conflitantes com os do faraó, a partir de
então, ‘colocaram as suas barbas de molho’ e passaram a rezar pela cartilha de
Queops.
O soberano, tão logo o problema foi
resolvido, chamou o sábio ao palácio e perguntou-lhe o que desejava em
retribuição ao conselho que havia dado e que se mostrara tão eficaz.
O sábio, cofiando a longa barba branca,
declarou:
-
Grande rei, se puder divulgar esta atual experiência que teve para as gerações
futuras do vosso reino e de outros mais, eu me sentirei inteiramente
recompensado!
Foi assim, portanto, meus caros leitores, que
teve início a elaboração do famoso papiro Westcar, que muitas autoridades
brasileiras ainda desconhecem, mas que pode ser considerado como uma fonte
inesgotável de inspiração a aconselhar e a orientar homens de bem que, por
influência divina, carregam em suas costas, nos mais distantes rincões do
planeta e em distintas épocas, o peso de conduzir e velar por vidas humanas e a
responsabilidade de trabalhar pelo progresso e engrandecimento de nações.
_*/ Economista e doutor pela Universidade
de Madrid, Espanha. Membro titular da Academia Brasileira de Defesa – ABD e do
Centro Brasileiro de Estudos estratégicos – CEBRES.
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