335. Um Conto de Natal
Jober Rocha*
O episódio que passarei a narrar teve início na véspera do dia de Natal do ano de 19xx, na cidade de Y, no Estado de Z.
De tão inusitado que me pareceu, ao dele tomar conhecimento, a princípio não acreditei em sua veracidade. Pouco tempo depois, porém, após conhecer a sua principal protagonista, pude constatar que o fato era a mais correta expressão da verdade, pois se tratava de pessoa íntegra, honesta e inocente.
Na época em que tal fato se deu, a personagem principal possuía apenas quatorze anos e era estudante de uma escola pública do município.
Embora uma menina esperta e inteligente, todavia, jamais havia ido sozinha ao centro da cidade. Filha única, ela residia com os pais em um bairro pobre na periferia da cidade. Estudava no Ensino Fundamental, em uma escola pública próxima de sua casa.
Na véspera do Natal daquele ano, pensando em adquirir um presente para os pais, saiu de casa mais cedo, para uma simples ida ao Centro da Cidade onde compraria os presentes que imaginara, em falta nas poucas lojas do bairro.
Tomou um ônibus que por ali passava achando que ele ia para o Centro; porém, após rodar quase meia hora por lugares totalmente desconhecidos para ela, não tendo o veículo chegado ao Centro, ela indagou a razão ao motorista. Este afirmou que aquele ônibus não ia para o Centro e pediu que ela descesse e apanhasse outro.
Pegando outro ônibus, após mais meia hora rodando, foi novamente informada pelo motorista do novo coletivo para que descesse e apanhasse outro, pois aquele veículo também não passava no Centro da Cidade.
Já fazia duas semanas que ela trocava de ônibus, constantemente, sem conseguir chegar ao seu destino, isto é, o Centro da Cidade. Como, felizmente para ela, estava com uniforme de colegial não pagava passagem.
Os dias e as noites se sucediam infindáveis, sem que ela chegasse ao seu destino. Havia sofrido em pé, durante intermináveis períodos, ora sob um calor infernal ora sob frio intenso, em estradas engarrafadas, em pistas alagadas, em caminhos enlameados. Andava em ônibus vazios, cheios e lotados.
Um dia, notou que a menstruação não havia vindo aquele mês. Mais alguns meses se passaram, até notar que sua barriga crescia e que havia movimentos lá dentro.
Pensou consigo mesma, enquanto aguardava o sinal vermelho abrir para que o veículo pudesse prosseguir: - Será que foi naquele engarrafamento, quando o ônibus estava lotado e eu fiquei imprensada entre aqueles dois matutos baixinhos?
A barriga crescia a olhos vistos e agora, felizmente, os demais passageiros já lhe davam lugar para sentar naqueles ônibus lotados.
Por volta do oitavo mês de gravidez, ao passar sob um viaduto, observou uma placa rodoviária, onde conseguiu ler:
São Gabriel da Cachoeira - Estado do Amazonas – Centro da Cidade – Distância 15 KM.
Resolveu descer logo após transcorridos os 15 quilômetros mencionados na placa, pois, pelo menos, constatou que havia chegado a um Centro de Cidade e aqueles solavancos da estrada de terra a incomodavam bastante, fazendo com que a criança se movesse dentro da sua barriga.
Atendida no Posto de Saúde local onde procurou auxílio, teve o bebê ali mesmo naquele posto. A criança era bastante saudável e, na realidade, ela constatou que o seu filho, realmente, possuía traços de ambos os mencionados matutos baixinhos daquela viagem lotada, entre os quais ficara imprensada.
Uma enfermeira do Posto de Saúde, compadecida de suas desditas, ofereceu-lhe a residência na periferia de São Gabriel da Cachoeira para que ficasse algum tempo, até o bebê crescer um pouco mais e poder viajar com a mãe.
Meses depois, ela necessitando ir ao centro de São Gabriel da Cachoeira com o filho pequeno para comprar fraldas, tomou um ônibus; logo depois outro, a seguir mais outro e, aproximadamente oito meses depois, chegou ao Centro da Cidade de Y, no Estado de Z, seu local de origem.
Ao dirigir-se à casa dos pais com aquele bebê no colo, enquanto seguia caminhando pelas ruas, pois foi a pé para casa por razões de segurança, pensava temerosa: - Eles não vão acreditar em mim. Vão me expulsar de casa e, o que é pior, eu não comprei os presentes de Natal deles!
Tempos depois deste episódio, vim a conhecê-la em uma feira caipira na Cidade, feira está a qual ela sempre frequentava, com um amigo, na esperança de algum dia encontrar aqueles dois matutos baixinhos e pleitear a pensão alimentícia de filho. O amigo, que com ela ia sempre à feira, acabou por se enamorar e lhe propôs casamento.
Querendo assumir integralmente a paternidade da criança, ele combinou de se casarem em cerimônia simples numa pequena capela na própria Cidade de Y.
No dia marcado para o enlace chegou cedo à capela, quase junto com os padrinhos e convidados. Com o passar do tempo, como ela tardasse a chegar, ligou para os seus pais.
Estes, ainda em casa, afirmaram que ela havia saído de manhã bem cedo, para, em uma simples ida ao Centro, comprar alguma coisa para a cerimônia do casamento e, até àquela hora, ainda não havia retornado.
Recentemente o noivo recebeu uma carta dela, postada no correio da Cidade de Tarauacá, na fronteira do Acre com a Colômbia, dizendo que esperava baixarem as águas do rio que banhava a cidade para poder, em uma pequena canoa, navegar até o município vizinho, distante dali cerca de trinta léguas, de onde tentaria apanhar um ônibus com destino à Cidade de Y
Já faz seis meses desde o fatídico dia em que o noivo recebeu aquela carta e, como este assunto é tão estranho, imaginei compartilhá-lo com os meus leitores; pois, pode ser que algum deles, eventualmente, venha saber do atual paradeiro dela e possa ajudar-me a encontrá-la, para, finalmente, dar um pouco de tranquilidade ao noivo e aos pais dela.
_*/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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