segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

339. Possíveis razões da tolerância excessiva com os vícios 


Jober Rocha*



                                 Os vícios, no mundo moderno, embora tolerados e muitas vezes incentivados por interesses ideológicos ou por motivos escusos e inconfessáveis, são responsáveis por inúmeras mazelas da civilização humana. Segundo a minha interpretação da questão, eles podem ser classificados, de maneira jocosa, em dois tipos: os nossos vícios, toleráveis e que não nos incomodam e os vícios dos outros, intoleráveis e que nos molestam.
                                             O vocábulo vicio significa um hábito repetitivo que degenera ou causa algum prejuízo ao viciado e aos que com ele convivem. É, também, considerado, simplesmente, como o oposto da virtude e foi muito bem caracterizado por Margaret Mead, ao afirmar:  “A virtude é quando se tem a dor seguida do prazer e o vício é quando se tem o prazer seguido da dor”.  
                                                 Segundo a genealogia da moral, as definições de quais seriam os vícios do momento vão sendo estabelecidas pelos povos ao longo do tempo e estas definições costumam variar entre as épocas, em razão daquilo que o filósofo Friedrich Nietzsche denominou de transvaloração de valores. 
                                                Esta transvaloração de valores; ou seja, quando a virtude passa a ser considerada um vício e o vício considerado uma virtude, já foi tentada, inúmeras vezes, ao longo da existência humana, em épocas distintas. A mais recente ocorreu com a iniciativa de implantação do comportamento politicamente correto tentada pelas esquerdas mundiais, quando as virtudes e os vícios ocidentais, tradicionalmente estabelecidos por critérios religiosos judaico-cristãos, passaram a ser definidos por preceitos político-ideológicos, definidos, agora, pelas esquerdas.
                                            No entanto, desde o surgimento da raça humana, a natureza do homem sempre foi, e sempre será, a mesma; tendo ele vindo ao mundo com todos os defeitos e qualidades (vícios e virtudes) necessários para sobreviver em um meio inóspito, rude e violento, no qual vigora a ambição, a competição e o espírito de sobrevivência individual e coletiva.
                                                Os seres humanos, por outro lado, segundo o que reza o Imperativo Categórico (muito bem explicado pelo filósofo Immanuel Kant em sua obra ‘Crítica da Razão Prática’), reconhecem, na prática e na teoria, que deveriam pautar as suas vidas pelos sentimentos e ações virtuosos, percebendo que não devem fazer aos outros aquilo que não desejam que façam a eles mesmos. Ademais, sabem muito bem quando os seus sentimentos e as suas ações são viciosos, mesmo que não evitem cometê-los. 
                                                   Entretanto, na prática, segundo eu penso, as injunções psicossociais são de tal ordem que, em muitas ocasiões, as ações e os sentimentos viciosos, mesmo sendo reconhecidos como nefastos e prejudiciais, acabam por prevalecer sobre as ações e os sentimentos virtuosos. Isto se deve tanto a vontade própria, intrínseca de muitos seres humanos em razão de suas convicções, desejos e frustrações; quanto aos incentivos e induções programadas que os indivíduos recebem, partidas dos interesses das elites mundiais e disseminadas através das mídias.
                                           Explico-me melhor: Existe, reconhecidamente, uma tendência intrínseca para o vício por parte de muitos indivíduos, posto que qualquer vício é agradável no princípio e, como o próprio nome indica, viciante. Poder, riqueza, sexo, gula, tóxicos, bebidas alcoólicas e psicotrópicos, por exemplo, são coisas que viciam muitos indivíduos por serem agradáveis, inicialmente, e por causarem dependência física e psíquica, posteriormente. Lembrem-se que, logo após a Segunda Grande Guerra, a maioria da população mundial fumava cigarros, um vício cujos malefícios eram, então, desconhecidos dos consumidores; mas, bem conhecidos dos produtores.
                                           Paralelamente a esta tendência intrínseca para o vício, partida do próprio indivíduo ao buscar em excesso aquilo que lhe é agradável (já preconizada desde a Grécia Antiga pelos adeptos do Epicurismo)  e que o deixará frequentemente dependente, existe o lado do vício que é estimulado (ou não reprimido por muitas autoridades constituídas, que estão a serviço das elites dominantes) como forma de reduzir tensões sociais; de alienar as massas humanas, desviando suas atenções dos problemas nacionais; de conquistar objetivos de dominação, mediante o enfraquecimento da vontade popular; de enriquecimento de grupos, com a produção e a comercialização de produtos e substancias  que causam dependência física e psíquica; etc. 
                                            Não é por outra razão que o fumo e o álcool são vendidos livremente, que o comércio de drogas estupefacientes não é punido com o rigor que deveria ser no mundo todo (a exceção da Indonésia, China, Malásia, Arábia Saudita, Irã, Singapura e Vietnã, dentre outros, que o punem com a pena de morte) e que os únicos agentes envolvidos em todo este processo, a serem combatidos, sejam aqueles marginais que vivem nas periferias e que vendem o produto ao consumidor final. 
                                            Os grandes produtores, financiadores e distribuidores de drogas, por se tratarem de gente da elite nacional e mundial, que possuem em muitos governos e governantes os seus prepostos ou parceiros, são deixados de lado como se não existissem. Eventualmente, uma ou outra investigação é feita, com o desbaratamento de alguma pequena unidade de produção, justamente para esconder as demais grandes unidades que continuam produzindo de vento em popa.
                                                Reconhecidamente, não existe nenhum interesse mundial em acabar com a produção e o consumo de drogas estupefacientes. Foi com esta produção e incentivo ao consumo que a Inglaterra dominou a China e a Índia durante muitos anos, viciando as respectivas populações no consumo do ópio, de modo a mantê-las submissas. As produções de maconha, de cocaína e de ópio no próprio Sudeste Asiático, fornecidas às tropas norte-americanas durante a guerra do Vietnam, também tiveram objetivos políticos-estratégicos e psicossociais. 
                                               O comércio da droga, livremente feito entre os militares, além de dar coragem aos soldados combatentes, enriquecia grupos e fornecia dinheiro para o fomento de insurreições e operações especiais contra governos hostis aos USA em várias partes do mundo. O mesmo é feito por outras grandes potências, como a Rússia e a China, contra governos de países hostis. As facções criminosas envolvidas com o tráfico de drogas constituem braços armados importantes para a implantação de regimes comunistas em todo o mundo, razão pela qual os governantes de esquerda, ao assumirem o poder em países democráticos capitalistas, as protegem e fortalecem antes de darem o golpe final que transformara aqueles países democráticos em países comunistas.
                                                Estas drogas, acrescidas do crack e de algumas outras substâncias não mencionadas, vendidas nas periferias dos centros urbanos, mantém alienadas parcela significativa da população que, após seus consumos, fica prostrada em algum canto isolado sentindo os efeitos estupefacientes da droga consumida e sem incomodar ninguém. Outra parcela fica ativa e parte para assaltos, visando obter novos recursos para seguir custeando o trágico vício. Os consumidores das drogas mais caras são, em geral, empresários, diretores, gerentes, intelectuais, profissionais liberais, altos funcionários dos três poderes da república, etc. Os que ingerem as drogas mais baratas costumam ser estudantes, empregados subalternos, desempregados, marginais, etc.
                                                    A prostituição e o tráfico de escravas brancas continuam de vento em popa em todo o mundo; fora esporádicas operações de repressão feitas por alguns países para justificar as verbas que recebem e as instituições que criaram para, supostamente, reprimir tais atividades criminosas. Muitos grupos lucram quantias enormes explorando a prostituição mundial, a indústria de produtos eróticos, de vídeos pornográficos, de robôs destinados a prática do sexo; industrias estas que são, atualmente, estimuladas através da permissividade dos governos, que, além da autorização do seu funcionamento, permite a importação de componentes e, inclusive, autoriza que façam propaganda na mídia.
                                                       Alimentos viciantes são produzidos com as mais modernas técnicas de engenharia alimentar e objetivam deixar os consumidores viciados naqueles produtos, alguns deles possuindo em sua formulação substâncias que causam dependência física, neles inseridas com esta finalidade específica. Bebidas alcoólicas e cigarros são livremente vendidos no comércio, com propagandas que as associam aos esportes, a ambientes sofisticados e a status social.
                                                     Medicamentos psicotrópicos, receitados para patologias como depressão, stress e síndrome do pânico, são consumidos por parcela significativa da população mundial e, a par da tranquilidade que proporcionam aos pacientes, também causam dependência física e psíquica. Tais medicamentos, sem dúvida, devem constituir parte importante da receita financeira de muitos laboratórios e objetivam, no fundo, manter as populações anestesiadas e sob controle, evitando explosões de ira e de revolta destas contra ações e decisões governamentais que lhes são contrárias e prejudiciais e que, na realidade, constituem as causas últimas de muitas das patologias psicossomáticas. Por detrás destas doenças, quase sempre, estão os baixos salários, o desemprego, as dificuldades de toda a ordem, a burocracia, as injustiças, etc.
                                                O vício na massificação da cultura física dos corpos dos indivíduos e no que respeita ao desempenho sexual, também, é incentivado pelas elites através da mídia, ao estabelecer padrões de beleza que, para serem alcançados, demandam o consumo de produtos químicos formulados por laboratórios (para aumentar a massa muscular, aumentar a potência sexual, etc.), além da prática de exercícios físicos promovida pelas academias. Quem não possui aqueles atributos físicos de beleza ou de desempenho sexual, propalados como os ideais, não se destaca em seu círculo, pois este, influenciado pela mídia, só valoriza determinados padrões e atributos.
                                              Os vícios de jogos eletrônicos, jogos de loterias, corridas de cavalos, jogos de cartas, roletas, bingos, etc. são, também, estimulados pelos governos de muitos países, visando arrecadar impostos, desviar recursos e alienar os seus cidadãos.
                                                  Os demais vícios estimulados pela mídia e ligados à aparência física, à moda, à prática de esportes, à religião, ao consumo de determinados produtos e serviços vinculados a ostentação de poder e de riqueza, estão sempre presentes, diariamente, na vida de todos os seres humanos, constituindo objetivos a serem por eles alcançados, caso queiram ser admirados e desejem se destacar dos demais componentes do rebanho. 
                                                Vejam, meus caros leitores, que os vícios, na atualidade, medram entre os seres humanos, na maior parte dos países, e são protegidos e incentivados por muitas autoridades, que fazem vistas grossas para eles (pois estas autoridades, se não estão diretamente seguindo ordens de elites interessadas em suas difusões, muitas vezes, recebem benefícios indevidos sob a forma de dinheiro e de vantagens, da parte daqueles criminosos a quem caberia, institucionalmente, reprimir). Algumas autoridades ideologicamente contaminadas, por sua vez, embora não aufiram vantagens indevidas daqueles a quem caberia reprimir; em razão do viés ideológico que possuem, os consideram como vítimas de uma sociedade injusta a qual, corajosamente, enfrentam com as armas que possuem. Em virtude deste pensamento totalmente errado, muitas vezes, punem com pouco rigor ou absolvem criminosos envolvidos em tais atividades.
                                                  Por detrás disto tudo, portanto, existem grupos empresariais faturando alto e pagando altas propinas para algumas autoridades; diversos políticos conseguindo aprovar leis lesivas às populações e benéficas, somente, a pequenos grupos; criminosos, condenados e presos, sendo libertados ao arrepio das leis, mediante casuísmos formulados por magistrados em instâncias superiores; algumas autoridades do executivo e do judiciário, mancomunadas com fornecedores de muitos destes vícios, também estão enriquecendo para deixá-los operar livremente. 
                                                        A este quadro uma população cada vez mais viciada e inerme assiste passivamente, sem oferecer nenhuma resistência, como se vivesse constantemente dopada e sem maior interesse acerca a conjuntura política reinante; em suma, agindo como verdadeiros escravos em uma servidão consentida.


_*/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha. Membro Titular da Academia Brasileira de Defesa - ABD e do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos – CEBRES.



Nenhum comentário:

Postar um comentário