338. Humor Negro
Jober Rocha*
Certo dia, ouvindo de um amigo, engenheiro eletrônico, a triste notícia de que ele teria que se submeter a uma cirurgia de urgência, perguntei-lhe do que se tratava. Respondeu-me, deprimido, que teria que substituir uma válvula cardíaca que já não funcionava tão bem como deveria.
Após vários minutos de lamentações, meu amigo e eu nos despedimos contristados. Prometi orar para que a cirurgia tivesse sucesso e ele rapidamente se recuperasse.
Mais tarde, tomando uma dose de uísque e comendo uns salgadinhos, comecei a pensar que poderia haver, por detrás desta trágica notícia relatada pelo amigo, um certo humor negro partido da mente privilegiada do Criador; ou seja, daquele que tudo pode e que seria, em última análise, o causador de todas as nossas mazelas orgânicas e vicissitudes pessoais. Evidentemente, o nosso Criador que pode nos conceder benesses, também, pode retirá-las a qualquer momento ou enviar castigos terríveis, segundo dizem os sacerdotes.
Como possuo uma rara inteligência e um acendrado espírito humorístico, fiquei me imaginando na pele do Criador, na hora de ter de retirar algum benefício de suas criaturas; de enviar-lhes alguma desventura; de criar alguma dificuldade na vida daqueles que, tão somente por possuírem o dom da vida em determinada etapa da existência, julgam-se pequenos deuses eternos, seja por se considerarem muito poderosos, muito ricos, muito belos ou muito saudáveis. Não direi muito inteligente, pois este é o caso, apenas, de uma pequena minoria da qual felizmente faço parte e estou certo de que jamais nos consideraremos mini deuses eternos.
Da mesma maneira como disse, no passado, aquele ídolo da esquerda sul - americana chamado Che Guevara, “Hay que endurecer sin perder la ternura”!, fico imaginando que eu, como Criador de todas as coisas, pensaria, talvez de forma semelhante, algo assim como “Hay que castigar las criaturas, sin perder el humor”!
Desta forma, fazendo uso da minha grande imaginação e de um acendrado senso de humor negro, comecei a selecionar quais seriam as enfermidades e vicissitudes que eu, caso fosse realmente o Criador de todas as coisas, enviaria para determinadas criaturas minhas, que precisassem ser reorientadas para o rumo da humildade, da modéstia, da tolerância e da caridade, mediante o sofrimento físico ou então que, dada a gravidade do fato cometido e ao esgotamento do tempo de permanência destas criaturas no planeta, devessem se apresentar, imediatamente, através do desencarne, perante a minha divina presença.
A seguir, apresento algumas enfermidades e vicissitudes (que representariam sofrimentos físicos, psíquicos e emocionais), com as quais eu, com todo o amor que carrego comigo, obsequiaria estas minhas criaturas, pois, como todos sabem, os seres humanos só aprendem pela via do sofrimento.
Em se tratando, pois, de doenças, para um engenheiro eletrônico eu enviaria (da mesma forma como Ele fez com o meu amigo, cujo relato deu origem a este texto) um problema na VÁLVULA cardíaca.
Para um advogado eu mandaria um PROCESSO inflamatório, agudo ou crônico dependendo do meu estado de humor na ocasião. Para um contador eu lhe tiraria a RAZÃO, mediante um desBALANÇO nas sinapses neuronais do cérebro.
Para um mergulhador eu o deixaria com ÁGUA nos pulmões, HIDROPSIA ou, se seus pecados fossem muito graves, dar-lhe-ia uma EMBOLIA pulmonar.
Um aviador seria, por mim, agraciado com crônica FALTA DE AR ou com alguma doença nas pernas que lhe retirasse a SUSTENTAÇÃO e o fizesse descer da ALTURA em que, orgulhoso da profissão, havia se colocado perante seus parentes e amigos.
Para um mergulhador eu o deixaria com ÁGUA nos pulmões, HIDROPSIA ou, se seus pecados fossem muito graves, dar-lhe-ia uma EMBOLIA pulmonar.
Um aviador seria, por mim, agraciado com crônica FALTA DE AR ou com alguma doença nas pernas que lhe retirasse a SUSTENTAÇÃO e o fizesse descer da ALTURA em que, orgulhoso da profissão, havia se colocado perante seus parentes e amigos.
Para um investidor eu pensaria em algo que, ao ser extraído de sua POUPANÇA, lhe retirasse parte dos FUNDOS, como, por exemplo, grandes hemorroidas. Motoristas e cobradores de coletivos seriam chamados à minha presença, imediatamente, após praticarem a chamada ROLETA russa. Um equilibrista de circo seria aquinhoado com um DESEQUILÍBRIO emocional. A um jóquei eu enviaria uma pneumonia GALOPANTE.
Um engenheiro civil seria bem servido com duas ou três PONTES de safena. Um bombeiro hidráulico teria várias artérias ENTUPIDAS. Um caçador receberia, quando menos esperasse, uma doença que seria TIRO E QUEDA.
Um perito policial sucumbiria de uma PERITONITE. Um analista de sistemas teria uma neuropatia que comprometesse o seu SISTEMA nervoso periférico. Um jogador, sem um diagnóstico clínico fechado, ficaria sendo JOGADO de um hospital para outro em busca da solução para o seu caso. Um cozinheiro cairia nas mãos de um profissional incompetente e relaxado, que ficaria meses COZINHANDO o seu caso ou, então, o cozinheiro poderia também vir a sofrer de uma neFRITE.
Um cabeleireiro, acometido de grave distúrbio emocional, estaria sempre perdendo a CABEÇA. Um dentista que estivesse devendo no sistema de partidas dobradas celestial, isto é, que tivesse mais débitos espirituais do que créditos, jamais chegaria a pegar uma BOQUINHA em algum órgão do governo.
Um mau militar, impatriótico ou mesmo traidor, sofreria de uma inCONTINÊNCIA urinária que o obrigaria a usar sempre um fraldão, CAMUFLADO sob a calça. A um pedreiro eu lhe presentearia com PEDRAS nos rins ou na bexiga. Um confeiteiro teria AÇUCAR no sangue. Um caldeireiro PRESSÃO alta. Um ferreiro problemas na CORRENTE sanguínea, como, por exemplo, carência de FERRO. Um oculista teria uma MACULA em seu passado.
A um procurador os médicos, finalmente, ENCONTRARIAM tumores espalhados pelo corpo. Um juiz perderia o JUIZO. A um camelô, os médicos não dariam nenhuma GARANTIA de que seria curado. Um jardineiro veria BROTAR chagas pelo corpo todo ou, então, enfrentar uma TUBERCULOse que estendesse suas RAÍZES pelos dois pulmões. Um lutador profissional teria, durante meses, que LUTAR CONTRA A DOR em um leito de hospital.
Um comerciante dono de ótica seria um neurÓTICO ou um psicÓTICO. Um borracheiro sofreria de flatulência, tendo que aguentar o CHEIRO de seus gases intestinais. Uma vendedora de cuscuz, da mesma forma que o investidor, poderia ter problemas de HEMORROIDAS ou uma FÍSTULA ANAL.
Um motorista de caminhão teria uma CARGA GENÉTICA desfavorável que lhe causaria inúmeras moléstias. Um professor de Português, poderia ter uma grave hérnia de HIATO, CONSOANTE ao seu estado mórbido. O empilhador iria acumulando uma DOR em cima da outra.
E assim, eu seguiria fazendo uso do humor negro para castigar as minhas ovelhas desgarradas. O objetivo implícito nessa atitude seria, também, o de fazer com que as criaturas percebessem haver uma correlação entre os males físicos e psíquicos que as acometiam e as suas vidas, certamente impuras, que teimavam em levar de maneira desregrada e contra meus preceitos.
Algumas, talvez, percebessem a relação de causa e efeito, outras, certamente, não a perceberiam. Todavia, o recado seria dado e aquelas que tivessem olhos para ver, veriam.
Só não pensei no que fazer quando as ovelhas desgarradas se tratassem de escritores ou de escritoras. Pensando bem, na atualidade, como ninguém mais tem o costume de ler, os eventuais males que estes pudessem causar com os conteúdos dos seus textos seriam tão pequenos que é melhor deixá-los de lado, perdoá-los e fazer de conta que eles nem existem.
_*/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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