terça-feira, 10 de dezembro de 2019

336. A Fama e a Fortuna


Jober Rocha*



                                 Durante o período em que trabalhei como médico em um hospital público, eu soube de uma estória simplesmente inacreditável. 
                                           Um colega de trabalho, até então um médico sério e respeitado dentro daquele hospital, a partir de determinada ocasião passou a faltar aos plantões, a não ter mais interesse pelos casos médicos e, sobretudo, a contar sempre uma mesma estória fantástica. 
                                         Sua narrativa, que passarei a expor aos leitores da forma como dela me recordo, era, basicamente, a seguinte:
Em um dia chuvoso estava ele de plantão na emergência daquele hospital no qual, da mesma forma que comigo ocorria, trabalhava mais por caridade do que por necessidade. 
                                           Era um cirurgião geral com certa prática, já tendo vários anos de formado. A manhã tinha transcorrido normal, com alguns casos de pessoas mordidas por cães, pernas e braços quebrados, cortes e machucados superficiais.
                                           Na parte da tarde, quase ao findar o seu plantão, deu entrada na emergência um indivíduo que havia sido recolhido na via pública, possivelmente após ter sido atropelado. 
                                       Ao lhe auscultar o coração, o médico não percebeu nenhum batimento; embora percebesse que o paciente estava vivo e se mexendo. Procedeu, então, a uma massagem cardíaca, a respiração boca a boca e à aplicação do aparelho desfibrilador; porém, o coração não respondia a nenhum estímulo, embora o paciente continuasse vivo e se movimentando. 
                                          Resolveu, então, rapidamente, abrir-lhe o peito para, através de uma cirurgia exploratória, averiguar as reais condições de seus órgãos internos.
                                              À medida que abria o peito, de alto a baixo, notou que os órgãos do indivíduo eram totalmente diferentes daqueles dos seres humanos que ele tão bem conhecia e estavam localizados em posições totalmente diversas. 
                                                    Todo o seu interior era diferente: veias, nervos, tendões. O próprio coração, que era duplo, possuía forma quadrada e localizava-se próximo ao abdômen. Possuía apenas um pulmão, localizado ao lado, na posição do fígado. 
                                                A própria coloração dos órgãos era, também, diferente; alguns azuis e outros verdes. O sangue era de cor amarelada. 
                                              Surpreendido, imaginou, inicialmente, tratar-se de um fato raríssimo na medicina, que poderia acarretar-lhe fama e fortuna se soubesse explorar com inteligência o caso, divulgando-o em congressos e revistas científicas, com fotos exclusivas. Poderia, ainda, tratar-se aquele de um ser alienígena e, neste caso, o seu nome passaria para a História Mundial como o primeiro ser humano a, comprovadamente, fazer contato com um extraterrestre.
                                                 Como seu plantão já havia terminado, resolveu não dizer nada a ninguém, fechar o talho aberto e deixar o paciente internado durante aquela noite, para, no dia seguinte (tendo durante a noite pensado com calma sobre os detalhes de como deveria proceder), tomar as medidas necessárias à divulgação do fato, tanto junto à imprensa, de um modo geral, quanto junto ao meio científico, de um modo particular. 
                                             A noite inteira não conseguiu dormir, pensando nas implicações da descoberta que havia feito e em como poderia tirar o melhor proveito de todo aquele acontecimento. 
                                                 Pela manhã, já sabendo como deveria proceder, dirigiu-se ao hospital à procura do paciente. 
                                            Não conseguindo localizá-lo, de imediato, perguntou a um acadêmico de serviço, naquela hora, sobre o seu paradeiro. Este, ainda sonolento, respondeu, calmamente: - O paciente acabou de levantar-se do leito e tomou o elevador no final do corredor!
                                               Em desabalada carreira ele desceu os dois lances de escada até a portaria. Lá, perguntando ao segurança, soube que o paciente havia saído junto com dois outros indivíduos que pareciam seus irmãos gêmeos, tal a semelhança física e os trajes iguais que usavam. 
                                              Ele ainda percorreu correndo várias ruas das imediações; porém, a sua “fama e fortuna” já havia desaparecido em alguma daquelas vielas sujas do bairro. 

_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

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