342. Juvenal ‘O Magnífico’
Jober Rocha*
Fazia cinco anos que havia me aposentado. Durante trinta longos anos fui servidor público, subalterno, naquela repartição onde padeci durante todo este tempo sob as mãos de vários chefes tiranos.
Na ociosidade, desde então, limitava-me à leitura diária dos jornais, à elaboração de sonetos, ao bate papo com os amigos (que me chamavam, carinhosamente, de ‘Coisinha’) no bar do seu Manuel e a encher a paciência de minha esposa, Heleninha, criticando sua atuação à frente da administração das coisas domésticas.
Certo dia, durante uma leve discussão em casa, Heleninha sugeriu que eu saísse um pouco, que fizesse algum curso, de qualquer coisa, apenas para me ocupar. Enfim, pediu-me que a deixasse em paz...
Na tarde daquele mesmo dia, passeando pelas ruas do bairro, tive minha atenção despertada para uma placa na porta de um prédio comercial com os seguintes dizeres: “Mestre Marangon - El Rey de los Mágicos – Aulas de mágica para velhos e crianças. Surpreenda seus amigos fazendo mágicas, levitando, serrando pessoas ao meio, desaparecendo no palco, etc. Primeira aula grátis. Sala 606”.
Subindo à sala 606 deparei-me com um tipo gordo, de barba e bigode, vestindo terno preto, que me cumprimentou efusivamente em uma língua mista de português com espanhol. Pela sua entonação e postura pareceu-me estar alcoolizado.
A duração do curso era de uma semana, segundo afirmou, ao preço total de vinte reais. Após a aula grátis, frequentei as aulas pagas e ao final da semana já me considerava um verdadeiro mágico.
Executava truques com cartas, tirava coelhos de cartolas, fazia desaparecer moedas e relógios. Com relação às mágicas mais complicadas, entretanto, ainda tinha algumas dúvidas; pois, em razão de não compreender bem a língua falada pelo Mestre Marangon, algumas passagens dos truques ainda permaneciam obscuras para mim.
O fato, todavia, não me preocupava na ocasião, pois pensava fazer apenas truques simples para os amigos e parentes.
O Mestre me havia dito que, para causar boa impressão ao público, eu deveria adotar um nome altissonante que impressionasse os espectadores. Passei, então, a adotar o nome de Juvenal “O Magnífico”.
Em um sábado à noite durante a festa de noivado da sobrinha de minha mulher, realizada em clube do bairro, pediram-me para fazer algumas mágicas que distraíssem os convidados por algum tempo.
Subi ao palco, agradeci aos aplausos e comecei pelos truques mais simples que havia aprendido. Fiz surgir um coelho de dentro de uma cartola e, logo após, tirei cigarros acesos do ar, fiz surgir bolas brancas com simples movimentos das mãos, fiz truques com cartas de baralho, etc.
Ao fim do espetáculo, como o público empolgado me aplaudisse de pé e pedisse bis, eu, eufórico com a admiração da plateia e querendo me mostrar para os convidados, resolvi apresentar uma mágica, até então, por mim jamais realizada.
Anunciei que serraria uma ajudante ao meio e depois a uniria novamente. Trouxe da minha casa, que ficava ao lado do clube, a urna onde deitaria a ajudante e a serra que a cortaria. Dentre os presentes, sob os protestos dela, escolhi minha própria esposa, Heleninha, para protagonista da mágica, objetivando dar mais veracidade à mesma.
Ao público pedi silêncio e, sob uma luz lilás, iniciei o meu número de mágica.
Heleninha deitou-se na urna que foi, por mim, fechada. A seguir, liguei a serra elétrica e comecei a cortá-la ao meio. Terminado o serviço, coloquei duas placas de metal no local do corte, de modo a vedar cada lado da urna que havia sido cortado.
Em seguida separei as duas partes, sob o aplauso do público presente. Minha esposa, dentro de uma das partes da urna, mexia a cabeça e, na outra parte, mexia os pés.
Em continuação, juntei ambas as partes da urna para finalizar o espetáculo, conforme havia aprendido com Mestre Marangon. Entretanto, olhando para minha esposa, notei que alguma coisa não havia dado certo, pois o corpo dela ainda estava separado, embora as duas partes da urna estivessem unidas.
Na mesma hora, veio-me à mente aquelas instruções de Marangon que eu não havia entendido bem, em razão da língua enrolada que o mestre falava. Algo saíra errado. Depois de várias tentativas infrutíferas, pedi desculpas aos presentes e abaixei as cortinas do palco.
Do camarim, mesmo, liguei para a sala de Mestre Marangon. Uma atendente, falando em castelhano, informou-me que ele havia partido de férias para a Argentina, onde havia sido contratado para técnico de um clube de futebol local e que só retornaria no ano seguinte.
Aluguei uma ambulância e levei Heleninha para casa, ainda dentro da urna. Para subir pelo elevador do prédio tive de colocar uma parte da urna em cima da outra, já que aquele edifício, por ser de construção antiga, possuía um elevador muito apertado.
Em casa, coloquei a parte da urna em que estava a cabeça e o tronco da minha esposa dentro do quarto do casal. A outra parte eu coloquei no banheiro, pois achei que ficaria mais fácil caso ela sentisse alguma necessidade urgente e imperiosa.
A seguir, pela internet, procurei outros mágicos que pudessem ajudar-me a unir as duas partes. Informaram-me que o método que havia sido utilizado para separá-la era muito antigo e já superado, não sendo mais utilizado em nenhuma parte do mundo. Dos vários mágicos por mim contatados, nenhum deles sabia como utilizá-lo.
Conformado, voltei para o quarto e disse à Heleninha: - Minha filha, você vai ter que aguardar até o próximo ano, que é quando meu mestre voltará da Argentina!
Quando ela abriu a boca para reclamar, calmamente, respondi: - Heleninha, a culpa foi inteiramente sua! Você é que me mandou aprender alguma coisa! Eu estava muito bem no meu cantinho, tomando minha cervejinha com os amigos no Bar do seu Manuel...
_*/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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