terça-feira, 31 de dezembro de 2019


346. Armas: as grandes educadoras das populações bárbaras

Jober Rocha*



Bárbaro é um termo utilizado para se referir a uma pessoa tida como não-civilizada. O termo também pode se referir individualmente a uma pessoa bruta, cruel, belicosa e insensível.
Segundo os historiadores, foram chamados de bárbaros os povos de origem germânica que, entre 409 e 711, nas migrações dos povos bárbaros, invadiram o Império Romano do Ocidente, causando sua queda em 476 d.C.
De uma maneira geral, os bárbaros formavam hordas armadas que invadiam territórios ocupados por outros povos, de forma violenta e feroz, matando pessoas e dizimando e destruindo tudo o que se lhe opunha resistência.
Os povos chamados bárbaros, dentre os quais destacamos os hunos, os vândalos, os francos, os godos, os visigodos, os ostrogodos, os anglos, os saxões, etc. foram inicialmente contidos pelo império romano em virtude da supremacia deste em armas, em técnicas de combate e em logística. As razões posteriores da queda do Império Romano são atribuídas pelos modernos historiadores, notadamente a: baixa eficácia numérica dos exércitos romanos; deficiências de saúde e do efetivo da população romana; perda da força da Economia; baixa competência dos imperadores; mudanças religiosas ocorridas, revoltas constantes dos povos submetidos e deficiente administração civil. Tais fatores determinantes foram agravados pelas invasões barbaras, evidentemente.
Desde então, seja na paz ou na guerra, as armas passaram a desempenhar papel fundamental na solução dos conflitos, seja como fator de dissuasão, seja como fator defensivo ou ofensivo.
Coletivamente, aqueles povos mais e melhor armados passaram a ser respeitados pelos demais povos menos e pior armados, notadamente após o domínio da energia nuclear. No campo individual, a posse de uma arma supre as deficiências físicas naturais existentes entre os indivíduos. O porte de uma arma tende, pois, a igualar os seres humanos, embora a destreza no manejo da mesma seja um fator diferencial importante.
A partir, portanto, da fabricação e da utilização de armas, as pendências e os conflitos deixaram de ser, sempre, vencidos pelos mais fortes fisicamente. Os mais fracos também passaram a poder disputar, de igual para igual, os seus direitos reais ou presumidos.
Neste contexto, a parcela de qualquer população que se encontre desarmada será, sempre, vítima potencial ou efetiva da parcela desta população que se encontra armada. A solução mais correta e igualitária, até então utilizada, tem sido aquela adotada em países desenvolvidos como os USA e Canadá, por exemplo, onde todos os cidadãos possuem o direito constitucional de adquirir armas e munições para sua defesa pessoal, familiar e de seus bens.
Conforme qualquer habitante das grandes cidades brasileiras sabe, nas periferias onde dominam as facções criminosas do tráfico de drogas, nenhum cidadão ousa desafiar as ordens dos chefes do tráfico. Qualquer desafio significa a morte. Isto se deve não por que a população periférica seja inteiramente composta por covardes, mas, sim, em virtude das quadrilhas que dominam estas áreas estarem todas fortemente armadas. As armas, conforme podemos constatar, são, pois, as grandes educadoras a dizerem o que pode e o que não pode ser feito por aqueles que não as possuem. Os cidadãos desarmados, mesmo armados de bons argumentos, têm que se render aos maus argumentos daqueles indivíduos bem armados. Esta regra, a meu ver, poderia ser formulada como a ‘Primeira Lei  Fundamental da Educação Psicossocial’, a ser ensinada nas escolas do país pelos professores ideologicamente submissos aos postulados marxistas e defensores do Estatuto do Desarmamento em vigor.
Notícia recente na mídia informa sobre a ocorrência no domingo, 29 de dezembro de 2019, de um atentado em igreja no Estado Norte Americano do Texas, que deixou duas pessoas mortas e uma gravemente ferida. Fiéis armados, segundo a nota, reagiram ao agressor, matando-o e impedindo que a tragédia tomasse proporções maiores.
O agressor foi prontamente abatido por um dos fiéis, logo após ter começado a atirar dentro da igreja West Freeway Church of Christ (Igreja de Cristo em West Freeway), localizada em White Statement, próxima a Fort Worth.
Professores de escolas e universidades, médicos em hospitais, sacerdotes em igrejas, naquele país, foram autorizados a portar armas para as suas defesas e de terceiros, nestes locais de grandes aglomerações e sujeitos a atentados promovidos por terroristas e maníacos.
Se o fato tivesse ocorrido no Brasil, por exemplo, o número de vítimas teria sido muitas vezes maior, pois, aqui, portar armas é proibido para a população civil. Os únicos que são vistos portando armas, ostensivamente ou não, de uma maneira geral, são os policiais; os magistrados e membros do Ministério Público; os agentes da ABIN; os guardas municipais das capitais ou nas cidades com mais de 50 mil habitantes; a polícia legislativa da Câmara e do Senado; os seguranças de autoridades públicas; os militares em serviço; diversas entidades pessoas jurídicas e os membros de facções criminosas que dominam os morros e as periferias das grandes cidades.
Antes e durante o regime militar que governou o Brasil, de 1964 até 1985, a compra e a venda de armas e munições eram liberadas ao público civil, com um mínimo de exigências.
O famigerado Estatuto do Desarmamento instituído pela Lei 10826 de 23 de dezembro de 2003, durante o governo Lula, regulamentada pelo decreto 5123 de 1º de julho de 2004 e publicada no Diário Oficial da União no dia seguinte, veio dispor sobre o registro, a posse e a comercialização de armas de fogo e munição, de forma restritiva.
Pouco depois, no ano de 2005, o governo promoveu um referendo popular para saber se a população concordaria com o artigo 35 do referido estatuto, que tratava sobre a proibição da venda de arma de fogo e munição em todo o território nacional. Realizado o referendo o artigo foi rejeitado por 63,94% dos votos "NÃO" contra 36,06% dos votos "SIM". Mesmo assim, a venda de armas e munições foi dificultada ou proibida em uma campanha desfechada pelas esquerdas visando desarmar a população, com vistas a minimizar a eventual resistência armada popular à implantação do Socialismo Bolivariano no país, constante do programa de governo do Partido dos Trabalhadores e incentivado pelo Foro de São Paulo, nos moldes daquele regime marxista implantado na Venezuela e em outros países do Continente.
As pesquisas e os estudos que subsidiaram a proibição do comercio de armas e munições no Brasil foram sempre tendenciosos e seguiram na contramão das pesquisas sérias conduzidas nos Estados Unidos e na Europa. Para estas pesquisas externas, a posse de armas pelas populações civis era fator inibidor da criminalidade e poupador de vidas humanas, conforme centenas, senão milhares, de ocorrências registradas ao redor do mundo e analisadas por entidades públicas e privadas, sérias, demonstraram.
A ideologia, no entanto, falou mais alto no Brasil e, à revelia de estudos sérios e confiáveis conduzidos por entidades especializadas no assunto, o que prevaleceu foi a opinião de políticos a serviço da ideologia marxista, que viam no desarmamento da população a chave para inibir uma eventual reação popular contra a substituição do regime democrático capitalista por um regime comunista autoritário e de partido único, conforme previsto nos planos do Partido dos Trabalhadores, no poder desde o ano de 2003 com a posse de Luís Inácio da silva.
Um major do Corpo de Fuzileiros navais dos USA, chamado L. Caudill em um texto denominado ‘As armas são a civilização’, declarou:
“As pessoas só têm duas maneiras de lidar umas com as outras: pela razão ou pela força. Se você quer que eu faça algo para você, você terá, ou de me convencer via argumentos, ou de me obrigar a me submeter à sua vontade pela força. Todas as interações humanas caem em uma dessas duas categorias, sem exceções. Razão ou força, só isso”.
“Quando eu porto uma arma, você não pode lidar comigo pela força. Você precisa usar a razão para tentar me persuadir, porque eu tenho meios de anular suas ameaças ou o uso da força”.
“Quem advoga o banimento das armas de fogo está optando automaticamente pela lei do mais jovem, pela lei do mais forte, pela lei do bando, e isso é o exato oposto de uma sociedade civilizada. Um marginal, mesmo armado, só consegue ser bem sucedido em uma sociedade onde o Estado lhe garantiu o monopólio da força”.
“Portanto, a sociedade mais civilizada é aquela onde todos os cidadãos podem estar igualmente armados e só podem ser persuadidos, nunca forçados“- conclui L. Caudill.
Alguns historiadores afirmam que Samuel Colt, inventor e fabricante norte-americano de armas de fogo, ao produzir o revolver de seis tiros, em 1836, teria declarado:
“Deus fez os homens diferentes; Sam Colt tornou-os iguais”! (God made men different; Sam Colt made them equal).
Outros historiadores mencionam que a frase realmente dita por Samuel foi: “Abraham Lincoln tornou todos os homens livres, mas Samuel Colt os tornou iguais”!
Segundo os historiadores, Benjamin Franklin, inventor e homem de Ciência, teria dito em determinada ocasião:
“Quando todas as armas forem propriedade do governo, este decidirá de quem são todas as outras propriedades”!
O fato é que as armas de qualquer tipo, notadamente as armas de fogo, desde que foram inventadas, sem dúvida alguma diminuíram as diferenças físicas entre as pessoas e, como já dito anteriormente, seu uso generalizado deu lugar a persuasão nas soluções sobre assuntos contraditórios, eliminando, gradativamente, o uso da força e contribuindo para fazer ideias e interesses conflitantes, finalmente, se harmonizarem de forma pacífica.
Em muitos países e em épocas diversas, autoridades autocráticas, ilegítimas, absolutistas, venais, etc., adotaram o procedimento de proibir o porte e o uso de armas pelos cidadãos, sejam elas quais fossem. Temiam que armas em mãos das populações pudessem ser usadas contra as próprias autoridades, em razão de seus reconhecidos desmandos, injustiças flagrantes praticadas, atos de tirania exercidos e de suas crescentes impopularidades junto ao povo.
 Em resposta a tais proibições, surgiram as artes marciais, conhecidas como ‘as artes dos pés e das mãos’ ou ‘o caminho suave’. Os seus praticantes conseguiam suprir a falta de armas, com a rapidez e a violência de determinados golpes de pés e mãos, usados para a defesa e para o ataque. Em determinadas épocas, foram introduzidas nas artes marciais algumas técnicas de defesa e de ataque com armas brancas de vários tipos e aplicações distintas; bem como, a utilização de bastões de madeira de diversos tamanhos e configurações.
Quanto mais democrática e livre seja qualquer sociedade, mais direitos possuem os seus cidadãos, dentre eles, destacando-se, o direito inalienável de defender a si próprio, à sua família, os seus bens e as suas propriedades.
Quem pensa de forma diferente está comprometido ideologicamente com regimes totalitários de natureza marxista; ou faz parte de facções criminosas; ou pertence a movimentos terroristas; ou integra uma elite cleptocrática que se locupleta financeiramente em razão da inocência, do servilismo, da covardia e da despolitização da população, ou, finalmente, é um completo idiota que não tem a menor percepção do que ocorre a sua volta, seja em termos políticos, econômicos, militares e psicossociais.
Voltando as palavras de L. Caudill: “Quando eu porto uma arma não é porque estou procurando encrenca; é exatamente por que quero ser deixado em paz. A arma na minha cintura significa que eu não posso ser forçado a nada, somente persuadido. Eu não porto uma arma porque tenho medo, mas, sim, porque ela me permite não ter medo. Ela não está lá para intimidar os que querem interagir comigo pela razão, mas para desencorajar os que pretendem fazê-lo pela força. A arma remove a força da equação … e é por isso que portar uma arma é um ato civilizado”!
No caso do nosso país, como bem entendeu o presidente Bolsonaro e sua equipe, a única solução efetiva, a curto e médio prazo, visando reduzir os índices de criminalidade insuportáveis causados por décadas de leniência oficial com respeito às facções criminosas surgidas espontaneamente ou incentivadas pela esquerda (todas elas representando braços armados dos governos de esquerda que visavam a implantação de um governo comunista no país e que possuem armas de guerra em quantidades surpreendentes, como também munições à vontade) é a liberação para que todos os cidadãos brasileiros possam adquirir armas e munições no comércio, como sempre puderam fazer antes dos nefastos e incompetentes governos de esquerda assumirem o poder.
É do conhecimento geral a impossibilidade efetiva das nossas polícias protegerem a integridade física e patrimonial dos cidadãos, em razão dos seus reduzidos efetivos e das carências técnicas, financeiras e administrativas que apresentam. Por este motivo, cabe ao próprio cidadão providenciar a sua defesa, a da sua família e a dos seus bens e propriedades. Para que isto seja feito, ele necessita, evidentemente, de uma arma; pois aqueles que o afrontarão estarão fortemente armados.
Um dos maiores exércitos do mundo, praticamente indestrutível em uma guerra de ocupação tradicional, consiste na legião de atiradores desportivos, colecionadores e caçadores dos USA. Possuem treinamento, armamento e munição capaz de fazer frente a qualquer exército invasor que tente dominar o território norte-americano.
Desde os primórdios da colonização daquele país, as armas de fogo desempenharam um papel crucial na conquista do território e no estabelecimento do direito à propriedade e a segurança individual e coletiva, igualando os cidadãos e fazendo a lei valer para todos.
As próprias autoridades norte-americanas, na atualidade, incentivam à produção e o comércio de armas e munições, desburocratizando todo o processo, bem como oferecem subsídios à construção de 'bunkers' (abrigos fortificados) em localidades isoladas no campo, para que a população tenha meios de resistir a uma eventual invasão partida de algum país hostil ou a uma catástrofe ou calamidade em que os poderes públicos sejam impossibilitados de agir e se instaure o caos e a convulsão social.
Nosso país, como sempre, está na contramão da história e totalmente despreparado para situações como as descritas. Nossas autoridades, em sua grande maioria, são despreparadas para os cargos que ocupam e trabalham, normalmente, contra os interesses populares. São, todavia, profissionais em maquinações lesivas à Economia; à Política em seu melhor sentido e ao desenvolvimento das Forças Armadas, consideradas inimigas e não compatíveis (em efetivos e equipamentos) com a sexta economia mundial, lugar que hoje em dia ocupamos no Concerto das Nações.
Que nos espelhemos naqueles países que respeitam as leis; onde ninguém pode argumentar que está acima delas; onde as penas dos condenados são cumpridas de forma integral; onde a liberdade de pensamento e de imprensa existe realmente; onde a maioria da população é composta de pessoas patriotas que amam seu país e respeitam as suas autoridades que nada mais são do que servidores públicos; onde todos os cidadãos, apesar de poderem contar com uma organização policial e judiciária de primeiro mundo, possuem a plena liberdade de providenciar a sua própria defesa, de seus familiares e de suas propriedades.
Que tenhamos sempre em mente uma frase que alguém já disse e que será sempre atual: - Quando a presa está armada o predador dorme com fome!


_*/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha. Membro titular da Academia Brasileira de Defesa – ABD e do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos. CEBRES







domingo, 29 de dezembro de 2019


345. Modernas ilações sobre as velhas pragas do Antigo Egito

Jober Rocha*



                           Segundo antiga lenda egípcia na dinastia do faraó Khufu, filho de Sneferu e de Hetepheres, uma colossal praga mista de gafanhotos e escorpiões assolou o vale do Rio Nilo, ameaçando destruir as culturas irrigadas pelas águas daquele rio em razão da voracidade dos gafanhotos, o que provocaria a fome de milhares de pessoas; bem como, vitimaria e incapacitaria milhares de outras, em razão das terríveis picadas dos venenosos escorpiões negros da região, que agiam de surpresa vivendo nas trevas, escondidos e aguardando a hora propícia de inocular seu veneno nas desprevenidas vítimas.

                                      Khufu, para os leitores que não sabem, era o conhecido faraó Quéops (também chamado de Khufu, em egípcio antigo) e foi o soberano egípcio que reinou por volta de 2551 a.C. a 2528 a.C. sendo o segundo faraó da Quarta Dinastia, responsável, naquela ocasião, por dar fim a estas tão temidas e nefastas pragas.

                                     À Khufu tem sido creditada, também, a construção da Grande Pirâmide de Gizé e do complexo funerário anexo. As fontes históricas descrevem-no como um governante generoso e piedoso; porém antigos textos gregos, ao contrário, referem-se a ele como um governante cruel.
                                      Como os leitores poderão constatar, a mídia, já naquela época, era movida por interesses ideológicos e financeiros. Os bem cevados cronistas da época, quando agraciados com favores e verbas públicas, faziam, sempre, a apologia dos governantes do momento. Por outro lado, quando malcuidados ou relegados pelos poderosos, estes historiadores e cronistas de então tratavam-nos, em represália, com desdém, menoscabo e desapreço, passando a posteridade, por vezes, uma imagem falsa do personagem.

                                        Foi ele quem deu divulgação e destaque ao célebre Papiro Westcar, que consistia em um texto egípcio contendo cinco histórias sobre episódios considerados milagrosos, realizados em sua dinastia por sacerdotes e magos. Cada uma dessas histórias foi, posteriormente, contada nas cortes seguintes por seus filhos e sucessores, sendo está presente estória uma destas histórias. As histórias ou estórias, pois ninguém pode, ao certo, confirmar a veracidade delas, contidas no referido papiro, foram traduzidas posteriormente para o inglês como ‘King Cheops and the Magicians’ (Rei Quéops e os Mágicos).
                                         O papiro Westcar tem sido do mais alto interesse para historiadores e egiptólogos, uma vez que é um dos mais antigos documentos egípcios a conter relatos tão detalhados daquela dinastia. Infelizmente, o verdadeiro nome do seu autor foi perdido, podendo, talvez, ter sido o próprio Khufu quem o escreveu.

                                            Os leitores mais argutos encontrarão muitas ilações entre o episódio que passarei a narrar, supostamente extraído de velho papiro e que teria ocorrido no Egito Antigo sob o reinado de Queops, com a atual situação política e psicossocial do nosso maltratado país, após décadas de governos incompetentes e de tendência esquerdista.
                                               Da mesma forma, os leitores mais perspicazes perceberão que, desde a mais remota antiguidade até os dias atuais, só existe uma maneira eficaz de se lidar com determinados problemas e situações que, embora inusitados e complexos, costumam ocorrer em todas as épocas. Mesmo não se tratando de idênticos problemas, as soluções adotadas para uns podem, por similitude, seguir uma mesma linha de raciocínio que conduza a resultados semelhantes nos demais casos, embora versando estes sobre temas e assuntos diferentes.
                                          Logo ao surgir o problema, portanto, a autoridade responsável por resolvê-lo irá ouvir inicialmente diversas opiniões, muitas delas conflitantes entre si. Inúmeras soluções serão propostas por homens de pouco saber, mas de muita opinião e com interesses particulares em jogo. Só quando alguém verdadeiramente sábio analisar o problema com profundidade, sob as óticas da Ciência e da Filosofia, der a sua interpretação para a origem do mesmo e propor uma solução pragmática e factível, o problema poderá ser resolvido em definitivo
                                            Foi o que fez o faraó Queops, na ocasião, com respeito ao seguinte fato que passarei a lhes narrar a continuação.
                                              Em um belo dia de sol, com o céu de um azul intenso e algumas nuvens esparsas, a população da cidade do Cairo viu, repentinamente, o horizonte escurecer. Parecia que, depois de tantos anos sem chover, finalmente, uma copiosa chuva se aproximava da região. Com o passar do tempo, começaram a chegar os primeiros precursores daquela enorme nuvem negra que se aproximava, mas não eram grossos pingos de chuva que chegavam e sim enormes gafanhotos. A nuvem negra, como logo perceberam os habitantes locais, era formada por gafanhotos.

                                      Em poucos dias todas as plantações das regiões circunvizinhas, por todo o vale do Rio Nilo, estavam cheias de gafanhotos. Muitos egípcios que tentaram combater a praga, foram picados por escorpiões negros, espécie altamente venenosa encontrada em profusão nos campos de colheita, onde antes eles não existiam.

                                          Logo perceberam que eram duas as pragas que assolavam a região, uma de gafanhotos e outra de escorpiões.
                                                Khufu, de imediato, mandou convocar os ministros e conselheiros do reino para uma reunião em palácio.

                                          As opiniões se sucediam, cada ministro com uma concepção diferente sobre as causas e as soluções propostas para a extinção do problema. As causas, conforme Khufu ouviu em silêncio, variavam, desde a falta de respeito aos deuses, por parte do povo egípcio, até as poucas virgens sacrificadas ao deus Amon durante aquela dinastia.
                                           As soluções propostas variavam desde o aumento dos sacrifícios humanos até a tentativa de fazer com que um determinado sacerdote buscasse estabelecer contato mental com o Gafanhoto Mor e com o Escorpião Mor (os chefes, respectivamente, da nuvem de gafanhotos e do ciclone de escorpiões, considerados, na ocasião, como pragas em razão de suas excessivas quantidades).

                                           Em síntese, buscaria o sacerdote escolhido cooptar os dois insetos chefes para que fossem embora dali, levando consigo a sua turma. Evidentemente alguma vantagem pessoal lhes seria oferecida, caso concordassem em ir embora deixando o Egito em paz.
                                     Alguém do grupo, mais pessimista, disse que as coisas eram assim mesmo e que períodos ruins de colheita eram sucedidos por períodos bons. Nada deveria ser feito contra as pragas, pois o meio ambiente deveria ser preservado a qualquer custo. Restava, tão somente, esperar o tempo passar e oferecer facilidades financeiras para que algumas organizações não pertencentes à dinastia (OND’s), embora vinculadas a personalidades da nobreza local, zelassem pelo controle e conservação dos vastos desertos da região e das águas do Nilo.
                                      Um judeu bastante viajado que ocupava importante cargo na corte, pediu a palavra e disse que na Índia existia um grande sábio que, sem dúvida alguma, poderia resolver aquele problema, pois os monarcas indianos a ele recorriam sempre que algum problema os afligia.
                                         Khufu determinou, então, que trouxessem aquele famoso sábio, imediatamente, a sua real presença.

                                      Em breve o sábio indiano viu-se sentado diante do faraó a ouvir, diretamente dos lábios deste, a real extensão e a total magnitude do problema egípcio.

                                              Tendo se inteirado de todos os fatos pertinentes ao caso, o sábio indiano iniciou sua fala com as seguintes palavras:

-  Mahānt (grande) rājan (rei), os egípcios, até onde sei, conhecem profundamente os mistérios iniciáticos e possuem enormes conhecimentos mágicos; dominam a astrologia, as altas matemáticas, o esoterismo oculto do septenário teosófico e a ciência do Grande Arcano. Rendem culto à Isis, à Osíris, à Horus e à Rá. Seria, portanto, uma indelicadeza da minha parte, além de muita pretensão de um simples homem de Ciência e de Filosofia, querer ensinar alguma coisa aos egípcios.

- No entanto, pelo que percebo, existe uma analogia entre este caso e alguns outros dos quais já tomei ciência anteriormente. Dentre as antigas Leis do Caibalion (escritas por um legislador e filósofo egípcio chamado Hermes Trimegisto e, sem dúvida alguma, do conhecimento de vossa alteza), que tive o cuidado de estudar em profundidade, destaco as seguintes como tendo aplicação direta ao presente caso:

“O Universo é mental; o que está em cima é como o que está embaixo; o que está dentro é como o que está fora; tudo é duplo, tudo tem dois polos, tudo tem o seu oposto; o igual e o desigual são a mesma coisa; os extremos se tocam; todas as verdades são meias-verdades; todos os paradoxos podem ser reconciliáveis; toda causa tem o seu efeito, todo efeito tem a sua causa”.

- Pragas de gafanhotos e de escorpiões, segundo penso e deduzo destas leis, podem ser, respectivamente, comparadas às assembleias de nobres de natureza política e aos fóruns de ideólogos interessados em propagar suas concepções filosóficas, mesmo que maléficas e nefastas às populações e aos reinos.

- Os gafanhotos, com suas ilimitadas voracidades, tal qual os nobres de natureza política cleptocráta, desejam tomar conta de tudo, imaginando que o mundo lhes pertence e que podem dispor daquilo que desejam, da forma como quiserem, onde, quando e sempre que tiverem vontade.

- Os escorpiões com seus instintos assassinos e maléficos, tal qual os ideólogos de tantas concepções filosóficas espúrias, malignas e nefastas, desejam inocular seus venenos nos corpos e contaminar o maior número possível de seres humanos, como fazem os ideólogos com o veneno de suas teorias nas mentes das pessoas.

- Veja, pois, grande rei, que existem semelhanças entre as pragas de insetos que assolam vosso reino e as pragas de nobres de natureza política venal, bem como a de ideólogos que assolam outros reinos, distintos do vosso, em outros locais e em outras épocas, conforme deixam claro as Leis do Caibalion, por mim mencionadas, que, ademais, são atemporais e universais.

- Segundo minha maneira prática de ver esta questão, fruto de muita meditação e da análise comparativa de outros fatos históricos semelhantes, por mim vivenciados, creio que a única forma eficaz e rápida de se livrar destes problemas citados (pragas de insetos, de nobres de natureza política venal e de ideólogos mal intencionados) é a utilização, rápida e eficiente, de métodos repressivos que eliminem, definitivamente, tais pragas que só produzem o mal, pois seus integrantes só visam o próprio bem e o exclusivo interesse.

- Muitos súditos, inclusive alguns pertencentes à nobreza da sua corte, se posicionarão contra esta decisão, que considerarão ilegal e temerária. Levante a vida pregressa deles e verá que não lhe são leais e que possuem interesses divergentes do seu. Muitos daqueles nobres que serão contra as suas medidas repressivas, no tocante as pragas, são aqueles mesmos que, praticando crimes de lesa majestade, enriquecerão com a importação de alimentos, que será necessária em virtude da destruição de toda a colheita motivada pela ação predatória dos gafanhotos e que enriquecerão, também, com a importação de antídotos e medicamentos contra picadas de escorpiões.

- Veja, pois, meu grande rei (e isto vale para todos os líderes de todos os reinos e de todas as épocas) que foi Deus que lhe permitiu chegar a esta posição de relevo e de poder a que chegou; logo, se o seu reinado, para você e para seus súditos, deve ser colocado acima de tudo, é evidente que Deus deve estar acima de todos vocês. Isto, conforme já dito por mim e levando em consideração as Leis do Caibalion, vale para todas as épocas e para todos os reinos e lugares.

- Sendo vossa alteza o representante máximo de seus súditos e o guardião das fronteiras e da integridade nacional, não hesite, pois, em adotar medidas fortes, mas necessárias, para livrar-se e ao seu reino destas pragas que, de tempos em tempos, acometem muitos reinos ao redor do planeta. As pragas podem ser de insetos, mas, também, de pessoas e de ideologias.
                                          O faraó, logo em seguida, conforme a orientação recebida do sábio indiano, desfechou intensa campanha repressiva contra gafanhotos e escorpiões. Em breve, o Egito estava livre destas duas pragas. Como efeito colateral das medidas adotadas, os nobres da corte com interesses políticos e ideológicos conflitantes com os do faraó, a partir de então, ‘colocaram as suas barbas de molho’ e passaram a rezar pela cartilha de Queops.

                                          O soberano, tão logo o problema foi resolvido, chamou o sábio ao palácio e perguntou-lhe o que desejava em retribuição ao conselho que havia dado e que se mostrara tão eficaz.
                                          O sábio, cofiando a longa barba branca, declarou:

 - Grande rei, se puder divulgar esta atual experiência que teve para as gerações futuras do vosso reino e de outros mais, eu me sentirei inteiramente recompensado!

                                     Foi assim, portanto, meus caros leitores, que teve início a elaboração do famoso papiro Westcar, que muitas autoridades brasileiras ainda desconhecem, mas que pode ser considerado como uma fonte inesgotável de inspiração a aconselhar e a orientar homens de bem que, por influência divina, carregam em suas costas, nos mais distantes rincões do planeta e em distintas épocas, o peso de conduzir e velar por vidas humanas e a responsabilidade de trabalhar pelo progresso e engrandecimento de nações.


_*/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha. Membro titular da Academia Brasileira de Defesa – ABD e do Centro Brasileiro de Estudos estratégicos – CEBRES.                                                                 


quinta-feira, 26 de dezembro de 2019


344. O Amigo da Onça


Jober Rocha*



                                    O Amigo da Onça consiste em um personagem criado, em 1943, pelo cartunista pernambucano Péricles de Andrade Maranhão. As características principais deste personagem, por ele criado, eram as de ser alguém satírico, irônico e crítico, aparecendo em diversos cartuns de Péricles desmascarando seus interlocutores ou colocando-os nas mais embaraçosas situações. O nome de Amigo da Onça, dado ao tipo criado, surgiu de antiga piada contada no Brasil, na qual dois caçadores conversavam em um acampamento:

— O que você faria se estivesse agora na selva e uma onça aparecesse na sua frente? - Disse o primeiro.

— Ora, dava um tiro nela! – Respondeu o segundo.

— Mas se você não tivesse nenhuma arma de fogo? – Falou o primeiro.

— Bom, então eu matava ela com meu facão! – Disse o segundo.

— E se você estivesse sem o facão? – Perguntou o primeiro.

— Apanhava um pedaço de pau! – Falou o segundo.

— E se não tivesse nenhum pedaço de pau? – Questionou o primeiro.

— Subiria na árvore mais próxima! – Respondeu o segundo.

— E se não tivesse nenhuma árvore? – Inquiriu o primeiro.

— Sairia correndo! – Disse o segundo

— E se você estivesse paralisado pelo medo? – Quis saber o primeiro.

Então, o outro, já irritado, retruca:

— Mas, afinal, você é meu amigo ou amigo da onça?


                                        Por extensão, Amigo da Onça passou a ser todo aquele indivíduo que gostava de armar ‘arapucas’ para seus amigos e interlocutores, dando-lhes um ‘xeque-mate’ ou colocando-os em uma ‘saia justa’ e divertindo-se com os efeitos que estas iriam neles causar. É justamente esta a situação de um velho amigo meu, cujo caso passarei a relatar a continuação.

                                  Depois dele haver passado o seu aniversário de sessenta anos sozinho, em casa e sem a presença de nenhum parente ou amigo (em razão do constante mau humor e da irritabilidade pelos quais era sobejamente conhecido de todos aqueles que com ele privavam), resolveu, no dia seguinte ao evento, como uma pequena vingança pessoal, à todos aqueles amigos, parentes e conhecidos que nem haviam se dado ao trabalho de lhe telefonar desejando votos de felicidade, enviar correspondência, pelos Correios, para quantos constavam do seu caderno de notas; bem como, mandar e-mails com aquele mesmo texto, aos demais com quem se relacionava e cujos endereços eletrônicos estavam nos seus arquivos na internet. 
                                            Uma destas correspondências chegou às minhas mãos, por sermos velhos conhecidos dos bancos escolares e nos correspondermos, eventualmente, trocando mensagens por e-mail; muito embora não nos víssemos pessoalmente há muitos anos. Assim, passo a reproduzir aos leitores, a mensagem que dele recebi, para que percebam até onde podem chegar a canalhice e a desfaçatez na alma de um mísero ser humano:

                                            Caro amigo Fulano,

                                          Foi, realmente, uma pena você não ter comparecido ao meu aniversário, transcorrido nos salões do conhecido e tradicional Hotel Copacabana Palace, alugados que foram aqueles caríssimos salões por amigos comuns (fazendo questão do anonimato e procedendo de forma sigilosa), desejosos de me proporcionar comemoração natalícia à altura das nossas velhas amizades. Assim, me forneceram aqueles benfeitores, gratuitamente, cerca de cinquenta e poucos convites para que eu os distribuísse entre os meus amigos e parentes mais chegados e você é um daqueles para quem eu enviei o convite pelos Correios; embora, infelizmente e, com toda a certeza, por motivo superveniente (como o tradicional atraso ou extravio do nosso Correio) não tenha podido contar com a sua presença. 
                                                A magnífica decoração dos salões (sim, pois eram três os salões alugados) estava inspirada em um tema bastante interessante; isto é, baseava-se na exaltação de virtudes como a cordialidade, a camaradagem, a estima, o apreço, a afeição e a ternura. Creio que escolheram o tema para retratar os sentimentos que os uniam a mim, e eu a eles, desde longa data.
                                           Imagino que o convite que lhe enviei pelos Correios tenha se extraviado ou que acabou retornando à agência, em razão do fato de você não se encontrar em sua residência por motivo de alguma viagem de estudos ao interior do país ou, até mesmo, ao exterior, coisa que sempre gostava de fazer segundo me recordo.
                                               O bufete não poderia ter sido mais bem escolhido pelos organizadores: Caviar, camarões, lagostas e frutos do mar variados; tudo isto, regado com champanhe Veuve Clicquot. Carnes de todos os tipos, saladas diversas e finas iguarias da cozinha francesa, saboreados pelos presentes nos intervalos entre um e outro gole dos melhores chiantes italianos, dos vinhos espanhóis de Rioja e dos franceses das regiões de Bordeaux e de Bourgogne. 
                                          As sobremesas eram tantas e tão variadas que, mesmo os convidados tendo saboreado, durante horas, aquele tão lauto jantar, ainda desfrutaram, por longo tempo, de todas aquelas doces iguarias preparadas pelos diversos ‘Chefs de Cuisine’ franceses.
                                               A orquestra, tocando durante toda a comemoração, possuía um repertório enorme de músicas da nossa época de rapazes. Lembra-se daquele tempo em que os casais dançavam juntos, enlaçados e de rostos colados? Pois foi exatamente isso mesmo que aconteceu. 
                                                        A maior parte das moças presentes, todas jovens e convidadas em uma sauna próxima pelos organizadores, acharam a maior novidade dançar de rosto colado com velhos sessentões como eu e os nossos contemporâneos que lá estavam. Eu, inclusive, presenciei várias trocas de cartões, com telefones e endereços, entre aquelas jovens e os velhos sessentões presentes. 
                                          Alguns casais, até mesmo, saíram juntos da festa com destino ignorado.
                                                    Recorda-se daquela jovem por quem você era apaixonado em sua juventude? Acho que foi a sua primeira namorada; pois é, ela estava lá, sozinha. Parece, ainda, a mesma pessoa que eu conheci na juventude, pois os anos não modificaram em nada o seu belo corpo nem o seu lindo rosto. Passou a noite toda sem dançar com ninguém. Quando lhe indaguei o motivo pelo qual também não dançava, respondeu-me que estava aguardando a sua chegada. Foi uma pena que você não tenha vindo e podido estar presente a tão inesquecível ocasião. Fiquei surpreso quando ela, depois de tanto esperar, deu-me um carinhoso abraço no pescoço e um beijo na boca, com lágrimas nos olhos e, suspirando, disse que queria ser a minha única companhia durante toda aquela noite.
                                                   Eu recebi tantos presentes, que estou com um quarto cheio deles aqui em casa. Muitos presentes não vieram com a indicação do remetente e, por esta razão, estou sem poder agradecer aqueles amigos e parentes que os enviaram. 
                                                Rogo a você, meu velho amigo, para que me diga qual o presente que me mandou e como estava embalado, para que eu possa agradecê-lo condignamente. Se ainda pretende enviar algum presente, mesmo atrasado, meu endereço atual é: Rua tal, número tal, CEP tal. 
                                                     Segundo ouvi de um dos organizadores, eles pretendem repetir este tipo de comemoração do meu aniversário durante os próximos anos, variando apenas o local onde a festa será realizada. Você, certamente, será convidado para todos os eventos (independente de não haver comparecido ou, mesmo, não tendo mandado presente neste meu aniversário que passou, se for o caso); como também, convidarei novamente, aquela sua bela e fogosa primeira namorada, que, após me proporcionar uma noite de luxúrias, acabou me convidando para um drinque, hoje à noite, em sua casa, ao qual não poderei faltar. Como sou um leal amigo dos meus amigos, direi a ela que estivemos juntos depois da festa e que você lhe havia enviado saudosas lembranças...
                                                   Aceite um forte abraço do seu velho amigo de sempre,


Beltrano.


_*/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.



segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

343. O Político Honesto


Jober Rocha*



                                    Não desejo que aqueles que me leem pensem que brinco com seus sentimentos e com suas emoções, ao denominar este texto de ‘O Político Honesto’. Nem desejo que pensem que sou criador e propagador de 'Fake News'.
                                                     Sei que é difícil imaginar algo parecido; porém, o fato que passarei a narrar foi por mim mesmo testemunhado, já que convivi por longo tempo com o seu protagonista principal, como amigo particular e vizinho de porta e, para mim, também, foi uma grande surpresa o desfecho final tão inusitado deste insólito caso.
                                           Desde pequeno fomos vizinhos em um pequeno prédio residencial no subúrbio distante. Crescemos juntos como colegas de escola, companheiros de partidas de futebol e, mais tarde, já na adolescência, como frequentadores assíduos dos bailes e das festas nas casas das jovens meninas do bairro.
                                         Ele, desde garoto, possuía o dom da palavra e do convencimento alheio. Toda vez que alguém aniversariava, ele era o escolhido para fazer a saudação; panegírico aquele que emocionava não só o aniversariante, como, também, a sua família e todos os demais convidados, alguns deles chegando a derramar copiosas lágrimas.
                                                       Sempre que ocorria alguma discussão entre duas ou mais pessoas, em um ambiente no qual ele se encontrasse presente, a simples intervenção do meu amigo na conversa fazia com que a opinião de todos os presentes convergisse para a dele; tudo isto, em razão dos seus argumentos e do poder de persuasão que tinha. 
                                            Nunca - que eu tivesse visto - falou algum palavrão, faltou com a verdade, agiu com injustiça, fez alguma covardia, foi indelicado com alguém, apropriou-se de algo que não lhe pertencia, maltratou algum ser humano ou, até mesmo, qualquer animal.
                                           Era estimado por todos, na escola, no clube, na vizinhança, no bairro.
                                               Talvez em razão disto tudo, quando atingiu a maioridade, seus amigos mais chegados sugeriram que ele ingressasse na política partidária, como forma de poder contribuir para a melhoria do bairro, onde vivera a maior parte da vida e onde possuía uma multidão de amigos.
                                                 Inicialmente contrário à ideia – já que dentre todas essas suas qualidades, ainda existiam as virtudes da modéstia e da humildade – relutou durante alguns anos, mas, finalmente, sucumbindo à pressão dos amigos acabou filiando-se ao Partido dos Suburbanos Inconformados e Unidos – PSIU e candidatando-se a uma cadeira de vereador na Assembleia Legislativa do município, ainda nas eleições daquele ano.
                                                Durante seus comícios pelas praças do bairro, a multidão em peso acorria para ouvi-lo falar sobre as ideias e as propostas de melhoria para a comunidade, que faziam parte de sua plataforma política.
                                                Foi eleito vereador com milhares de votos. Creio que o bairro inteiro - além de outros bairros vizinhos - deu seu voto para ele.
                                                   Empossado, começaram os seus problemas. Tendo recusado um cargo de direção na administração municipal, para que o suplente ocupasse a sua vaga de vereador e ele, na função de diretor de órgão municipal, desviasse recursos financeiros públicos para o partido pelo qual se elegera - através de concorrências fraudadas e superfaturadas - foi logo mal visto pelo seu próprio partido, que, a partir de então, passou a considerá-lo como um traidor.
                                                Tendo, logo a seguir, recusado uma verba mensal concedida pela prefeitura – oferecida para todos os vereadores e destinada a comprar seus votos favoráveis, naquelas matérias do interesse do prefeito - passou a fazer parte das listas negras que circulavam pelos bastidores, tanto da casa onde se reunia para legislar quanto da prefeitura.
                                             A partir de então, todos os projetos que apresentava eram sistematicamente rejeitados pelos seus pares. Era sempre visto sozinho em seu gabinete; nem seus próprios assessores e assistentes apareciam mais por lá.
                                               Os eleitores do bairro, depois de algum tempo, vendo que nenhuma das promessas que ele havia feito fora cumprida (pois o bairro continuava igualzinho como sempre fora: ruas sujas, esgotos a céu aberto, terrenos baldios com o mato alto, falta de coleta de lixo, falta d’água, ruas esburacadas, hospitais carentes de médicos, pouco transporte coletivo, etc. etc. etc.), passaram a falar mal dele.
                                           Diziam que era igual a todos os demais candidatos; isto é, prometia apenas para obter votos, já sabendo, de antemão, que nada faria daquilo que havia prometido.
                                         A noiva, que possuía na ocasião, acabou por abandoná-lo ao saber das coisas escabrosas que ele contava. Abandonou-o não por que concordasse com o ponto de vista dele, mas, porque não via nele nenhum futuro na política e nem na vida pessoal. 
                                                A recusa dele em receber aquela pequena fortuna que lhe havia sido oferecida, foi a gota d’água que entornou as taças de champanhe com que brindariam o casamento já marcado. Como ser a feliz esposa de um político – pensava ela – que não se interessava pelo conforto e bem-estar da mulher e dos futuros filhos que, certamente, pretendiam ter?
                                                 Os eleitores, antes contados aos milhares e agora contados às dezenas, o evitavam sempre que podiam. Não frequentavam mais o bar do Manoel, nas quintas feiras - dia em que ele por lá costumava aparecer, desde muito antes de se tornar um político – para não o encontrar e, eventualmente, chegar até as raias de agredi-lo fisicamente, durante alguma discussão mais acalorada.
                                             Seus poucos amigos continuavam achando que, em defesa dos eleitores e de suas demandas, todo comportamento ilícito de um político (até mesmo aqueles mais viciosos), era válido na vida partidária. Eram adeptos do ‘-Rouba, mas faz’!; frase dita com certo orgulho por eleitores paulistas, em determinada ocasião, referindo-se a um político local. 
                                                        Todos o criticavam por não haver aceitado o suborno, que, mantendo-o ‘bem’ na política municipal, permitiria a eles - seus eleitores - verem atendidas as reivindicações em prol do bairro em que residiam. Todos eles, no lugar dele, teriam aceitado aquele ‘acerto’ proposto pelo prefeito e, por isso, não entendiam o seu comportamento ‘moralista’ e nem o perdoavam.
                                                 Na assembleia legislativa ele se sentia como um ‘peixe fora d’água’. Era como se falasse outra língua (gaélico ou provençal, por exemplo), que nenhum dos seus pares entendia.
                                                          Esperou o mandato terminar e deixou o partido e a política, para sempre. De que adiantava – pensava ele- pelejar por um povo acostumado a levantar templos aos vícios e cavar masmorras às virtudes, justamente o contrário do que as organizações esotéricas pregavam? 
                                                            Um povo que aceitava o mal, buscando angariar o bem para si mesmo. Eleitores que eram coniventes com a fraude, desde que aquilo resultasse em alguma melhoria para o seu bem-estar pessoal. Pessoas que passavam por cima da moral e dos bons costumes se vislumbrassem, com isto, algumas benesses para si mesmos, para suas famílias ou para os seus grupos sociais.
                                                    Assim, o meu velho amigo concluiu que era melhor viver isolado em uma ilha deserta, longe daqueles eleitores oportunistas e egoístas.
                                                            Isso, meus caros leitores, foi o que ele me declarou, creio que cinicamente, em caráter privado como amigo e antigo companheiro de juventude e, publicamente, perante a Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, que apurava o desvio de recursos e a malversação de fundos públicos; já que ele era um dos principais acusados de chefiar uma organização criminosa que fraudava concorrências, extorquia empresários e participava de inúmeros negócios escusos no município e no Estado. 
                                                   Fora descoberto, ao ser investigado pelo Ministério Público, em razão da aquisição de milionária e cinematográfica ilha (com dezenas de suítes, varandas, salas, garagens de barcos, porto para atracação de iates e até aeroporto para pouso e decolagem de aviões e helicópteros), situada no litoral do Estado e adquirida por cinquenta milhões de dólares. Na ilha estavam permanentemente ancorados dois iates e pousado um pequeno jato de passageiros, utilizado em seus deslocamentos pelo país e pelo exterior.

                                                             Vivia na ilha com a amante, depois que terminou o noivado com aquela moça do bairro que namorava desde os tempos de colégio.
                                                    Na realidade, ainda hoje não sei em quem acredito: se nele, meu amigo e vizinho de infância, ou nos promotores que o acusam; pois ele sempre me pareceu um camarada tão honesto.
                                              Segundo soube, recentemente, já havia conseguido um habeas corpus sustando as investigações do Ministério público. Sua meta agora era ascender ao Governo do Estado e, daqui há mais alguns anos, à Presidência da República.
                                                         Gostava sempre de citar um trecho de velho poema que aprendera na juventude, nos bancos escolares, cuja letra modificara pessoalmente com os dons poéticos que possuía e que, mais tarde, eu vim a saber, era considerado como um verdadeiro hino pelos membros daquele Sindicato do Crime que chefiava. Uma estrofe dizia:

                                                 - “Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste! Político! Não verás nenhum país como este! (...) “Boa terra, jamais negou a quem conspira e é canalha, o milhão que mata a fome e o palácio que agasalha...”


_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

domingo, 22 de dezembro de 2019

342. Juvenal ‘O Magnífico’


Jober Rocha*


                              Fazia cinco anos que havia me aposentado. Durante trinta longos anos fui servidor público, subalterno, naquela repartição onde padeci durante todo este tempo sob as mãos de vários chefes tiranos.
                                                Na ociosidade, desde então, limitava-me à leitura diária dos jornais, à elaboração de sonetos, ao bate papo com os amigos (que me chamavam, carinhosamente, de ‘Coisinha’) no bar do seu Manuel e a encher a paciência de minha esposa, Heleninha, criticando sua atuação à frente da administração das coisas domésticas.
                                          Certo dia, durante uma leve discussão em casa, Heleninha sugeriu que eu saísse um pouco, que fizesse algum curso, de qualquer coisa, apenas para me ocupar. Enfim, pediu-me que a deixasse em paz...
                                                 Na tarde daquele mesmo dia, passeando pelas ruas do bairro, tive minha atenção despertada para uma placa na porta de um prédio comercial com os seguintes dizeres: “Mestre Marangon - El Rey de los Mágicos – Aulas de mágica para velhos e crianças. Surpreenda seus amigos fazendo mágicas, levitando, serrando pessoas ao meio, desaparecendo no palco, etc. Primeira aula grátis. Sala 606”.
                                              Subindo à sala 606 deparei-me com um tipo gordo, de barba e bigode, vestindo terno preto, que me cumprimentou efusivamente em uma língua mista de português com espanhol. Pela sua entonação e postura pareceu-me estar alcoolizado.
                                                A duração do curso era de uma semana, segundo afirmou, ao preço total de vinte reais. Após a aula grátis, frequentei as aulas pagas e ao final da semana já me considerava um verdadeiro mágico.
                                                Executava truques com cartas, tirava coelhos de cartolas, fazia desaparecer moedas e relógios. Com relação às mágicas mais complicadas, entretanto, ainda tinha algumas dúvidas; pois, em razão de não compreender bem a língua falada pelo Mestre Marangon, algumas passagens dos truques ainda permaneciam obscuras para mim. 
                                                  O fato, todavia, não me preocupava na ocasião, pois pensava fazer apenas truques simples para os amigos e parentes.
                                            O Mestre me havia dito que, para causar boa impressão ao público, eu deveria adotar um nome altissonante que impressionasse os espectadores. Passei, então, a adotar o nome de Juvenal “O Magnífico”. 
                                                 Em um sábado à noite durante a festa de noivado da sobrinha de minha mulher, realizada em clube do bairro, pediram-me para fazer algumas mágicas que distraíssem os convidados por algum tempo.
                                                  Subi ao palco, agradeci aos aplausos e comecei pelos truques mais simples que havia aprendido. Fiz surgir um coelho de dentro de uma cartola e, logo após, tirei cigarros acesos do ar, fiz surgir bolas brancas com simples movimentos das mãos, fiz truques com cartas de baralho, etc.
                                                  Ao fim do espetáculo, como o público empolgado me aplaudisse de pé e pedisse bis, eu, eufórico com a admiração da plateia e querendo me mostrar para os convidados, resolvi apresentar uma mágica, até então, por mim jamais realizada. 
                                                  Anunciei que serraria uma ajudante ao meio e depois a uniria novamente. Trouxe da minha casa, que ficava ao lado do clube, a urna onde deitaria a ajudante e a serra que a cortaria.                                                             Dentre os presentes, sob os protestos dela, escolhi minha própria esposa, Heleninha, para protagonista da mágica, objetivando dar mais veracidade à mesma.
                                                      Ao público pedi silêncio e, sob uma luz lilás, iniciei o meu número de mágica.
                                                  Heleninha deitou-se na urna que foi, por mim, fechada. A seguir, liguei a serra elétrica e comecei a cortá-la ao meio. Terminado o serviço, coloquei duas placas de metal no local do corte, de modo a vedar cada lado da urna que havia sido cortado.
                                          Em seguida separei as duas partes, sob o aplauso do público presente. Minha esposa, dentro de uma das partes da urna, mexia a cabeça e, na outra parte, mexia os pés.
                                                  Em continuação, juntei ambas as partes da urna para finalizar o espetáculo, conforme havia aprendido com Mestre Marangon. Entretanto, olhando para minha esposa, notei que alguma coisa não havia dado certo, pois o corpo dela ainda estava separado, embora as duas partes da urna estivessem unidas.
                                               Na mesma hora, veio-me à mente aquelas instruções de Marangon que eu não havia entendido bem, em razão da língua enrolada que o mestre falava. Algo saíra errado. Depois de várias tentativas infrutíferas, pedi desculpas aos presentes e abaixei as cortinas do palco.
                                               Do camarim, mesmo, liguei para a sala de Mestre Marangon. Uma atendente, falando em castelhano, informou-me que ele havia partido de férias para a Argentina, onde havia sido contratado para técnico de um clube de futebol local e que só retornaria no ano seguinte.
                                                 Aluguei uma ambulância e levei Heleninha para casa, ainda dentro da urna. Para subir pelo elevador do prédio tive de colocar uma parte da urna em cima da outra, já que aquele edifício, por ser de construção antiga, possuía um elevador muito apertado.
                                               Em casa, coloquei a parte da urna em que estava a cabeça e o tronco da minha esposa dentro do quarto do casal. A outra parte eu coloquei no banheiro, pois achei que ficaria mais fácil caso ela sentisse alguma necessidade urgente e imperiosa.
                                                 A seguir, pela internet, procurei outros mágicos que pudessem ajudar-me a unir as duas partes. Informaram-me que o método que havia sido utilizado para separá-la era muito antigo e já superado, não sendo mais utilizado em nenhuma parte do mundo. Dos vários mágicos por mim contatados, nenhum deles sabia como utilizá-lo.
                                                 Conformado, voltei para o quarto e disse à Heleninha: - Minha filha, você vai ter que aguardar até o próximo ano, que é quando meu mestre voltará da Argentina!
                                                   Quando ela abriu a boca para reclamar, calmamente, respondi: - Heleninha, a culpa foi inteiramente sua! Você é que me mandou aprender alguma coisa! Eu estava muito bem no meu cantinho, tomando minha cervejinha com os amigos no Bar do seu Manuel...


_*/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.