quarta-feira, 4 de abril de 2018


186. A Síndrome do ‘Candidato’ ao Prêmio Nobel**


                                                          Jober Rocha*




                                           Muito já se escreveu acerca da chamada ‘Síndrome do Prêmio Nobel’, que consistiria na tendência de alguns cientistas agraciados com o referido prêmio usarem a autoridade e a fama, que vêm juntas com aquela honraria, com o intuito de defender idéias próprias excêntricas ou anticientíficas. 
                                                        O objetivo do presente texto, no entanto, é o de tratar de assunto semelhante, embora totalmente distinto. Tratarei aqui da Síndrome do ‘Candidato’ ao Prêmio Nobel; isto é, dos sintomas que acometem alguns profissionais das Ciências e da Filosofia que, pouco conhecendo a respeito daquilo em que laboram, fazem uso de uma linguagem rebuscada e hermética, unicamente tentando convencer ao seu público alvo de que são detentores de mais cultura científica ou filosófica do que aquela que, de fato, possuem. 
                                                                 Os verdadeiros ganhadores do prêmio Nobel têm todo o direito e a liberdade de defenderem suas idéias, em algumas ocasiões excêntricas ou, até mesmo, anticientíficas. Muitas vezes eles estão anos-luz à frente dos demais mortais e vêem coisas que ninguém mais enxerga, da mesma maneira como Einstein costumava ver. 
                                                              Muitos profissionais das Ciências, a que chamamos de ‘candidatos’ ao Prêmio Nobel, por sua vez, não possuindo completo domínio acerca dos campos em que militam, utilizam-se de linguagens rebuscadas e herméticas aparentemente impressionantes, mas, que, na verdade, ou tratam de coisas irrelevantes e vazias ou dizem respeito a coisas importantes; mas, como não foram bem compreendidas por eles, não souberam tornar simples para seus públicos alvos. 
                                                          Seguramente podemos observar que a maior parte das Ciências (para não dizer que todas elas) e a própria Filosofia possuem vocabulários próprios. São os casos, por exemplo, da Medicina, da Informática, do Direito, da Economia, dá Ética, da Lógica, da Metafísica, etc.
                                                              Evidentemente qualquer língua se torna pobre frente ao progresso das Ciências, tendo que valer-se de palavras em outros idiomas, notadamente os daqueles países mais avançados e que estão à frente nas pesquisas científicas e tecnológicas. Todavia, cabe ao verdadeiro profissional de Ciências a missão de tornar compreendido o incompreensível, fácil o que é difícil, traduzido o que é intraduzível, e não continuar, em um círculo vicioso perene, a mantê-los incompreensível, difícil e intraduzível para os seres humanos comuns.
                                                             O que normalmente tem sido alvo de criticas, e com razão, é o rebuscamento de certos profissionais, gratuito, oco e balofo, como já disse alguém; expediente este quase sempre providencial para disfarçar a pobreza das idéias, a inconsistência de argumentos mal formulados e o desconhecimento do assunto por parte daqueles que se aventuraram nos campos da Ciência ou da Filosofia.
                                                            A arte de qualquer um que trabalhe com as Ciências ou a Filosofia, que seja verdadeiramente competente naquilo que faz, consiste em tornar cristalino, para o leigo ou para seu público alvo, aquilo de complicado que aprendeu e que, com sabedoria, conseguiu tornar simples de compreender para os demais. 
                                                          Quando vejo, hoje em dia, ministros das mais altas cortes fazerem uso da linguagem jurídica conhecida como juridiquês, para absolver criminosos já condenados em várias outras instâncias, eu percebo que não se tratam de senhores de notório saber e do mais vasto conhecimento no campo do Direito, mas, tão somente, de pessoas comuns que tentam com argumentos capengas, ditos de maneira rebuscada e hermética, justificar o injustificável, defender o indefensável e, em instância final, absolver culpados perante uma platéia de leigos, de inocentes e de crédulos.
                                                         Nos campos da Fazenda Pública e da Economia, ministros e seus auxiliares escondem as suas incapacidades em entender e em formular diretrizes que coloquem seus países no rumo certo, mediante o emprego de frases rebuscadas e de difícil compreensão popular. Muitos acham que estes cidadãos são profissionais competentes, independente das tolices que eventualmente digam, apenas pelas palavras não usuais que pronunciam.
                                                              No campo político, deputados e senadores, fazendo uso de termos obscuros e de uma linguagem arcaica, não compreendida pela maioria dos eleitores, tentam se defender de acusações de malversação de verbas públicas, de peculato, de evasão de divisas, etc.
                                                           Em países reconhecidos pelos baixos índices de escolaridade e pelo ensino deficiente, a grande maioria da população possui um vocabulário muito reduzido. Assim, se qualquer autoridade pública ou privada desejar se expressar sem ser compreendida, seja para se defender, para acusar ou para tentar convencer o público, basta fazer uso de palavras não usuais na linguagem popular ou se utilizar do jargão comum aos profissionais das Ciências e da Filosofia.
                                                            Em um estudo levado a efeito no Canadá, denominado ‘On the reception and detection of pseudo-profound bullshit’ (Sobre a recepção e a detecção de bobagens pseudo-profundas), a ideia era entender como as frases aparentemente impressionantes, proferidas por pessoas importantes, e apresentadas como verdadeiras e significativas, mas, que, na verdade, eram irrelevantes e vazias, eram recebidas pelas pessoas que as ouviam ou liam. 
                                                            O estudo concluiu que, quanto mais vulnerável à ‘falsa profundidade’ o indivíduo seja, mais propenso estará de crer em teorias conspiratórias, crendices e superstições. O inverso também deve ser verdadeiro; ou seja, quanto mais supersticioso e crédulo seja o indivíduo, mais sujeito deverá estar às bobagens ditas por pessoas importantes, como sendo coisas profundas e verdadeiras.
                                                              Por outro lado, a falta de pensamento crítico pode nos tornar presas fáceis para notícias falsas e, de forma por nós não percebida, poderemos nos tornar cúmplices ao compartilhar coisas que não espelham a realidade e não batem com a verdade dos fatos. É o que ocorre com freqüência na WEB. 
                                                             Nas redes sociais um grande número de internautas, por lhes faltar pensamento crítico e informações originais colhidas diretamente nas fontes, compartem matérias falsas (os chamados fakes) de cunho político, econômico, militar e psicossocial, propagando boatos inverídicos que podem macular, para sempre e de forma indelével, pessoas e instituições.


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Crônica

Nenhum comentário:

Postar um comentário