196. Não adianta que não vou sair do sério!**
Jober Rocha*
Não sou adepto da Teoria da
Conspiração, mas, ultimamente, tenho percebido alguma coisa no ar além dos
aviões de carreira, como gostava de dizer o Barão de Itararé, que parece ser
dirigida especificamente a minha pessoa, tentando me tirar do sério; ou seja,
querendo que eu adote algumas atitudes radicais pelas quais venha a me
arrepender, futuramente, seja chamado às barras dos tribunais e, eventualmente, fique por alguns anos retirado do convívio público, padecendo em uma cela
isolada em algum lugar remoto no interior do país.
Explico-me melhor: sou um brasileiro
honesto, pagador de impostos, preocupado com a prevalência da justiça nas
relações humanas, até certo ponto caridoso, compreensivo, pacífico; em suma,
ficha limpa por qualquer critério que os leitores queiram estabelecer.
Ocorre, entretanto, que ao acompanhar
diariamente as redes sociais e a mídia, tenho percebido inúmeras notícias ali
plantadas certamente com a única finalidade de me tirar do sério, fazer com que
a minha pressão suba, a taxa de glicose aumente, que o colesterol vá aos
píncaros e leve junto com ele o ácido úrico. Com isso, esperam que eu tenha um
ataque apoplético e que, em seguida, pegue algum tipo de arma e vá para um
ponto alto, de onde possa descarregar a minha raiva sobre pacíficos
transeuntes.
As notícias que vejo, diariamente, dão
conta de que os salários do funcionalismo continuarão atrasados e sem prazo
para serem pagos; que a justiça soltou diversos criminosos presos, por absoluta
falta de espaço nas prisões; que grande parte dos processos criminais,
envolvendo autoridades, prescrevem sem ter ido à julgamento e são arquivados;
que os impostos irão aumentar em razão do tesouro nacional estar quebrado, face
aos gastos com mordomias nos três poderes da república; que, esgotados todos os
recursos legais nos processos envolvendo autoridades, sempre existem outros
recursos adicionais, que podem ser invocados em uma sequência sem fim, que
deixaria estupefatos os matemáticos (inclusive Fibonacci, descobridor da
sequência que leva o seu nome).
E as notícias seguem diariamente,
martelando o meu coração e a minha mente e, de passagem, desregulando o sistema
imunológico: os planos de saúde passarão a cobrar franquia, em caso de doenças;
as placas de todos os veículos automotores terão de mudar, pelas novas placas
do Mercosul; novo aumento do preço da gasolina fraudada; políticos presos
freqüentam a câmara de manhã, dormem na cadeia e recebem seus salários em dia,
inclusive o auxílio moradia.
Termino de ler as notícias e meço a
pressão: 18/11 mmHg. Tomo um Captopril e um Rivotril e deito-me para esperar a
pressão baixar. Acabo dormindo e, ao acordar pouco depois, nada tendo para
fazer, sento-me ao computador para acessar o Facebook.
De imediato sou atingido em cheio pelas
notícias: até abril de 2018 cento e dezesseis policiais foram baleados no Rio
de Janeiro, sendo que destes quarenta morreram; comerciante assaltado cinqüenta
vezes, vende tudo e se muda do país; foram vinte e cinco mil os casos de dengue
no ano de 2016 no Rio de Janeiro, cento e noventa de febre amarela em 2018 com
sessenta mortos. Minha mente, logo a seguir, começou a martelar incessantemente
para o meu corpo: Se acalme e não saia do sério! Se acalme e não saia do sério!
Se acalme e...
A continuação, eu me vi procurando na
tela por sites e links de casas de armas. Ocorre que nos poucos endereços que
encontrei, os preços eram tão altos e a burocracia tanta, que desisti de
continuar buscando pelas ofertas disponíveis.
Desligo o PC e vou para a sala. No
bar, encho um copo com gelo e adiciono duas doses de uísque Jack Daniel. Em
seguida sento-me em uma poltrona, pego o controle da TV e ligo. Antes mesmo de
dar o primeiro gole, vejo a manchete na tela: Brasil tem 14,9 milhões de
pessoas na extrema pobreza. Um pouco mais abaixo desta notícia, vem outra
dizendo que ex-presidentes, já aposentados, possuem quarenta assessores ao
custo anual de cinco milhões e meio de reais.
Desligo a TV, pois percebo que escolhi
a mídia errada para tentar me distrair. Ali só encontrarei baixarias nas
novelas, notícias sobre crimes, fofocas sobre artistas, religiosos pedindo
dinheiro, elogios aos políticos e partidos no poder e algumas outras notícias,
como aquela que eu via, que possuíam o objetivo velado de provocar o surgimento
de doenças auto-imunes em pessoas com perfil igual ao meu.
Resolvo dar um passeio pelas ruas. Não
sei por que, mas, caminhando pelas artérias movimentadas, o meu olhar buscava,
freneticamente, os pontos estratégicos mais altos do centro da cidade. De
repente, não sei como, me vi na estação rodoviária comprando passagens de ida e
volta para Foz do Iguaçu e fazendo reserva em um pequeno hotel, no Paraguai,
bem ao lado de uma casa de armas especializada em fuzis com miras telescópicas e
silenciosos.
De volta a casa naquela manhã, ao
preparar algo de comer na cozinha, pensava comigo mesmo: Será que esta raiva
incontida com as notícias atuais só acontece comigo? Será que todos os
brasileiros estão satisfeitos com o quadro econômico, político e social que se
desenrola perante seus olhos? Será que todos assistem impassíveis as coisas
acontecendo e conformam-se, achando que são inevitáveis e imodificáveis? Será
que tais notícias não são, maquiavelicamente, inseridas na mídia objetivando
tão somente atingir a minha pessoa, sabendo que sou suscetível a elas?
Sem respostas para meus
questionamentos, liguei outra vez o computador e acessei meu site de busca
predileto. A seguir, digitei a palavra Sniper.
Passei o resto daquele dia a ler
sobre a vida de Chris Kyle e de suas ações de franco atirador na Guerra do Iraque. A noite sonhei com munições traçantes, perfurantes, incendiárias e explosivas...
_*/
Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
_**/
Conto.
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