sexta-feira, 27 de abril de 2018

197. Paradoxos religiosos-filosóficos**



Jober Rocha*


                                                                  Paradoxo é definido, pelos dicionários, como a proposição ou o argumento que contraria os princípios básicos e gerais que costumam orientar o pensamento humano ou que desafia a opinião de conhecimento público e a crença ordinária compartilhada pela maioria. Também pode ser entendido como a aparente falta de nexo ou de lógica; contradição.
                                                                      O presente texto possui este título em razão da percepção que tive, recentemente, da existência de alguns paradoxos religiosos-filosóficos, até então, pouco mencionados ou não percebidos por filósofos e religiosos.
                                                                    Trata-se do seguinte: Segundo a religião cristã, dominante no ocidente, mas, também, em conformidade com as demais religiões ocidentais e orientais, nós, seres humanos, encarnamos com a missão de evoluir espiritualmente. 
                                                              Para ajudar nesta evolução, que todas as religiões confirmam, o Criador teria enviado, em épocas distintas, alguns representantes seus para esclarecer o gênero humano sobre como fazer para obter a tão desejada evolução espiritual. Alguns destes representantes deram origem a religiões, que ainda são professadas nos dias atuais.
                                                                   Assim é que, cronologicamente, foram enviados ao nosso planeta os seguintes personagens históricos principais, posto que todas as religiões, segundo elas próprias, teriam sido fruto da revelação divina:

Krishna – 3.228 a.C/ 3.102 a.C           (viveu 66 anos)
     Moisés  - 1.592 a.C/ 1.472 a.C           (viveu 120 anos)
Zaratustra – 660 a.C/ 593 a.C             (viveu 77 anos)
Sidarta Gautama – 563 a.C/ 483 a.C   (viveu 80 anos)
Confúcio – 551 a.C/ 479 a.C                (viveu 72 anos)
Jesus Cristo – 07 a.C/ 33 d.C               (viveu 40 anos)
Maomé – 571 d.C/ 632 d.C                   (viveu 61 anos)
Alan Kardec – 1804 d.C/ 1869 d.C       (viveu 65 anos)

                                                            Observem os leitores que, a exceção de Moisés e de Sidarta Gautama, que conseguiuram chegar aos cento e vinte e aos oitenta anos de idade, todos os demais mensageiros divinos viveram relativamente poucos anos, quando comparados com Moisés, por exemplo, que teria vivido 120 anos, segundo relatos bíblicos contidos em Deuteronômio. Não mencionamos Lutero (que viveu 63 anos), nem Calvino (que viveu 55 anos), por serem teólogos, criadores de seitas dentro do próprio Cristianismo.
                                                                    Por outro lado, a Bíblia, em Gênesis, também menciona o tempo de vida de alguns outros personagens famosos, como, por exemplo, Adão que teria vivido 930 anos, Sete que viveu 912 anos e Matusalém que contou 969 anos de existência. Em que pesem diferenças, porventura existentes, em razão do eventual uso de calendários distintos no estabelecimento das idades destes personagens, mesmo assim, estes três últimos teriam vivido muitos anos mais do que todos os demais.   
                                                                 O que menos viveu foi Jesus, que, supostamente, era o único deles filho de Deus e tinha por missão, especificamente, alertar os seres humanos para a existência de outra vida após a morte e instruí-los acerca de como proceder para evoluir espiritualmente.
                                                           Vejam que no tempo de Jesus a população mundial era de cerca de trezentos milhões de indivíduos (segundo a Enciclopédia Britânica), número muito maior do que o existente no tempo de Adão, Sete, Matusalém e Moisés, tempos aqueles em que se vivia durante séculos e não durante anos. Se a vida durava tanto, era porque o Criador assim desejava ou permitia.
                                                                     Não seria mais óbvio e racional que estes personagens enviados por Deus (que tinham importantes missões em suas vidas, missões estas impostas pelo próprio Criador de todas as coisas, Criador este que tudo pode e, inclusive, é quem determina a idade com que deixaremos as nossas existências corpóreas) vivessem vidas longas, nas quais pudessem atingir um numero muito maior de indivíduos com as mensagens evolutivas ditadas por Deus posteriormente? Por que teriam vivido tão pouco, dada a importância da missão terrena que possuíam?
                                                                       Posso supor duas coisas: ou que, na realidade, eles sempre falaram em nome deles próprios, e não do Criador (e viveram o tempo normal de uma vida humana na época), ou que, paradoxalmente, a presença desses emissários sob a forma corpórea, encarnados no planeta, fosse menos importante que a presença deles sob a forma espiritual, desencarnados; razão pela qual, foram logo chamados de volta pelo Criador que os enviara (e que, assim, viveram também o tempo normal de uma vida humana na época; no caso de Jesus abreviada pelos seus próprios contemporâneos). 
                                                                      Ocorre que o Criador poderia tê-los feito viver muito mais do que viveram, notadamente por que isto já ocorrera anteriormente, como nos casos de Adão, Sete e Matusalém, segundo relatos bíblicos.
                                                                             Isto me faz lembrar um livro que li há muitos anos, segundo o qual um daqueles judeus que observavam Jesus caminhando com a cruz nas costas, teria repreendido a sua lentidão. Jesus voltando-se para ele teria dito: - Eu vou, mas você ficará me esperando até que eu retorne pela segunda vez. O referido judeu, desde então, ainda continuava vivo; tendo passado por diversos episódios da História sem conseguir morrer. Saia sempre incólume dos maiores perigos, pois aguardava a volta de Jesus para poder partir.
                                                                 Voltando ao assunto anterior, mesmo neste último caso suposto, ainda permanece a dúvida: tendo deixado de inocular em suas criaturas, talvez por esquecimento, as noções acerca do Reino dos Céus (também conhecido como Orun no Candomblé; Tian no Confucionismo; Moksha, Svarga, no Hinduísmo; Samsara no Budismo; Sheol/Cassiel no Judaísmo; Céu no Cristianismo; Colonias espirituais no Espiritismo e Jardim do Eden para os Islamitas) e tendo a necessidade de enviar, posteriormente, emissários seus que mencionassem a existência destes locais e ensinassem aos humanos como chegar a eles após a morte; isto não evidenciaria a imperfeição da criação de um Ser Perfeito, que tudo pode? E, ainda mais, podendo deixá-los viver muitos séculos, como parece que ocorreu com Adão, Sete e Matusalém, o fato de levar os demais de volta tão cedo, em épocas onde a informação caminhava a passos de tartaruga, os povos viviam isolados, os meios de transporte eram precários e a maioria não sabia ler nem escrever, não lhes parece, caros leitores, medida tempestiva e prejudicial aos desígnios do próprio Criador?
                                                                Ademais, cada um destes enviados transmitiu mensagens diferentes aos seres humanos. Todas elas positivas, mas ensinando caminhos distintos para alcançarem a evolução espiritual e o Reino dos Céus. Qual teria sido o motivo para tamanha discrepância? Mais uma vez volto a questionar: falavam tais personagens em nome deles próprios ou o Criador (como o velho guerreiro Abelardo Barbosa, o Chacrinha) queria apenas confundir-nos e não explicar.
                                                               Por outro lado, segundo a Bíblia, Deus teria escrito dez mandamentos em tábuas de pedra e entregue a Moisés (a descrição deste fato pode ser encontrada na própria Bíblia, em Êxodo e em Deuteronômio). 
                                                           Sendo esta uma oportunidade única de comunicação, entre o Deus Criador e as suas criaturas, parece-me que Ele ficou muito apegado às coisas mundanas, pois, em Êxodo 20:1-17, encontramos, dentre outros, os seguintes mandamentos:

- Não terás outros Deuses diante de mim (então, parece que existiriam outros Deuses, já que foram mencionados pelo próprio Deus?);
- Não farás para ti ídolo de escultura (será que isto era tão importante assim, para constituir um mandamento? De qualquer forma, a religião católica, que adotou estes dez mandamentos, parece não haver seguido este, pois faz uso de imagens em suas igrejas);
- Sou Deus zeloso que visito a iniquidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam (pelo que entendi Ele perseguiria até a quarta geração daqueles que O odiavam. Se Ele era um Deus tão bom e amoroso, não o odiariam e, caso o fizessem, Ele não perseguiria ninguém. Vejo aí uma contradição evidente entre o que dizem Dele e o que Ele mesmo diz sobre si);
- Eu faço misericórdia a milhares dos que me amam e aos que guardem os meus mandamentos ( e aos demais, que não o amavam e não guardavam seus mandamentos, mas eram seus filhos, suas criaturas? E aqueles que não o conheciam por nunca terem ouvido nele falar? E aqueles que não conheciam os seus mandamentos, que foram entregues, especificamente a Moisés, que vivia isolado em um pequeno local do planeta na ocasião?);
- Não cobiçaras a mulher do teu próximo, o seu escravo, nem o seu boi, nem coisa alguma do teu próximo (estas me parecem preocupações mais humanas que divinas, vigentes naquela época, não preocupações de um Deus que deveria aproveitar esta oportunidade única de enviar uma mensagem para as suas criaturas, mensagem que vencesse os anos, as gerações e as épocas. Quem cobiça boi ou escravo do próximo, na atualidade?). Chego a pensar que, na realidade, estes mandamentos, tidos como divinos, foram escritos por mãos humanas, preocupadas com os problemas comuns da época em que o texto foi escrito.

                                                                  Outros paradoxos já foram mencionados por filósofos antigos. Voltaire, por exemplo, em sua obra Dicionário Filosófico, alerta que no livro do Gênesis (primeiro livro tanto da Bíblia Hebraica quanto da Bíblia Cristã e cuja tradição judaico-cristã atribui a sua autoria a Moisés, inspirado este por Deus com quem dialogava com frequência) destaca-se a seguinte contradição:

                                                                   “Deus disse: Faça-se a luz, e a luz foi feita e Deus viu que a luz era boa e separou a luz das trevas; e a luz chamou dia e às trevas noite; e a tarde e a manhã foram o primeiro dia”. 
                                                                 O sol e a Lua, segundo o livro sagrado, foram criados, apenas, quatro dias depois da criação da luz por Deus. Os antigos, que escreveram o Gênesis, não sabiam que a luz vinha do sol e achavam que ela possuía vida própria; razão pela qual, na referida obra divina, a luz veio primeiro que o sol, que só foi criado dias depois; deixando claro que aquele se tratava de um livro humano e não divino.  
                                                                  Em outro capítulo do Gênesis, encontra-se: “Deus criou o macho e a fêmea”. Mais a frente, em capítulo seguinte, diz-se: “Logo que Adão adormeceu Deus tomou-lhe uma das costelas e pôs carne em seu lugar. Da costela que tirara de Adão formou uma mulher e trouxe-a a Adão”.
                                                                 Ocorre que um capítulo antes Deus já havia criado o macho e a fêmea, portanto, por que subtrair uma costela do homem para daí fazer uma mulher? – questiona o filósofo.
                                                              Outra contradição existente no Gênesis: “Quando Deus começou criando o firmamento e a Terra, tudo era de início um Caos e como uma massa amorfa, com o Espírito de Deus planando sobre os vapores que enchiam as trevas”.
                                                                  Segundo a concepção do filósofo, o Universo sempre existiu. Por que razão? Porque o Caos e Deus não poderiam coexistir juntos. Um excluiria o outro; posto que, são conjuntos mutuamente excludentes. Deus representa a perfeição e está em todos os lugares, sendo infinito, eterno e autor das leis universais e imutáveis que regem a natureza, segundo a Bíblia; enquanto o Caos representa a imperfeição, a falta de ordem e de leis universais. A existência de um implica, evidentemente, na não existência do outro.
                                                                       Ainda, segundo o filósofo, das duas uma: ou o Deus sempre existiu e o Caos não passa de uma invenção humana ou alguém criou Deus depois da existência do Caos.  Se Deus já existia durante o caos, porque deixou que o caos existisse? Se não existia e alguém o criou depois do caos, ele não é o Deus Criador, mas uma criatura de algum outro Deus maior e mais poderoso. Logo, a única explicação racional é a de que Deus sempre existiu. Se Deus não existisse e o caos sempre houvesse existido, continuaria existindo o Caos até hoje e o universo não teria sido criado, pois nada pode surgir do nada, na ausência de Deus.
                                                                        Por que Deus criou o Universo? A resposta agora é minha e não do filósofo: Por que ninguém é Deus para si mesmo. Para que algo (ou alguém) seja um Deus Criador, tornam-se necessários a existência da criação e das criaturas. Deus, portanto, se existe realmente, criou o Universo por absoluta solidão.


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.


_*/ Ensaio.


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