191. Os Novos Bárbaros?**
Jober Rocha*
Entre os anos 300 e 800 d.C., partindo da Europa Central e estendendo-se por todo o Continente Europeu, um grande contingente humano penetrou nos domínios do Império Romano.
Tais invasores não partilhavam os mesmos costumes e cultura, nem possuíam a mesma organização política dos romanos. Embora em alguns casos de forma violenta, estas invasões se deram, normalmente, de maneira pacífica; pois os invasores fugiam de suas terras em razão de incursões dos Hunos, de pressões populacionais ou de alterações climáticas que reduziam a disponibilidade de alimentos.
Noticias recentes de Portugal afirmam que os portugueses, outrora apaixonados pelos brasileiros, estão desejosos de se verem logo livres deles.
Portugal, país com reduzida taxa de natalidade, com laços afetivos com o Brasil e de olho nas fortunas que aqui eram e são feitas da noite para o dia; notadamente entre políticos, empresários e dirigentes de estatais e de órgãos do governo, resolveu, há alguns anos, abrir as suas portas para nós. Tanto é assim, que inúmeras matérias na mídia e nas redes sociais incentivam os brasileiros a se mudarem para aquele país.
Os profissionais liberais (médicos, dentistas e engenheiros, principalmente) e os aposentados (profissionais liberais pertencentes às classes A e B, que possuem aplicações financeiras de vulto; empregados de empresas estatais, que possuem aposentadorias milionárias; ex-políticos e altos funcionários dos três poderes da república do Brasil) são aqueles que mais interessam ao país irmão receber em seu território. Os primeiros pelos conhecimentos que carregam e os segundos pelas gordas aposentadorias e pelas aplicações financeiras que podem fazer em Portugal. Muitos destes novos imigrantes possuíam nacionalidade européia, posto que descendentes de imigrantes europeus que ao Brasil chegaram, durante e depois da colonização.
Ocorre que, passados alguns anos, o povo português deu-se conta de que, embora a língua que estes brasileiros falassem fosse a mesma e as suas origens, em muitos casos, fossem comuns, a cultura e a educação daquelas pessoas que chegavam estava muito aquém daquilo que os lusos esperavam. Reproduzo, a seguir, matéria recente sobre o assunto, divulgada no Facebook por Sidney Resende@sidneyresende:
“Portugueses começam a ficar incomodados com a enxurrada de brasileiros endinheirados que estão trocando nosso país pelo deles. Eles dizem que são pessoas que se acham melhores do que as outras, apesar de terem baixíssima cultura e civilidade.
- Gente sem classe – disse uma senhora.”
Seremos nós os novos bárbaros a invadir e assolar a Comunidade Européia, depois da onda dos refugiados islâmicos, é a pergunta que alguns de nós fazem a si mesmo?
O fato é que, em razão das atuais condições do Brasil, aqui a vida se tornou quase impraticável e insuportável, notadamente nas capitais e nas grandes cidades: trânsito congestionado em todas as horas; violência e crime correndo soltos pela ausência da policia (com pouco efetivo, desestimulada pelos baixos salários, com viaturas e armas defasadas, sem apoio das autoridades, etc.); serviços médicos e hospitalares abaixo da crítica (em razão do desvio de recursos do setor por autoridades, dos baixos salários, da falta de medicamentos e instalações, etc.). Corrupção desenfreada nas altas esferas, aparelhamento político e ideológico dos três poderes da república, etc. etc. etc.
Muitos brasileiros que, ao longo da vida, acumularam riqueza de forma honesta ou de maneira fraudulenta, ao final desta, já aposentados, resolveram buscar um local tranqüilo, onde falassem a sua mesma língua, para usufruírem os últimos anos de existência. O lugar ideal, sem dúvida, era Portugal.
Jovens profissionais liberais, que anseiam por um futuro onde tenham a possibilidade de criar seus filhos em segurança, onde encontrem empregos e não necessitem ter diversos para sobreviver medianamente (normalmente longe, uns dos outros, e sem transporte rápido e confortável entre eles), onde desfrutem de lazer com qualidade, boa alimentação, serviços médicos eficientes, etc. O lugar ideal, sem dúvida, era Portugal.
Entretanto, é preciso que percebamos que este comportamento do brasileiro no exterior tem as suas razões. Foram anos e anos vivendo em um país onde a lei vale apenas para alguns e não para todos; onde o dinheiro e o poder ditam as regras; onde quase nada funciona sem uma propina; onde quem manda e faz as regras são as minorias; onde o ensino situa-se abaixo da crítica; onde a impunidade campeia e uma parcela ínfima dos crimes cometidos é apurada e os responsáveis punidos; onde presos condenados vivem soltos pelas ruas; onde políticos condenados passam à manhã em seus gabinetes, na câmara e no senado, e à noite dormem nos presídios, recebendo, ainda, seus gordos salários no final do mês; onde a imprensa, os movimentos de esquerda e os de direitos humanos estão, quase sempre, do lado dos infratores (tratando-os como vítimas do sistema e injustiçados) e contrários às forças da lei e da ordem.
Como esperar que, vivendo anos em um país como este e convivendo com estas realidades, as pessoas não se adaptem a esta maneira de viver e ajam, quando em outros países, de modo totalmente diferente daquele que norteia as populações locais?
Podemos comparar o comportamento dos brasileiros no exterior com aqueles dos refugiados islâmicos, que se asilaram na Europa. Eles, como os islâmicos, querem reproduzir ali os seus costumes e modo de vida, sem atentar para os costumes locais e o modo de vida daqueles que os acolheram.
Já tive a oportunidade de presenciar inúmeros fatos e acontecimentos ocorridos com brasileiros no exterior. Muitos são devidos ao puro desconhecimento das realidades locais. Por exemplo, em pleno inverno europeu, com temperaturas abaixo de zero e nevando, um casal de brasileiros entra falando alto, em uma cafeteria com a calefação ligada, e deixa a porta da rua, atrás deles, aberta, fazendo com que o frio e a neve penetrassem com força no ambiente. Todos os presentes, percebendo que eram brasileiros, deram-lhes uma copiosa vaia, fazendo com que se retirem apressadamente do local.
Furar filas; falar alto em ambientes públicos; jogar lixo no chão; não agradecer; querer ser mais esperto que os demais; incomodar os seus vizinhos com barulhos e gritarias; são todos comportamentos comuns no Brasil, mas incomuns na Europa.
Não vale alegar que aqueles que nos colonizaram faziam o mesmo ou pior, no Brasil. A História caminhou e desde o ano de 1822 somos independentes de Portugal. Desde 1889 somos uma república, governada por um presidente e não por um monarca. É mais do que tempo suficiente para organizar um país, fazer leis e obrigar todos a cumpri-las. É mais do que tempo para ensinar cidadania aos brasileiros, convivência social, respeito aos direitos alheios. Se não soubemos fazer isto, até então, a falha foi nossa e de nossas elites.
Os antigos bárbaros fugiam das hordas de hunos; os novos fogem dos traficantes, do crime organizado e dos políticos corruptos brasileiros. Os velhos bárbaros invadiam o Império Romano por pressões populacionais ou alterações climáticas; os atuais, pela falta de perspectiva no país de origem, em razão da falência econômica e das instituições, motivada por sucessivos governos incompetentes que, por razões ideológicas, afastaram do país grandes empresas, romperam velhas alianças, alienaram patrimônios nacionais, abriram mão de direitos em favor de terceiros ou abdicaram deles, provocaram desemprego, crises, etc.
Só resta pedir um pouco de compreensão aos nossos irmãos portugueses (e europeus). Deem um pouco mais de tempo para que os brasileiros, recentemente residentes na Comunidade Européia, se acostumem a viver em países onde as leis, as normas e as regras são, por todos, cumpridas. Onde o chamado foro privilegiado para políticos e autoridades (direito de não ser julgado na Primeira Instância, mas, apenas em Instância superior) não existe. Saibam que em nosso país, quase cinqüenta mil pessoas, membros da elite, possuem o chamado foro privilegiado, que lhes assegura o direito de serem julgados por uma corte onde os juízes são nomeados pelo presidente da república (sem a realização de concurso público), sendo que muitos dos nomeados jamais haviam sido juízes anteriormente.
Que perdoem nossos maus modos e nossas idiossincrasias, mas que sejam rigorosos com aqueles que violam as leis em seus territórios. Ensinem cidadania aos brasileiros que aí vivem e que, porventura, ainda não a conhecem.
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
_**/ Crônica.
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