192. Sobre o determinismo dos fatos na existência humana**
Jober Rocha*
O determinismo consiste, em linhas gerais, no conceito filosófico segundo o qual todos os fatos são baseados em causas; isto é, todo acontecimento é regido por uma determinação, de caráter natural ou sobrenatural. Assim, limitado por leis imutáveis, tudo na Natureza estaria determinado e a liberdade de escolha ou o livre-arbítrio consistiria, apenas, em uma ilusão.
Modernamente foram sugeridos três tipos de determinismo: o pré-determinismo (as causas estariam todas no passado), o pós-determinismo (as causas estariam todas no futuro) e o co-determinismo (os efeitos de uma causa podem gerar as causas de outros efeitos).
As correntes filosóficas e os principais filósofos que estudaram o assunto alternam-se, aceitando ou não o determinismo, reconhecendo ou não o livre-arbítrio. As culturas mais antigas, orientais, sob a influência do budismo e do hinduísmo, optaram por uma visão determinística da existência humana, que beneficiaria a evolução da alma.
As culturas ocidentais, sob a influência do judaísmo/ catolicismo/protestantismo, optaram por uma visão de livre-arbítrio, que beneficiaria a satisfação dos desejos do ego. Estas duas visões distintas podem, talvez, justificar o estagio de desenvolvimento econômico e científico mais elevado no ocidente que no oriente.
No próprio ocidente cristão os países de religião protestante, que consideram ademais a importância do sucesso material para a entrada no reino dos céus, desenvolveram-se mais (econômica e cientificamente) do que aqueles de religião católica, para os quais a riqueza importa menos quando se trata de fazer parte deste reino.
Em Mateus, 19,16 a 22, Jesus, supostamente, teria dito: “... um rico dificilmente entrará no reino dos céus... é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no reino de Deus”.
Em que pesem possíveis erros de tradução e de interpretação daquilo que, supostamente, teria dito Jesus, pode-se notar, no entanto, a importância crucial que a escolha, dentre um destes dois tipos de visão (determinística ou de livre-arbítrio), teve, até agora, na história do desenvolvimento econômico e científico da civilização humana.
O próprio trato com a natureza e a visão acerca do meio ambiente, têm sido influenciados por estes dois tipos de maneira de encarar a vida. A ideia filosófica básica, sobre Deus, das culturas orientais, é a de que este é imanente a nós e a todos os demais seres; enquanto a cultura ocidental o considera como um ser transcendental e distante de nós.
A ideia de Deus imanente em todos os seres fortaleceu-se de tal modo no oriente, que acabou por surgir á ideia de que tudo é Deus, o que se denominou de Panteísmo. Conforme o Panteísmo, todos os seres e toda a existência de Deus são concebidos como um todo; isto é, “Deus é a cabeça da totalidade e o mundo é seu corpo”.
As mais importantes religiões orientais (hinduísmo e budismo) são panteístas. O panteísmo oriental acentua o caráter intrinsecamente religioso da Natureza; isto é, toda ela está animada pelo alento divino e, por isso, é como se fosse o corpo da divindade que, como tal, deve ser respeitado e venerado.
No ocidente, os críticos do Panteísmo o acusam de ser uma espécie de Ateísmo que nega a personalidade de Deus como sendo externa ao próprio universo. O Catolicismo afirma que o Panteísmo questiona não somente a fé católica, mas, segundo ele, o bom senso e a sã razão. Com efeito, para o Catolicismo, Deus não poderia (nem parcialmente) identificar-se com o mundo, pois, por definição, é absoluto, necessário e ilimitado; ao passo que o mundo é relativo, contingente e limitado.
Além disto, o Catolicismo afirma que não pode haver evolução ou progresso em Deus, pois toda evolução pressupõe ou aquisição ou perda de perfeição; o que, em qualquer caso, implica em imperfeição, o que seria absurdo, por definição, em Deus.
Assim, para o Catolicismo, Deus é, essencialmente, distinto do homem, do mundo e da realidade visíveis, já que é absoluto e eterno, ao passo que as criaturas sensíveis são relativas, transitórias e temporárias. As principais religiões e doutrinas religiosas ocidentais são monoteístas (Judaísmo, Catolicismo, Protestantismo e Espiritismo).
Por sua vez, a crença politeísta das populações indígenas da América do Norte, Central e do Sul manteve preservada a Natureza no novo continente, até a chegada do colonizador europeu. Considerando que a Natureza era povoada de Deuses (Deus das águas, dos animais, da terra, das colheitas, do sol, do ar, etc.), destruí-la era destruir os Deuses ou destruir aquilo que a eles pertencia.
O Sistema Capitalista, que se iniciou no ocidente com a Revolução Industrial, trouxe ao mundo a ideia de que a redenção da humanidade estaria no crescimento econômico e no progresso, atendendo aos anseios do ego. O que se busca e deseja são mais qualidade e quantidade de bens duráveis, bens de consumo de todo tipo, bens de produção, etc.
Na ânsia pela produção destes bens, muitas vezes supérfluos, que, supostamente, visariam atender às necessidades dos seres humanos, a Natureza é vista como uma fonte de recursos inesgotável e, muitas vezes, gratuita. Com isto, a pilhagem, a destruição e o desperdício, em escalas mundiais, têm se intensificado em nome do progresso.
Muito desta destruição atual se deve à maneira como os seres humanos encaram a Natureza. Ao considerá-la, em razão de crenças religiosas, como tendo sido criada por Deus, apenas, para a satisfação de nossos desejos, como acontece no ocidente, passamos a consumi-la sem culpa, sem remorsos e sem cuidados.
Caso vigorassem aqui visões panteístas ou politeístas da divindade, certamente, o consumo do meio ambiente seria menor; já que, filosoficamente, pensaríamos diferente com relação à natureza da divindade.
A globalização da economia, com a expansão do Sistema Capitalista para o oriente, tem feito (e continuará fazendo) com que aumente a destruição do meio ambiente e que o consumo da Natureza, nesta parte do globo terrestre, cada vez mais deixe de ser feito de maneira sustentável.
Com base no que dizem as religiões e a filosofia, podemos, então, estabelecer as seguintes hipóteses: 1. A existência humana é determinística e Deus está em toda a Natureza (Budismo, Hinduismo, Sufísmo, Confucionismo, Taoísmo e Xintoísmo); 2. A existência humana é determinística e Deus está fora da Natureza (Islamismo, Espiritismo); 3. A existência humana possui total livre-arbítrio e Deus está em toda a Natureza (nenhuma religião comunga com esta hipótese, pois, aparentemente, se trataria de uma contradição religiosa); e 4. A existência humana possui total livre-arbítrio e Deus está fora da Natureza (Judaísmo, Catolicismo e Protestantismo).
Cada uma destas hipóteses implicaria em uma maneira diferente, para seus seguidores, de encarar a vida e os demais fenômenos metafísicos.
A primeira hipótese seria a que mais nos aproximaria do Criador (que estaria na própria Natureza) e, portanto, implicaria em uma menor necessidade da intermediação por parte de organizações religiosas entre Deus e os homens, além de induzir a uma maior pratica das chamadas virtudes, por parte dos cidadãos, em razão da visão determinística da existência.
A última delas seria a que mais nos distanciaria do Criador, criando, assim, uma necessidade maior da presença de instituições religiosas para servir de ponte entre o Criador e as criaturas e induziria a uma maior pratica dos chamados vícios (pecados), por parte dos cidadãos, em razão da visão religiosa de livre arbítrio e do constante apelo do Sistema Capitalista para a satisfação dos desejos do ego.
A ciência, por sua vez, também tem efetuado inúmeras tentativas de responder a questão do determinismo versus livre-arbítrio, através de pesquisas científicas.
O pensamento científico, de uma maneira geral, vê o universo de maneira determinística, e alguns pensadores científicos creem que para predizer o futuro é preciso, simplesmente, dispor de informações sobre o passado e o presente. A crença atual, entretanto, consiste em uma mescla de teorias determinísticas e probabilísticas.
Albert Einstein, determinista, acreditava na Teoria da Variável Oculta, isto é, de que no âmago das probabilidades quânticas existiriam variáveis determinadas.
Do mesmo modo que os físicos, os biólogos também tratam da questão do livre-arbítrio, através da Natureza e da Nutrição. Questionam, assim, a importância da Genética e da Biologia, na influencia do comportamento humano, quando comparadas com a Cultura e o Ambiente.
Existem várias desordens relativas ao funcionamento do cérebro e que, na Medicina Neurológica, alguns chamam de ‘desordens do livre-arbítrio’, como a neurose obsessivo-compulsiva, em que o indivíduo sente uma necessidade incontrolável de fazer algo contra a sua própria vontade. Outras síndromes, como a de ‘Tourette’ e a da ‘Mão Estranha’, levam o individuo a fazer movimentos involuntários, sem que tenha a intenção de fazê-los.
Na Ciência Cognitiva, no Emergentismo e na Psicologia Evolucionária, o livre-arbítrio seria a geração de quase-infinito possíveis comportamentos, através da interação de conjunto finito e determinado de regras e parâmetros. As experiências de livre-arbítrio surgiriam, assim, da interação de regras finitas e de parâmetros determinados, que gerariam comportamentos infinitos e imprevisíveis.
Em que pesem os avanços obtidos pela ciência, de um modo geral, ainda, nós estamos longe de poder encontrar explicações para os fenômenos metafísicos que, há milênios, ocupam constantemente o pensamento daqueles que se interessam pelo assunto.
As teorias religiosas, filosóficas e cientificas têm-se sucedido, umas as outras, em um perpétuo embate ideológico pela primazia da posse sobre a verdade metafísica. A maior parte delas tenta esconder seu total desconhecimento sobre como as coisas ocorrem naquela realidade, através de textos muitas vezes rebuscados, ininteligíveis ou herméticos.
Pelo que podemos deduzir, com base em todas as informações a que até agora tivemos acesso, parece que tem sido constantemente negado ao ser humano, desde o inicio dos tempos até os dias atuais, o conhecimento irrefutável de como as coisas se passariam no território em que penetramos após a morte.
As únicas instituições a se aventurarem a alguma incursão a respeito, neste campo, são as religiosas, que, todavia, o fazem não através de uma comprovação científica, mas, sim, da chamada ‘revelação’, que necessita da fé para se transformar em verdade aceita.
Em minha modesta opinião, as grandes diretrizes que nortearão as nossas existências possuem características deterministas, isto é, não dependem de nós, como, por exemplo a nossa genética (características físicas, morfológicas e biológicas) e o nosso caráter (características psíquicas e emocionais de personalidade e caráter; ou sejam, disposições congênitas, índole, natureza e temperamento). Outras decisões de menor importância poderiam ser ditadas pelo livre-arbítrio, mas, mesmo estas, creio que dependerão, em última análise, de nossa personalidade e do nosso caráter. A propagação acerca da existência do livre-arbítrio, serve para que tenhamos a falsa ideia de que somos livres para decidir sobre nossas vidas; isto é, que possuímos total liberdade de escolha. Na prática, esta liberdade de escolha só existe nas coisas mais simples. Por outro lado, o livre-arbítrio justificaria a existência do pecado, que ocorreria quando, podendo escolher entre o bem e o mal, escolhemos pelo mal e não pelo bem. Para livrar-nos do pecado ou para absolvê-lo, necessitaríamos dos sacerdotes, únicos credenciados para falar em nome do Criador de todas as coisas.
Em minha modesta opinião, as grandes diretrizes que nortearão as nossas existências possuem características deterministas, isto é, não dependem de nós, como, por exemplo a nossa genética (características físicas, morfológicas e biológicas) e o nosso caráter (características psíquicas e emocionais de personalidade e caráter; ou sejam, disposições congênitas, índole, natureza e temperamento). Outras decisões de menor importância poderiam ser ditadas pelo livre-arbítrio, mas, mesmo estas, creio que dependerão, em última análise, de nossa personalidade e do nosso caráter. A propagação acerca da existência do livre-arbítrio, serve para que tenhamos a falsa ideia de que somos livres para decidir sobre nossas vidas; isto é, que possuímos total liberdade de escolha. Na prática, esta liberdade de escolha só existe nas coisas mais simples. Por outro lado, o livre-arbítrio justificaria a existência do pecado, que ocorreria quando, podendo escolher entre o bem e o mal, escolhemos pelo mal e não pelo bem. Para livrar-nos do pecado ou para absolvê-lo, necessitaríamos dos sacerdotes, únicos credenciados para falar em nome do Criador de todas as coisas.
Considerando que a espécie humana é portadora de características muito especiais, que lhe conferem um lugar de destaque entre as demais espécies, através do seu desenvolvimento intelectual e do acumulo de conhecimento proporcionado pelo progresso das ciências, chegaremos, com certeza, a descobrir como as coisas ocorrem do outro lado; mesmo porque, em conformidade com o nosso ponto de vista, grande parte dos fenômenos metafísicos de hoje serão, apenas, simples fenômenos físicos amanhã.
Pelo fato de desconhecermos, no presente, as verdadeiras explicações para estes fatos, os colocamos para além da Física. Entretanto, todos eles não passariam de simples fenômenos pertencentes ao campo das ciências, conforme constataremos, com certeza, futuramente.
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
_**/ Ensaio.
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