sábado, 13 de agosto de 2016

120. Nada como a liberdade de estar preso em uma cela**


Jober Rocha*


Existem duas maneiras de qualquer cidadão vir a encontrar-se, algum dia, em uma cela de prisão: de modo compulsório ou de forma voluntaria. Os criminosos, normalmente, lá estão compulsoriamente (digo os criminosos normalmente, por que existem os casos de erros judiciais, em que um cidadão inocente pode se encontrar preso compulsoriamente, como se criminoso fosse, sem nenhuma razão para estar ali). Os monges, por sua vez, sábios e filósofos, se aprisionam em celas de mosteiros voluntariamente.
Estes comentários que faço me ocorreram pelo seguinte motivo: tendo saído de casa para uma simples caminhada pelo calçadão, fui surpreendido por tantos e tão desagradáveis acontecimentos, que a conclusão a que cheguei e que dá título a esta crônica, veio-me à mente como a única alternativa para alguém que, como eu, deseja ter os últimos dias da sua existência transcorrendo em paz e de forma agradável.
Tendo iniciado a minha caminhada, pouco tempo depois, fui abordado por dois indivíduos que saltaram armados de um automóvel e renderam todos os passantes, levando aquilo que eles portavam em suas caminhadas. Telefones celulares, cordões de ouro, relógios e pulseiras, rádios portáteis, anéis, carteiras, etc.
Como a chave do meu carro havia sido por mim colocada na meia do tênis que eu calçava, ela passou despercebida e perdi apenas o telefone celular.
Desistindo de caminhar, resolvi pegar o carro e voltar para casa. Triste idéia. Logo ao entrar no veículo, passei a sentir um cheiro forte e nauseante. Olhando para os pés percebi que havia pisado em excrementos humanos, cujo odor fétido é bem maior do que o dos cachorros. Fiquei alguns minutos limpando as solas do tênis, o tapete do carro e os pedais, todos já contaminados com aqueles excrementos.
         Finalmente, ao tentar dar a partida no veículo, reparei em um papel preso no limpador do vidro. Ao retirá-lo, vi que se tratava de uma multa por estacionar em local proibido.
      Sai dali e tomei o caminho de casa. Pouco mais a frente, fui obrigado a parar em razão do engarrafamento, que se formara naquela rua, em decorrência das obras emergenciais da prefeitura. Como a via era de mão única e não era permitido ir a frente, tampouco era possível ir para trás, devido a uma enorme fila de veículos parados. Já havia transcorrido cerca de duas horas quando, finalmente, a prefeitura liberou a rua e o transito pode fluir. Não preciso dizer que a roda do meu carro caiu em um buraco mal tapado durante a obra e o aro amassou, esvaziando o pneu.
         Após a troca do pneu pelo estepe com a ajuda de algumas pessoas, segui rápido para casa. Tão rápido que ao passar por um 'pardal' levei uma multa (fato que só fiquei sabendo alguns meses depois, quando ela chegou a minha casa). Ao entrar no prédio, raspei o paralamas do carro na coluna da garagem; sendo notificado pelo síndico de que, no dia seguinte, iriam mandar consertar a coluna e que mandariam a conta para mim.
          Tomei, em seguida, um banho frio para me acalmar e, pouco depois, deitado, pensava em como teria sido tão melhor ter ficado em casa lendo um bom livro ou escrevendo uma crônica. Sair de casa em uma cidade grande é sinônimo de aborrecimentos, mesmo que seja apenas para passear. Cheguei à conclusão de que aquela era a verdadeira razão para que os criminosos sempre retornassem à prisão, por mais que as autoridades judiciárias os pusessem no olho da rua, alegando falta de espaço ou penas já cumpridas. O único lugar realmente tranqüilo era dentro de uma cela, fato reconhecido por todos os criminosos que das suas teimam em não querer sair ou, se acaso saem, é para elas logo retornarem. Da mesma forma, aquela também era a razão para que os monges (reconhecidos como pessoas sábias e amantes da paz e da tranqüilidade), voluntariamente, buscassem celas e cubículos nos mosteiros isolados de onde não pretendiam mais sair, a não ser para outras dimensões e, mesmo assim, deixando para trás os seus velhos corpos que tanta canseira e tantas dores lhes proporcionavam.
           A partir daquele fatídico dia, mandei gradear a janela do meu quarto (não para que não possam entrar, mas para que eu não possa sair), coloquei um cadeado na porta do quarto (por dentro), enchi a geladeira do cômodo de alimentos, comprei diversos livros e algumas garrafas de bagaceira portuguesa e, desde então, vivo no paraíso terrestre. Não atendo mais o telefone, coloquei todas as contas no débito automático e passo os meus dias lendo e escrevendo. Finalmente, agora preso em meu quarto, pude encontrar a tão sonhada liberdade...

_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Crônica premiada em quarto lugar, entre os dez classificados, no VII Concurso Perolas da Literatura 2016, promovido pela Prefeitura de Guarujá, São Paulo.


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