122. Visitando uma Loja Maçônica em Beirute
Jober Rocha*
Em novembro do ano de 1876, quando de uma viagem ao Líbano, o Imperador do Brasil, D. Pedro II, permaneceu por cinco dias naquele país, com uma comitiva de aproximadamente duzentas pessoas, dentre elas damas, barões, condes e viscondes. Alguns destes nobres que o acompanhavam eram maçons e haviam conseguido intermediar um contato do imperador com a mais alta autoridade maçônica do Líbano, Boulos Mass’ad, que também era o patriarca da Igreja Maronita Libanesa.
D. Pedro II compareceu ao encontro no Grande Oriente do Líbano, na cidade de Beirute, na noite de 12 de novembro de 1876, e estava ele acompanhado por dois condes e um barão, todos os três membros da sua comitiva e igualmente trajados como o imperador, de fraque preto, luvas brancas e cartola preta. Os três serviram de anfitriões à D. Pedro II, por terem sido eles que haviam agendado àquela visita de cortesia.
Tratado como um visitante ilustre, Pedro II sentou-se no oriente de uma das Lojas Maçônicas existentes na sede do Grande Oriente Libanês, ao lado das dignidades maçônicas presentes, muito embora não fosse um maçom. Nas seções abertas, quando é permitida a entrada de não maçons nas lojas, estes costumam sentar-se na parte ocidental da loja, mas, em deferência ao imperador, cujo pai, D. Pedro I, havia sido grão mestre da Ordem Maçônica no Brasil, foi-lhe concedida àquela prerrogativa.
Após a abertura ritualística, o Venerável Mestre da Loja fez uma longa saudação a D. Pedro II, na Ordem do Dia. Enquanto ele falava, D. Pedro recordava que o seu avô, D. João VI, através da Carta de Lei assinada em 20 de junho de 1823, havia suprimido todas as sociedades secretas, no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, quaisquer que fossem as suas denominações, punindo com a pena de degredo para a África por, no mínimo, cinco anos; além da multa de cem mil réis. Caso fosse provada alguma conspiração ou rebelião, induzida ou motivada por alguma sociedade secreta, seus membros seriam condenados a pena de morte.
Aquela lei havia sido assinada no Palácio de Bemposta, em Portugal, no dia 20 de junho de 1823 e registrada no livro I das cartas, alvarás e patentes da Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, a folha 33 vers, em 21 de junho de 1823. Pedro II lembrava-se de tudo isto, pois estivera com este livro nas mãos, em uma das viagens que fizera a Portugal.
Tendo sido lida a Ordem do Dia, passado o Saco de Propostas e Informações e entrado no Tempo de Estudos, muitos dos presentes inscreveram-se para falar. Alguns falavam em árabe e outros em francês, línguas que o imperador conhecia bem e dominava com facilidade. Os assuntos variavam muito, indo desde saudações ao visitante e à sua comitiva, até assuntos ligados diretamente à maçonaria libanesa ou à maçonaria mundial.
Findo o Tempo de Estudos e passado o Tronco de Beneficência, tendo a palavra sido concedida, logo a seguir, ao Bem da Ordem, em Geral, e do Quadro de Obreiros, em Particular, D. Pedro II, tendo solicitado a palavra, com todos os presentes atentos a sua pessoa e ao que ele ia dizer, iniciou, falando em francês:
- Meus queridos tios. Eu os chamo desta maneira porque o meu finado pai era maçom e, como tal, todos os maçons são meus tios, por serem considerados irmãos do meu pai; embora o meu avô tenha, infelizmente, passado para a História como um inimigo desta organização.
- Meu pai teve a sua iniciação, como aprendiz maçom, em 02 de agosto de 1822, com o nome de Guatimozim, no Rio de Janeiro. Em 05 de agosto, do mesmo ano, foi aprovada sua exaltação ao grau de mestre. Em 04 de outubro meu pai prestou juramento como o novo Grão Mestre da Maçonaria Brasileira.
- Todavia, em 25 de outubro, como grão mestre que era, encerrou as atividades da Maçonaria no Brasil, sem revelar os verdadeiros motivos para esta decisão que havia tomado. Com isto, a maçonaria ficou cerca de nove anos sem exercer as suas atividades livremente no país, só sendo reinstalada em novembro de 1831, quando José Bonifácio de Andrada e Silva, lendo um discurso preparado por Gonçalves Ledo, comentou: - A voz da política nunca mais soará no recinto dos nossos templos, nem o bafo impuro dos partidos e das facções manchará a pureza de nossas colunas.
- Neste mesmo discurso, José Bonifácio citou o pedido de perdão do meu pai, com sincera humildade, aos maçons brasileiros e àqueles de todo o mundo, por erros, que a inexperiência conduziu, ao longo daquele breve período em que ele foi Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil.
- Meu falecido pai, com toda a certeza, no final de 1822, sabia, antecipadamente, daquela lei que estava sendo gestada a instâncias do meu avô, em Lisboa, e que, em meados de 1823, viria a proibir a existência das sociedades secretas nos Reinos Unidos de Portugal, Brasil e Algarves.
- Não desejando ver nenhum maçom sob o seu comando padecer sob os rigores daquela lei, meu pai julgou por bem extinguir a Ordem Maçônica no Brasil, antes da entrada em vigor do referido dispositivo legal. Como ele não divulgou os reais motivos pelos quais tomara aquela decisão, inúmeras versões surgiram para tentar explicar aquele ato.
- Alguns afirmaram que ele, temendo as conseqüências da decisão que havia tomado, em 09 de janeiro de 1822, como Príncipe Regente, de não acatar ordem das Cortes Portuguesas para que deixasse o Brasil, imediatamente, rumo a Portugal (visando enfraquecer as idéias de independência que já circulavam, na ocasião, em todo o território brasileiro e fazer retornar ao Brasil, novamente, o estatuto de colônia de Portugal) e esperando uma invasão de tropas portuguesas (em represália por aquele ato e pelo outro que a ele se seguiu, em 07 de setembro do mesmo ano, quando meu pai proclamou a Independência do Brasil), aliara-se a maçonaria brasileira com vistas a angariar apoio popular. Evidentemente, esta versão nada mais era do que uma simples hipótese, pois aqueles que a divulgaram, na ocasião, desconheciam a lei que meu avô promulgaria em meados do ano seguinte, proibindo a maçonaria de exercer as suas atividades nos territórios sob o domínio de Portugal.
- Este, portanto, é um testemunho que eu me senti na obrigação de dar, perante todos vocês nesta noite reunidos no Grande Oriente do Líbano, visando resgatar a imagem de maçom do meu falecido pai.
Tendo sido finalizada a seção da loja com um encerramento ritualístico, D. Pedro II foi efusivamente cumprimentado pelos presentes e, logo a seguir, dirigiram-se todos, sob o comando do Mestre de Banquetes, para um salão finamente decorado, onde seria servido um jantar de boas vindas ao Imperador do Brasil.
D. Pedro II sentou-se, à mesa, ao lado do Grão Mestre Libanês, Boulos Mass’ad, filósofo e estudioso das Ciências, como D. Pedro II. Conversaram sobre todos os assuntos, pouco tempo despendendo com a comida servida e com os excelentes vinhos disponíveis. Estavam ali para aprender e para trocar idéias sobre os seus países e sobre o mundo, de uma maneira geral. Uma oportunidade como aquela era rara e única, e eles como intelectuais e estudiosos não podiam desperdiçá-la com comidas e bebidas.
Após horas de agradável conversação, D. Pedro II convidou o seu anfitrião a conhecer o Brasil. Pretendia, mesmo, o imperador brasileiro, angariar contingentes de imigrantes libaneses para povoar o seu império, carente de recursos humanos e de recursos financeiros. Antevia, também, inúmeras possibilidades de comércio entre os dois países.
Terminado o jantar, D. Pedro II e o Patriarca Maronita se dirigiram para uma grande varanda externa onde, saboreando um vinho do Porto e fumando um charuto, sentaram-se em grandes poltronas para ultimar a conversa que travavam. Da varanda, contemplavam uma lua cheia que iluminava a cadeia de montanhas, ao leste da cidade, que resplandecia ao luar como se fora banhada em prata.
A certa altura o patriarca perguntou: - E o seu país, fica muito longe daqui?
Pedro II, tomando um gole do Porto e dando uma baforada em seu charuto, respondeu, com incontida emoção e com os olhos marejados: - Sim, meu país é bem longe e está situado muito além das montanhas que daqui avistamos. Espero retornar para ele em breve, e gostaria de tê-lo como meu hospede ou, quem sabe, até mesmo como meu súdito.
Este conto, meus caros leitores, baseia-se em fatos históricos verídicos e, embora se trate de uma ficção literária, estou quase convencido de que as coisas, realmente, se passaram desta forma...
_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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