quinta-feira, 18 de agosto de 2016


126. Os Escritores**

Jober Rocha*


               Relendo o conhecido e volumoso romance ‘Guerra e Paz’, de Leon Tolstoi, ocorreu-me comparar a vida de alguns escritores (daqueles que foram tocados pela vocação literária desde bem cedo) a um grande vulcão. Não ao vulcão que após uma primeira e única demonstração de sua monumental capacidade e potencialidade, passa o resto da vida dormitando em alguma montanha isolada ou no fundo do oceano, sem nada mais produzir de magnífico que traga novamente encanto e deslumbramento ou que cause até temor àqueles que de longe o observam.
                  O Vulcão a que me refiro (e existem muitos destes espalhados pelo mundo) é aquele que se comunica diretamente com o magma do centro da Terra, com regular freqüência. Por sua boca ou cratera vertem à luz do sol, constantemente, várias toneladas de minerais nobres e, até mesmo, alguns diamantes de quilates, fogos e purezas únicos e de rara observação no solo; fato que, por si só, justificaria aquele monumental trabalho da Natureza; bem como, a enorme quantidade de terra, lavas e cinzas que o vulcão é obrigado a lançar, pelo solo e pelos ares, para possibilitar a contemplação, pelos nossos humanos olhos, daquelas preciosidades até então escondidas no interior do planeta. 
               Alguns poucos escritores, iguais aos vulcões que mencionei, possuem uma ligação direta com a dimensão etérea onde se encontram as divindades, trazendo, dali (estou plenamente convencido), as palavras, os diálogos, os temas, os personagens, as situações, as teses e as teorias com que enriquecem seus trabalhos, produzindo, por vezes, obras-primas divinas; muito embora, em algumas ocasiões tragam junto, por força de excessiva, mas necessária, prolixidade (da mesma forma que os vulcões fazem com as toneladas de cinzas, terras e lavas que expelem, antes de trazerem à luz os diamantes), palavras, parágrafos e textos cujas únicas funções são as de trazer à luz e fazer realçar as qualidades daquelas pedras preciosas e daqueles metais nobres que tais escritores produziram, sob a forma de textos literários, científicos ou filosóficos.
                 Inúmeros outros escritores, mesmo sem poder desfrutar desta ligação com a dimensão onde habitam os deuses e deles extrair as mencionadas características de seus trabalhos, possuem, também, como que pequenos vulcões internos, que os obrigam a liberar constantemente parte da matéria prima intelectual que, em combustão, circula por suas mentes em busca da luz do olhar, da apreciação e do entendimento dos leitores.
                 Tais escritores têm uma necessidade imperiosa de produzir, ininterruptamente, textos científicos, filosóficos e literários (poesias, contos, crônicas, romances, novelas, etc.), colocando para fora de si todo aquele material em combustão, a ponto de entrar em erupção; o que faz com que, usualmente, passem várias horas por dia, em seus gabinetes, escrevendo. Aquilo que para outros poderia ser considerado como um castigo ou uma obrigação, para eles constitui-se em um prazer inaudito. Muitos escritores de textos literários vivenciam de tal forma a vida de seus personagens, que chegam a se emocionar com os destinos que lhes reservaram, enquanto escrevem suas obras; da mesma forma como se emocionarão os seus leitores, com o desenrolar daquilo que irão futuramente ler.
                 A satisfação que a maioria dos escritores sente, ao ver terminada uma boa obra de sua autoria, é comparável a do pai ou a da mãe ao contemplar o filho recém nascido nos braços do médico que o extraiu do útero materno. Digo boa obra porque, mesmo os melhores escritores, nem sempre escrevem obras das quais se orgulhem em sua totalidade. Fatores supervenientes, que eu denomino de repouso dos deuses e que muitos chamam de falta de inspiração, podem afetar uma ou outra obra de escritores tradicionalmente reconhecidos como geniais.
                   Finda uma obra ou mesmo antes disso, muitos escritores já estão partindo para outra, quase sempre sobre assunto totalmente diverso da anterior. Seus trabalhos são como uma corrente de lava que têm a necessidade de ser expelida pelo vulcão, para que a pressão interna não faça explodir todo o centro criativo, onde o magma incandescente da criação ferve. Isto que se passa com alguns escritores, também ocorre com outros artistas (compositores, pintores, escultores, cineastas, etc.); bem como, com alguns cientistas e com alguns filósofos, desde, evidentemente, que exerçam suas atividades por vocação.
                    Os leitores poderão, talvez, imaginar que ao buscar descrever algumas das características comuns aos escritores por vocação, tento, subliminarmente, fazê-los crer que me incluo nesta categoria. Nada mais longe da verdade, pois, além de jamais ter tido tal pretensão, trago vivas na memória as palavras de Niccolo Machiavelli, em O Príncipe:
                - “Assim como aqueles que desenham a paisagem se colocam nas baixadas para considerar a natureza dos montes e das altitudes e, para observar aquelas, se situem em posição elevada sobre os montes, também, para bem conhecer o caráter do povo, é preciso ser príncipe e, para bem entender o do príncipe, é preciso ser povo”.  
                   Portanto, para conhecer bem o leitor é preciso ser escritor, e para bem entender o escritor é preciso ser leitor.
                 Ao final, estou realmente convencido de que, em se tratando de obras geniais (embora materializadas estas através de seus autores), foram elas, com toda a certeza, concebidas pelos deuses em outra dimensão, gestadas nas mentes dos respectivos artistas, cientistas e filósofos, durante algum tempo, e trazidas ao público através das mãos destes virtuosos que, ao longo dos tempos, têm proporcionado enorme prazer aos amantes da Arte, da Ciência e da Filosofia e engrandecimento ao gênero humano.

_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Crônica premiada no ‘Concurso Pérolas da Literatura – 2014’. Prefeitura do Guarujá, SP.

_**/ Crônica publicada pela Academia Niteroiense de Letras. Revista Virtual ‘A Cadeira’, Ano 9 nº 1 (jan/fev/maio de 2015) coluna ‘Pensarte’. Niterói, RJ.


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