sexta-feira, 5 de agosto de 2016

119. Que língua nós, os lusófonos, falaremos no futuro?


Jober Rocha*


               Considerado como linguagem escorreita desde os tempos de Luís de Camões, será que a língua portuguesa continuará sendo, por muito tempo, ainda, apurada e correta como dizem alguns filólogos, louvando-se nas tradições acadêmicas de várias nações? 
                     Uma ampla acepção do termo Filologia descreve o estudo de uma língua juntamente com a sua Literatura e os contextos históricos e culturais, que são indispensáveis para uma compreensão das obras literárias e de outros textos culturalmente significativos. A Filologia compreende, portanto, o estudo da Gramática, da Retórica, da História e a interpretação dos autores, críticos e tradições, associados a um determinado idioma. 
                    Um aspecto particular da Gramática, a Toponímia; ou seja, o ato de dar nome sob a forma portuguesa ao que não o tem, conduz, por vezes, a modificação da grafia e do próprio fonema do topônimo, como encontramos, por exemplo, nas seguintes palavras: Pequim, ao invés de Beijim; Japão, ao invés de Nipon; Bielorússia, ao invés de Belarus; Alemão, ao invés de German. O mesmo ocorre com relação aos nomes próprios, onde, por exemplo, Marie Antoinete é substituída por Maria Antonieta; Antoine por Antonio, Nicollo por Nicoláu. Não se trata da mudança de uma simples letra, como Brazil com z ao invés de Brasil com s, mantendo, todavia, a mesma pronúncia. 
                      Em muitos casos, ao fazer o aportuguesamento do estrangeirismo, muda-se totalmente a pronúncia e o nome passa a ser outro, com fonética bem diferente daquela que possuía em sua língua original. Outros exemplos são: Bordeaux por Bordéus, Kachmir por Caxemira, voiture por viatura, etc.
                 O aportuguesamento tem por objetivo principal acabar com o anglicismo, com o galicismo, com o italianismo e com o espanholismo de palavras ou expressões que, inexistentes em português, são empregadas indevidamente em nossa língua; entretanto, muitas vezes, no ato de aportuguesar palavras estrangeiras, sem considerar corretamente a fonética e a grafia, modifica-se, também a morfologia, criando-se vocábulos bastante diferentes daqueles na língua original.
                  Considerando que a Ciência, a Filosofia, a Tecnologia e as Artes têm se desenvolvido de maneira mais intensa no conjunto dos demais países do globo, do que naqueles exclusivamente lusófonos, e que as nossas regras gramaticais, de redação e de estilo, exigem que a palavra estrangeira, na sua forma original, só deva ser usada quando for absolutamente indispensável, já que o excesso de termos de outra língua torna o texto pretensioso e pedante, é de se prever que o aportuguesamento de palavras continue aumentando em velocidade crescente nos anos futuros. O ritmo seguido pelo desenvolvimento tecnológico é tão intenso que, na atualidade, preparam-se profissionais para profissões que ainda não existem. 
                  Todas as palavras existentes, até então, na língua portuguesa, serão insuficientes, com toda a certeza, para descrever as novidades e as novas descobertas que o futuro nos reserva em todos os setores da atividade humana, notadamente nas ciências e na tecnologia. Tudo isto, desenvolvido em outros países e nomeados em outras línguas. Assim, o aportuguesamento de palavras estrangeiras poderá ser tão intenso, no futuro, que o número destas chegará, até mesmo, a superar o número de palavras de origem portuguesa já existente em nossa língua, fazendo com que o destino de grande parte das palavras, utilizadas até então, seja o do arquivo morto do arcaísmo.
                    O aportuguesamento de estrangeirismos, com certeza, sempre esteve vinculado a certo grau de ‘patriotismo’ dos lusófonos. Na atualidade, entretanto, com a globalização e os seus efeitos; bem como, com o avanço cultural, social e tecnológico dos USA, fazendo com que o inglês tenha se tornado a língua oficial na qual todas as pessoas se comunicam por esse mundo afora, muitas palavras de origem inglesa estão deixando de ser aportuguesadas e passando a integrar a nossa língua em sua própria grafia e pronúncia original. 
                    Menciono, como exemplo, download, delivery, marketing, up grade, delete, etc. Pode, até mesmo, ocorrer futuramente (como ocorrido no passado com a língua francesa), que a língua inglesa venha a ser mais falada em nosso país do que o próprio português, motivado por forte influência cultural e social, já que o patriotismo está em baixa em nosso país (em razão de tantos escândalos de corrupção, roubos, etc., sem a punição dos culpados), com muitos brasileiros declarando ter vergonha de sua nacionalidade. Para tanto, basta, apenas, que deixemos de aportuguesar estrangeirismos. Estes, dada a quantidade com que serão incorporados à nossa língua no futuro, certamente passarão a dominar, quantitativamente, sobre os nossos velhos vocábulos portugueses.
                  A Academia Brasileira de letras, responsável pelo Vocabulário Ortográfico de Língua Portuguesa adotado em nosso país, evidentemente, possuirá papel de destaque no aportuguesamento dessas novas palavras que serão incorporadas futuramente ao português, falado e escrito, no Brasil. Já que não podemos impedir a entrada dos estrangeirismos em nossa língua, que pelo menos os aportuguesemos bem, para esconder um pouco o nosso enorme atraso científico, cultural e tecnológico.


_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.





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