terça-feira, 23 de agosto de 2016


127. Somos tão fracos, mas tão fortes...**


Jober Rocha*


           Somos tão fracos quando sucumbimos às vicissitudes que a vida nos impõe; quando choramos sobre os corpos sem vida dos seres que amamos e quando deparamos com mistérios insondáveis cujas explicações ignoramos, mas cujos efeitos perversos sobre o nosso entorno bem podemos perceber.
               Somos tão fracos quando nos entregamos aos vícios que corrompem o corpo e a alma; quando temos a exata noção do quanto desconhecemos neste vasto universo em que existimos e quando nos sentimos impotentes para mudar o curso das nossas próprias vidas.
            Somos tão fracos quando temos as nossas existências submetidas e os nossos destinos comandados por seres humanos egoístas e de má índole, cujos únicos objetivos consistem na acumulação de poder e de riqueza, não hesitando, para tanto, em cometer as mais graves atrocidades e as mais terríveis violações dos direitos humanos.
               Somos tão fracos quando percebemos as nossas limitações, físicas e intelectuais, para vencer obstáculos que outros encaram com naturalidade e, até mesmo, como coisas corriqueiras.
            Somos tão fracos quando nos deparamos com amores desfeitos, com situações irreconciliáveis, com caminhos sem volta, com as emoções conduzindo as nossas ações e quando percebemos as distâncias inexpugnáveis que nos separam de pessoas com as quais gostaríamos de  poder interagir.
                  Somos tão fracos quando, desarmados de qualquer sentimento de maldade ou de egoísmo, nos deixamos, inocentemente, iludir, enganar e conduzir por gente mal intencionada e astuciosa, que deseja apenas o seu próprio benefício às nossas expensas. 
                 Somos tão fracos quando, premidos pelos poucos anos que nos restam, percebemos não ter alcançado os nossos objetivos na vida ou haver desperdiçado a existência de forma leviana, sem possuirmos outra possibilidade de recuperar aqueles anos que perdemos.
                 Finalmente, somos tão fracos quando nos deparamos com o término da existência Terrena, sem termos a necessária coragem de penetrar no desconhecido território da morte e ir conhecer os seus mistérios.
              Por outro lado, somos tão fortes quando temos a oportunidade de consolar seres que necessitam ser consolados; quando conseguimos superar as nossas limitações; quando conseguimos dominar os sentimentos viciosos e fazer aflorar os virtuosos; quando produzimos obras dignas de criaturas que se identificam com Aquele que as criou.
                 Somos tão fortes quando superamos o Ego e a necessidade de satisfazer os seus desejos, passando a pensar e a agir de forma coletiva; quando dedicamos o nosso tempo e o nosso esforço a praticar ações que beneficiarão pessoas desconhecidas e/ou gerações futuras; quando intercedemos junto aos poderosos para defender os direitos daqueles que nada podem.
                  Somos tão fortes quando transmitimos os nossos conhecimentos para outros; quando produzimos algo novo; quando inventamos ou descobrimos aquilo que, até então, era desconhecido; quando geramos uma nova vida e quando salvamos a vida de algum semelhante ou aliviamos o seu sofrimento físico e/ou psíquico.
                  Somos tão fortes quando conseguimos evitar o nosso erro e o erro alheio; quando protegemos a Natureza e as suas espécies, impedindo que sejam contaminadas, que se extingam ou que sejam maltratadas.
                 Somos tão fortes quando nos colocamos sempre ao lado da verdade e da justiça, assumindo integralmente os riscos que estas ações implicam; quando nos encontramos no lugar certo e na hora certa, para evitar uma injustiça, corrigir um erro, salvar uma vida.
                 Finalmente, somos tão fortes quando compreendemos e aceitamos o término da vida atual e partimos, sem temor, para o outro lado da existência com a firme convicção de que o espírito humano, que é uma forma de energia, sempre existiu e jamais poderá ser destruído.


_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Menção Honrosa no II Concurso Literário da Academia Ferroviária de Letras. 2017. Rio de Janeiro, RJ

quinta-feira, 18 de agosto de 2016


126. Os Escritores**

Jober Rocha*


               Relendo o conhecido e volumoso romance ‘Guerra e Paz’, de Leon Tolstoi, ocorreu-me comparar a vida de alguns escritores (daqueles que foram tocados pela vocação literária desde bem cedo) a um grande vulcão. Não ao vulcão que após uma primeira e única demonstração de sua monumental capacidade e potencialidade, passa o resto da vida dormitando em alguma montanha isolada ou no fundo do oceano, sem nada mais produzir de magnífico que traga novamente encanto e deslumbramento ou que cause até temor àqueles que de longe o observam.
                  O Vulcão a que me refiro (e existem muitos destes espalhados pelo mundo) é aquele que se comunica diretamente com o magma do centro da Terra, com regular freqüência. Por sua boca ou cratera vertem à luz do sol, constantemente, várias toneladas de minerais nobres e, até mesmo, alguns diamantes de quilates, fogos e purezas únicos e de rara observação no solo; fato que, por si só, justificaria aquele monumental trabalho da Natureza; bem como, a enorme quantidade de terra, lavas e cinzas que o vulcão é obrigado a lançar, pelo solo e pelos ares, para possibilitar a contemplação, pelos nossos humanos olhos, daquelas preciosidades até então escondidas no interior do planeta. 
               Alguns poucos escritores, iguais aos vulcões que mencionei, possuem uma ligação direta com a dimensão etérea onde se encontram as divindades, trazendo, dali (estou plenamente convencido), as palavras, os diálogos, os temas, os personagens, as situações, as teses e as teorias com que enriquecem seus trabalhos, produzindo, por vezes, obras-primas divinas; muito embora, em algumas ocasiões tragam junto, por força de excessiva, mas necessária, prolixidade (da mesma forma que os vulcões fazem com as toneladas de cinzas, terras e lavas que expelem, antes de trazerem à luz os diamantes), palavras, parágrafos e textos cujas únicas funções são as de trazer à luz e fazer realçar as qualidades daquelas pedras preciosas e daqueles metais nobres que tais escritores produziram, sob a forma de textos literários, científicos ou filosóficos.
                 Inúmeros outros escritores, mesmo sem poder desfrutar desta ligação com a dimensão onde habitam os deuses e deles extrair as mencionadas características de seus trabalhos, possuem, também, como que pequenos vulcões internos, que os obrigam a liberar constantemente parte da matéria prima intelectual que, em combustão, circula por suas mentes em busca da luz do olhar, da apreciação e do entendimento dos leitores.
                 Tais escritores têm uma necessidade imperiosa de produzir, ininterruptamente, textos científicos, filosóficos e literários (poesias, contos, crônicas, romances, novelas, etc.), colocando para fora de si todo aquele material em combustão, a ponto de entrar em erupção; o que faz com que, usualmente, passem várias horas por dia, em seus gabinetes, escrevendo. Aquilo que para outros poderia ser considerado como um castigo ou uma obrigação, para eles constitui-se em um prazer inaudito. Muitos escritores de textos literários vivenciam de tal forma a vida de seus personagens, que chegam a se emocionar com os destinos que lhes reservaram, enquanto escrevem suas obras; da mesma forma como se emocionarão os seus leitores, com o desenrolar daquilo que irão futuramente ler.
                 A satisfação que a maioria dos escritores sente, ao ver terminada uma boa obra de sua autoria, é comparável a do pai ou a da mãe ao contemplar o filho recém nascido nos braços do médico que o extraiu do útero materno. Digo boa obra porque, mesmo os melhores escritores, nem sempre escrevem obras das quais se orgulhem em sua totalidade. Fatores supervenientes, que eu denomino de repouso dos deuses e que muitos chamam de falta de inspiração, podem afetar uma ou outra obra de escritores tradicionalmente reconhecidos como geniais.
                   Finda uma obra ou mesmo antes disso, muitos escritores já estão partindo para outra, quase sempre sobre assunto totalmente diverso da anterior. Seus trabalhos são como uma corrente de lava que têm a necessidade de ser expelida pelo vulcão, para que a pressão interna não faça explodir todo o centro criativo, onde o magma incandescente da criação ferve. Isto que se passa com alguns escritores, também ocorre com outros artistas (compositores, pintores, escultores, cineastas, etc.); bem como, com alguns cientistas e com alguns filósofos, desde, evidentemente, que exerçam suas atividades por vocação.
                    Os leitores poderão, talvez, imaginar que ao buscar descrever algumas das características comuns aos escritores por vocação, tento, subliminarmente, fazê-los crer que me incluo nesta categoria. Nada mais longe da verdade, pois, além de jamais ter tido tal pretensão, trago vivas na memória as palavras de Niccolo Machiavelli, em O Príncipe:
                - “Assim como aqueles que desenham a paisagem se colocam nas baixadas para considerar a natureza dos montes e das altitudes e, para observar aquelas, se situem em posição elevada sobre os montes, também, para bem conhecer o caráter do povo, é preciso ser príncipe e, para bem entender o do príncipe, é preciso ser povo”.  
                   Portanto, para conhecer bem o leitor é preciso ser escritor, e para bem entender o escritor é preciso ser leitor.
                 Ao final, estou realmente convencido de que, em se tratando de obras geniais (embora materializadas estas através de seus autores), foram elas, com toda a certeza, concebidas pelos deuses em outra dimensão, gestadas nas mentes dos respectivos artistas, cientistas e filósofos, durante algum tempo, e trazidas ao público através das mãos destes virtuosos que, ao longo dos tempos, têm proporcionado enorme prazer aos amantes da Arte, da Ciência e da Filosofia e engrandecimento ao gênero humano.

_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Crônica premiada no ‘Concurso Pérolas da Literatura – 2014’. Prefeitura do Guarujá, SP.

_**/ Crônica publicada pela Academia Niteroiense de Letras. Revista Virtual ‘A Cadeira’, Ano 9 nº 1 (jan/fev/maio de 2015) coluna ‘Pensarte’. Niterói, RJ.


quarta-feira, 17 de agosto de 2016


125. O Retorno das Cruzadas**


Jober Rocha*


              As Cruzadas consistiram em episódios militares da Idade Média, de inspiração cristã, que, partindo da Europa Ocidental em direção à Terra Santa (Palestina) e à cidade de Jerusalém, objetivavam a conquista e o domínio daquela região em benefício do Cristianismo.
                   Terminada a última delas em 1272, mediante um acordo entre o príncipe Eduardo, da Inglaterra, e o sultão Barbars, do Egito, a região permaneceu em um equilíbrio instável e frágil até o ano de 1291, quando a última fortaleza cristã na cidade de São João de Acre foi tomada pelos árabes, e os remanescentes cristãos fugiram para a Europa, para a Grécia e para as ilhas de Chipre, de Malta e de Rodes. Ao todo, foram cerca de duzentos anos de conquistas e de recuos, de ambas as partes, após o Papa Urbano II ter iniciado a pregação da primeira delas, em 1095.
                  As Cruzadas, que aprofundaram as hostilidades entre o Cristianismo e o Islã, se caracterizaram pela cobiça européia de terras e de riquezas, e pela grande brutalidade por parte de ambos os contendores. A Jihad, guerra religiosa travada pelos muçulmanos contra os hereges e os inimigos do Islã (todos aqueles não muçulmanos), praticamente esquecida no início do século XII, foi reativada em decorrência do início das cruzadas.
                   Novecentos e vinte anos depois, em 2015, cristãos e muçulmanos ainda se enfrentam pelos quatro cantos do planeta, sejam em combates de tropas regulares, sejam em episódios de guerrilhas nos campos e nas cidades, ou em atos de terrorismo.
                     Na atualidade em alguns países da Europa, como na Holanda e na Bélgica, cinqüenta por cento dos recém nascidos já são filhos de famílias muçulmanas. Estudos recentes dão conta de que em 2025, um terço dos recém nascidos na Europa será de origem muçulmana.
                   As taxas de fertilidade de trinta e um dos países da União Européia encontram-se, em média, em torno de 1,38; taxa esta considerada muito baixa, frente aos 8,1 dos muçulmanos que vivem na Europa. Desde 1990, no entanto, o crescimento da população européia tem sido devido, quase que exclusivamente, à imigração islâmica. Atualmente, na França, trinta por cento dos jovens com menos de vinte anos é de origem islâmica. Em algumas regiões deste país esta percentagem chega a quarenta e cinco por cento.
                   A recente onda migratória originária da Síria e de outros países, em direção aos países da União Européia, certamente, fará com que estes dados mencionados se alterem consideravelmente para mais, em alguns poucos anos. Muitos destes emigrantes, que têm sido absorvidos pelos diversos países da Europa, possuem vínculos com organizações terroristas como o Exército Islâmico, Al Qaeda, Boko Haran, Al Shabab, Talibã, etc., trazendo problemas adicionais aos países europeus que acolhem refugiados muçulmanos. 
               Constata-se, nos dias atuais, que, em sentido contrário ao das Cruzadas da Idade Média, existe uma nova Cruzada (melhor seria chamá-la de Crescente, pois a iniciativa tem partido dos islamitas cujo símbolo é a Lua Crescente), pacífica, em andamento, através do crescimento da população muçulmana na Europa e outra, violenta, representada pela prática de atos terroristas que ceifam vidas e produzem feridos entre cristãos, judeus e muçulmanos, nos países europeus.
                 O recente atentado em Paris, onde morreram cerca de 130 pessoas e perto de 300 ficaram feridas, é um exemplo destes problemas adicionais mencionados. É de se supor que estes atentados continuarão ocorrendo, em diversas cidades e capitais da Europa.
             Como a toda ação corresponde uma reação em sentido contrário, é de se esperar o acirramento da luta entre cristãos, judeus e islamitas; principalmente, em razão dos interesses econômicos e geoestratégicos envolvidos com a produção e a comercialização do petróleo, como também do radicalismo religioso destes últimos que, ademais de considerarem os dois primeiros como inimigos de Alá, almejam fazer do Islã a religião mundial e impõem a Sharia (Lei islâmica que constitui a base religiosa, política e cultural de todos os muçulmanos) entre as comunidades islâmicas do ocidente, impedindo-as de adotarem os costumes dos países ocidentais para onde emigraram.
                  Diferentemente das cruzadas da Idade Média, quando o estágio de desenvolvimento tecnológico das armas e das táticas de guerra era ainda muito primitivo, uma Cruzada atual em direção a Europa, com origem na Síria, na Palestina, no Iraque e no Afeganistão, entre cristãos, judeus e islamitas, pode conduzir o mundo para uma Terceira Guerra Mundial, com conseqüências devastadoras para toda a humanidade; já que, as principais potências envolvidas por detrás destes acontecimentos (USA, Inglaterra, França, Rússia, China, Israel e Irã) são todas elas potencias nucleares.
                     Esperemos que o bom senso prevaleça entre as elites que detém o poder no mundo e que, em futuro próximo, o radicalismo religioso ceda lugar ao ecumenismo respeitoso ou, até mesmo, a adoção de uma única religião universal, já idealizada pelos Cavaleiros Templários, de Jerusalém, pouco antes de serem presos e de terem a sua ordem extinta, em 22 de março do ano 1312, e nos dias de hoje já proposta pelo atual papa Francisco.

_*/ Economista; MS pela Universidade de Viçosa, MG; Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Publicado na Revista Ideias em Destaque nº 46, jul/dez 2015. Instituto Histórico e Cultural da Aeronáutica – INCAER. Rio de Janeiro, RJ.


124. Bem longe, lá atrás daqueles montes!**


Jober Rocha*


                    Mohamed al Mansour desembarcou sozinho no Caís Pharoux, na cidade do Rio de Janeiro. Chegara à cidade naquela manhã como um dos passageiros do navio ‘Alliance’, de bandeira francesa, que deixara Beirute, no Líbano, em novembro de 1878.
                         Dois anos antes ele havia conhecido o imperador brasileiro, Pedro II, que, com sua esposa e uma comitiva de quase novecentas pessoas, havia visitado aquele país, em novembro de 1786, navegando a bordo do navio ‘Aquila Imperial’. Pedro II e a sua comitiva haviam visitado já inúmeros países, em um tour ao redor do mundo que incluiu, dentre outros: Estados Unidos, Canadá, França, Portugal, Itália, Grã Bretanha, Alemanha, Suécia, Rússia, Dinamarca, Grécia, Egito, Líbano, Finlândia, e Suíça.
                        Alguns dias depois da sua chegada à Beirute, Pedro II, dando azas ao espírito aventureiro e pesquisador que o caracterizava, montado em uma égua branca e com apenas uma mochila, estava cavalgando, sozinho, no rumo de Baalbeck, terra natal de Mohamed al Mansour. Coincidentemente, este, também em um cavalo, caminhava, naquela mesma ocasião, pela estrada de terra em que seguia o imperador, ambos seguindo na mesma direção.
                          Mohamed era um comerciante de tecidos libanês e havia ido a Beirute receber e pagar uma carga de seda que desembarcara de um navio oriundo da China. Despachara a carga para Baalbeck e seguia para casa, calmamente, em seu cavalo.
                             Tendo os dois animais emparelhados na estrada, Pedro II, que falava vários idiomas, cumprimentou al Mansour em árabe e seguiram os dois juntos, conversando em francês, língua que Mohamed também dominava.
                            Pouco depois, atravessando o Vale de Chtaura, rumo a Baalbeck, passaram por várias cidades, dentre elas Zahle, chegando ambos aos seus destinos com o dia já escurecendo. Naquela ocasião, Pedro II parou para escrever algo em um caderno e mostrou para al Mansour o que havia escrito em seu diário, tão admirado ficara ao contemplar a cidade: “...a entrada nas ruínas de Baalbeck, à luz de fogaréus e lanternas, atravessando por longa abóbada de grandes pedras, foi triunfal e as colunas tomavam dimensões colossais”. 
                             A convite de al Mansour, o imperador hospedou-se na casa deste. Após se instalarem em seus aposentos, al Mansour convidou Pedro II para jantar, o que foi prontamente aceito por que ele nada havia comido desde a manhã daquele dia.
                                 No dia seguinte, em companhia de al Mansour, o Imperador visitou os templos de Júpiter e de Vênus, observando tudo, medindo, tomando notas e, por fim, escreveu em seu diário: “Saindo de Baalbeck, onde deixei meu nome com a data na parede do fundo do pequeno templo (Templo de Baco), que está cheio de semelhantes inscrições; lendo-se, logo depois da entrada, estas palavras: “Comme le monde est bête!”. 
                                   O imperador ficou encantado com a vida no Líbano e com o povo libanês, tendo dito a al Mansour, ao se despedir: - “Gostaria de poder contar com os libaneses em meu país. Prometo recebê-los bem e tenham certeza de que retornarão prósperos”.      
                                  Deixando Baalbeck, Pedro II dirigiu-se para Damasco, na Síria, observando, ainda, em seu diário: “Reparei melhor para a planície que, apesar de coberta de seixos, é aproveitada para trigo e, sobretudo, para vinhas. Perto de Baalbeck nasce o antigo Orontes, que vai banhar a Antioquia. À noite passada, encheram-se de neve os cabeços dos montes e que belo efeito produziram, vistos do fundo do grande templo ou por entre as seis colunas.”
                               Dois anos depois daquele dia em que conhecera o imperador brasileiro, atendendo ao convite que este lhe fizera na ocasião, Mohamed desembarcava no porto do Rio de Janeiro, sede da corte do seu amigo imperador. Tão logo al Mansour se instalou e aclimatou na cidade, foi ao Palácio da Quinta da Boa Vista procurar o imperador para uma entrevista. 
                           Recebido com cordialidade por este e após conhecer toda a família imperial, participou do almoço no palácio, ao qual compareceram inúmeros membros da nobreza local. Estranhou bastante a comida que foi servida na ocasião, composta, basicamente, de carnes de caça (capivara, jacaré e anta) e de aves locais. Havia estranhado, também, a cidade, que era bastante diferente daquela na qual nascera e vivera toda a sua vida. As ruas centrais do Rio de Janeiro estavam apinhadas de escravos, vendendo seus produtos. As praças e ruas constituíam pontos de encontro, onde interagiam os habitantes locais. A chegada de peixe fresco, vendido pelos próprios pescadores no mercado de peixe do cais; a venda de frutas tropicais pelas negras; as carroças puxadas por bois e por cavalos, conduzindo objetos, mercadorias ou, mesmo, pessoas em pequenas cadeirinhas; os vendedores ambulantes com os seus pregões de forma gritada ou cantada, às vezes acompanhados de toques de tambor ou de violão; tudo isto era bastante diferente daquilo que Mohamed estava acostumado no Líbano.
                            Todavia, como o seu objetivo principal fosse o de estabelecer um entreposto comercial na cidade, através do qual exportaria mercadorias aqui produzidas e importaria produtos que aqui não existissem ou cujos preços fossem elevados, ele logo se acostumou com os costumes e com as deficiências da cidade, deficiências estas que consistiam, fundamentalmente, na presença de inúmeros e imundos cortiços e no saneamento precário.
                             O imperador oferecera ajuda para dar partida ao seu incipiente negócio, o que Mohamed aceitou de bom grado. Em pouco tempo, com a experiência que tinha e com a ajuda de alguns nobres da corte, apresentados pelo imperador, os primeiros navios começaram a chegar com produtos vários, notadamente óleo vegetal, azeite, cedro, vinho e tecidos vários e a sair com açúcar, café, sal e madeiras.
                                Mohamed, solteiro até então, em suas freqüentes aparições na corte, seja no Teatro Constitucional, frequentado pelo imperador, seja nos saraus realizados nas mansões de nobres e de burgueses, do Flamengo, de Botafogo, de São Cristovão e da Tijuca, passou a ser disputado por algumas viúvas jovens e por inúmeras moças em idade de casar. 
                                 O progresso e a prosperidade, experimentados pela administração estável de Pedro II, influíram no sucesso dos negócios de Mohamed. Passados alguns anos, ele já morava em um pequeno palacete no Flamengo, possuía uma sege de duas rodas, com duas cortinas de couro na frente e que corriam para os lados, quando era preciso entrar e sair. Nesta sege, conduzida por apenas um cavalo, andava pelas ruas da cidade, sempre que necessitava se deslocar para algum local.
                                  Em poucos anos todas as mulheres da corte usavam vestidos confeccionados com os tecidos importados por al Mansour, que também havia entrado no ramo das jóias. Importava colares, anéis e pulseiras dos melhores ourives e artífices libaneses, que eram vistos nos dedos, pulsos e pescoços das mulheres mais bonitas da corte.
                                No Líbano, por sua vez, tanto a nobreza quanto a plebe adoçavam as suas bebidas, notadamente o chá e o café (este do Brasil e exportado por Mohamed), com açúcar brasileiro que chegava mensalmente ao porto de Beirute, transportados pelos navios enviados do Rio de Janeiro por al Mansour.
                                 Desde a chegada dele ao Brasil, já se haviam passado oito anos. Neste pequeno período de tempo ele havia enriquecido; uma coisa que em seu país seria praticamente impossível, dada a estratificação social vigente naquela ocasião.
                               Alguns meses antes ele havia conhecido, no Teatro Constitucional, uma viúva jovem que lhe fora apresentada pelo Conde de Luca, quando do espetáculo promovido pela atriz Sarah Bernhard. A viúva, embora rica e bonita, era como a maioria das mulheres brasileiras da época; isto é, totalmente inculta. As mulheres, não só no Brasil daquele tempo, mas em inúmeros países do mundo desde a mais remota antiguidade, eram consideradas inferiores e dependentes dos homens (país, maridos ou irmãos). Como tal, não eram incentivadas a se envolver nos negócios e a adquirir cultura.
                               Mohamed passou a cortejar a viúva; posto que, estava bastante atraído pelos lindos olhos negros dela, que muito se assemelhavam ao das mulheres da sua terra natal. Ademais, a viúva, sem filhos, possuía lindos cabelos negros e um porte gracioso.
                               Certa ocasião, encontrando-a em uma de suas joalherias no centro da cidade, foi, por ela, convidado a jantar em sua casa.
                              Mohamed esperou que ela saísse para escolher uma linda pulseira com que a presentearia naquela noite.
                                 Pouco antes da hora aprazada, forneceu o endereço ao seu cocheiro (nesta altura, ao invés da sege ele já dispunha de uma carruagem com cocheiro, puxada por dois cavalos) e, rumando para o endereço da viúva, começou a pensar em como o seu destino havia mudado desde que conhecera o Imperador do Brasil. Imerso em seus pensamentos, quando deu por si, estava dentro do terreno do palacete da viúva, em Botafogo.
                               Esta, tendo vindo recebê-lo ao descer da carruagem, conduziu-o à grande varanda, que circundava o palacete. Sentados em um enorme sofá, com macias almofadas, contemplavam as montanhas que cercam o bairro e falavam amenidades. Em certo momento, ela perguntou onde ele nascera. Mohamed, que nunca mais havia voltado ao Líbano, contemplando a lua cheia cujos raios luminosos banhavam a cidade do Rio de Janeiro naquela inesquecível noite, respondeu, com lágrimas nos olhos a escorrerem pela face: - Bem longe, em Baalbeck, lá atrás daqueles montes!

_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Conto premiado com Menção Honrosa no Concurso Literário de Contos “Muito Além das Montanhas”. Edt. Eber Josué, Três Corações, MG. 2016.



123. Quem sabe se não foi assim?**

 Jober Rocha*


           A quarta das leis promulgadas no Brasil referentes à escravidão – precedida das leis Eusébio de Queirós, do Ventre Livre e dos Sexagenários – foi assinada no ano de 1888. O processo gradual de abolição da escravatura finalizou, assim, com a chamada Lei Áurea, cujo nome simbólico traduz algo de muito valor, notadamente para aqueles que por ela foram beneficiados.
                  Conta a História que tendo assinado a lei, após assumir pela segunda vez a regência do país, teria a Princesa Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga comentado com o senhor João Maurício Vanderley, Barão de Cotegipe: - Então, senhor, eu ganhei ou não a partida! (referia-se, a princesa, a uma conversa mantida com ele, dias antes, em que informara ao barão acerca da sua resolução em sancionar a referida lei, já aprovada pela Câmara Geral e pelo Senado Imperial, quando este, sem atinar com os motivos da princesa para tal, teria dito: - Neste caso, a mim só me resta a porta e a Vossa Alteza o mar!). 
                  Sancionada a lei, Cotegipe, a este segundo comentário da princesa, teria respondido: - Vossa Alteza redimiu uma raça, mas perderá o trono!
                Estes diálogos, mais ou menos desta forma, foram preservados pela História do Brasil. Entretanto, reza uma lenda que o verdadeiro motivo pelo qual a princesa teria assinado a referida lei, foi um sonho recorrente que já vinha tendo há algumas semanas.
                  Sonhava a princesa, logo após adormecer, que era uma menina negra vivendo em uma das fazendas do Barão de Cotegipe. Nesta fazenda, era encarregada de ordenhar as vacas, de arrumar a casa, de fazer a comida, de alimentar a criação, etc. etc. etc. Seu dia a dia era, totalmente, ocupado com afazeres domésticos e agropecuários; tendo ela, diga-se de passagem, apenas cerca de dez ou doze anos de idade.
                O barão, nas vezes em que visitava a sua fazenda – e isto ocorria toda vez que a princesa sonhava - cobrava-lhe resultados e estabelecia novas metas, punindo-a com rigor, relativamente àquilo tudo que julgava falho e mal feito.
               A jovem escrava nutria um ódio terrível pelo barão e desejava vê-lo padecer nas profundezas do inferno, tanto quanto ela padecia naquela fazenda afastada da corte, localizada próxima da Boca do Mato, no Rio de Janeiro.
                Uma noite a jovem menina negra também teve um sonho: sonhou que era uma princesa jovem, toda poderosa, que tinha poderes para decidir sobre a vida e a morte dos seus muitos súditos. A primeira medida que tomou, em sonho, foi revogar o titulo de nobreza do barão e confiscar-lhe as propriedades, banindo-o para a África no porão de um navio negreiro que retornava vazio. A segunda medida foi libertar todos os escravos que viviam de trabalhos forçados pelo país inteiro, notadamente as crianças e os velhos.
                  Um fato curioso é que, em todos os sonhos da princesa Isabel, ela assumia a identidade da menina negra, que, também em todos os seus sonhos, por sua vez, assumia a identidade da princesa.
                Consultando um sábio esotérico da corte, relativamente àqueles sonhos estranhos, a princesa Isabel ouviu dele, pela primeira vez, a possibilidade de ela poder estar tendo contato, nos sonhos que tinha, com uma de suas vidas passadas; já que, havia nascido em 1846 e o barão em 1815. A diferença de 31 anos que os separavam, poderia justificar ter sido a princesa uma menina escrava a serviço do barão em sua fazenda, que, tendo falecido prematuramente, reencarnou como princesa na corte de Pedro II.
                  A princesa, católica fervorosa, em principio não acreditou naquela possibilidade aventada pelo sábio; porém, como os sonhos teimavam em se repetir com freqüência, buscou a jovem princesa (com 43 anos na ocasião) conselhos de padres, médicos e, até mesmo, de xamãs e de curandeiros. A maior parte das respostas que ouviu não chegou a satisfazê-la. Apenas um xamã disse-lhe algo parecido com aquilo que ouvira do sábio esotérico (note-se, a título de esclarecimento, que o espiritismo, como doutrina, surgiu, em 1857, com a publicação do Livro dos Espíritos, por Alan Kardec). 
               Na biblioteca do palácio a princesa encontrou um exemplar do livro de Alan Kardec, adquirido por seu pai, Pedro II, quando de uma viagem à Paris. Tendo lido integralmente o livro, a princesa passou a interessar-se por aquelas afirmações e experiências relatadas na obra de Kardec.
                   Corria o ano de 1888 e, naquela época, James Braid (1795- 1860) já havia dado início à hipnose científica, tendo cunhado, em 1842, o termo hipnotismo. Por outro lado, James Erdaile (1808-1868), como médico-cirurgião, já havia utilizado a hipnose anestésica em cerca de três mil cirurgias, sem a necessidade de anestesias. Jean Charcot, médico, por sua vez, já havia estudado o efeito da hipnose em pacientes histéricos.
               O sábio esotérico procurado inicialmente pela princesa era, também, um exímio hipnotizador e, ademais disto, espírita adepto de Alan Kardec.
                Em conversas posteriores, o sábio alertou à princesa que havia uma possibilidade de ela confirmar, realmente, se aqueles sonhos recorrentes possuíam algo a ver com suas encarnações anteriores. Isto poderia ser feito através de uma regressão hipnótica, método conhecido, apenas, por pouquíssimas pessoas em todo o mundo, naquela ocasião.
                Esta regressão - explicou o sábio - baseia-se na doutrina espírita, que afirma ser necessário o esquecimento do passado para que o espírito, em sua atual existência, não seja sobrecarregado com lembranças e emoções de outra vida. Afirmou, ainda, que existia uma passagem no Livro dos Espíritos que autorizava o resgate das memórias de encarnações passadas. Tal passagem era a seguinte,  conforme ele relatou à princesa:
         Ao entrar na vida corporal, o Espírito perde, momentaneamente, a lembrança de suas existências anteriores, como se um véu as ocultasse; entretanto, às vezes, tem uma vaga consciência disso e elas podem até mesmo lhe ser reveladas em algumas circunstâncias. Mas é apenas pela vontade dos Espíritos Superiores que o fazem espontaneamente, com um objetivo útil e nunca para satisfazer uma curiosidade vã.
               Assim – continuou o sábio - nessa passagem do Livro dos Espíritos, é possível que venhamos a nos lembrar de existências anteriores, sempre que haja um motivo útil, e, mesmo assim, apenas, quando os espíritos superiores aprovam.
                   Essa abordagem – segundo ele comentou na ocasião – busca extrair da hipnose regressiva o seu fundamento; ou seja, em estado alterado de consciência, a pessoa regressaria a um passado, além do limiar da vida atual, onde se encontraria uma memória extra-cerebral que permitiria o acesso à encarnação anterior.
                    A princesa, convencida das explicações do sábio, decidiu submeter-se à hipnose sugerida, como única forma de esclarecer aquele mistério que tanto a atormentava.
                     Em uma das salas do palácio, deitada em um divã, a princesa, sob as ordens do sábio, penetrou em um transe regressivo. Em pouco tempo, regredindo de idade sob o efeito da hipnose, viu-se em outra existência, como aquela menina negra com quem sonhava freqüentemente, em uma fazenda no interior. Sentiu, muito mais vivamente do que nos sonhos, toda a dor e sofrimento daquela pequena criança, obrigada a trabalhar pesado desde pequena. Viveu, por algumas horas que pareceram uma verdadeira eternidade, as vicissitudes padecidas pelos escravos naquela servidão compulsória. Percebeu, agradecida, que o fato de haver encarnado, em sua vida seguinte como uma princesa, tinha por objetivo, principal e único, o de colocar um fim àquele estado de coisas no império, que aviltava a condição humana.
                A oportunidade, para tanto, estava em suas mãos como princesa regente. A lei, que permitiria banir para sempre do Brasil a triste e trágica escravidão, já aprovada pela Câmara e pelo Senado, aguardava apenas a sua sanção. 
                      Acordando do sono hipnótico, a princesa agradeceu ao sábio e dirigiu-se ao seu gabinete mandando chamar, imediatamente, o Barão de Cotegipe.
                  Tendo este vindo a sua presença, a rainha, próxima de uma das janelas do palácio, perguntou ao barão, naquela ocasião, a sua opinião sobre a lei que pretendia sancionar em breve. A resposta do barão, já mencionada no início destas páginas, indicava ser ele contrário à referida lei que, segundo pensava, prejudicaria todos os fazendeiros e as exportações agrícolas brasileiras.
                      A princesa, com um sorriso intrigante nos lábios – não mencionado pelos historiadores - despediu-se do barão para assinar, poucos dias depois, a famosa lei.
                    Cotegipe, logo a seguir, demitido do Conselho de Ministros pela princesa regente, foi uma das últimas vozes a declarar-se, abertamente, contra a abolição geral da escravatura.
                   A Princesa Isabel, após a assinatura da Lei Áurea, nunca mais sonhou com a pequena menina negra.
                      Embora a imaginação dos escritores tudo permita, meus caros leitores, quantos episódios da nossa história; bem como, da de outros povos, foram regidos por acontecimentos totalmente desconhecidos dos historiadores e que passaram despercebidos até dos próprios contemporâneos daqueles acontecimentos? Isto, evidentemente, nós jamais saberemos...

_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Conto premiado no Concurso Literário de contos “A Lei Áurea”. Ed. Eber Josué. 2014. Três Corações, MG.


terça-feira, 16 de agosto de 2016



122. Visitando uma Loja Maçônica em Beirute


       Jober Rocha*


           Em novembro do ano de 1876, quando de uma viagem ao Líbano, o Imperador do Brasil, D. Pedro II, permaneceu por cinco dias naquele país, com uma comitiva de aproximadamente duzentas pessoas, dentre elas damas, barões, condes e viscondes. Alguns destes nobres que o acompanhavam eram maçons e haviam conseguido intermediar um contato do imperador com a mais alta autoridade maçônica do Líbano, Boulos Mass’ad, que também era o patriarca da Igreja Maronita Libanesa.
            D. Pedro II compareceu ao encontro no Grande Oriente do Líbano, na cidade de Beirute, na noite de 12 de novembro de 1876, e estava ele acompanhado por dois condes e um barão, todos os três membros da sua comitiva e igualmente trajados como o imperador, de fraque preto, luvas brancas e cartola preta. Os três serviram de anfitriões à D. Pedro II, por terem sido eles que haviam agendado àquela visita de cortesia.
       Tratado como um visitante ilustre, Pedro II sentou-se no oriente de uma das Lojas Maçônicas existentes na sede do Grande Oriente Libanês, ao lado das dignidades maçônicas presentes, muito embora não fosse um maçom. Nas seções abertas, quando é permitida a entrada de não maçons nas lojas, estes costumam sentar-se na parte ocidental da loja, mas, em deferência ao imperador, cujo pai, D. Pedro I, havia sido grão mestre da Ordem Maçônica no Brasil, foi-lhe concedida àquela prerrogativa. 
          Após a abertura ritualística, o Venerável Mestre da Loja fez uma longa saudação a D. Pedro II, na Ordem do Dia. Enquanto ele falava, D. Pedro recordava que o seu avô, D. João VI, através da Carta de Lei assinada em 20 de junho de 1823, havia suprimido todas as sociedades secretas, no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, quaisquer que fossem as suas denominações, punindo com a pena de degredo para a África por, no mínimo, cinco anos; além da multa de cem mil réis. Caso fosse provada alguma conspiração ou rebelião, induzida ou motivada por alguma sociedade secreta, seus membros seriam condenados a pena de morte. 
                  Aquela lei havia sido assinada no Palácio de Bemposta, em Portugal, no dia 20 de junho de 1823 e registrada no livro I das cartas, alvarás e patentes da Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, a folha 33 vers, em 21 de junho de 1823. Pedro II lembrava-se de tudo isto, pois estivera com este livro nas mãos, em uma das viagens que fizera a Portugal.
                   Tendo sido lida a Ordem do Dia, passado o Saco de Propostas e Informações e entrado no Tempo de Estudos, muitos dos presentes inscreveram-se para falar. Alguns falavam em árabe e outros em francês, línguas que o imperador conhecia bem e dominava com facilidade. Os assuntos variavam muito, indo desde saudações ao visitante e à sua comitiva, até assuntos ligados diretamente à maçonaria libanesa ou à maçonaria mundial.
             Findo o Tempo de Estudos e passado o Tronco de Beneficência, tendo a palavra sido concedida, logo a seguir, ao Bem da Ordem, em Geral, e do Quadro de Obreiros, em Particular, D. Pedro II, tendo solicitado a palavra, com todos os presentes atentos a sua pessoa e ao que ele ia dizer, iniciou, falando em francês:
           - Meus queridos tios. Eu os chamo desta maneira porque o meu finado pai era maçom e, como tal, todos os maçons são meus tios, por serem considerados irmãos do meu pai; embora o meu avô tenha, infelizmente, passado para a História como um inimigo desta organização.
          - Meu pai teve a sua iniciação, como aprendiz maçom, em 02 de agosto de 1822, com o nome de Guatimozim, no Rio de Janeiro. Em 05 de agosto, do mesmo ano, foi aprovada sua exaltação ao grau de mestre. Em 04 de outubro meu pai prestou juramento como o novo Grão Mestre da Maçonaria Brasileira.
  - Todavia, em 25 de outubro, como grão mestre que era, encerrou as atividades da Maçonaria no Brasil, sem revelar os verdadeiros motivos para esta decisão que havia tomado. Com isto, a maçonaria ficou cerca de nove anos sem exercer as suas atividades livremente no país, só sendo reinstalada em novembro de 1831, quando José Bonifácio de Andrada e Silva, lendo um discurso preparado por Gonçalves Ledo, comentou: - A voz da política nunca mais soará no recinto dos nossos templos, nem o bafo impuro dos partidos e das facções manchará a pureza de nossas colunas.
  - Neste mesmo discurso, José Bonifácio citou o pedido de perdão do meu pai, com sincera humildade, aos maçons brasileiros e àqueles de todo o mundo, por erros, que a inexperiência conduziu, ao longo daquele breve período em que ele foi Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil.
 - Meu falecido pai, com toda a certeza, no final de 1822, sabia, antecipadamente, daquela lei que estava sendo gestada a instâncias do meu avô, em Lisboa, e que, em meados de 1823, viria a proibir a existência das sociedades secretas nos Reinos Unidos de Portugal, Brasil e Algarves.
 - Não desejando ver nenhum maçom sob o seu comando padecer sob os rigores daquela lei, meu pai julgou por bem extinguir a Ordem Maçônica no Brasil, antes da entrada em vigor do referido dispositivo legal. Como ele não divulgou os reais motivos pelos quais tomara aquela decisão, inúmeras versões surgiram para tentar explicar aquele ato.
         - Alguns afirmaram que ele, temendo as conseqüências da decisão que havia tomado, em 09 de janeiro de 1822, como Príncipe Regente, de não acatar ordem das Cortes Portuguesas para que deixasse o Brasil, imediatamente, rumo a Portugal (visando enfraquecer as idéias de independência que já circulavam, na ocasião, em todo o território brasileiro e fazer retornar ao Brasil, novamente, o estatuto de colônia de Portugal) e esperando uma invasão de tropas portuguesas (em represália por aquele ato e pelo outro que a ele se seguiu, em 07 de setembro do mesmo ano, quando meu pai proclamou a Independência do Brasil), aliara-se a maçonaria brasileira com vistas a angariar apoio popular. Evidentemente, esta versão nada mais era do que uma simples hipótese, pois aqueles que a divulgaram, na ocasião, desconheciam a lei que meu avô promulgaria em meados do ano seguinte, proibindo a maçonaria de exercer as suas atividades nos territórios sob o domínio de Portugal.
          - Este, portanto, é um testemunho que eu me senti na obrigação de dar, perante todos vocês nesta noite reunidos no Grande Oriente do Líbano, visando resgatar a imagem de maçom do meu falecido pai.

         Tendo sido finalizada a seção da loja com um encerramento ritualístico, D. Pedro II foi efusivamente cumprimentado pelos presentes e, logo a seguir, dirigiram-se todos, sob o comando do Mestre de Banquetes, para um salão finamente decorado, onde seria servido um jantar de boas vindas ao Imperador do Brasil.
            D. Pedro II sentou-se, à mesa, ao lado do Grão Mestre Libanês, Boulos Mass’ad, filósofo e estudioso das Ciências, como D. Pedro II. Conversaram sobre todos os assuntos, pouco tempo despendendo com a comida servida e com os excelentes vinhos disponíveis. Estavam ali para aprender e para trocar idéias sobre os seus países e sobre o mundo, de uma maneira geral. Uma oportunidade como aquela era rara e única, e eles como intelectuais e estudiosos não podiam desperdiçá-la com comidas e bebidas.
            Após horas de agradável conversação, D. Pedro II convidou o seu anfitrião a conhecer o Brasil. Pretendia, mesmo, o imperador brasileiro, angariar contingentes de imigrantes libaneses para povoar o seu império, carente de recursos humanos e de recursos financeiros. Antevia, também, inúmeras possibilidades de comércio entre os dois países.
              Terminado o jantar, D. Pedro II e o Patriarca Maronita se dirigiram para uma grande varanda externa onde, saboreando um vinho do Porto e fumando um charuto, sentaram-se em grandes poltronas para ultimar a conversa que travavam. Da varanda, contemplavam uma lua cheia que iluminava a cadeia de montanhas, ao leste da cidade, que resplandecia ao luar como se fora banhada em prata.
               A certa altura o patriarca perguntou: - E o seu país, fica muito longe daqui?
Pedro II, tomando um gole do Porto e dando uma baforada em seu charuto, respondeu, com incontida emoção e com os olhos marejados: - Sim, meu país é bem longe e está situado muito além das montanhas que daqui avistamos. Espero retornar para ele em breve, e gostaria de tê-lo como meu hospede ou, quem sabe, até mesmo como meu súdito.
            Este conto, meus caros leitores, baseia-se em fatos históricos verídicos e, embora se trate de uma ficção literária, estou quase convencido de que as coisas, realmente, se passaram desta forma...


_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

121. A Efeminação do Ocidente**

Jober Rocha*


             A recente invasão da Europa por levas de refugiados islâmicos, oriundos da Síria e de outras nacionalidades, tem acarretado efeitos danosos à vida social das populações europeias. Assim é que, em razão de costumes e de religião diferentes, os refugiados, ao invés de se adequarem aos novos costumes daqueles países que os abrigaram (e até agradecerem por esta fraterna e generosa acolhida), querem impor os seus próprios costumes e a sua própria religião aos territórios onde foram recebidos, violando, freqüentemente, as leis destes países. São inúmeros os casos de homens e mulheres agredidos (e estas muitas vezes estupradas) nas ruas dos países europeus, por muçulmanos, sem que eles tenham, sequer, contado com a proteção do Estado ou mesmo dos demais homens locais. Os países europeus que receberam refugiados estão, praticamente, sem saber o que fazer com tanta gente perambulando pelas ruas, sem empregos, sem destino e agredindo os naturais (notadamente as mulheres), muitas vezes roubando, delinquindo e matando.
               Razões, para esta falta de ação por parte do Estado e dos homens locais, podem ser buscadas (e talvez encontradas) em várias hipóteses, algumas datadas do tempo do filósofo Nietzsche e outras delas mais pós-modernas. 
               Nietzsche, em sua obra Genealogia da Moral, distingue duas classes de seres humanos: a dos senhores e a dos escravos (a aristocracia e a plebe). Pertencentes a classe dos senhores duas categorias distintas competiriam, entre si, pelo poder: a dos guerreiros (que praticava as virtudes do corpo) e a dos sacerdotes (que praticava as virtudes do espírito). Desta competição e rivalidade, surgiram duas morais distintas: a dos senhores, oriunda dos guerreiros, e a dos escravos, oriunda dos sacerdotes. Na luta pelo poder, historicamente, os sacerdotes acabaram por aliar-se aos escravos, para, sobrepujando os guerreiros, ocupar o lugar dos senhores. Assim, segundo o filósofo, surgiu uma nova moral, implantada pela religião mediante a transvaloração dos valores naturais. Foi esta nova moral que possibilitou à Igreja, desde então, coroar os reis e os imperadores; posto que estes, agora, rezavam pela cartilha desta. 
                Segundo, ainda, o filósofo, a análise do que é bem ou é mal, estabelecida pela religião, iria contra os valores naturais e nobres daqueles que, por seus atributos naturais, desde o princípio dos tempos, detinham o poder e a posse dos bens terrenos. Ao estabelecer, a partir de sua impotência e do seu ressentimento, a valoração dos conceitos de bem e de mal que beneficiariam os chamados escravos, em detrimento dos denominados senhores, a religião praticou uma transvaloração destes valores, convertendo em mal aquilo que antes era bem e em bem o que antes era mal. Para o filósofo, vontade e poder não se separavam. Os fracos, segundo ele, a partir do estabelecimento destes valores morais, ocultariam a impotência com a máscara do mérito e da bondade. A baixeza transformar-se-ia em humildade, a covardia em paciência. Os fracos, ainda segundo Nietzsche, seriam, conforme esta transvaloração, os justos que odiariam a injustiça. Assim, a moral estabelecida com base em critérios religiosos e não mais em critérios naturais, como nos primórdios, seria algo contra a Natureza do ser humano, negando a realidade da vida e justificando-se em critérios supostamente divinos. A classe dominante, a partir de então, pela aceitação e pela adoção desta mesma moral estabelecida pela religião, passou a sofrer de má consciência e criou a ilusão de que deter o poder, acumular riqueza e mandar, era algo que devia ser considerado errado. Para o filósofo, a vida humana consistia apenas em vontade de poder, de dominação e, em última instância, em vontade de potência. As verdadeiras virtudes para ele eram: o orgulho, a alegria, a saúde, o amor sexual, a amizade, a veneração, os bons hábitos, a vontade inabalável, a disciplina intelectual e a vontade de poder. Ele era contrário a qualquer tipo de igualitarismo e, até mesmo, à ideia do Imperativo Categórico, de Immanuel Kant. Como ateu, era contrário ao estabelecimento da moral por critérios religiosos.
                    Na pós-modernidade, no ocidente cristão, o feminismo militante; o anti-belicismo; a tipificação do assédio sexual como crime; a educação dos filhos homens pelas mulheres, que querem que eles vejam a vida como elas vêem; a insegurança masculina sobre a sua própria masculinidade, incentivada pela ideologia de gênero divulgada nas escolas; a implantação do comportamento politicamente correto; a legislação referente aos direitos humanos; a legislação referente aos direitos dos homossexuais (inclusive com relação aos casamentos e adoções); tudo isto, junto, teve o efeito perverso de deixar o ocidente em posição mais vulnerável que o oriente, notadamente neste caso presente dos refugiados islâmicos, para os quais as leis ocidentais nada valem. Os comportamentos adotados no ocidente, mencionados anteriormente, teriam, assim, efeminado os homens europeus frente aos árabes.
                  Nos países árabes islâmicos (como nos morros cariocas) o que vale é a lei do mais forte. Igreja, Estado e Sociedade, são regidos por uma só lei. A mulher é considerada um ser inferior e deve obedecer ao homem, ao contrário das leis e da visão ocidental. O fanatismo religioso considera ser dever ‘daquele que se submete’ (significado de islã), eliminar fisicamente os hereges (qualquer um que não seja muçulmano). A escritora Ayaan Hirsi Ali, em seu livro “Por que o Islã precisa de uma reforma Imediata”, menciona que na história islâmica a terra controlada pelo islã é chamada de ‘Dar al-Islam’ (a morada do islã). A terra controlada por não muçulmanos é chamada de ‘Dar al-Harb’ ( a morada da guerra). Em razão disto, os grupos islâmicos de refugiados (mesmo tendo sido acolhidos, inicialmente, com respeito e fraternidade por grande parte da população européia), têm aplicado a JIHAD (guerra mundial contra os cristãos), nos territórios aonde se instalaram, em uma verdadeira Cristofobia pouco divulgada pela mídia do ocidente, que dá mais ênfase a Islamofobia ocidental. 
          Nos próprios países onde foram acolhidos, os refugiados implantam a SHARIA (caminho), que é um conjunto de regras comportamentais e legais, segundo creem, dado por Deus aos homens, para que organizassem as suas vidas e é, portanto, uma lei universal. A obediência à SHARIA, assim, não seria obrigatória, apenas, para os islamitas, mas, para todos os seres humanos.
               Pelas razões expostas, nota-se certa fraqueza da parte dos políticos europeus face ao comportamento anti-social e, muitas vezes, ilegal dos refugiados, fraqueza esta percebida por eles que, a cada dia, ocupam mais espaço (político, econômico e social) nas cidades dos países para onde imigraram. Acresce, ainda, que a culpa por estas invasões dos “novos bárbaros” em direção à Europa, é devida às políticas imperialistas dos USA e da Rússia, em busca do domínio de fontes de energia e de estratégias geopolíticas. Todavia, estes dois países não receberam as levas de refugiados que promoveram com seus conflitos; levas estas que acabaram desaguando nos países europeus.
                     Se a Europa não reagir à altura submetendo estes refugiados e imigrantes às suas leis, em breve, perderá totalmente o controle da situação, notadamente considerando que as taxas de fecundidade e de natalidade entre a população de origem árabe, são muito maiores do que as da população européia. Na França de hoje, quarenta por cento dos nascimentos se dão entre famílias árabes. O ocidente, notadamente na Europa, necessita de uma nova transvaloração de valores (como aquela mencionada por Nietzsche), enfatizando a virilidade, a honra e a coragem; pois, do lado de lá (da JIHAD islâmica), são estes os valores que contam... 


_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Publicado na Revista da Aeronáutica, nº 294, Rio de Janeiro, 2016.
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sábado, 13 de agosto de 2016

120. Nada como a liberdade de estar preso em uma cela**


Jober Rocha*


Existem duas maneiras de qualquer cidadão vir a encontrar-se, algum dia, em uma cela de prisão: de modo compulsório ou de forma voluntaria. Os criminosos, normalmente, lá estão compulsoriamente (digo os criminosos normalmente, por que existem os casos de erros judiciais, em que um cidadão inocente pode se encontrar preso compulsoriamente, como se criminoso fosse, sem nenhuma razão para estar ali). Os monges, por sua vez, sábios e filósofos, se aprisionam em celas de mosteiros voluntariamente.
Estes comentários que faço me ocorreram pelo seguinte motivo: tendo saído de casa para uma simples caminhada pelo calçadão, fui surpreendido por tantos e tão desagradáveis acontecimentos, que a conclusão a que cheguei e que dá título a esta crônica, veio-me à mente como a única alternativa para alguém que, como eu, deseja ter os últimos dias da sua existência transcorrendo em paz e de forma agradável.
Tendo iniciado a minha caminhada, pouco tempo depois, fui abordado por dois indivíduos que saltaram armados de um automóvel e renderam todos os passantes, levando aquilo que eles portavam em suas caminhadas. Telefones celulares, cordões de ouro, relógios e pulseiras, rádios portáteis, anéis, carteiras, etc.
Como a chave do meu carro havia sido por mim colocada na meia do tênis que eu calçava, ela passou despercebida e perdi apenas o telefone celular.
Desistindo de caminhar, resolvi pegar o carro e voltar para casa. Triste idéia. Logo ao entrar no veículo, passei a sentir um cheiro forte e nauseante. Olhando para os pés percebi que havia pisado em excrementos humanos, cujo odor fétido é bem maior do que o dos cachorros. Fiquei alguns minutos limpando as solas do tênis, o tapete do carro e os pedais, todos já contaminados com aqueles excrementos.
         Finalmente, ao tentar dar a partida no veículo, reparei em um papel preso no limpador do vidro. Ao retirá-lo, vi que se tratava de uma multa por estacionar em local proibido.
      Sai dali e tomei o caminho de casa. Pouco mais a frente, fui obrigado a parar em razão do engarrafamento, que se formara naquela rua, em decorrência das obras emergenciais da prefeitura. Como a via era de mão única e não era permitido ir a frente, tampouco era possível ir para trás, devido a uma enorme fila de veículos parados. Já havia transcorrido cerca de duas horas quando, finalmente, a prefeitura liberou a rua e o transito pode fluir. Não preciso dizer que a roda do meu carro caiu em um buraco mal tapado durante a obra e o aro amassou, esvaziando o pneu.
         Após a troca do pneu pelo estepe com a ajuda de algumas pessoas, segui rápido para casa. Tão rápido que ao passar por um 'pardal' levei uma multa (fato que só fiquei sabendo alguns meses depois, quando ela chegou a minha casa). Ao entrar no prédio, raspei o paralamas do carro na coluna da garagem; sendo notificado pelo síndico de que, no dia seguinte, iriam mandar consertar a coluna e que mandariam a conta para mim.
          Tomei, em seguida, um banho frio para me acalmar e, pouco depois, deitado, pensava em como teria sido tão melhor ter ficado em casa lendo um bom livro ou escrevendo uma crônica. Sair de casa em uma cidade grande é sinônimo de aborrecimentos, mesmo que seja apenas para passear. Cheguei à conclusão de que aquela era a verdadeira razão para que os criminosos sempre retornassem à prisão, por mais que as autoridades judiciárias os pusessem no olho da rua, alegando falta de espaço ou penas já cumpridas. O único lugar realmente tranqüilo era dentro de uma cela, fato reconhecido por todos os criminosos que das suas teimam em não querer sair ou, se acaso saem, é para elas logo retornarem. Da mesma forma, aquela também era a razão para que os monges (reconhecidos como pessoas sábias e amantes da paz e da tranqüilidade), voluntariamente, buscassem celas e cubículos nos mosteiros isolados de onde não pretendiam mais sair, a não ser para outras dimensões e, mesmo assim, deixando para trás os seus velhos corpos que tanta canseira e tantas dores lhes proporcionavam.
           A partir daquele fatídico dia, mandei gradear a janela do meu quarto (não para que não possam entrar, mas para que eu não possa sair), coloquei um cadeado na porta do quarto (por dentro), enchi a geladeira do cômodo de alimentos, comprei diversos livros e algumas garrafas de bagaceira portuguesa e, desde então, vivo no paraíso terrestre. Não atendo mais o telefone, coloquei todas as contas no débito automático e passo os meus dias lendo e escrevendo. Finalmente, agora preso em meu quarto, pude encontrar a tão sonhada liberdade...

_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Crônica premiada em quarto lugar, entre os dez classificados, no VII Concurso Perolas da Literatura 2016, promovido pela Prefeitura de Guarujá, São Paulo.


sexta-feira, 5 de agosto de 2016

119. Que língua nós, os lusófonos, falaremos no futuro?


Jober Rocha*


               Considerado como linguagem escorreita desde os tempos de Luís de Camões, será que a língua portuguesa continuará sendo, por muito tempo, ainda, apurada e correta como dizem alguns filólogos, louvando-se nas tradições acadêmicas de várias nações? 
                     Uma ampla acepção do termo Filologia descreve o estudo de uma língua juntamente com a sua Literatura e os contextos históricos e culturais, que são indispensáveis para uma compreensão das obras literárias e de outros textos culturalmente significativos. A Filologia compreende, portanto, o estudo da Gramática, da Retórica, da História e a interpretação dos autores, críticos e tradições, associados a um determinado idioma. 
                    Um aspecto particular da Gramática, a Toponímia; ou seja, o ato de dar nome sob a forma portuguesa ao que não o tem, conduz, por vezes, a modificação da grafia e do próprio fonema do topônimo, como encontramos, por exemplo, nas seguintes palavras: Pequim, ao invés de Beijim; Japão, ao invés de Nipon; Bielorússia, ao invés de Belarus; Alemão, ao invés de German. O mesmo ocorre com relação aos nomes próprios, onde, por exemplo, Marie Antoinete é substituída por Maria Antonieta; Antoine por Antonio, Nicollo por Nicoláu. Não se trata da mudança de uma simples letra, como Brazil com z ao invés de Brasil com s, mantendo, todavia, a mesma pronúncia. 
                      Em muitos casos, ao fazer o aportuguesamento do estrangeirismo, muda-se totalmente a pronúncia e o nome passa a ser outro, com fonética bem diferente daquela que possuía em sua língua original. Outros exemplos são: Bordeaux por Bordéus, Kachmir por Caxemira, voiture por viatura, etc.
                 O aportuguesamento tem por objetivo principal acabar com o anglicismo, com o galicismo, com o italianismo e com o espanholismo de palavras ou expressões que, inexistentes em português, são empregadas indevidamente em nossa língua; entretanto, muitas vezes, no ato de aportuguesar palavras estrangeiras, sem considerar corretamente a fonética e a grafia, modifica-se, também a morfologia, criando-se vocábulos bastante diferentes daqueles na língua original.
                  Considerando que a Ciência, a Filosofia, a Tecnologia e as Artes têm se desenvolvido de maneira mais intensa no conjunto dos demais países do globo, do que naqueles exclusivamente lusófonos, e que as nossas regras gramaticais, de redação e de estilo, exigem que a palavra estrangeira, na sua forma original, só deva ser usada quando for absolutamente indispensável, já que o excesso de termos de outra língua torna o texto pretensioso e pedante, é de se prever que o aportuguesamento de palavras continue aumentando em velocidade crescente nos anos futuros. O ritmo seguido pelo desenvolvimento tecnológico é tão intenso que, na atualidade, preparam-se profissionais para profissões que ainda não existem. 
                  Todas as palavras existentes, até então, na língua portuguesa, serão insuficientes, com toda a certeza, para descrever as novidades e as novas descobertas que o futuro nos reserva em todos os setores da atividade humana, notadamente nas ciências e na tecnologia. Tudo isto, desenvolvido em outros países e nomeados em outras línguas. Assim, o aportuguesamento de palavras estrangeiras poderá ser tão intenso, no futuro, que o número destas chegará, até mesmo, a superar o número de palavras de origem portuguesa já existente em nossa língua, fazendo com que o destino de grande parte das palavras, utilizadas até então, seja o do arquivo morto do arcaísmo.
                    O aportuguesamento de estrangeirismos, com certeza, sempre esteve vinculado a certo grau de ‘patriotismo’ dos lusófonos. Na atualidade, entretanto, com a globalização e os seus efeitos; bem como, com o avanço cultural, social e tecnológico dos USA, fazendo com que o inglês tenha se tornado a língua oficial na qual todas as pessoas se comunicam por esse mundo afora, muitas palavras de origem inglesa estão deixando de ser aportuguesadas e passando a integrar a nossa língua em sua própria grafia e pronúncia original. 
                    Menciono, como exemplo, download, delivery, marketing, up grade, delete, etc. Pode, até mesmo, ocorrer futuramente (como ocorrido no passado com a língua francesa), que a língua inglesa venha a ser mais falada em nosso país do que o próprio português, motivado por forte influência cultural e social, já que o patriotismo está em baixa em nosso país (em razão de tantos escândalos de corrupção, roubos, etc., sem a punição dos culpados), com muitos brasileiros declarando ter vergonha de sua nacionalidade. Para tanto, basta, apenas, que deixemos de aportuguesar estrangeirismos. Estes, dada a quantidade com que serão incorporados à nossa língua no futuro, certamente passarão a dominar, quantitativamente, sobre os nossos velhos vocábulos portugueses.
                  A Academia Brasileira de letras, responsável pelo Vocabulário Ortográfico de Língua Portuguesa adotado em nosso país, evidentemente, possuirá papel de destaque no aportuguesamento dessas novas palavras que serão incorporadas futuramente ao português, falado e escrito, no Brasil. Já que não podemos impedir a entrada dos estrangeirismos em nossa língua, que pelo menos os aportuguesemos bem, para esconder um pouco o nosso enorme atraso científico, cultural e tecnológico.


_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.





quinta-feira, 4 de agosto de 2016

118. Interpelando conceitos e crenças

Jober Rocha*


           Caros amigos, eu resolvi iniciar este texto pelas palavras do poeta grego Eurípedes, quando afirmava que “escravo é aquele que não pode dizer o que pensa”. Eu vejo as coisas, exatamente, como o referido poeta e jamais me deixei escravizar pela autocensura naquilo que escrevo. Indo um pouco mais além da definição de Eurípedes, eu diria que escravo é também aquele a quem proíbem de ler o que outros pensaram e escreveram. 
                    Reconheço, ademais, que o nome deste blog, ‘O interpelador’, pode dar falsa ideia de que me dirijo aos meus leitores com alguma pergunta ou pedido de explicação, em tom confrontativo. 
                    A interpelação que faço quando escrevo não tem nada a ver com aqueles bons amigos que, de forma generosa, leem os textos que escrevo e é, sempre, dirigida às verdades já estabelecidas e consolidadas pelo tempo; bem como, a confrontação que busco diz respeito, somente, às crenças e às crendices que, eventualmente, possam dominar a imaginação dos leitores. 
                     Assim, como em sua apresentação inicial este blog já menciona que os textos aqui divulgados são, necessariamente, polêmicos ou então humorísticos (pois o humor é também uma forma branda de interpelar conceitos e verdades e de confrontar crenças e crendices), rogo a todos que relevem o ímpeto com que invado a privacidade das suas convicções, embora este seja o meu principal objetivo. Quanto mais todos nós duvidemos daquilo em que hoje acreditamos, maior será, certamente, o nosso crescimento cultural e espiritual futuro; muito embora, seja bem mais cômodo possuir verdades que acumular dúvidas. 
                     Mas, mudando de assunto, você, meu caro leitor, já parou para indagar por que razão Deus, que é único, está por detrás de todas as diferentes religiões com uma face distinta; religiões que, por vezes, se opõem umas as outras de forma violenta e que dizem ser, cada uma delas, portadoras da verdade e únicas representantes oficiais deste Deus, criador de todas as coisas? Todas elas, evidentemente, contam com o beneplácito dos Estados para pregarem por todo o território dos países onde têm livre curso, dispondo de facilidades e de incentivos não estendidos aos cidadãos comuns; inclusive, sendo beneficiadas com a isenção de impostos e taxas sobre aquilo que arrecadam dos seus fiéis e seguidores.
                     A explicação é simples: a religião representa o modo pelo qual as elites dominantes de cada povo entendem, e permitem que seja professada em seu próprio benefício, a ideia Metafísica daquele povo; ou seja, seus sistemas culturais e de crença, que relacionam a humanidade com a espiritualidade transformando-a em moralidade, em ética e em estilo de vida. 
                   Nada tem a ver, portanto, com os desejos ou os ensinamentos do Criador, que nunca se manifestou a respeito dos seus reais objetivos para com as suas criaturas, de forma a não deixar restarem dúvidas de que realmente o fez. Tudo aquilo que as religiões dizem lhes haver sido revelado pelo Criador, fica, sempre, no campo da especulação e dos dogmas. 
                    Por sua vez, jamais se viu, sendo livremente processada, uma religião que fosse contrária aos interesses das elites dominantes.   A falta de religião (ou o Ateísmo), por ser contrária aos interesses das elites, é uma das razões pelas quais o Comunismo tem sido combatido, historicamente, ao redor do mundo. Todos os monarcas e imperadores que a história registra, sempre permitiram, em seus reinos e impérios, a prática de todas as religiões que não fossem contra os seus interesses, proibindo aquelas que os contrariavam ou que incitassem as massas a questionarem as suas decisões. Não que o fizessem por serem bondosos ou religiosos, mas, faziam isto, tão somente, tendo em vista seus interesses de longo prazo e os de suas dinastias. 
                   As religiões, em troca, afirmavam que os reis, monarcas e imperadores eram indivíduos que chegavam aquelas altas posições pela vontade de Deus e, ainda, que eram representantes daquela divindade, tão importantes quanto os seus próprios sacerdotes. Isto não impedia, no entanto, que em diversas ocasiões estas majestades entrassem em conflito com os sacerdotes pela disputa dos bens terrenos.
                    Pela análise dos mandamentos, conforme a lenda, escritos por Deus em placas de pedra entregues ao profeta Moisés e, posteriormente, adotados pelos católicos, luteranos, adventistas, anglicanos, presbiterianos, ortodoxos e outros protestantes, podemos constatar que nenhum deles é contrário ou faz criticas as elites dominantes. Podemos ver que os mandamentos, apresentados no quadro a seguir, vieram de encontro aos desejos das elites (e também do povo, na medida em que tornavam pecados proibidos os atos de matar, adulterar, furtar, cobiçar a mulher e os bens do próximo, prestar falso testemunho, mentir, etc.). Na realidade, eles tratavam de proibir um conjunto de ações que, lesivas a todos, eram recriminadas pelos próprios indivíduos ao organizarem-se em comunidades. 
                    A seguir, apresentamos a relação dos mandamentos para aquelas religiões que os adotam, obtida em   http://super.abril.com.br/historia/quais-os-10-mandamentos-para-cada-religiao

Judaísmo - século 10 a.C.
1. Eu sou o Senhor teu Deus
2. Não ter outros deuses. Não adorar ídolos
3. Não usar o nome de Deus em vão
4. Manter sagrado o dia do senhor
5. Honrar pai e mãe
6. Não assassinar
7. Não cometer adultério
8. Não roubar
9. Não prestar falso testemunho
10. Não cobiçar a casa do próximo. Não cobiçar a mulher do próximo

Ortodoxos - século 11 d.C.
1. Eu sou o Senhor teu Deus. Não ter outros deuses
2. Não adorar ídolos
3. Não usar o nome de Deus em vão
4. Manter sagrado o dia do senhor
5. Honrar pai e mãe
6. Não assassinar
7. Não cometer adultério
8. Não roubar
9. Não prestar falso testemunho
10. Não cobiçar a casa do próximo. Não cobiçar a mulher do próximo

Católicos - século 4 d.C.
1. Eu sou o Senhor teu Deus. Não ter outros deuses. Não adorar ídolos
2. Não usar o nome de Deus em vão
3. Manter sagrado o dia do senhor
4. Honrar pai e mãe
5. Não assassinar
6. Não cometer adultério
7. Não roubar
8. Não prestar falso testemunho
9. Não cobiçar a casa do próximo
10. Não cobiçar a mulher do próximo

Protestantes - século 16 d.C.
Introdução - Eu sou o Senhor teu Deus
1. Não ter outros deuses
2. Não adorar ídolos
3. Não usar o nome de Deus em vão
4. Manter sagrado o dia do senhor
5. Honrar pai e mãe
6. Não assassinar
7. Não cometer adultério
8. Não roubar
9. Não prestar falso testemunho
10. Não cobiçar a casa do próximo. Não cobiçar a mulher do próximo
               Nota-se pela comparação, que as principais religiões ocidentais adotam cerca de dez mandamentos, supostamente comunicados às criaturas pelo Criador. Pode-se perceber, todavia, que algumas trocam a ordem deles entre si e que os três primeiros mandamentos, em todas elas, apresentam um Deus, aparentemente, vaidoso de Sua unicidade (ou então uma religião que não desejava a concorrência das demais). Os outros mandamentos destacam coisas muito terrenas e machistas; isto é, interesses egoístas dos seres humanos, em geral, e dos homens, em particular (ou seja, a proibição da cobiça dos bens alheios e da mulher do próximo, do furto, do assassinato, etc.).                          Naquela oportunidade, única segundo a lenda, de comunicação por escrito entre o Criador e suas criaturas (posto que, até hoje, não houve outra oportunidade igual), é, no mínimo, estranho que o Criador não tenha aproveitado a ocasião para falar de importantes coisas espirituais e tenha gasto seu tempo falando sobre a proibição de furtar, de dar falso testemunho, de cobiçar a mulher do próximo (e não de cobiçar o cônjuge do próximo, indicando, assim, que o Criador, da mesma forma que ocorria com os homens, tratava a mulher como um ser inferior). 
                     Vê-se, portanto, que os mandamentos, ao invés de Divinos, possuem uma origem humana e machista, que, se no passado satisfizeram aos nossos antepassados, que acreditaram terem eles sido proferidos pelo próprio Criador; cada vez mais, se torna evidente à geração atual, possuírem eles uma origem humana (demasiadamente humana, para copiar a frase do filósofo alemão F. Nietzsche).
                       Entretanto, na medida em que a ciência progredia, a população aumentava e as barreiras caiam, o nosso planeta se transformou em uma única comunidade globalizada, na qual os seres humanos passaram a ter maiores oportunidades de adquirir conhecimento e de se informar. Paradoxalmente, aquilo que foi, inicialmente, planejado pelas elites com o objetivo de proporcionar maiores lucros para poucos (ou seja, a globalização das economias), em razão de um efeito perverso (aumento da informação em decorrência do surgimento da informática e da WEB), pode gerar maior libertação para muitos; desde que estes entendam como as coisas se passaram e ainda se passam, aprendam a filtrar as informações que recebem e usem seus direitos e prerrogativas de cidadãos, de consumidores, de eleitores, de telespectadores, de fiéis, de contribuintes, etc., para mudar a sociedade em que vivem. 
                     Não se trata de derrubar governos nem sistemas econômicos, mas, apenas, de demonstrar às elites dominantes que somos seres humanos como eles, e que as relações entre dominadores e dominados podem se pautar por maiores e melhores padrões de convivência e de justiça social, sem a necessidade da mentira entremeando estas relações, como até então têm vigorado. Queremos ser sócios, embora minoritários, nos destinos do nosso planeta, e não escravos para sempre de elites dominantes, que usam e abusam dos sentimentos teístas e místicos dos indivíduos para dominá-los; já que, tais sentimentos são intrínsecos a todos os seres humanos.
                       Finalizando, reconheço que muitos leitores poderão considerar tudo aquilo que aqui tem sido dito, como uma afronta ou mesmo como uma heresia, pois penetra nos domínios da religião, com uma versão diferente para fatos que durante milhares de anos foram apresentados como verdadeiros, mas que não resistem ao transcorrer do tempo e ao avanço do conhecimento humano. 
                       Da mesma forma, muitos não concordarão com as hipóteses que, ao longo de todos os textos postados neste blog, têm sido apresentadas. Entretanto, estas não serão nem melhores nem piores que quaisquer outras existentes (inclusive a versão oficial dos fatos); pois, como está sobejamente demonstrado por historiadores, pensadores e estudiosos da religião, não comprometidos com nenhuma delas, a par das inúmeras contradições existentes nos evangelhos constantes do Novo Testamento, não existe nenhum fato arqueológico, ou histórico e científico, que confirme a veracidade de fatos ali narrados (morte na cruz, ressurreição e divindade de Jesus; virgindade e inseminação divina de Maria; ressuscitação de mortos, tremor de terras, queda do sol e de estrelas no momento da morte de Jesus na cruz; milagres, etc.). 
                        Os evangelhos do Novo Testamento, segundo o professor Bart D. Ehrman, em sua obra ‘Quem Jesus foi? Quem Jesus não foi? (Ediouro, 2000): “foram produzidos por pessoas que não conheceram Jesus, não viram nada do que ele fez e não ouviram nada do que ele ensinou; pessoas que falavam um idioma diferente do dele e viviam em outro país. O evangelho de Marcos foi o primeiro a ser escrito, por volta do ano 70 D.C. Mateus e Lucas usaram Marcos como fonte e foram escritos por volta de 80 e 85 D.C. João foi escrito por volta de 90 a 95 D.C. e as epístolas e os Atos de Paulo por volta de 50 D.C. Isto indica que os relatos mais antigos sobre a vida de Jesus foram escritos entre 35 e 65 anos após a sua, suposta, morte na cruz".
                      Ainda, segundo Bart D. Ehrman, na obra citada, “Um grande número de livros dos primórdios da igreja foi escrito por autores que alegaram, falsamente, serem apóstolos para enganar os leitores e fazê-los aceitar seus livros e os pontos de vista que representavam. Jesus, aparentemente, não tinha qualquer intenção de criar uma nova religião. A sua religião era a dos judeus, corretamente interpretada segundo Jesus (em oposição, claro, às outras interpretações como a dos fariseus e a dos saduceus)”.
                      A história da trajetória humana sobre a face da Terra tem sido tão distorcida, manipulada e escondida, ao longo dos últimos milênios, que a verdade, talvez, nunca mais seja encontrada por aqueles que a procuram. Certamente, alguns poucos possuem o conhecimento sobre ela, mas este é mantido em total segredo por aqueles que a usam em benefício próprio. A regra geral tem sido: apagar, modificar ou re-escrever, em favor dos interesses das elites, a verdadeira história da humanidade. Acredito, no entanto, que ainda neste século conseguiremos nos sobrepor a este acobertamento e a esta dissimulação, históricos.
                     Fazemos nossas as palavras de Marcelo da Luz, quando diz em sua obra ‘Onde a religião termina?’ (Editares): “A diretriz norteadora das discussões conscienciológicas é o Princípio da Descrença: Não acredite em nada, nem mesmo naquilo que você lê aqui. Experimente. Tenha suas próprias experiências.  Este princípio derruba qualquer pretensão de dogmatismo ou de fundamentalismo”.
                        Lembremo-nos, mais uma vez, da regra número dois de Chomsky, a de criar problemas e depois oferecer a solução (encontrada na obra ‘Visões Alternativas’, de Noam Chomsky). Através deste engenhoso mecanismo, as massas têm sido conduzidas a trilhar o caminho planejado pelas elites no próprio interesse delas. Da mesma forma, a apresentação da mentira como verdade e da maldade como bondade é outro artifício que confunde os seres humanos (recordemos que durante a inquisição torturava-se, matava-se e roubava-se em nome do bem, das virtudes e da Santa Madre Igreja). Mais recentemente, durante a segunda grande Guerra, milhões de seres humanos pereceram (entre eles milhões de judeus), sob os mais variados chavões ou argumentos: espaço vital, sub-raças, liberalismo, solução final, raça-pura, mundo livre, combate a tirania, etc. Por trás destes argumentos, que objetivavam mobilizar os povos para a guerra, apenas existiam os interesses geopolíticos, geoestratégicos e econômicos das elites mundiais.
                              No que tange a apresentação do demônio como divindade, alguns autores enfatizam teorias vinculando tanto sociedades secretas quanto religiões, esotericamente, ao demônio, embora se apresentando, exotericamente, como representantes de Deus. Conforme já demonstrado no texto 56 deste blog (O Pecado e o Demônio), o demônio bem como a sua morada, o inferno, foram criados pela Religião para amedrontar seus fiéis seguidores, não passando de metáforas para representar o mal (como recentemente reconhecido pelo atual papa Francisco); todavia, certamente, milhões de seres humanos nele acreditam e, por um desvio de conduta cujas raízes profundas são de ordem psicológica ou espirituais, trabalham para vê-lo prosperar, em troca de fortuna e de glória terrenas. É fato que muitos artistas, políticos, empresários, atletas, etc., são acusados de terem feito pactos com o demônio, objetivando o sucesso e a riqueza. 
                            Não posso afirmar se tais pactos funcionam ou não para os interessados; porém, afirmo que funcionam para aqueles que trabalham de intermediários nestas operações e auferem elevadas somas para fazê-lo. O mesmo se passa também para aqueles que fazem a intermediação entre as criaturas e o Criador, e cobram regiamente pelo serviço que, supostamente, prestam. No passado vendiam-se assentos no céu e absolvição prévia de futuros pecados, óleos santos, imagens sagradas, amuletos, relíquias santificadas, etc. Em alguns lugares ainda o fazem na atualidade.
                             Enquanto C.J.A. Rosière, em sua obra ‘O Mito Jesus – A Linhagem’ (Novo Mundo, 2009), levantava dezenas de personalidades importantes ao longo da história, como sendo descendentes de Jesus por intermédio da dinastia Plantageneta e da dinastia Merovíngia, e apresentava 67 gerações, outros autores mencionam estas duas dinastias como sendo adoradoras do Demônio.
                              Alexandra Robbins em ‘The Atlantic Online’, de maio de 2000, afirma que inúmeros ex-estudantes da Universidade de Yale, pertencentes a tradicionais famílias das elites norte-americanas e mundial, fazem parte da ‘Skull & Bones - Sociedade Caveira e Ossos’, a que pertenceram inúmeros ex-presidentes daquele país. Dentre suas revelações, encontramos: prova de feitiçaria em várias famílias importantes das elites mundiais; ênfase na morte e em caveiras em toda a parte, muito típico de uma Sociedade de Irmandade da Morte; nomes secretos assumidos por certos membros, no passado; submissão espiritual ao papa, típica dos Illuminati; admissão de vínculos com os nazistas, com o CFR (Conselho das Relações Exteriores) e com a Comissão Trilateral.
                              E por aí vai.
                       Qual a conclusão que podemos tirar destes fatos? Apenas as seguintes: Ou os dois autores citados estão errados (genealogicamente falando, com respeito à descendência dos Plantagenetas e dos Merovíngios), apenas um deles está errado ou ambos estão certos.
Com respeito às hipóteses anteriores, apenas a última parece ser a verdadeira; isto é, ambos os autores estão certos, pois estas descendências podem ser comprovadas através dos estudos de genealogia.
                     A discussão se tais personagens, historicamente mencionados, são representantes de Deus ou do Demônio é que não encontra apoio na História. Entretanto, estamos certos que ambos os autores referem-se a dinastias oriundas de um mesmo tronco inicial, isto é, de Jesus e de Madalena. Considerando todos os aspectos já mencionados anteriormente, pode-se supor que o verdadeiro Criador, certamente, não endossaria, não permitiria ou mesmo não contribuiria para fraudes históricas, para a escravidão, para torturas, mortes, dominação, guerras, perseguições, etc., promovidas, em seu nome por elites gananciosas, ao longo da história humana; razão pela qual, imaginamos que aqueles personagens, mencionados por ambos os autores, não estão do lado da divindade, mas, sim, do lado do seu oposto.


_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.