179. Percam todas as esperanças, pois estamos no inferno...**
Jober Rocha*
O título desta matéria me ocorreu ao ler a suposta entrevista do cidadão Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder do Primeiro Comando da Capital - PCC, a um jornal brasileiro, há algum tempo atrás e divulgada recentemente nas redes sociais. Mesmo que não seja verdadeira esta entrevista, muito do que nela consta foi dito pelo Marcola a deputados brasileiros, na CPI do trafico de armas em 2006.
A citação original, que dá nome ao texto, é do poeta Dante em sua obra A Divina Comédia, quando diz: Lasciate ogna speranza voi che entrate!”(Deixai qualquer esperança, vós que entrais!). Marcola, ao citá-la na suposta entrevista que deu ao jornalista, demonstrou que, ademais de ser um profundo conhecedor da sociedade brasileira atual, possui, também, alguma leitura, podendo considerar-se, na verdade, um intelectual do crime.
A citação original, que dá nome ao texto, é do poeta Dante em sua obra A Divina Comédia, quando diz: Lasciate ogna speranza voi che entrate!”(Deixai qualquer esperança, vós que entrais!). Marcola, ao citá-la na suposta entrevista que deu ao jornalista, demonstrou que, ademais de ser um profundo conhecedor da sociedade brasileira atual, possui, também, alguma leitura, podendo considerar-se, na verdade, um intelectual do crime.
Falando sobre a realidade presente brasileira, dentre os vários assuntos supostamente por ele abordados, destacou:
1. Não há solução, pois não conhecemos nem o problema;
2. Nós (os membros das facções criminosas que agem no país) somos o início tardio de vossa consciência social…;
3 ....e tudo isso (consertar o país) custaria bilhões de dólares e implicaria numa mudança psicossocial profunda na estrutura política do país. Ou seja: é impossível. Não há solução;
4. Estamos diante de uma espécie de pós-miséria. Isso, a pós-miséria, gera uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, internet, armas modernas;
5. Vocês representam o Estado quebrado, dominado por incompetentes. Nós (as facções) temos métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e burocráticos. Nós lutamos em terreno próprio;
6. Vocês têm mania de humanismo. Nós (as facções) somos cruéis, sem piedade;
7. O país está quebrado, sustentando um Estado morto a juros de 20% ao mês, e o governo ainda aumenta os gastos públicos empregando 40 mil picaretas;
8. Não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazer uma autocrítica da própria incompetência;
9. Estamos todos no centro do Insolúvel. Só que nós (as facções) vivemos dele.
A recente intervenção feita pelo governo federal no Estado do Rio de Janeiro é mais um fator indicativo a referendar as supostas declarações de Marcola. A realidade é que estamos todos no inferno, como ele bem destacou no início da sua suposta entrevista.
Alguns Estados, como o Rio de Janeiro, todavia, estão mais próximos do centro do inferno do que outros.
Alguns Estados, como o Rio de Janeiro, todavia, estão mais próximos do centro do inferno do que outros.
Estamos no centro do inferno na Segurança Pública; na Saúde; nos Transportes; no Saneamento; nas Estradas; na Previdência Social; na Educação; no nível de emprego; na morosidade do Judiciário; na total ausência de planos e de diretrizes setoriais de longo prazo; etc. etc. etc.
A explicação para isto, em minha modesta maneira de ver a questão, é que nós, os brasileiros, tivemos um mau começo do qual jamais conseguimos nos desvincular. Na obra A Arte de Furtar, de escritor anônimo do século XVIII (atribuída ao padre Antônio Vieira), o roubo e o furto já eram contemplados em suas inúmeras variações. A obra foi oferecida ao rei de Portugal em 1744 e mencionava sobre como se roubava e furtava no Brasil colonial.
Por sua vez, o nosso mártir da Independência (segundo o que o escritor e pesquisador Assis Brasil afirma em sua obra ‘Tiradentes’), Joaquim José da Silva Xavier, não foi nenhum mártir. Sua morte foi uma encenação, tendo morrido em seu lugar o ator de circo Renzo Orsini. Tiradentes, por ser maçom, teria sido salvo pelas maçonarias portuguesa e brasileira, que o transferiram, inicialmente, para Angola e, posteriormente, para a França.
O episódio da invasão francesa do Brasil, com a tomada da cidade do Rio de Janeiro pelo corsário Duguay-Trouin, em 1711, para vingar a morte de seu companheiro Duclerc que o precedera um ano antes, foi outro fato a desmerecer a nossa história, pois o governador da cidade na ocasião, Francisco de Castro Morais (segundo a opinião de alguns historiadores em troca de dinheiro), desguarneceu as fortalezas que protegiam o Rio de Janeiro, favorecendo o desembarque das tropas francesas.
Os habitantes da cidade tiveram que pagar vultoso resgate aos franceses (610 mil cruzados, cem caixas de açúcar e duzentas cabeças de gado) e, mais tarde, o governador foi alvo de um inquérito instaurado pela coroa portuguesa, tendo sido condenado a ser queimado em esfinge (outra fraude da época, imaginada para beneficiar pessoas importantes que cometiam crimes. Faziam-se bonecos com a imagem dos condenados e ateava-se fogo aos bonecos, considerando-se, desta forma, que os réus tinham sido suficientemente punidos).
Assim a nossa história (com a qual a maioria do povo brasileiro não se identifica) tem consistido em um vasto mundo de mentiras e de subterfúgios, cujo verdadeiro enredo poucas pessoas conhecem. Digo que a maioria do povo não se identifica com a nossa história por que, desde a sua descoberta em 1500 até 1815, o nosso país pertencia a Portugal como colônia. De 1816 a 1822 passou a ser um reino unido ao de Portugal e Algarves, comandado de direito por D. João VI e de fato por seu filho D. Pedro I; o qual, a partir de 1822, transformou-se em imperador do Brasil, libertando o país, formalmente, de Portugal. Digo formalmente por que o nosso país continuava em mãos de portugueses e de uma mesma família.
D. Pedro I ficou até 1831, quando voltou para Portugal. Seu filho, Pedro II, assumiu em 1840 ficando até 1889, quando foi proclamada a república. Somente a partir de então é que os naturais do país passaram a ter influência nos destinos da nação, que o nosso país adquiriu autonomia e que os brasileiros conquistaram a sua soberania, passando a possuir uma história verdadeiramente brasileira.
Note-se que o povo dito brasileiro, até então, em sua maioria, era formado por portugueses e seus familiares, além de escravos africanos e seus descendentes.
Nossa história, apenas a partir da Proclamação da República pode ser considerada como a verdadeira história do povo brasileiro. Até então, consistiu na história das nações indígenas que aqui viviam, na história da colonização portuguesa no Novo Mundo e na história dos povos africanos escravizados pelos portugueses. Os episódios históricos de violências, aqui ocorridos entre brancos contra brancos, neste período, foram travados entre os portugueses e os seus descendentes residentes no país, entre portugueses e franceses ou entre portugueses e holandeses.
Embora o sentimento de brasilidade tenha se fortalecido com a república, o fato é que, mesmo após a proclamação da mesma, a política no país continuou desvinculada dos interesses populares. Foram as famílias de latifundiários, produtores rurais e grandes comerciantes, importadores e exportadores, que, alçadas ao poder com a república, passaram a eleger seus apadrinhados e prepostos, com a missão de assegurar seus interesses e aumentar seus poderios econômicos.
Desde então, até os dias atuais, tais grupos se alternam no poder, espoliando tudo aquilo que podem dos recursos nacionais gerados com o trabalho de todos os brasileiros.
Nos últimos trinta anos, todavia, a coisa tomou um rumo desproporcional; talvez, por que, pela primeira vez, pessoas originárias das classes mais pobres do país tiveram acesso ao comando do governo e ao Tesouro Nacional, levando o Brasil quase a bancarrota pelo excesso de ganância na apropriação privada dos recursos públicos.
Ocorre ainda (conforme supostamente bem diagnosticou Marcola) que os governos têm sido todos incompetentes, sinalizando, com isto, que a elite no poder não parece preocupada com a morte da ‘galinha dos ovos de ouro’. Talvez o volume de dinheiro já transferido para paraísos fiscais, pelas elites nacionais, seja suficiente para manter algumas de suas próximas gerações na ociosidade, razão pela qual não se preocupam mais com os destinos do país.
Por outro lado, talvez elas ganhem muito com o caos instalado, conforme o próprio Marcola ressaltou em sua fala, quando afirmou que “Estamos todos no centro do Insolúvel. Só que nós (as facções) vivemos dele”; por isto, as elites nada fazem para solucionar os nossos óbices e, ao contrário, muito fazem para incentivá-los.
Ademais, conforme destacou o entrevistado, “não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazer uma autocrítica da própria incompetência”. Essa autocrítica de que ele fala, no entanto, só teria sentido se os erros cometidos não fossem propositais, mas devidos a simples incompetência; o que não parece ser o caso. Aqui, conforme está sendo apurado em diversos inquéritos policiais, a promulgação de decretos e de leis, lesivos a população, foi, em vários casos, negociada com empresários que teriam pago por tais dispositivos legais que os beneficiariam, deixando bem claro a separação entre a incompetência e a má fé.
O que as elites brasileiras não demonstraram ainda ter se dado conta (e Marcola fez questão de destacar isto em sua entrevista, talvez em razão de alguma leitura que tenha feito acerca da Revolução Francesa de 1789), é que “vocês têm mania de humanismo. Nós (as facções) somos cruéis, sem piedade”. Na Revolução Francesa, quando o povo teve a oportunidade de se vingar de uma elite odiosa, milhares de cabeças elitizadas rolaram na recém criada guilhotina, de forma cruel e sem piedade como destacou Marcola com respeito às facções atuais.
Não consigo ser um brasileiro otimista, com a visão que possuo da nossa história pregressa e da nossa realidade atual. Chegamos a um ponto tal que, conforme destacou o entrevistado Marcola, consertar tudo isso custaria bilhões de dólares e implicaria numa mudança psicossocial profunda na estrutura do país. Assim, na ausência de uma verdadeira e drástica revolução cultural, moral e de costumes, que, infelizmente, sabemos impossível de ocorrer, sou obrigado a concordar com ele quando diz: - “Não há solução!”
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
_**/ Ensaio.
Concordo inteiramente!
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