quinta-feira, 15 de março de 2018



180. Teríamos, de fato, sido feitos a imagem e semelhança do Criador?**

Jober Rocha*


                                          O recente inquérito motivado pela Operação Lava a Jato, no qual um ex-presidente, seus assessores mais chegados, empresários e políticos foram acusados de desvio de recursos públicos, concussão, lavagem de dinheiro, tráfico de divisas e outros crimes diversos (processo este em que quase todos os principais envolvidos negaram as suas participações nos atos criminosos, afirmando inexistirem provas materiais, a não serem, segundo eles, aquelas delações de alguns empresários objetivando redução de suas penas), me fez recordar episódios ocorridos há milênios, quando do surgimento dos primeiros escritos sobre a religião, escritos estes que teriam sido inspirados ou mesmo ditados pelos Deuses, segundo os seus propagadores sempre afirmaram.
                                                     Os réus de hoje, na Lava a Jato, declararam, através de seus advogados, que todas as acusações que lhes imputavam não passavam de suposições, de ilações, de vinganças pessoais partidas de inimigos políticos, de fraude processual, de perseguição dos membros do Judiciário e do Ministério Público, etc.
                                                       Os advogados dos réus desdobraram-se em argumentos, tentando salvar seus clientes de longos períodos de inatividade em presídios de segurança máxima no interior do país. Em que pesem todos os argumentos apresentados parece que eles, ainda, não conseguiram atingir seus objetivos; pois a Justiça tem caminhado, inexoravelmente, na direção da condenação dos réus em todas as instâncias. Os investigadores, os promotores de justiça e os juízes fizeram, ao que parece, um trabalho impecável, a luz de todo o aparato moderno existente para facilitar a apuração de crimes financeiros e dos chamados crimes de 'colarinhos brancos'.
                                                       Fiquei, pois, imaginando, como seriam os julgamentos, nos dias atuais, de nossos autores ancestrais dos chamados livros sagrados, caso fossem tornados réus pela prática de propaganda enganosa (Lei nº 8.078 de 11 de Setembro de 1990, que Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. § 1º É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. § 2º É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança) e/ou falsidade ideológica (que é um tipo de fraude criminosa que consiste na adulteração de documento, público ou particular, com o fito de obter vantagem - para si ou para outrem - ou mesmo para prejudicar terceiro), caso isso pudesse ocorrer na atualidade (na hipótese de que conseguíssemos, através da tecnologia, regressar ao passado e trazer ao presente os nossos ancestrais redatores destes textos) e algum inquérito fosse instaurado por um rigoroso promotor de causas difusas, desejoso de apurar, em nome do Ministério Público, eventual prática de crime ou de ilícito penal por parte daqueles que redigiram os antigos textos religiosos, falando em nome de Deus e de Jesus sem autorização expressa destes; isto é, hipoteticamente, usurpando funções e se apropriando da imagens de terceiros, com possíveis finalidades de auferir poder e riqueza. 
                                                        Digo isto, por que muitas igrejas, na atualidade, transformaram-se em empresas, com o estabelecimento de metas de arrecadação de dinheiro dos fiéis por parte de seus pastores e sacerdotes. Hoje pela manhã li na imprensa a notícia de que uma determinada igreja havia sido condenada, judicialmente, a devolver tudo o que tinha recebido de um fiel, sob a acusação de coação moral irresistível e abuso de direito. O fiel teria sido coagido a doar seus bens, sob ameaça de receber uma maldição por parte da igreja, caso não o fizésse. 
                                                Será que as modernas técnicas de interrogatório; o avanço no uso da informática; a possibilidade atual do cruzamento de informações; o acesso instantâneo às fontes de dados primários e o conhecimento científico e tecnológico moderno, permitiriam, talvez, obter a confissão dos autores de textos antigos de que haviam mentido em alguns casos? Nesta hipótese, poderíamos chegar a conclusões diferentes daquelas a que chegaram os antigos pensadores religiosos, que instituíram as suas religiões com base em tais livros sagrados, supostamente influenciados ou psicografados por Deus? E o que diriam os fiéis que adotaram estas religiões, se os autores daqueles textos confessassem haver mentido?
                                                              Segundo consta nestes escritos mencionados, feitos todos por seres humanos, em inúmeras ocasiões de épocas remotas, Deus, supostamente, teria falado diretamente aos sacerdotes e aos líderes de vários povos. 
                                                              Isto teria, realmente, acontecido? Tais afirmações, contidas nestes textos, resistiriam a um inquérito judicial, igual aqueles que são realizados nos dias atuais?

                                                  O promotor de causas difusas mencionado, tendo estudado o caso e marcado o depoimento do réu, autor de algum destes textos, começaria por dizer:

                                                          - "Em Gênesis 1:26 -28, Deus teria dito: 
26 - “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra”.
27 – “E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”.
28 – “E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra”."

                                                             - "Poderia você, como o autor do Gênesis, provar que Deus, realmente, disse isso?" - perguntaria o inquiridor ao réu, cujo depoimento estava sendo tomado naquele momento.
                                                             - "Deus disse isso a quem, quando e de que forma? Em qual língua falou? Por que disse façamos? Estava Ele sozinho ou em presença de algum outro Deus, para dizer façamos? Qual a aparência física Dele? Descreva-o!"
                                                                   O réu, sem dúvida alguma, por melhor que fosse o seu advogado, não teria respostas para tais questionamentos. Caso tivesse, já as teria inserido no texto que escrevera há milênios.  
                                                             Seguindo adiante com a sua inquirição, o promotor lembraria ao réu:
                                                                 - "Por outro lado, as escrituras mencionam também o Caos (vazio primordial de caráter informe, ilimitado e indefinido, que precedeu e propiciou o nascimento de todos os seres e realidades do universo), que existiria antes de Deus criar o mundo". 

                                                                  A continuação, o inquiridor, inteligentemente, em tom acusatório, diria ao réu responsável pelo texto bíblico que conteria a afirmação acerca da existência do Caos: 

                                                           - "Você está mentindo! O Caos é impossível de ter existido aos olhos da razão, pois é impossível que tenha havido algo oposto ao Criador e às suas leis, que são eternas! Se antes houvesse o Caos, de onde teria surgido o Criador? Ou o Caos seria eterno ou o Criador é que seria, pois ambos não poderiam conviver juntos! Foi você mesmo quem criou esta ideia do Caos e quero saber com que objetivo?"
                                                                  Mais uma vez, réu e advogado não teriam como contestar o inquiridor e o réu, instruído por seu causídico, diria que só falaria em juízo, conforme lhe facultava a lei.

                                                            Ainda continuando com o interrogatório, o promotor mencionaria:

                                                               - "Por sua vez, a figura do demônio também é citada em vários textos do Novo Testamento (em Marcos, Mateus, Lucas, Tiago, João, Apocalipse, etc.), ademais de ser mencionado no velho (Deuteronômio)".
                                                                      O inquiridor (reunindo em separado todos os respectivos autores destes textos, considerados réus no mesmo processo, diria a mesma coisa a cada um deles, em particular), na presença do réu e de seu advogado falaria em tom acusador: 
                                                            - "Fique você sabendo que não acredito em nada daquilo que disse! Você estava tentando amedrontar o povo com alguma finalidade inconfessável, ao mencionar a existência do demônio! Estava tentando obter lucros fáceis? Buscava esconder do povo a verdade sobre algo muito grave que ocorrera no passado? Queria criar dificuldades para vender facilidades, através da intermediação que a sua igreja faria com o Criador para livrar os fiéis das garras do demônio, no inferno?"
                                                               - "Todos nós sabemos que a doutrina que trata da existência do Demônio colide, por principio, com a da existência de Deus. Efetivamente, a luz da Filosofia, Deus e o Demônio são potencias que se excluem mutuamente; isto é, que não podem coexistir simultaneamente. As relações mútuas a que se obrigaram, implicariam a destruição de um dos dois". 
                                                                      - "Esta incompatibilidade pode ser formulada através dos seguintes argumentos, que você deve saber muito bem e que escondeu dos seus leitores: 

1. Se Deus é o criador de tudo o que existe, deve ter sido, também, o criador do Demônio (ou pai do Demônio). Se o Demônio é criação de Deus (ou filho de Deus), indiscutivelmente, antes de ser criado estaria em Deus, participando de sua essência; o que impõe a conclusão de que Deus, o Eterno Bem, tenha em si a essência do Eterno Mal; 
2. Se o Demônio não foi criado por Deus, então, existe algo que Deus não criou e que ou foi criado por si mesmo (o que a tornaria igual a Deus) ou deve a sua criação a outrem; o que ainda força a existência de um Deus anterior (caso este em que se estabeleceria uma dualidade divina). Se existissem essas duas potências, elas ocupariam a totalidade do espaço e existiriam no mesmo lugar, uma penetraria a outra e isto é um absurdo".

                                                                - "Contra a criação do Demônio por Deus, há, ainda, os seguintes raciocínios, que, com certeza, você sabia muito bem e nada disse em seu texto: 

1. Deus seria incoerente porque conhecendo, pela sua omnisciência, o futuro de todas as criaturas, teria criado uma voltada, exclusivamente, para combater a sua obra; 
2. A doutrina católica de que Deus, antes de criar o universo da matéria, criou o mundo dos espíritos (destinados todos a louvarem, servirem e glorificarem seu Criador), impõe a seguinte conclusão: Se Deus precisa que o louvem, sirvam e glorifiquem, logicamente, é por que lhe falta alguma coisa e porque não tem em si tudo aquilo que precisa. Não há dúvida de que um Deus assim não é completo, sendo incompleto e imperfeito; 
3. No Capítulo XXI, v.27 do Apocalipse, encontra-se: “Nada de profano, nem ninguém que pratique abominações e mentiras, entrará no céu, mas, unicamente, aqueles cujos nomes estão inscritos no livro de vida do Cordeiro.” No Capítulo XII, v 7, 8 e 9, o Apocalipse se contradiz, ao afirmar que “Houve uma batalha no céu e Satanás, o Demônio, foi precipitado na terra com seus anjos”. "

                                                        - "Assim, o Demônio, por ser um contaminado da maldade, desde o principio (Primeira Epístola, João, III, 8), não podia estar no céu para dele ser precipitado. Consequentemente, a estória do Demônio é falsa e, como Satanás não existe, não existe também o inferno, que consiste em outra alegoria oriunda de antigas crenças. Antes de a Bíblia registrá-lo, já existia nas mitologias Persa, Indiana, Egípcia, Gaulesa, etc".

                                                             - "Acho melhor você confessar logo que mentiu e tentarmos chegar a um acordo. Se você disser as verdadeiras razões pelas quais tentou enganar seus leitores e quem o pagou para escrever o que escreveu, posso estudar uma redução de pena, uma eventual prisão domiciliar ou, até mesmo, o uso de tornozeleira eletrônica".

                                                                 Em outra etapa do interrogatório particular de alguns dos autores de textos antigos, o inquiridor diria a cada um dos réus, individualmente:

                                                        - "Relativamente ao seu texto que menciona a figura de Jesus Cristo como sendo Deus ou filho de Deus, hoje nós sabemos, segundo vários autores, que tudo não passou de uma criação dos antigos pensadores da Igreja de Roma (dentre os quais, certamente, você se destacava), instituída esta pelo Imperador Constantino no Concilio de Niceia, para justificar o fato de que, se os próprios imperadores romanos eram considerados deuses pelo povo, o principal personagem daquela nova religião (sendo criada pelo Império Romano, na ocasião) não poderia desfrutar de um status inferior. Você, com o seu texto, ajudou a criar e a difundir a notícia inverídica de que Jesus Cristo era Deus".

                                                          - "Voltaire, em seu 'Dicionário Filosófico', menciona o seguinte texto do abade de Tilladet:
“Os quatro evangelhos foram pouco conhecidos entre os romanos no tempo de Trajano e não andaram nas mãos do público antes dos últimos anos de Diocleciano. Os Socinianos rígidos (seguidores de Fausto Socino, falecido na Polônia, em 1604, que desenvolveu sua teologia inspirada em seu tio Lélio Socino, morto em 1562 em Zurique. A doutrina sociniana é antitrinitária e considera que em Deus há uma única pessoa e que Jesus de Nazaré é um homem) consideram, pois, os nossos quatro evangelhos como obras clandestinas, fabricadas cerca de um século depois de Jesus Cristo e cuidadosamente escondidas dos gentios durante o século seguinte”."

                                                                - "O Professor Bart D. Ehrman, Ph.D. em Teologia por Princeton e professor de estudos religiosos na Universidade da Carolina do Norte, afirma: “Com o desenvolvimento do Cristianismo, houve várias tentativas de explicar como Jesus podia ser divino, se havia um único Deus.Uma dessas tentativas (chamada patripassianísmo, por Tertuliano, ou sabelianísmo, por causa de Sabélio) diz que Deus pai e Deus filho não eram duas entidades, mas que Deus filho é Deus pai, quando este encarna. A outra era o arianismo, que afirmava que Jesus e Deus não eram da mesma substância, mas de substancias similares. Cristo passou a existir em determinado momento e, embora fosse divino, não era igual a Deus. A Trindade, é uma invenção cristã posterior, baseada segundo os argumentos de Atanásio e outros, em passagens das Escrituras, mas que na verdade não aparece em nenhum dos livros do Novo Testamento. Em três séculos, Jesus deixou de ser um profeta apocalíptico judeu para se tornar o próprio Deus, um membro da Trindade”." 
                                                             - "Em conformidade com F. Fernandes em “Jesus este ilustre desconhecido”, publicado em ‘Cristianismo’ e disponível em www.diariodeunsateus.net, encontramos: “Nem a Arqueologia, nem a História, nem o Antigo Testamento contém uma única referência ao personagem Jesus. Apenas o Novo Testamento fala nele. Nos documentos históricos contemporâneos, ou posteriores à época de Jesus, nunca se fala dele e apenas quatro historiadores o mencionam: Flávio Josefo, cujos escritos sobre Jesus concluiu-se ser uma falsificação grosseira, isto é, uma tentativa de fazer ‘colar’ o nome do historiador à prova existencial do suposto Jesus. Plínio, o Jovem, faz referência numa carta a Trajano em que fala, vagamente, que os cristãos “afirmavam que as culpas ou erros se redimiam no fato de encontrar o dia esperado antes da Alba, para cantar um hino a Cristo como se fora um deus…”. Suetonio (referindo-se a alguém que no ano 45, estava em Roma): “uma vez que os judeus fomentavam contínuos distúrbios instigados por Crestos, Claudio expulsou-os de Roma”. Crestos é a tradução do original latino Chrestus; nome derivado do grego Chrestos, que quer dizer – Bom, Valente -. Mais do que um erro de transcrição de Christus, este era um nome comum na época. Tácito cita algumas vezes os cristãos nos seus “Annales”, dizendo que estavam em Roma no tempo de Nero, entre 54 e 65, escrevendo que “Cristo foi condenado à morte por Pôncio Pilatos, durante o reinado de Tibério”. Estas são as passagens “não cristãs”, da antiguidade, que de alguma maneira referem-se a Jesus” ."

                                                                    - "Se as referências a Jesus, fora da Bíblia, são pouco críveis para um filho de Deus, dentro desta são contraditórias e inverídicas, segundo o comentário de F. Fernandes na obra já mencionada: “Relativamente ao seu nascimento, Mateus escreve que «nasceu em Belém, região da Judéia, no tempo em que Herodes era o rei do país…», enquanto Lucas escreve que «por aquele tempo o imperador Augusto ordenou que se fizesse um recenseamento em todo o mundo. Este primeiro recenseamento foi efetuado, sendo Cirenio governador de Síria». Uma vez que Herodes morreu no ano quatro antes da nossa Era, os relatos são temporalmente contraditórios. Nesse período não se registrou nenhum fenômeno atmosférico que possa ser interpretado como a estrela dos reis magos, nenhuma matança de crianças, nem nenhum recenseamento romano. Este último, pelo simples fato de que naquele tempo a Judéia não estava sob o domínio romano. Assim sendo, estes relatos não correspondem à verdade”. “Nos quatro evangelhos Jesus é chamado de Nazareno, mas só nos capítulos iniciais de Mateus e Lucas se conta sobre o seu nascimento e se situa o mesmo em Belém. Tal como sobre o nascimento, também sobre a morte de Jesus não dispomos de relatos criveis. O único dado que sabemos é que aconteceu “sob o reinado de Pôncio Pilatos”, entre o ano 26 e 36 depois da nossa Era. Não há registro dos, dificilmente esquecidos, prodígios que acompanharam a sua morte. É certamente falso que «desde o meio dia e até às três da tarde, toda aquela terra ficou às escuras», não poderia haver um eclipse do sol de três minutos e muito menos de três horas, durante o plenilúnio. Surpreendentemente, nenhum historiador da época parece ter-se apercebido que naquele momento «o céu se rasgou em dois de alto a baixo, a terra tremeu, as rochas se partiram, os túmulos se abriram e muitos homens de Deus que estavam mortos ressuscitaram»”." 

                                                            - "As contradições e as inverdades, conforme pode ser visto, são evidentes. Quero saber qual foi o seu objetivo ao divulgar estes fatos inverídicos naquela ocasião? Você estava a serviço de alguém ou de alguma instituição? Recebeu algum pagamento pelo texto que escreveu?" 

                                                             Mais uma vez, eu estou plenamente convencido de que os réus, instruídos pelos seus advogados, responderiam que só falariam em juízo, tentando ganhar tempo para imaginar respostas verossímeis, que fossem aceitáveis pelo inquiridor. Este, continuando seu interrogatório, diria, ademais, que: 

                                                                 - "A credibilidade dos evangelhos é tal, que apenas quatro deles são considerados canônicos e todos os outros são considerados apócrifos e rejeitados como inautênticos. Naturalmente em questões de cânon (regra) tudo é relativo; por exemplo: os livros do Antigo Testamento, os Macabeus, que atualmente a Igreja considera canônicos, são considerados não canônicos pelos próprios judeus e considerados apócrifos pelos protestantes, e a decisão definitiva sobre o cânon católico do Antigo Testamento não vai além de 1546, quando o Concílio de Trento estabeleceu a lista atual e declarou «anátema sobre quem não admita como sagrados e canônicos estes livros completos, com todas as suas partes, tal como são lidos na Igreja Católica»." 

                                                                       - "Tal fato não impede que a igreja Etíope admita, ainda, mais três livros como canônicos. Muitos dos evangelhos considerados apócrifos perderam-se, mas outros se conservaram e narram episódios completamente diferentes da vida de Jesus, da Virgem e dos apóstolos. Aqui a posição da Igreja varia entre uma clara aceitação de alguns documentos como oficiosos, e uma explícita recusa de outros, como oficialmente heréticos. Não deixa de ser curioso que o evangelho de Pedro, parcialmente encontrado em 1886, descreva a “paixão” de Cristo de maneira análoga à dos sinópticos, mas desde uma perspectiva política diversa, anti-judía e pró-Pilatos". 

                                                                  - "O que você tem a dizer sobre isto? Por que escolheram logo o seu evangelho, dentre tantos outros? Você pagou alguma coisa para alguém, objetivando incluir o seu texto entre aqueles considerados canônicos?"

                                                            Mais uma vez, o réu permaneceria em silêncio.
                                                                O inquiridor continuaria:


- "O Dr. Bart D. Ehrman, citado anteriormente, afirma em seu livro ‘Quem Jesus foi? Quem Jesus Não Foi?’: “O surgimento final da religião cristã representa uma invenção humana que, em termos de seu significado histórico e cultural, pode ser considerada a maior invenção da história da civilização ocidental”.

“Aquilo que consideramos cristianismo tradicional não caiu simplesmente do céu, pronto e plenamente desenvolvido, logo depois do ministério de Jesus. Nem emergiu direta e simplesmente de seus ensinamentos. Em muitos sentidos, aquilo que veio a ser o cristianismo representa uma série de distanciamentos bastante importantes dos ensinamentos de Jesus. O cristianismo, como há muito reconhecido pelos historiadores críticos, é uma religião sobre Jesus, não a religião de Jesus”."



                                                            - "Marcelo da Luz, em seu livro ‘Onde a Religião Termina?’, afirma: Nos séculos seguintes, os evangelhos divergentes foram destruídos para que a definição dada pelo Concílio de Niceia, no ano 325, fosse a única interpretação aceitável. Esses dados históricos mostram como a figura divina do Cristo é um produto, pouco a pouco, construído pelo fanatismo e interesse político-econômico de seus seguidores. Por outro lado, essa desconstrução pode ser feita a partir do conteúdo dos evangelhos, pois os ensinamentos e obras de Jesus apresentam muitas inconsistências. Ele foi sectário, obscuro em muitos momentos; usou discurso demagógico e populista; fomentou o fanatismo ao reclamar para si o amor exclusivo dos discípulos; foi ignorante quanto ao próprio parapsiquismo; utilizou muitas vezes a coerção psicológica para convencer os devotos (medo do inferno, proximidade do juízo final), insuflou a violência em alguns momentos; pregou o amor condicional (aqueles que não aceitam sua vontade serão condenados)..., isto só para citar alguns exemplos. Não há motivos racionais para que alguém considere Jesus divino ou o homem mais inteligente e brilhante que já existiu. Muito pelo contrário. Hoje, qualquer pessoa esclarecida pode ir muito além de Jesus Cristo. As pessoas têm medo de questionar a obscuridade e a irracionalidade das proposições dos evangelhos; porque fomos lavados cerebralmente, desde o berço, por uma cultura de base cristã”."
  

                                                              Queridos leitores, aqui, encerro o meu conto de ficção, pois sei que todos os réus, instruídos por seus advogados, alegarão prescrição, alegação esta que a justiça não poderá ignorar, deixando de considera-la.

                                                                     Quanto ao título do presente conto, tenho a dizer aos meus leitores que os seres humanos, na minha modesta opinião, jamais foram feitos a imagem do Criador, como em algum momento da História Humana alguém resolveu alardear, em um acesso de megalomania e de soberba. Até mesmo, porque ninguém sabe qual seria essa imagem, se é que o Criador possui alguma.
                                                                Por outro lado, também não somos a imagem do Criador, nem física nem espiritualmente, por sermos seres mortais, com corpos frágeis, sujeitos a incontáveis moléstias e enfermidades e portadores de uma imagem que, se em alguns casos pode ser considerada aceitável, em outros são totalmente bizarras e, até mesmo, disformes e monstruosas. Desta forma, nós, simples mortais,não poderíamos, jamais, sermos feitos a imagem de um ser imortal, necessário porém desconhecido. Espiritualmente também não somos a imagem do Criador em virtude dos nossos espíritos, em sua maioria, serem pouco evoluídos e dominados, na maior parte do tempo, pelos sentimentos viciosos (notadamente em razão da presença do EGO em nossa psique, que tudo quer para si mesmo); assim, jamais poderíamos possuir a imagem espiritual do Criador.
                                                         Relativamente a  alegada semelhança que teríamos com o Criador (no sentido de analogia, afinidade ou algo em comum), creio que esta foi uma tentativa dos pensadores religiosos antigos de alçar os seres humanos a uma categoria superior a das demais espécies conhecidas, embora todas elas tenham algo em comum com o Criador; isto é, a capacidade de gerarem outras vidas como aquela que receberam Dele. 
                                                     Ocorre, no entanto, que, recentemente, em razão dos contatos de primeiro, segundo e terceiro graus (muitos deles documentados com fotos e filmes), realizados com seres de outros mundos ou de outras dimensões, verificou-se que a imagem de algumas destas espécies (muito mais desenvolvidas cientifica e socialmente do que a nossa), embora antropomórfica, é bastante diferente de nós, humanos. Certamente, tais seres viverão vidas mais longas e estarão menos sujeitos a enfermidades e doenças do que nós, em razão do estágio tecnológico que já alcançaram. Espiritualmente, por serem mais avançados do que nós cientificamente (milhares ou milhões de anos, segundo ufólogos), também deverão ser mais avançados filosoficamente, pois Ciência e Filosofia costumam caminhar juntas. A semelhança deles com o Criador, neste caso, seria bem maior do que a nossa. 
                                                                     Quando estávamos sós no Universo podíamos nos gabar, alegando, falsamente, sermos a imagem e a semelhança do Criador; mas, agora, quando vemos outras espécies diferentes da nossa, mais evoluídas e que nos visitam com certa frequência, constatamos que a afirmação que fazíamos não passava de vanglória de seres ínfimos, habitantes de um planeta ínfimo, perdido na imensa vastidão do Universo.


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Conto de ficção.

Nenhum comentário:

Postar um comentário