176. Você pode escrever tudo aquilo quer quiser, desde que não seja lido por ninguém...**
Jober Rocha*
O assunto desta matéria me ocorreu hoje, pela manhã. Fala-se, frequentemente, na existência de censura na Mídia de um modo geral (Livros, jornais, WEB, etc). Muitos acreditam que ela exista na realidade; outros tantos são de opinião contrária.
É minha convicção que a censura literária existe, verdadeiramente, mas ela é seletiva e apenas alcança aqueles textos que ameaçam, de alguma forma, determinadas personalidades ou o ‘status quo’ dominante e tenham sido obras de escritores, jornalistas, etc., cujas expressões literárias possuam um razoável público de leitores assíduos; ou que, não sendo este o caso, o meio de que se utilizem para divulgar suas matérias alcance um público expressivo.
Escritores, jornalistas, críticos literários, cartunistas, etc., que não são lidos; ou seja, que não possuem um grande público cativo, ou que não alcancem muitos leitores, em razão da mídia de que se utilizem, tem a total liberdade de publicar àquilo que desejam, pois seus velados censores sabem bem sobre o destino que terá todo o material por eles produzido: acabará por descansar em estantes, dormirá em arquivos físicos ou digitais ou, simplesmente, perecerá esquecido nos cestos de lixo, de onde seguirá para as estações de tratamento de resíduos e reciclagem ou para os vazadouros ao ar livre.
Desde os tempos de Galileu Galilei e de Giordano Bruno a censura eclesiástica do Santo Ofício, através do Index Librorum Prohibitorum, impedia a divulgação de matérias controversas que ameaçassem as crenças vigentes e o poder temporal ou secular da igreja; mas, a mão pesada da inquisição costumava atingir, além daqueles considerados bruxos, tão somente, os autores que possuíam leitores (isto é, os sábios de notório saber, os professores de universidade, os filósofos famosos, os escritores reconhecidos, etc.). Ela não perdia seu tempo com aqueles escritores desconhecidos, que escreviam para si mesmo ou para seus poucos amigos mais chegados.
Por outro lado, a elite sempre teve acesso a tudo aquilo que era controverso e/ ou ameaçador; quem não podia tomar conhecimento destes assuntos era a massa ignara, o rebanho humano. Isto parece ter continuado, desde então, até os dias atuais.
Os meios de cerceamento mais comuns de censura, na atualidade, são as classificações por faixas etárias, as pressões, os assédios, as ameaças de demissões e os processos judiciais; podendo até, nos casos mais sensíveis e ameaçadores as personalidades da elite e ao ‘status quo’, chegar à violência física, ao sequestro, à tortura e à morte do autor ou do divulgador da matéria.
Segundo a professora e doutora Maria Cristina Castilho Costa, no artigo ‘Liberdade de Expressão e censura na atualidade', divulgado pelo Instituto Palavra Aberta, “o primeiro-ministro britânico David Cameron teria pedido ao jornal The Guardian a destruição de documentos confidenciais entregues ao periódico pelo ex-analista e ex-consultor de segurança da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos, o norte-americano Edward Snowden, hoje asilado na Rússia. Snowden foi acusado de fornecer detalhes do sistema de vigilância norte-americano aos jornais The Guardian e The Washington Post, razão pela qual fugiu dos Estados Unidos”.
O artigo 10 da Convenção Européia de Direitos Humanos garante amplo e irrestrito direito à liberdade de expressão, da mesma forma como ocorre na Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, quando diz:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
No entanto, em que pesem estes marcos formais e legais, existentes na maioria dos países que se dizem democráticos, existem inúmeras formas de ultrapassá-los e que são adotadas por grande parte dos governos, ao estabelecem a censura velada por razões de ordem ideológica, política, religiosa, estratégica, militar, econômica, etc.
A implantação do comportamento politicamente correto, pelos governos de esquerda mundiais, de tendência centralizadora e estatizante, tem sido uma tentativa de estabelecer censura sobre determinados temas e assuntos; posto que, se trata de uma justificativa para a afirmação de valores doutrinários e ideológicos destes grupos de esquerda no poder. Busca-se, através disto, obter uma transvaloração de valores, já mencionada pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche.
Na era digital, entretanto, quando grande parte daquilo que se lê vem através da WEB, fica mais fácil censurar na origem matérias que, muitas vezes, nem chegam a ser divulgadas ou disseminadas nas redes sociais. Outras vezes, os chamados "crimes contra a honra" são usados como um "instrumento político de intimidação" e cerceiam a liberdade de expressão na Mídia.
Previstos na legislação atual do País, estes denominados ‘crimes contra a honra’ podem receber punição ainda mais grave se for aprovado, sem alterações, projeto de reforma do Código Penal em discussão no Senado. O projeto de reforma do código não só mantém os crimes, como duplica a pena, caso a vítima seja ocupante de cargo público (dos três poderes).
Por outro lado, segundo notícias da imprensa, estuda-se na Câmara propor uma mudança no marco civil da internet para facilitar a retirada das postagens ofensivas contra políticos em geral. Pela proposta, sites, provedores e portais terão cor-responsabilidade pelas publicações. Busca-se, desta forma, impedir eventuais denúncias contra os políticos.
Como os criminosos de colarinho branco, em nosso país, só podem ser presos depois de esgotados todos os recursos em todas as instâncias, situação esta que, muitas vezes, leva anos para ocorrer e acaba até por fazer o crime prescrever (em razão dos bons advogados que tais políticos possuem e do foro privilegiado que muitos detêm); caso seja mantida esta legislação, inibidora de críticas e de denúncias, não será mais permitida ao cidadão comum qualquer crítica à atuação de nossos políticos, aos malfeitos que praticaram, aos erros e aos crimes que cometeram; pois aqueles que o fizerem serão enquadrados como autores de crimes contra a honra (já que os políticos sempre negam os seus crimes e acabam não tendo a eventual condenação transitada em julgado), mantendo, assim, a ficha limpa.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem proferido diversas decisões determinando que os países sob sua jurisdição deixassem de criminalizar os casos de injúria, calunia e difamação contra funcionários públicos, notadamente políticos acusados de corrupção, mas suas decisões não costumam ser acatadas.
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
_**/ Crônica.
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