177. Em tempos de manipulação, como aprender a ler nas entrelinhas?**
Jober Rocha*
Nos dias atuais, certamente em razão de algum viés de ordem ideológica, muitos daqueles que se dedicam à atividade cotidiana de escrever e de divulgar textos sobre assuntos diversos, costumam ter o habito de preparar as suas matérias não de modo imparcial e atendo-se, apenas, aos fatos ocorridos, como deveria ser o correto; mas, sim, utilizando-se de palavras e frases tais, que estejam em comunhão com as suas posições pessoais ou que venham de encontro aos seus interesses políticos, objetivando, ao manipular a informação, favorecer pessoas e acontecimentos, meramente tendo em vista interesses ideológicos.
Tanto é assim, que alguém, no Facebook, já inventou a chamada caneta desesquerdizadora, que consiste em riscar determinadas palavras de algum texto publicado naquele local (texto este considerado de esquerda), substituindo-as por outras palavras de conotação direitista, palavras estas que, quase sempre, mudam completamente o sentido da matéria. Ainda não surgiu a caneta desesdireitadora, mas é só uma questão de tempo.
Explico-me melhor: se a ideologia de quem escreveu a matéria for de esquerda (ou de direita), o escritor costumará usar determinado vocabulário (ao narrar fatos e episódios em seus textos), que favoreçam os personagens envolvidos e os próprios pontos de vista ideológicos do escritor sobre o assunto, em conformidade com os interesses que defende.
O leitor, ao invés de ter uma visão imparcial do fato ocorrido, terá uma visão parcial (dada por aquele que escreveu a matéria), visão esta que, dependendo de quem escreveu, poderá ser caracterizada como de esquerda ou de direita. Ambas servindo a interesses distintos daqueles do leitor comum, normalmente despolitizado.
Assim, por exemplo, em uma ocorrência de cunho criminal, o policial poderá ser denominado tanto como o agente da lei e da ordem, quanto como o agente da repressão ou como guarda pretoriana do regime, conforme a ideologia de quem escreveu o texto.
Nesta mesma ocorrência, um indivíduo que tenha sido preso poderá ser tratado na matéria apenas como suspeito; ou como um jovem estudante; ou um simples trabalhador ou, então, como um criminoso contumaz, um marginal e assaltante, oscilando de inocente a culpado somente em razão da ideologia ou do ponto de vista de quem escreveu a matéria.
O político corrupto, envolvido em algum inquérito policial por desvio de recursos públicos, poderá ser tratado pelo escritor como um perseguido por razões políticas e falsamente acusado por aqueles que almejam seu cargo ou que querem dar um golpe na democracia. Também poderá ser chamado de corrupto, traidor da pátria e membro da quadrilha que se apossou do governo e do poder, dependendo da orientação política e ideológica de quem escreveu a matéria.
Entre essas duas maneiras de escrever, fica o leitor perdido e sem saber na posse de quem estaria a verdade que procura. A solução que quase sempre ocorre é a do leitor procurar ler, apenas, matérias escritas por aqueles que se alinhem com aquilo que ele mesmo já pensava sobre o assunto em pauta, dando crédito, assim, tão somente às matérias que vão de encontro ao seu próprio modo de ver a questão. Com isto, na ausência do contraditório, o próprio leitor acaba por tornar-se tão parcial quanto o escritor.
Creio ser essa a explicação para o fato de inúmeros eleitores de determinados candidatos ou de determinados partidos, continuarem afirmando que neles continuarão votando, em que pesem os inquéritos policiais envolvendo seus nomes e as eventuais condenações que eles tenham recebido na justiça.
Na atualidade, onde os vícios reinam soberanos nos templos e nos palácios e as virtudes se escondem nas masmorras e nas catacumbas; nesta época de governos mafiosos e manipuladores, realmente, fica muito difícil para nós, simples mortais, conhecermos a verdade sobre quaisquer assuntos; posto que, ela só é do conhecimento daqueles que a produzem e que, com freqüência, se encontram encastelados no poder, possuindo o arbítrio de decidir quais informações, e de que forma, serão divulgadas.
As redes sociais, que exploram o ambiente social de forma virtual, ao influenciarem o modo como as pessoas pensam e se comportam, sem disso se darem conta, possuem o poder de interferir no próprio funcionamento da democracia e na integridade das eleições. Os boatos inverídicos, as meias verdades e as manchetes tendenciosas, encontram, quase sempre, eco e são reproduzidas pelos internautas atingindo milhares, senão milhões, de indivíduos instantaneamente.
Em minha opinião cabe aos leitores descobrirem a verdade por conta própria. Em primeiro lugar, devem suspeitar de tudo aquilo que leem, sabendo, de antemão, que escritores (filósofos, cientistas, pensadores religiosos, escritores, jornalistas, etc.) possuem ideologia e costumam defendê-la e propagá-la em seus escritos.
Em segundo lugar, devem ser ecléticos, no sentido de ter abertura para conhecer o novo, sem idéias pré-concebidas e sem preconceitos. O leitor deve abrir a sua visão para conhecer o máximo de coisas possível e, assim, selecionar aquilo que considera bom. Leitores desse tipo costumam ter uma grande bagagem de conhecimento, porque se permitem conhecer primeiro, para depois tirar as suas próprias conclusões.
Em terceiro lugar devem perceber que para profissionais da escrita, muitas vezes, o que menos importa é o fato em si, mas, tão somente, a versão que podem dar ao mesmo.
Em quarto, devem saber que existem inúmeras organizações dedicadas à prática da contra-informação e a disseminação de informações falsas, objetivando desviar a atenção dos leitores de assuntos importantes sendo tramados (normalmente em benefício de pequenos grupos poderosos e em prejuízo das populações) ou fazer apologia de governos, de partidos políticos e de ideologias.
Em quinto, não devem acreditar nos resultados de pesquisas de opinião com objetivos eleitoreiros. Todas elas, de uma maneira geral, favorecem aqueles candidatos ou partidos que as encomendaram e que por elas pagaram.
Em sexto, devem estar cientes de que suas mentes e seus corações são avidamente disputados, diariamente, por uma multidão de pessoas e de organizações cujo único objetivo é o de influenciá-lo, quer para finalidades comerciais, políticas, religiosas ou ideológicas. Cabe a cada um perceber isto e saber evitar ou desvincular-se destas pessoas e destas organizações.
Dizem que o Criador escreve certo por linhas tortas. Da mesma forma, as suas criaturas devem, também, aprender a ler certo por linhas tortas...
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
_**/ Ensaio.
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