sexta-feira, 8 de novembro de 2019

323. O que dizem sobre a cor roxa só vale para as cabeças de alho...


Jober Rocha*



                                     Conforme antiga tradição nordestina, quando alguma criança do sexo masculino nasce, os presentes à cena logo observam se ela tem o “saco roxo”. Em caso afirmativo, todos se alegram, pois, aquilo, era indicativo de que seria um homem forte, viril e corajoso.Outra tradição brasileira é a de que as cabeças de alho de cor roxa são melhores do que as de cor branca; isto é, são mais saborosas e duram mais.
                                           Em 03 de abril de 1991, logo após uma manifestação de protesto contra o seu governo, o ex presidente Fernando Collor de Mello, em uma solenidade em Juazeiro do Norte, declarou: “Não nasci com medo de assombração, não tenho medo de cara feia. Isso o meu pai já me dizia desde pequeno, que havia nascido com aquilo roxo, e tenho mesmo, para enfrentar todos aqueles que querem conspirar contra o processo democrático”. A manifestação de protesto, na ocasião, era organizada pelo PT, PSB, PDT e PC do B.
                                           Collor, em 30 de dezembro de 1992, foi condenado à perda do mandato e à inelegibilidade durante oito anos, por crime de responsabilidade. Saiu da presidência, junto com a esposa, de cabeça baixa e vaiado pelo público que assistia a lamentável cena.
                                             O Brasil, como muitos já notaram, é o país da conversa fiada, da negociação de bastidores, das bravatas. Aqui, quando se deseja extravasar a raiva e a frustração, busca-se um cachorro morto para chutar. Cachorro vivo, nem pensar...
                                                Assistimos com um ar de resignação tudo aquilo que nos prejudica, como se fosse inexorável o nosso destino de povo sofredor. A nossa história está plena de episódios de revoluções sem tiros nem mortes, de mudanças de formas de governo sem a participação popular, como, por exemplo, a da monarquia para a república. 
                                              O nosso povo aceita tudo de forma tão pacífica, que eu chego a imaginar se o fato não poderia ter implicações psicológicas fundamentadas no longo período em que perdurou a escravatura no país, criando raízes psicossociais de aceitação do sofrimento, raízes estas que perduram ainda hoje. Libertos, na atualidade, dos grilhões que nos tolhiam durante a colonização, viveríamos, ainda hoje, em uma servidão consentida.
                                                Desfeitos os laços físicos que nos prendiam ao pelourinho, permaneceram os laços psicológicos, frutos dos reflexos condicionados de um povo, reflexos estes que o mantêm imóvel, mesmo depois de liberto, como se ainda se sentisse preso à picota (sinônimo de pelourinho).
                                                 É o que podemos deduzir dos fatos ocorridos em 07 de novembro de 2019, data que passará a fazer parte da nossa história política. Após três vezes haver confirmado a prisão em segunda instancia de condenados (entendimento jurídico vigente nos últimos vinte anos, após a constituição de 1988), o Supremo Tribunal Federal, em um casuísmo desmedido, decidiu em contrário na data de ontem. 
                                                Estimativas preliminares indicam que cerca de cinco mil condenados, já presos, sairiam das cadeias, livres, após seus advogados peticionarem suas liberdades. Investigações ainda em andamento seriam, pois, grandemente prejudicadas, já que muitos dos réus que serão libertados respondem a outros processos, ainda em tramitação na justiça.
                                                  É o caso daqueles presos na Operação Lava a Jato, cuja necessária e premente libertação motivou toda esta mudança de posicionamento por parte do STF, onde muitos ministros deveriam se declarar impedidos de votar, em razão de vínculos conhecidos com alguns dos réus a serem imediatamente libertados em decorrência de seus votos.
                                                    A impunidade, finalmente, parece ter triunfado sobre a justiça brasileira.
                                                     Os desdobramentos desta decisão do STF são imprevisíveis, pois aquilo tudo de mal que parecia ter sido afastado, após a eleição de Jair Bolsonaro pela maioria dos votos dos eleitores brasileiros que desejavam mudanças, ameaça voltar. 
                                                   Com a libertação do ex presidente preso, sem ter transitado em julgado o seu processo (o que, evidentemente, jamais ocorrerá), ele poderá se candidatar, fazer campanha e ser eleito novamente, trazendo de volta, em doses bem mais fortes, tudo aquilo que já vimos ocorrer no passado recente (má gestão, aparelhamento do governo pela esquerda e corrupção desenfreada) e que acabou por levar o nosso país à bancarrota, com milhões de desempregados e milhares de empresas fechadas.
                                                    A administração Bolsonaro ensaiava mudar este quadro, quando foi surpreendida por esta decisão casuística do supremo. O que resultará disto tudo creio que nem Michel Nostradamus poderia nos dizer, caso ainda fosse vivo.
                                                   A única coisa que, estou certo, ele iria dizer com um sorriso irônico nos lábios, caso seu espírito viesse a se incorporar em algum médium nativo, seria: - “No Brasil, aquilo que dizem sobre a cor roxa só vale para as cabeças de alho”...


_*/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha. Membro da Academia Brasileira de Defesa - ABD e do Centro Brasileiro de Estudos estratégicos – CEBRES.

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