312. Pegando o touro à unha
Jober Rocha*
Carlos Alberto Ferreira Braga, conhecido como Braguinha, foi um arquiteto e compositor brasileiro nascido em 1907 e falecido em 2006. Por pressão paterna adotou o pseudônimo de João de Barro, em razão de ser este um pássaro que constrói a sua própria casa de barro e, portanto, também é arquiteto. Seu pai não gostava de ver o nome da família envolvido no ambiente da música popular, malvisto na época, e exigiu que adotasse um nome artístico.
Braga fez uma marchinha para o carnaval de 1937, cantada por Almirante, chamada Touradas em Madri. A marcha foi um sucesso e teve inspiração na Guerra Civil Espanhola, que, iniciada em 1936 se estendeu até 1939. Duas das estrofes da marchinha diziam:
“Eu conheci uma espanhola
Natural da Catalunha;
Queria que eu tocasse castanhola
E pegasse o touro à unha”.
.........................
“Caramba! Caracoles!
Sou do samba
Não me amoles,
Pro Brasil eu vou fugir!
Isso é conversa mole
Para boi dormir,
Paratibum, bum, bum!
Na Região (ou comunidade autônoma) da Catalunha, na Espanha, localizam-se quatro principais cidades (ou províncias): Girona, Lérida, Barcelona e Tarragona. Antes de ser unificada pelos reinos de Aragão e Castela, a Espanha era um conjunto de reinos governados de forma independente. Em decorrência deste fato, as regiões espanholas de Andaluzia, País Basco, Galícia e Catalunha possuem, ainda hoje, um dialeto próprio e um forte desejo separatista.
A Suprema Corte da Espanha, recentemente, condenou nove líderes separatistas de um movimento pela Independência da Catalunha, por sedição visando a tentativa frustrada de independência, a penas que variaram de 9 a 13 anos de prisão.
Outras lideranças do referido movimento convocaram meio milhão de manifestantes para saírem às ruas e diversos protestos estouraram, desde então, em Barcelona e nas demais cidades mencionadas, já contabilizando uma semana de confrontos nas antigas ruas medievais, com barricadas levantadas pelos insurgentes, bombas de gás lacrimogênio sendo lançadas pela polícia, pedras sendo atiradas pelos manifestantes, veículos sendo queimados, pessoas feridas, lojas comerciais saqueadas e cerca de cem pessoas detidas. Os catalães, como na canção de Braguinha, resolveram, finalmente, ‘pegar o touro à unha’.
Há cerca de 11.000 quilômetros de distância de Barcelona, em Hong Kong, uma ex-colônia britânica por 150 anos, mas que faz parte da China desde 1997 (mediante um acordo entre a Inglaterra e a China para o estabelecimento de um país com dois sistemas - capitalismo e comunismo - ; ou seja, este status possibilitaria a ex colônia britânica, com cerca de 7,4 milhões de habitantes, uma certa autonomia com relação a China continental), a população em peso foi às ruas contra o um projeto de lei polêmico, que permitiria extradições de cidadãos de Hong Kong para a China continental. O referido projeto teria por objetivo estabelecer um maior controle da China sobre Hong Kong.
O movimento, depois de vários dias de manifestações populares nas ruas, passou a reivindicar, agora, além da retirada do projeto de lei, a autonomia plena com relação a China. Os cidadãos de Hong Kong, por fim, também, resolveram ‘pegar o touro à unha’.
Enquanto isso, há uma distância de 18.419 quilômetros de Hong Kong, atravessando-se por sobre o Oceano Pacífico, no Chile, um protesto que inicialmente era sobre o reajuste no preço da passagem do metrô, logo derivou para reclamação contra o modelo econômico do país (onde o acesso à saúde e à educação é praticamente privado), contra a desigualdade social, contra os baixos valores das aposentadorias e contra a alta dos serviços básicos, entre outras críticas relativas a administração do presidente Sebastian Piñera, levou o governo a decretar o “Estado de Emergência”, em razão das manifestações violentas ocorridas em vários bairros da capital, e ordenado a presença de militares nas ruas. Os chilenos, afinal, também, resolveram ‘pegar o touro à unha’.
Há quase 3.000 quilômetros do Chile, no Peru, a dissolução do Congresso, anunciada recentemente pelo presidente Martín Vizcarra, foi recebida com manifestações de apoio em várias cidades do país.
Na cidade andina de Arequipa, localizada há 1.030 quilômetros ao sul de Lima, diversos grupos políticos, agricultores e moradores locais caminharam pelo centro da cidade, para celebrar o fechamento do congresso peruano, carregando cartazes onde afirmavam que o Legislativo não os representava.
- Fecharam o Congresso, triunfo popular! - Gritavam os manifestantes nas ruas em Chimbote, ao norte de Lima, agitando várias bandeiras peruanas, segundo relataram os correspondentes internacionais.
A decisão do presidente Vizcarra foi tomada após o Congresso o desafiar, elegendo um novo membro do Tribunal Constitucional sem discutir a moção de confiança apresentada pelo governo para tentar impedir o processo; bem como, em virtude de, pouco depois, uma votação do Parlamento ter suspendido o seu mandato pelo prazo de um ano e de ter empossado a vice-presidente Mercedes Araoz em seu lugar.
O presidente Vizcarra afirmou que o fechamento do Parlamento estava dentro das faculdades permitidas na Constituição do país e que, com seu ato, buscava dar um fim a esta etapa de travamento político do executivo pelo parlamento, que impedia que o país crescesse no ritmo de suas possibilidades. Os Peruanos, em conclusão, resolveram, também, ‘pegar o touro à unha’.
Há 12.491 quilômetros de distância dali, no Líbano, milhares de libaneses protestaram, recentemente, contra o aumento de impostos e criticaram uma classe política que consideravam corrupta. Manifestações de rua foram reprimidas com violência pelas forças de segurança, que prenderam dezenas de pessoas.
Os manifestantes bloquearam com barricadas as principais ruas e rodovias, que foram liberadas pelas forças armadas de forma violenta, mas, que, rapidamente, foram reconstruídas pelos manifestantes. Nas imediações do Parlamento um rastro de destruição deixado pelo povo enfurecido, mostrava o desagrado da população com seus políticos, enquanto alguns muitos dos manifestantes clamavam por uma revolução popular. De acordo com as forças de segurança, 70 pessoas foram detidas. Os libaneses, afinal, também, resolveram ‘pegar o touro à unha’.
Os exemplos, até então mencionados, demonstram que o poder em qualquer país, realmente, emana do povo. Isto é uma constatação. Não entro no mérito da questão ideológica que move o povo. Quando este, em qualquer lugar do mundo, finalmente, se dá conta de que está sendo explorado, vilipendiado e maltratado por suas próprias autoridades (em síntese, quando constata que o contrato social, que o mantinha submisso às leis, foi rompido unilateralmente e que a segurança jurídica, base do contrato social, já não mais existe), forma-se uma massa crítica populacional que, finalmente, de forma corajosa, resolve ‘pegar o touro à unha’, mesmo que isto venha a lhe custar algumas chifradas dolorosas ou, até mesmo, fatais.
Embora tenhamos sido descobertos por um povo de natureza ibérica, nós, os brasileiros, ao contrário dos demais povos mencionados, constituímos uma população onde a miscigenação e a imigração sempre foram muito intensas, fazendo com que, na atualidade, o povo brasileiro seja constituído por um amalgama de diversos povos, raças e etnias. Inexiste, portanto, entre nós, um sentimento intrínseco forte de raça e de nacionalidade, como é comum existir em povos mais antigos como, por exemplo, os judeus, os chineses, os japoneses, os ingleses, os alemães, etc.
Por outro lado, o esporte nacional que movimenta as nossas massas humanas é o futebol e não as touradas. Podemos até correr e suar durante uma hora ou mais, porém, apenas, atrás de uma bola e nunca colocando a vida em risco ao tentar ‘pegar o touro à unha’, como fazem os toureiros com frequência e muitos povos de forma ocasional.
Motivos não nos faltariam, para agirmos de forma violenta como fizeram as populações dos países mencionados, embora já se saiba que muitos desses movimentos tenham sido incentivados e liderados por agitadores de esquerda vinculados ao Grupo de Puebla, entidade que substituiu o Foro de São Paulo. O fato é que trabalharam sobre as insatisfações populares. Aqui também existem desejos recalcados e contidos, no íntimo da maioria dos indivíduos bem intencionados, que poderíamos caracterizar como desejos de separatismo.
Queremos, com toda a certeza, nos separar da velha política, que vive barganhando cargos e dinheiro para apoiar as decisões do governo, e implantar uma nova política que trabalhe, apenas, para o bem público e que seja contra a corrupção e o foro privilegiado.
Queremos nos separar da ideologia marxista e de seus propagadores, que grassam em grande parte dos meios estudantil, político e judicial do país, desaparelhando as nossas atuais instituições que deveriam ser republicanas (mas que foram quase inteiramente socializadas pelos anteriores governos de esquerda) e implantando, de uma vez por todas, o liberalismo econômico, diminuindo a burocracia e a influência do Estado autoritário na sociedade.
Queremos separar as pessoas de bem e honestas, que hoje vivem presas trancadas em casa, dos marginais e dos desonestos, que hoje são soltos pelo judiciário após delinquirem ou que, por força de leis brandas e tolerantes, vivem naturalmente livres circulando pelas ruas.
Queremos um parlamento que represente a nós e aos nossos interesses de povo e não um parlamento que ganhe vida própria depois de eleito por nós e que passe a representar a si próprio e aos seus interesses particulares, legislando em causa própria e/ou contrariando os anseios da maioria da população.
Queremos um judiciário em sintonia com a vontade da maioria do povo, punindo com rigor todos os criminosos, sejam eles oriundos das classes de renda mais baixas ou originários das classes de renda mais altas. Não queremos um judiciário compassivo com os crimes das elites, nem que interfira, indevidamente, nas esferas de atuação dos demais poderes da república.
Creio, no entanto, que, em decorrência das nossas idiossincrasias culturais; do clima tropical, normalmente quente, que vigora em nosso país e que conduz a lassidão e a preguiça dos indivíduos; do sincretismo religioso que conduz a artificialidade da reunião, às vezes em um mesmo indivíduo, de doutrinas teológicas teoricamente incongruentes entre si; da tendência histórica do nosso povo de jamais participar das grandes decisões nacionais, tramadas todas elas nos gabinetes ou nos tapetões como se costuma dizer; o único desejo da velha espanhola natural da Catalunha, mencionada por João de Barro em sua canção no carnaval de 1937, que algum dia, nós, os brasileiros, poderemos vir a atender, será, sem dúvida, o de tocarmos castanholas.
Até por que, como bem percebeu Braguinha já naquela ocasião, o nosso povo é mais do samba do que de revolução. Assim, fico imaginando que muitas de nossas autoridades atuais, civis e militares (face aos diversos movimentos intervencionistas surgidos nas redes sociais e conclamando o povo e as autoridades ao fechamento do congresso e desmantelamento da cleptocracia que nos comanda, implantada desde os governos de esquerda), por não desejarem que ajamos como os atuais separatistas da Catalunha ou igual aos demais manifestantes mencionados neste texto, da mesma forma que aquele brasileiro das touradas em Madri cantado por Braguinha, pensem, de si para si, cantando baixo para os seus botões dourados:
- Sou do samba, não me amolem. Isso é conversa mole para boi dormir. Paratimbum, bum, bum!
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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