segunda-feira, 26 de março de 2018


185. Entre a Teoria e a Práxis**


Jober Rocha*



                                                   Na década de 1960, tendo passado no exame vestibular, matriculei-me em uma Faculdade de Economia de uma Universidade Federal Brasileira. Naquela época estava em plena vigência o Governo Militar, que havia deposto João Goulart da Presidência da República em virtude deste tentar implantar um governo comunista no país.
                                                  Alguns dos meus professores eram figuras antigas na faculdade; porém, outros, haviam entrado para a mesma naquele ano. Embora estivéssemos vivendo sob um governo militar de direita, aqueles novos professores eram todos de esquerda.
                                                Nós, jovens universitários que pouco ou quase nada conhecíamos de Economia, em particular, e da vida, de uma maneira geral, nos deixávamos conduzir pela sofistica e pelo carisma daqueles novos professores que aparentavam extensa cultura.
                                                 A minha própria turma de faculdade e algumas das que a sucederam, terminaram o curso com uma formação marxista acima da média das outras faculdades nacionais. Em seguida, tendo eu ido cursar o mestrado e, a seguir, o doutorado no exterior, perdi contato com os meus colegas de turma e com os vários amigos que possuía nas outras turmas.
                                                  Felizmente, ao contrário de muitos dos meus colegas brasileiros, neste período que passei no exterior tive a oportunidade de conviver com estudantes marxistas espanhóis e franceses e de visitar países socialistas e comunistas.
                                                Só então pude constatar a diferença enorme que existe entre a teoria e a práxis (vários pensadores mencionam o conceito de práxis nas suas obras, como Karl Marx e Jean Paul Sartre, este último na obra intitulada Critique de la Raison Dialectique. A práxis pode ser entendida como a conduta ou a ação, que corresponde a atividade prática, em oposição à teoria).
                                                     A primeira contradição que percebi, entre a teoria e a práxis, foi quando notei que todos os seres humanos (marxistas ou não) gostavam de dinheiro e buscavam-no, avidamente, em qualquer lugar do planeta onde dele houvesse. Embora todos falassem, teoricamente, em idealismo, em justiça social, em igualdade de oportunidades e de direitos, em solidariedade, etc., quando se tratava de dinheiro estas virtudes eram esquecidas e o que prevalecia, na prática, era o egoísmo e a ambição pessoal. 
                                                    Meus professores haviam me assegurado que o marxismo surgira em oposição à opressão do capitalismo sobre os trabalhadores e que este capitalismo consistia em um sistema econômico que, dentre outras coisas, endeusava o capital. Pude constatar, em minhas andanças por países socialistas e comunistas, que todos os sistemas econômicos, políticos e ideológicos endeusavam o capital, sem o qual nenhum deles sobreviveria.
                                                   Outra afirmação de meus antigos mestres, a de que os trabalhadores eram homens livres no comunismo e escravos no capitalismo, caiu por terra quando constatei que a produtividade dos trabalhadores, em média, era mais elevada nos países capitalistas que nos comunistas (lembro aos leitores que Lênin já dizia: - Em comparação com o pessoal das nações avançadas, o russo é um mau trabalhador). Imaginar o contrário, isto é, que os escravos modernos no capitalismo teriam produtividade menor do que a dos homens livres no comunismo é não atentar para componentes psicossociais que fazem com que o ser humano tenha ambições e desejos de consumo, só satisfeitos através do dinheiro (obtido em maior volume no capitalismo, com mais trabalho e com maior produtividade; ao contrário do comunismo, onde, mais trabalho e maior produtividade não significam maiores ganhos para o trabalhador). 
                                                                  Ademais, pude constatar que a avidez por produtos ocidentais, manufaturados em países capitalistas, era enorme naqueles países comunistas que visitei. O planejamento centralizado destes países não priorizava os bens de consumo, mas, sim, os bens de capital e a Indústria Bélica. O povo, tendo pouco para consumir, sabia que de nada adiantaria trabalhar mais ou ter maior produtividade, já que não ganharia mais e não teria como adquirir os produtos desejados, que não existiam.
                                                                  Essa suposta liberdade do ser humano, que, teoricamente, existiria nos países que adotassem o marxismo, nada mais é que uma falácia; posto que, o Estado comunista tendo o monopólio dos bens de produção, também tem o monopólio da oferta de empregos. Nestes casos, vigora o chamado trabalho alienado; posto que, falta ambição ao trabalhador. 
                                                                Por outro lado, as elites e os dirigentes de qualquer um dos sistemas econômicos vêm os trabalhadores da mesma forma; ou seja, apenas como peças da engrenagem produtiva, cujas missões são as de produzir bens e serviços com o suor de seus corpos e com a atividade incansável de suas mentes. Nada mais do que isso. Ao igual que em uma sociedade de abelhas, cada qual teria a sua missão e, na eventualidade de dela discordar ou contestá-la, haviam sido criados, em ambos os regimes, mecanismos de punição que possibilitariam segregar o descontente ou o refratário, dos demais trabalhadores (para não contaminá-los também com o gérmen da discórdia).
                                                                   O filósofo e sociólogo Karl Marx (1818-1883) e seu amigo Friedrich Engels (1820-1895), fundadores do chamado socialismo científico, criaram a expressão ‘luta de classes’ para indicar o conflito entre os chamados opressores e os denominados oprimidos (isto é, a burguesia e o proletariado), conflito este que, segundo eles, vigoraria no sistema de produção capitalista. Para eles, a referida luta teria surgido com a instituição da propriedade privada dos meios de produção e só acabaria com o fim do capitalismo e das classes sociais.
                                                   Em conformidade com Vladimir Lênin (1870-1924), revolucionário e chefe de estado da República Socialista Soviética Russa, “as classes são grupos de homens em que uns podem apropriar-se do trabalho dos outros, graças à diferença do lugar que ocupam no sistema da economia social”.
                                                      Marx afirmava que nas sociedades primitivas não havia a divisão entre classes e que esta surgiu em razão das mudanças ocorridas nas forças de produção; bem como, através dos conflitos existentes entre os indivíduos em razão disto, que conduziram à posse privada, por determinados grupos sociais, dos excedentes produzidos e da própria terra geradora de riqueza. 
                                                         Segundo ele, a luta de classes era inevitável, em razão da irreconciliável relação entre proprietários e não proprietários dos meios de produção, e seria regida por leis sociais historicamente determinadas. A luta de classes era, assim, para o filósofo, o motor do desenvolvimento histórico das sociedades e a mais importante força motriz da história humana, mesmo que pudesse se desenvolver em outros terrenos que não o econômico; isto é, os terrenos político, religioso, filosófico ou em qualquer outro solo fértil ideologicamente.
                                                    Aqueles que ainda seguem os pressupostos de Marx e de Engels, julgam que a existência de uma sociedade sem classes como as que, eventualmente, existiram no passado em pequenas comunidades indígenas, é uma possibilidade histórica concreta no mundo atual. 
                                                               Outros, embora reconhecendo a existência da luta de classes, acham, no entanto, que nos países pobres a tentativa de eliminá-la, com vistas à implantação de regimes socialistas, sem classes sociais, não passam de simples quimeras. 
                                                                     É, por exemplo, o caso de José ‘Pepe’ Mujica, antigo guerrilheiro Tupamaro e atual agricultor e político, ex-presidente do Uruguai, que afirmou em entrevista recente “a luta de classes é como o sol e as estrelas. Negá-la é negar a realidade. No entanto, posso ser mais claro: as tentativas de se construir países socialistas a partir de países pobres, em minha humilde opinião, demonstraram que são utópicas e impossíveis – mais que utópicas, são quiméricas”.
                                                            Em minha, também, humilde opinião, aquilo que foi caracterizado por Marx e Engels como luta de classes, nada mais é do que o anseio dos indivíduos por melhores condições de vida. Na época em que Marx e Engels formularam suas teorias, a psicologia ainda estava em seus primórdios e Sigismund Freud (1856-1939), médico neurologista, ainda não havia revolucionado a Psicologia, com a criação da Psicanálise e aquela era confundida com a Filosofia. 
                                                                  A Psicologia surgiu, com as suas várias escolas, apenas, no início do século XX, como uma ciência que tentava se desenvolver objetivando compreender o homem e seu comportamento de modo a facilitar a convivência dele consigo e com os demais, através de três escolas principais: Funcionalismo (William James, 1842-1910), Estruturalismo (Edward Titchener, 1867-1927) e Associacionismo (Edward Thorndike, 1874-1949). 
                                                                  Por outro lado, as Bolsas de Valores, embora já existissem desde o século XV, eram voltadas para a compra e venda de moedas, letras de cambio, metais preciosos e financiar bancos centrais. O comércio de ações só apareceu no século XIX, quando algumas bolsas começaram a negociar mercadorias e valores mobiliários. Só algum tempo depois da divulgação das teses de Marx as bolsas de valores começaram a negociar, ainda de modo incipiente, com ações de empresas industriais.
                                                          Os desejos humanos (objetos da análise psicológica comportamental) ao longo da história, normalmente, evoluem dos físicos (focados nas necessidades do corpo: alimentação, abrigo, família, sexo, etc.) para os de riqueza, de poder, de conhecimento e de espiritualidade. A ordem em que evoluem nos indivíduos, todavia, pode ser distinta desta apresentada ou, mesmo, alguns destes desejos serem suprimidos em determinados indivíduos ou em conjuntos de seres humanos, por razões diversas. 
                                                                    Assim, a denominada luta de classes, em meu modesto ponto de vista, corresponde a uma falácia, criada por aqueles dois eminentes filósofos, para justificar seus pontos de vista revolucionários. Os meios de produção (em razão de seus custos elevados) estarão, sempre, em mãos daqueles que detém o capital, sejam eles indivíduos ou Estados como os comunistas, mas, jamais, em mãos dos proletários em razão de lutas de classes. Imaginar que as coisas se passariam desta forma, a não ser para justificar teses ideológicas teóricas, é demonstração de muita ingenuidade ou de total desconhecimento da psicologia humana e do funcionamento dos sistemas econômicos, o que estava longe de ocorrer com aqueles eminentes filósofos.
                                                                     A Revolução Industrial, que consolidou o Sistema Capitalista no século XVIII, trouxe em seu bojo a Divisão Internacional do Trabalho (seja com respeito a países, regiões ou indivíduos), divisão esta que consiste em uma especialização das funções econômicas e que foi um reflexo da solidificação da globalização incipiente. 
                                                                      A Segunda Guerra Mundial (1939-1945), após seu termino, acelerou de maneira nunca vista a economia mundial e, com isto, as globalizações da produção e do consumo se acentuaram significativamente. Esta divisão ou especialização, independente de vantagens comparativas que as justifiquem, quando se tratam de países ou regiões, demonstra, ademais, que nem todos os indivíduos possuem as mesmas capacidades e as mesmas aptidões; isto é, muitos são aqueles que acham mais fácil obedecer do que comandar, muitos os que preferem vender sua força de trabalho a comprar a força de trabalho de outros. 
                                                                       O que deve pautar as discussões a respeito, em meu modo de ver, é o papel do Estado em promover uma razoável distribuição de renda entre seus cidadãos, de modo a eliminar os eventuais conflitos, entre patrões e empregados (não entre os detentores ou não dos meios de produção), por um maior nível de renda para aqueles que vendem sua força de trabalho, fato este que, conseqüentemente, acarretaria uma melhoria sempre crescente em suas condições sócio-econômicas.
                                                                         Poucos trabalhadores desejariam ocupar os lugares dos seus patrões (com as suas responsabilidades e riscos inerentes); isto é, dos donos dos meios de produção, desde que os seus salários fossem razoáveis e suficientes para a boa manutenção deles próprios e de suas famílias.
                                                                         Nem todos os soldados sonham com serem generais, em que pese o poder e as regalias destes últimos. Quem imagina o contrário está redondamente enganado com relação a psicologia humana, individual e coletiva. 
                                                                         Assim, nem todos os proletários desejam ser possuidores dos meios de produção, promovendo, até mesmo, uma luta de classes para tanto. Guerras civis, motins e revoluções, sempre ocorreram na história da humanidade, mas, nestes casos, em razão do rompimento do Contrato Social, tão bem pensado e formulado pelo filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). 
                                                                        Se o referido contrato for mantido pelos pactuantes (povo e governo/elites) e sua execução for considerada satisfatória por ambas as partes, inexistirão movimentos sediciosos internos que objetivem rompê-lo, tais como uma suposta luta de classes, em que ainda creem os adeptos de Marx.
                                                                   Existem países comunistas, sem classes sociais, onde os indivíduos não são possuidores dos meios de produção, mas, apenas, vendedores de suas forças de trabalho ao Estado, este, sim, o verdadeiro detentor dos meios de produção. 
                                                                      Em tais países, uma elite dominante, tendo se apropriado do poder, usufrui das benesses de um consumo nababesco e, por vezes, hereditário. 
                                                                  Por outro lado, existem países capitalistas com classes sociais distintas (ou, mesmo, castas), onde os indivíduos aceitam com tranqüilidade suas classes ou castas, sem nenhuma tensão social e sem demonstração de desejarem pertencer à classe ou casta dos outros: alguns países orientais, em razão de suas convicções religiosas sobre a Metafísica da vida e da morte, e alguns países ocidentais onde o nível cultural, de renda e de escolaridade é bastante elevado. 
                                                                  Existem também países capitalistas, com classes sociais, em que parte dos meios de produção pertence a particulares (pessoas jurídicas e pessoas físicas) e parte pertence ao Estado. 
                                                                      Naqueles países onde o Mercado de Capitais é bem estruturado, qualquer pessoa física (pertencente à classe dos patrões ou à classe dos trabalhadores) pode adquirir, democraticamente, ações (preferenciais ou ordinárias) de empresas, ações estas que são negociadas em Bolsas de Valores. 
                                                                         Constata-se, portanto, no mundo moderno, que a existência ou não de classes sociais não é o fator que assegura, ou deixa de assegurar, a posse dos meios de produção. 
                                                                         Da mesma forma, nem a ideologia dominante nem o próprio sistema econômico vigente, também, são os fatores determinantes da posse ou não dos meios de produção por parte dos trabalhadores, que pudessem justificar, assim, uma eventual ‘luta de classes’.
                                                                     Embora classificada pelos dois eminentes filósofos, mencionados no início, como uma lei social histórica, a propalada ‘luta de classes’ consiste, apenas, segundo a minha modesta maneira de ver este assunto, em uma falácia teórica que mascara o simples desejo das classes trabalhadoras por maiores salários e por melhores condições de vida, frente a proprietários dos meios de produção, muitas vezes, insensíveis às péssimas condições laborais e sociais e as reivindicações destes trabalhadores. 
                                                                          O papel do Estado, como árbitro e moderador, isento, destes eventuais conflitos é que vem a ser, em minha ótica, de fundamental importância para a solução satisfatória destas reivindicações trabalhistas.
                                                                       Imaginar que todos os proletários são infelizes e que iriam ao extremo da ‘luta de classes’, apenas, por não serem os donos dos meios de produção, é de uma ingenuidade portentosa ou de uma ignorância nababesca; posto que, aqueles que assim pensam, olvidam importantes aspectos psicológicos da natureza humana, ademais da razoável distribuição de renda e das características dos modernos Mercados de Capitais, existentes em muitos países democráticos, desenvolvidos e capitalistas. 
                                                                       Essa suposta “Lei Histórica” da luta de classes, tem sido vendida como verdadeira pelas esquerdas, objetivando unicamente apoio popular para a tomada do poder. Após haverem chegado lá, esquecem-se de que anteriormente a mencionaram e reprimem as manifestações e os descontentamentos populares (com a situação econômica e social, motivada por políticas muitas vezes erradas de seus governos), da mesma forma como os países capitalistas costumam fazer; isto é, com o auxílio da força policial. 
                                                   Vejam, a titulo de exemplo sobre o comportamento psicológico dos indivíduos, meus caros leitores, esta letra do ‘Rap da Felicidade’, conhecida melodia Funk que fez sucesso recente nas rádios brasileiras e nas periferias pobres das cidades brasileiras, de autoria de Cidinho e Doca:

“Eu só quero é ser feliz,
Andar tranquilamente na favela onde eu nasci
E poder me orgulhar e ter a consciência
Que o pobre tem seu lugar...”


                                                        Finalizando, sem a intenção de buscar fazer qualquer apologia da pobreza, eu reconheço que uma política de redistribuição de renda bem conduzida (como a que tem sido feita em muitos países), além de uma justiça severa e igual para todos (como aquela que é exercida também em muitos países), são as melhores ações para se eliminar tensões sociais motivadas, quase sempre, pelo descontentamento das massas trabalhadoras com as suas condições laborais, econômicas e sociais (existentes, quase sempre, em decorrência de políticas econômicas equivocadas e de governos reconhecidos como cleptocracias; nos quais verdadeiras quadrilhas se especializaram em desviar recursos públicos e a quase nada oferecerem de retorno ao povo, em troca dos escorchantes impostos arrecadados) e que podem desembocar em conflitos sociais graves, com o risco de rompimento do chamado contrato social, como parece estar ocorrendo hoje em nosso país.
                                              A diferença entre a teoria e a práxis, notadamente no que respeita às ideologias que sustentam os sistemas econômicos, é enorme; mas, infelizmente, a grande maioria do povo não se apercebe disto em razão do desconhecimento, da ingenuidade, da despolitização, do efeito da propaganda política enganosa e da contra informação, promovidas estas duas últimas por partidos políticos e por ideólogos, sejam eles de direita ou de esquerda.


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Ensaio

sábado, 24 de março de 2018


184. Vocês querem bacalhau?


Jober Rocha*



                                              Os recentes episódios da vida pública nacional me fizeram recordar aqueles antigos espetáculos de Abelardo Barbosa, conhecido como Chacrinha (Surubim, 30 de setembro de 1917 — Rio de Janeiro, 30 de junho de 1988). 
                                                            Chacrinha foi um comunicador do rádio e televisão brasileiros, apresentador de programas de auditório de grande sucesso nas décadas de 1950 à 1980. Foi o autor das célebres frases: "Na televisão, nada se cria, tudo se copia"; “Eu vim para confundir e não para explicar”; “Quem não se comunica, se trumbica”.
                                                               Chacrinha nunca se preocupou em ser coerente. A preocupação dele era sempre a de agradar ao seu público alvo; isto é, aqueles que viam os seus programas na TV.
                                                                Durante os shows que fazia, ele costumava jogar cachos de banana para o público e, em algumas ocasiões, perguntava para a platéia: - Vocês querem bacalhau? 
                                                                 Em seguida, jogava para aqueles que o assistiam ao vivo algumas peças de bacalhau, que eram disputadas avidamente pelos presentes.
                                                             O cenário brasileiro, na atualidade, assemelha-se a um daqueles shows do Velho Guerreiro, como Chacrinha era também conhecido; só que, ao contrário daqueles espetáculos do Velho Guerreiro, os shows promovidos pelas nossas elites não tem hora para terminar. 
                                                                Os três poderes da república com seus espetáculos midiáticos, da mesma forma como ocorria nos shows do Abelardo Barbosa, também não estão preocupados com a coerência.
                                                            O que interessa aos três poderes é agradar aqueles que são importantes para eles, neste rol excluindo-se o povo brasileiro, pagador de impostos e cumpridor de seus deveres de cidadão.
                                                              Muitas decisões tomadas no âmbito dos três poderes têm contrariado, frontalmente, os desejos populares; embora atendam às expectativas de empresários, de políticos e de partidos políticos, que consistiriam no público alvo destas decisões.
                                                                 Parece que ninguém mais se entende nos poderes da república: o judiciário quer legislar; o legislativo quer fiscalizar o cumprimento das leis e o executivo quer passar por cima das leis e não ser julgado.
                                                               Parece que os três poderes vieram para confundir e não para explicar, como dizia o Velho Guerreiro. Cada vez mais, os três poderes da república se afastam daqueles para quem foram criados e a quem juraram servir; isto é, o povo brasileiro.
                                                                   Parece que estes três poderes possuem vida própria, desvinculada dos interesses populares, do patriotismo e da cidadania. Pelas notícias que nos chegam através da imprensa e relativas a inúmeros inquéritos policiais instaurados, na Capital Federal, sede dos três poderes, tudo é negociável e negociado.
                                                                Seguindo os passos de Chacrinha, ao afirmar que quem não se comunica se trumbica, o Governo Federal tem gastado, anualmente, uma fortuna em propaganda e publicidade com notícias sobre as suas parcas realizações, tentando convencer aos eleitores que o dinheiro escorchante que pagam de impostos está sendo bem aplicado.
                                                                Silencia, todavia, o governo, acerca do calote recebido nos empréstimos concedidos aos países estrangeiros amigos, com recursos de impostos arrecadados do povo brasileiro.
                                                                Ao anunciar novos planos e programas de governo, gabando-se do ineditismo e dos supostos benefícios destes, que atingiriam às populações mais carentes do país, esquecem de mencionar que, tanto no governo quanto na televisão, nada se cria e tudo se copia, conforme dizia Chacrinha. 
                                                             Quando vemos o poder legislativo legislando em causa própria e agindo de forma corporativa; o poder judiciário julgando cada caso de uma maneira distinta e sem alegar impedimentos, quando estes existem de fato; o poder executivo governando com decretos-lei e portarias, quase sempre inconstitucionais, só cabe perguntar ao povo brasileiro, que a tudo isto assiste impassível e submisso: - Vocês querem bacalhau? 


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.


_*/ Crônica.

sexta-feira, 23 de março de 2018


183. Não Permitamos que as Baratas Saiam das Fossas!**


Jober Rocha*



                                           Não é preciso ser um entomologista para saber que muitos insetos – especialmente a barata - buscam cantos escuros e úmidos para viverem escondidos durante a maior parte das suas vidas. Dentre estes locais, um dos mais preferidos pela Periplaneta Americana (barata caseira) é a fossa, por ser isolada, pouco ou nunca visitada pelos seres humanos e por conter alimentos que podem ser extraídos dos dejetos humanos. 
                                                     Qualquer morador de casa ou qualquer zelador de edifício sabe que uma fossa bem cuidada, limpa e dedetizada com certa freqüência, mantém a população de baratas sob controle. Não as eliminará, em definitivo, pois se reproduzem a taxas elevadíssimas, mas evitará que perambulem em busca de outros alimentos mais apetitosos, pelos pisos, paredes e corredores das habitações, durante os dias e as noites.
                                                O mesmo se passa com os marginais, sejam eles de colarinho branco, de colarinho sujo, sem colarinho ou, mesmo, descamisados. Todos eles necessitam ter suas atividades escondidas, dos olhos dos demais seres humanos, para sobreviverem. Como suas atividades estão sempre à margem das leis - da mesma forma que as da barata estão à margem da rapidez da vista humana – eles buscam as sombras e o anonimato dos covis, dos gabinetes e escritórios, das salas de reunião dos palácios e dos ministérios; bem como a dissimulação e o conluio para perpetrarem as suas ações criminosas.
                                             A Mídia, de uma maneira geral (teoricamente como zeladora do interesse público), funciona como o empregado da empresa dedetizadora que, periodicamente, coloca inseticida nas fossas do prédio para manter a quantidade de baratas sob controle. 
                                                     Ao divulgar as notícias, os nomes e rostos dos marginais presos pela polícia e ao proporcionar o chamado jornalismo investigativo, levantando denúncias, a Mídia permite manter sob certo controle a população marginal. 
                                                   Mesmo que vários criminosos não estejam cumprindo pena em nossas prisões (embora já condenados em primeira e em segunda instância), em razão de possuírem bons advogados que sabem explorar as brechas das leis e dos magistrados, muitos daqueles apanhados com a mão na massa ao terem seus nomes divulgados na Mídia, serão identificados por amigos, vizinhos, conhecidos e familiares. 
                                                          No mínimo, eles perderão amigos e serão discriminados nos locais que costumam frequentar (como restaurantes, aeroportos, etc.), mesmo que permaneçam soltos. Isto é o que eu suponho; mas, em se tratando de um povo como o nosso, crédulo, submisso, inocente e despolitizado, eles  podem até se eleger ou re-eleger para cargos políticos e ganharem imunidades para praticarem novas falcatruas, em um círculo vicioso interminável.
                                                        Baratas (em suas seiscentas e quarenta e quatro espécies) e marginais (de todas as classes sociais e em todas as profissões ou mesmo desempregados) existem em qualquer lugar do planeta. Os países mais desenvolvidos aprenderam a conviver com eles, mantendo-os sob controle (muitas vezes para sempre, simplesmente, eliminando-os total e definitivamente). 
                                                             Relativamente às baratas, buscaram desenvolver inseticidas cada vez mais potentes, criando empresas especializadas na aplicação dos mesmos e leis que obrigam todos os imóveis e meios de transporte públicos a, periodicamente, serem dedetizados. 
                                                                      Com respeito aos marginais, punindo com rigor os crimes, sejam eles quais forem e quem quer que o tenha cometido. 
                                                                     A complacência e a tolerância, com baratas e com criminosos, só trás prejuízos para os indivíduos e para a coletividade. É certo que tanto uma quanto o outro, temem a presença do cidadão atento, vigilante e de ação rápida.
                                                          Em algumas regiões do mundo, entretanto, em razão do baixo nível cultural e social vigente, muitas pessoas convivem bem com as baratas e com os criminosos. 
                                                                  Não percebem o mal causado pela primeira, pois já se acostumaram a viver em meio à sujeira e da falta de higiene, e convivem bem com o segundo, pois, em razão de necessidades extremas (bem como de seus maus costumes, de sua baixa moral e de seus inúmeros vícios), aproveitam, sempre, algumas migalhas ou recebem alguns benefícios dos marginais com os quais convivem, embora não sendo eles mesmos criminosos, possibilitando uma coexistência relativamente pacífica entre ambos, quase idêntica aquela que eles mantêm com as baratas. 
                                                               Muitos ideólogos de esquerda consideram, também, os criminosos que se abrigam entre as populações carentes como vítimas da sociedade capitalista exploradora. Dizem isto, com certeza, por que jamais saíram dos países pobres em que vivem para conhecer a realidade mundial.
                                                          Em qualquer sistema econômico e em qualquer regime político, existem grupos desfavorecidos vivendo em guetos e nas chamadas periferias. Em todos estes grupos existem líderes, que submetem os demais à força e que vivem de atividades ilícitas ou criminosas. Em qualquer sistema econômico e em qualquer regime político existem milionários vivendo em palácios e se constituindo nas elites e nos governantes, submetendo as populações à força de leis, regulamentos e dos sistemas judicial e prisional, e que vivem de atividades ilícitas ou criminosas. Lembremo-nos que os escravos africanos que participaram da vida colonial das Américas eram vendidos aos árabes, como tal, pelos seus próprios chefes tribais. Os árabes, por sua vez, os revendiam aos europeus. 
                                                      As baratas, da mesma forma, se existem nos cortiços, também existem nos palácios; afinal, elas surgiram na face da Terra há quatrocentos milhões de anos.
                                                              Embora vivendo em um país do Terceiro Mundo, onde grande parte da população habita em favelas e possui um baixo nível sócio-cultural e de escolaridade, nós (aqueles moradores de quarenta milhões de domicílios que, segundo o professor José Afonso Mazzon, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, forma a Classe Média Brasileira e cujo padrão de moral e de costumes, segundo os teóricos da Sociologia, deve prevalecer sobre aqueles das classes pobres e ricas) somos, assim, os responsáveis pela manutenção dos valores da nossa sociedade e, como tais, devemos, da mesma forma que pegamos um chinelo toda a vez que avistamos uma barata, ser implacáveis na denuncia de criminosos e de seus crimes (notadamente aqueles praticados por políticos e pelas elites, que atingem com seus efeitos maiores parcelas da nossa população).
                                                          Este, sem dúvida, é o procedimento adotado pelas classes médias dos países mais desenvolvidos que ousam se revelar e enfrentar a todos eles com suas armas, quando se trata da defesa das leis, da moral e dos bons costumes.
                                                  Procuremos manter as baratas e os criminosos contidos em suas fossas, temendo elas nossos chinelos e eles as nossas leis, as nossas cadeias e as nossas balas...


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.


_**/ Crônica

quarta-feira, 21 de março de 2018



182. Vamos mudar o Brasil?


Jober Rocha*



                                                   Estou convencido de que nenhum brasileiro, até mesmo aqueles que se dedicam à atividades ilícitas, está satisfeito com a atual situação do nosso país.
                                                         O chamado Custo Brasil, que consiste no conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas e econômicas que encarecem o investimento no nosso país, dificultando o desenvolvimento nacional, aumentando o desemprego, o trabalho informal, a sonegação de impostos e a evasão de divisas, é enorme e atinge a todos (tanto faz ser pobre, como remediado ou rico; inclusive atingindo também aqueles que enriquecem de forma ilícita). Por isso, o Custo Brasil é apontado como um conjunto de fatores que comprometem a competitividade, a eficiência da indústria nacional e prejudicam a vida de todos aqueles que vivem no Brasil.
                                                          Quem não gostaria de viver em um país que oferecesse segurança jurídica e pública; transporte, saúde e educação de qualidade; respeito aos direitos humanos por parte de toda a população (e não só dos agentes da lei e da ordem); que tivesse políticos honestos, patriotas e interessados em melhorar a vida dos seus eleitores; que possuísse uma justiça rápida e eficiente; que os salários fossem elevados e os preços baixos, que oferecesse muitos empregos disponíveis; etc. etc. etc.
                                                               Por que o Brasil não é um país como esse mencionado, sonhado por todos nós?
                                                           Certamente, a razão deve ser buscada em sua gente e nos efeitos da miscigenação de raças aqui ocorrida ao longo da história; em como foram formadas as suas elites; em seus condicionamentos culturais e sociais; etc. Não somos um pais subdesenvolvido, como tantos outros, em razão da carência de recursos naturais ou por dispor de um pequeno território, por falta de água, por carência de recursos minerais, pela inexistência de acesso ao oceano, etc. Nossas carências são de outra ordem e estão ligadas a aspectos psicossociais.
                                                           Todavia, se algumas destas variáveis que nos mantém no subdesenvolvimento não podem ser modificadas ou não depende, apenas, de nós fazer com que elas mudem, outras, sim, podem ser mudadas por nós mesmos, basta que queiramos fazer a mudança.
                                                                Os indivíduos, enquanto cidadãos, consumidores, fiéis, eleitores, contribuintes, correntistas, telespectadores, leitores, etc., possuem uma monumental força, insuspeitada por eles mesmos. Se conscientes e unidos, podem ‘quebrar’ empresas (não consumindo seus produtos ou serviços), podem fechar igrejas (não freqüentando seus templos), podem sanear o legislativo do país (não votando em políticos reconhecidamente corruptos ou que não tenham ficha limpa) e podem pressionar o governo a se moralizar (mediante passeatas, greves, boicotes, etc.). Só não o fazem por serem desunidos, mal informados, acomodados, influenciáveis e ingênuos. 
                                                                   A única maneira de mudar o Brasil é começando por mudar a nós mesmos. Reconheço que somos apenas uma gota no vasto oceano dos brasileiros dominados, mas o mar se move na direção para onde as gotas se dirigem e não o contrário.  
                                                                Se nós, seres humanos, nos tornarmos conscientes de como as coisas se passaram até agora, poderemos modificá-las no futuro. Como bem disse o médium Chico Xavier (cuja frase é citada ao final de muitos e-mails como sendo de autoria de Rui Barbosa): “- Embora não possamos voltar atrás e fazer um novo começo, podemos sempre começar de novo e fazer um novo fim”. 
                                                             Nossas escolhas erradas nas urnas, com respeito àqueles que conduziram o Poder Legislativo do país, até agora, têm sido a principal causa do nosso atraso econômico e social e das crises pelas quais passamos. A alienação do nosso povo quanto às questões geopolíticas e econômicas; bem como, a nossa inocência e pouca cultura quanto a questões de ordem ideológica, política, religiosa e filosófica, estão por detrás de todos os males que nos afligem, compondo o pano de fundo de nosso subdesenvolvimento e de nossas idiossincrasias que têm nos levado a fazer péssimas escolhas no que se relaciona aos nossos dirigentes máximos.
                                                              Eu faço votos para que uma nova maneira de entender o nosso país e o mundo em que vivemos, contribua para libertar-nos de falsas propagandas, falsos valores, falsas crenças, crendices e superstições, todos maquiavelicamente inoculados em nossas mentes com o único objetivo de esconder-nos a verdade e permitir que sejamos facilmente dominados, sem que dessa dominação tenhamos ciência e sem que a ela oponhamos resistência.
                                                           Posso enumerar aqui algumas sugestões aos meus queridos leitores (sugestões estas que não são só minhas, mas de muitos brasileiros preocupados com o nosso destino), de como mudar o país em um prazo relativamente curto. Segui-las ou não dependerá da vontade de cada um. 
                                                          As sugestões, com respeito à política, são as seguintes: não reeleja, jamais, nenhum político, dando chance aos novos candidatos, pois mandato público não deve ser considerado uma profissão; não vote em candidatos despreparados, que sejam conhecidos, apenas, por frequentarem quase que diariamente a Mídia, em razão de suas profissões; não vote em nenhum candidato por solicitação de seus amigos, da sua igreja, de qualquer grupo a que pertença, de seus parentes e familiares ou influenciado pelas propagandas e faixas que poluem as cidades nas vésperas das eleições; escolha seus candidatos por suas vidas pregressas, que podem ser obtidas na WEB, local onde qualquer um poderá saber da honestidade e competência deles, pois tudo fica ali registrado.
                                                          Com respeito às relações sociais: seja educado com todos; saiba viver em comunidade, respeitando os direitos e as opiniões dos demais; seja prestativo e ajude seus semelhantes; procure ser sempre otimista e nunca perca o bom humor.
                                                     Relativamente ao lazer, embora futebol, carnaval e novelas possam ser atividades agradáveis de contemplar quando se está ocioso, use o seu tempo disponível para adquirir cultura e conhecimento; as únicas formas de se libertar da influência de terceiros e poder ser, enfim, senhor de si próprio, deixando para trás um passado de servidão consentida.
                                                    Com relação a você mesmo: procure aprender o máximo que puder acerca de tudo, passe a ser mais consciente dos seus interesses e menos ingênuo com relação aquilo que lhe tentam incutir através da grande mídia, oficial e privada. Procure fontes alternativas para se informar, como cursos, seminários, palestras, livros e a própria WEB. Seja honesto consigo e com os demais, mesmo quando não tiver ninguém olhando. Não se deixe influenciar, em termos religiosos ou ideológicos, por quem quer que seja. Se você é religioso, saiba que nem tudo o que lhe dizem acerca das religiões, ou que lê nos livros ditos sagrados, é a fiel expressão da verdade. Procure ler o que dizem os historiadores descompromissados, sobre a sua religião. Com certeza irá se surpreender com fatos que desconhecia. Defenda os seus pontos de vista e valores, não se deixando influenciar por ninguém e, dentro da lei, faça apenas aquilo que a sua consciência ou o bom senso lhe indicar. 
                                                      O mesmo que eu disse para os que seguem alguma religião eu diria para os que se guiam por alguma ideologia. As ideologias, como as religiões, não surgiram vindas do nada. Foram criadas por seres humanos, segundo interesses particulares de dominação e de prevalência de alguns indivíduos sobre outros indivíduos e de determinados grupos sobre outros grupos. Leiam diversos autores sobre a história do pensamento humano, sobre a história da riqueza, sobre a história das religiões, sobre Filosofia e tirem as suas próprias conclusões.
                                                         Quando todos os brasileiros estiverem conscientes e forem seguidores destes pré-requisitos, necessários para transformar um arremedo de país, sem ordem e sem segurança jurídica, em uma verdadeira nação possuidora daquela identidade pela qual os indivíduos se identificam e se sentem partes de um grupo, estaremos a um passo da mudança.
                                                                    Poderemos, no entanto, jamais nos tornar uma nação desenvolvida, embora fazendo parte das dez maiores economias mundiais. Bastara, para tanto, que a nossa gente continue como sempre foi, ou seja: submissa, ignorante, crédula, inocente, frívola e despolitizada, não participando nem influindo nas grandes decisões nacionais, e que continue a permitir que o nosso país seja conduzido por pessoas incapazes e venais, colocadas onde estão pela própria população iludida com falsas promessas de campanha.
                                                        As próximas eleições estão chegando. Não seria uma boa ocasião para tentarmos?


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.



sábado, 17 de março de 2018



181. O perigo das eleições no Brasil**


Jober Rocha*



                                             As eleições brasileiras, como as de muitos outros países subdesenvolvidos, sempre foram eivadas de denúncias de fraudes na contagem dos votos; de pesquisas de boca de urna encomendadas, objetivando influenciar eleitores indecisos; do uso, durante a campanha eleitoral, de recursos não contabilizados e nem informados pelos partidos e candidatos, oriundos de doações de empresários e de pessoas não identificadas; da utilização de recursos públicos e da máquina administrativa para a campanha eleitoral de candidatos do partido no governo, etc.
                                                         Mais recentemente, novos episódios vieram aumentar o arsenal de artifícios tendentes a viciar as eleições em detrimento de candidatos, de partidos e de grupos. É o caso, por exemplo, das chamadas urnas eletrônicas, que inúmeras denuncias acusam de ser facilmente fraudável, tanto por gente de dentro quanto de fora. Explico-me: o programa interno que faz com que a máquina opere é conhecido de pouquíssimas pessoas e pode conter vícios, a máquina é de origem estrangeira e não fornece comprovante ao eleitor, assegurando que o voto foi computado para o candidato em que ele votou. Por outro lado, conforme alguns hackers já demonstraram publicamente, a urna pode ser objeto de interferência externa por parte de pessoas especializadas. Acresce, ainda, que apenas três países no mundo inteiro a utilizam, sendo o nosso país um deles.
                                                            Outros fatores que no Brasil sempre foram desconsiderados, são: indivíduos cumprindo pena por crimes não perdem os seus direitos civis, podendo se candidatar e, sendo eleitos, tomar posse; parlamentares condenados pela justiça continuam exercendo seus mandatos, recebendo seus salários e dormindo à noite na prisão. 
                                                                Centenas de parlamentares, acusados de crimes comuns, continuam exercendo seus mandatos, beneficiados por um denominado foro especial que faz com que apenas possam ser julgados pelas altas cortes da justiça, cujos membros são nomeados pelo chefe do executivo e sabatinados pelos parlamentares, que aprovam seus nomes ou os vetam. Assim, aqueles passam a dever as suas nomeações, para os cargos regiamente pagos e plenos de mordomias adicionais destas altas cortes, ao presidente da república e aos parlamentares que, eventualmente, algum dia, tais magistrados poderão vir a julgar.
                                                                  Outro aspecto importante são as chamadas bancadas, isto é, parlamentares eleitos por igrejas, por empresas, por sindicatos internacionais do crime organizado, facções criminosas locais, por governos estrangeiros, etc. Eles formam aquilo que, em linguagem politicamente correta, se denomina lobby; mas, que, na realidade, não passa de traição, visto que a atuação dos políticos deve visar o bem geral da população brasileira e não, apenas, os interesses dos grupos particulares a que pertencem, que os financiam e aos quais estão vinculados.
                                                                 Conforme amplamente denunciado na imprensa, os governantes costumavam comprar, com dinheiro público, o apoio de muitos dos parlamentares às medidas propostas pelo executivo. Muitas destas medidas aprovadas pelos parlamentares, já tinha sido antecipadamente vendidas, por aquele que as propunha, à empresários que com elas seriam beneficiados, gerando uma verdadeira indústria de venda de leis, decretos, portarias, etc.
                                                        Inúmeras vezes a população brasileira tem sido surpreendida com medidas contrárias aos interesses públicos, aprovadas pelo parlamento. Poucos são os que sabem a verdade que se esconde por detrás daquelas medidas aprovadas.
                                                           O povo, como sempre, em sua passividade de rebanho, na maior parte não se interessa por política e, a exemplo do que fazem em suas residências patrões omissos e perdulários, permite que aqueles seus empregados, por eles colocados no parlamento, tomem conta do país e movimentem o Tesouro Nacional em proveito próprio.
                                                               Ao contrario do que ocorre em inúmeros outros países, aqui, no nosso, o povo não possui nenhuma ligação com os seus representantes no parlamento, nada cobrando deles e deixando-os agir por conta própria. Na maioria das vezes, os políticos trabalham apenas para si e para os seus interesses particulares, procurando eleger filhos e parentes ou nomeá-los para cargos burocráticos bem remunerados, disponíveis no parlamento, onde muitos se aposentam.
                                                               A coisa tem se repetido da forma como descrito, há muitos e muitos anos. Qualquer que seja o candidato e o partido pelo qual ele se eleja, se não ocorrerem mudanças nesta estrutura viciada, montada desde há muito, as coisas continuarão como sempre foram. Somos o país do cambalacho, das resoluções à portas fechadas, da prevalência dos interesses particulares sobre os públicos, da venalidade geral (desde a corrupção e o suborno dos homens públicos, à fraude empresarial e ao consumo de produtos roubados ou contrabandeados pela população). Aqui ninguém é inocente, como se autodenominou uma companhia teatral brasileira.
                                                            Percam, pois, as esperanças, já que não será um governante, por melhor e mais honesto, que seja (como parece ser aquele que hoje desponta nas pesquisas como o que detém maiores intenções de voto para as próximas eleições), que irá consertar este país sozinho. O país terá que ser repensado, reformulado e colocado no rumo, por sua própria gente; quando, e se, todos tomarem consciência de que a eles é que cabe esta tarefa e não àqueles prepostos, que agem, no mais das vezes, apenas para si e em nome da população. 
                                                    Em não sendo assim, as eleições se transformam, de tempos em tempos, em um espetáculo de drama ou de comédia no Teatro Brasil, em que a peça é sempre a mesma e os marqueteiros, com a experiência e os recursos que possuem, fazem parecer que se trata de um novo espetáculo, inédito na praça, com novos atores, novos cenários e novas coreografias.
                                                         O povo animado, de quatro em quatro anos, comparece em massa ao teatro, esperando ver algo diferente. Após o primeiro ato todos se convencem que já viram aquela peça e começam a deixar o Teatro Brasil, arrependidos de terem perdido o seu tempo e de terem gasto o dinheiro da entrada.
                                                          Os Produtores deste espetáculo, que financiam periodicamente aquele show (onde os artistas do momento se apresentam em suas melhores roupas e com os seus papéis exaustivamente ensaiados), são os verdadeiros donos do Brasil, que nada entendem de Literatura (Economia) nem de Roteiro (Planejamento), mas que tudo sabem de Dramaturgia (a arte de representar) e de Bilheteria (a maneira de arrecadar e desviar o dinheiro público). Esses é que necessitam, prioritariamente, serem substituídos por quem entenda, verdadeiramente, de Literatura e de Roteiro, setores em que estão localizadas as nossas principais deficiências.


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.


_*/ Crônica


quinta-feira, 15 de março de 2018



180. Teríamos, de fato, sido feitos a imagem e semelhança do Criador?**

Jober Rocha*


                                          O recente inquérito motivado pela Operação Lava a Jato, no qual um ex-presidente, seus assessores mais chegados, empresários e políticos foram acusados de desvio de recursos públicos, concussão, lavagem de dinheiro, tráfico de divisas e outros crimes diversos (processo este em que quase todos os principais envolvidos negaram as suas participações nos atos criminosos, afirmando inexistirem provas materiais, a não serem, segundo eles, aquelas delações de alguns empresários objetivando redução de suas penas), me fez recordar episódios ocorridos há milênios, quando do surgimento dos primeiros escritos sobre a religião, escritos estes que teriam sido inspirados ou mesmo ditados pelos Deuses, segundo os seus propagadores sempre afirmaram.
                                                     Os réus de hoje, na Lava a Jato, declararam, através de seus advogados, que todas as acusações que lhes imputavam não passavam de suposições, de ilações, de vinganças pessoais partidas de inimigos políticos, de fraude processual, de perseguição dos membros do Judiciário e do Ministério Público, etc.
                                                       Os advogados dos réus desdobraram-se em argumentos, tentando salvar seus clientes de longos períodos de inatividade em presídios de segurança máxima no interior do país. Em que pesem todos os argumentos apresentados parece que eles, ainda, não conseguiram atingir seus objetivos; pois a Justiça tem caminhado, inexoravelmente, na direção da condenação dos réus em todas as instâncias. Os investigadores, os promotores de justiça e os juízes fizeram, ao que parece, um trabalho impecável, a luz de todo o aparato moderno existente para facilitar a apuração de crimes financeiros e dos chamados crimes de 'colarinhos brancos'.
                                                       Fiquei, pois, imaginando, como seriam os julgamentos, nos dias atuais, de nossos autores ancestrais dos chamados livros sagrados, caso fossem tornados réus pela prática de propaganda enganosa (Lei nº 8.078 de 11 de Setembro de 1990, que Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. § 1º É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. § 2º É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança) e/ou falsidade ideológica (que é um tipo de fraude criminosa que consiste na adulteração de documento, público ou particular, com o fito de obter vantagem - para si ou para outrem - ou mesmo para prejudicar terceiro), caso isso pudesse ocorrer na atualidade (na hipótese de que conseguíssemos, através da tecnologia, regressar ao passado e trazer ao presente os nossos ancestrais redatores destes textos) e algum inquérito fosse instaurado por um rigoroso promotor de causas difusas, desejoso de apurar, em nome do Ministério Público, eventual prática de crime ou de ilícito penal por parte daqueles que redigiram os antigos textos religiosos, falando em nome de Deus e de Jesus sem autorização expressa destes; isto é, hipoteticamente, usurpando funções e se apropriando da imagens de terceiros, com possíveis finalidades de auferir poder e riqueza. 
                                                        Digo isto, por que muitas igrejas, na atualidade, transformaram-se em empresas, com o estabelecimento de metas de arrecadação de dinheiro dos fiéis por parte de seus pastores e sacerdotes. Hoje pela manhã li na imprensa a notícia de que uma determinada igreja havia sido condenada, judicialmente, a devolver tudo o que tinha recebido de um fiel, sob a acusação de coação moral irresistível e abuso de direito. O fiel teria sido coagido a doar seus bens, sob ameaça de receber uma maldição por parte da igreja, caso não o fizésse. 
                                                Será que as modernas técnicas de interrogatório; o avanço no uso da informática; a possibilidade atual do cruzamento de informações; o acesso instantâneo às fontes de dados primários e o conhecimento científico e tecnológico moderno, permitiriam, talvez, obter a confissão dos autores de textos antigos de que haviam mentido em alguns casos? Nesta hipótese, poderíamos chegar a conclusões diferentes daquelas a que chegaram os antigos pensadores religiosos, que instituíram as suas religiões com base em tais livros sagrados, supostamente influenciados ou psicografados por Deus? E o que diriam os fiéis que adotaram estas religiões, se os autores daqueles textos confessassem haver mentido?
                                                              Segundo consta nestes escritos mencionados, feitos todos por seres humanos, em inúmeras ocasiões de épocas remotas, Deus, supostamente, teria falado diretamente aos sacerdotes e aos líderes de vários povos. 
                                                              Isto teria, realmente, acontecido? Tais afirmações, contidas nestes textos, resistiriam a um inquérito judicial, igual aqueles que são realizados nos dias atuais?

                                                  O promotor de causas difusas mencionado, tendo estudado o caso e marcado o depoimento do réu, autor de algum destes textos, começaria por dizer:

                                                          - "Em Gênesis 1:26 -28, Deus teria dito: 
26 - “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra”.
27 – “E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”.
28 – “E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra”."

                                                             - "Poderia você, como o autor do Gênesis, provar que Deus, realmente, disse isso?" - perguntaria o inquiridor ao réu, cujo depoimento estava sendo tomado naquele momento.
                                                             - "Deus disse isso a quem, quando e de que forma? Em qual língua falou? Por que disse façamos? Estava Ele sozinho ou em presença de algum outro Deus, para dizer façamos? Qual a aparência física Dele? Descreva-o!"
                                                                   O réu, sem dúvida alguma, por melhor que fosse o seu advogado, não teria respostas para tais questionamentos. Caso tivesse, já as teria inserido no texto que escrevera há milênios.  
                                                             Seguindo adiante com a sua inquirição, o promotor lembraria ao réu:
                                                                 - "Por outro lado, as escrituras mencionam também o Caos (vazio primordial de caráter informe, ilimitado e indefinido, que precedeu e propiciou o nascimento de todos os seres e realidades do universo), que existiria antes de Deus criar o mundo". 

                                                                  A continuação, o inquiridor, inteligentemente, em tom acusatório, diria ao réu responsável pelo texto bíblico que conteria a afirmação acerca da existência do Caos: 

                                                           - "Você está mentindo! O Caos é impossível de ter existido aos olhos da razão, pois é impossível que tenha havido algo oposto ao Criador e às suas leis, que são eternas! Se antes houvesse o Caos, de onde teria surgido o Criador? Ou o Caos seria eterno ou o Criador é que seria, pois ambos não poderiam conviver juntos! Foi você mesmo quem criou esta ideia do Caos e quero saber com que objetivo?"
                                                                  Mais uma vez, réu e advogado não teriam como contestar o inquiridor e o réu, instruído por seu causídico, diria que só falaria em juízo, conforme lhe facultava a lei.

                                                            Ainda continuando com o interrogatório, o promotor mencionaria:

                                                               - "Por sua vez, a figura do demônio também é citada em vários textos do Novo Testamento (em Marcos, Mateus, Lucas, Tiago, João, Apocalipse, etc.), ademais de ser mencionado no velho (Deuteronômio)".
                                                                      O inquiridor (reunindo em separado todos os respectivos autores destes textos, considerados réus no mesmo processo, diria a mesma coisa a cada um deles, em particular), na presença do réu e de seu advogado falaria em tom acusador: 
                                                            - "Fique você sabendo que não acredito em nada daquilo que disse! Você estava tentando amedrontar o povo com alguma finalidade inconfessável, ao mencionar a existência do demônio! Estava tentando obter lucros fáceis? Buscava esconder do povo a verdade sobre algo muito grave que ocorrera no passado? Queria criar dificuldades para vender facilidades, através da intermediação que a sua igreja faria com o Criador para livrar os fiéis das garras do demônio, no inferno?"
                                                               - "Todos nós sabemos que a doutrina que trata da existência do Demônio colide, por principio, com a da existência de Deus. Efetivamente, a luz da Filosofia, Deus e o Demônio são potencias que se excluem mutuamente; isto é, que não podem coexistir simultaneamente. As relações mútuas a que se obrigaram, implicariam a destruição de um dos dois". 
                                                                      - "Esta incompatibilidade pode ser formulada através dos seguintes argumentos, que você deve saber muito bem e que escondeu dos seus leitores: 

1. Se Deus é o criador de tudo o que existe, deve ter sido, também, o criador do Demônio (ou pai do Demônio). Se o Demônio é criação de Deus (ou filho de Deus), indiscutivelmente, antes de ser criado estaria em Deus, participando de sua essência; o que impõe a conclusão de que Deus, o Eterno Bem, tenha em si a essência do Eterno Mal; 
2. Se o Demônio não foi criado por Deus, então, existe algo que Deus não criou e que ou foi criado por si mesmo (o que a tornaria igual a Deus) ou deve a sua criação a outrem; o que ainda força a existência de um Deus anterior (caso este em que se estabeleceria uma dualidade divina). Se existissem essas duas potências, elas ocupariam a totalidade do espaço e existiriam no mesmo lugar, uma penetraria a outra e isto é um absurdo".

                                                                - "Contra a criação do Demônio por Deus, há, ainda, os seguintes raciocínios, que, com certeza, você sabia muito bem e nada disse em seu texto: 

1. Deus seria incoerente porque conhecendo, pela sua omnisciência, o futuro de todas as criaturas, teria criado uma voltada, exclusivamente, para combater a sua obra; 
2. A doutrina católica de que Deus, antes de criar o universo da matéria, criou o mundo dos espíritos (destinados todos a louvarem, servirem e glorificarem seu Criador), impõe a seguinte conclusão: Se Deus precisa que o louvem, sirvam e glorifiquem, logicamente, é por que lhe falta alguma coisa e porque não tem em si tudo aquilo que precisa. Não há dúvida de que um Deus assim não é completo, sendo incompleto e imperfeito; 
3. No Capítulo XXI, v.27 do Apocalipse, encontra-se: “Nada de profano, nem ninguém que pratique abominações e mentiras, entrará no céu, mas, unicamente, aqueles cujos nomes estão inscritos no livro de vida do Cordeiro.” No Capítulo XII, v 7, 8 e 9, o Apocalipse se contradiz, ao afirmar que “Houve uma batalha no céu e Satanás, o Demônio, foi precipitado na terra com seus anjos”. "

                                                        - "Assim, o Demônio, por ser um contaminado da maldade, desde o principio (Primeira Epístola, João, III, 8), não podia estar no céu para dele ser precipitado. Consequentemente, a estória do Demônio é falsa e, como Satanás não existe, não existe também o inferno, que consiste em outra alegoria oriunda de antigas crenças. Antes de a Bíblia registrá-lo, já existia nas mitologias Persa, Indiana, Egípcia, Gaulesa, etc".

                                                             - "Acho melhor você confessar logo que mentiu e tentarmos chegar a um acordo. Se você disser as verdadeiras razões pelas quais tentou enganar seus leitores e quem o pagou para escrever o que escreveu, posso estudar uma redução de pena, uma eventual prisão domiciliar ou, até mesmo, o uso de tornozeleira eletrônica".

                                                                 Em outra etapa do interrogatório particular de alguns dos autores de textos antigos, o inquiridor diria a cada um dos réus, individualmente:

                                                        - "Relativamente ao seu texto que menciona a figura de Jesus Cristo como sendo Deus ou filho de Deus, hoje nós sabemos, segundo vários autores, que tudo não passou de uma criação dos antigos pensadores da Igreja de Roma (dentre os quais, certamente, você se destacava), instituída esta pelo Imperador Constantino no Concilio de Niceia, para justificar o fato de que, se os próprios imperadores romanos eram considerados deuses pelo povo, o principal personagem daquela nova religião (sendo criada pelo Império Romano, na ocasião) não poderia desfrutar de um status inferior. Você, com o seu texto, ajudou a criar e a difundir a notícia inverídica de que Jesus Cristo era Deus".

                                                          - "Voltaire, em seu 'Dicionário Filosófico', menciona o seguinte texto do abade de Tilladet:
“Os quatro evangelhos foram pouco conhecidos entre os romanos no tempo de Trajano e não andaram nas mãos do público antes dos últimos anos de Diocleciano. Os Socinianos rígidos (seguidores de Fausto Socino, falecido na Polônia, em 1604, que desenvolveu sua teologia inspirada em seu tio Lélio Socino, morto em 1562 em Zurique. A doutrina sociniana é antitrinitária e considera que em Deus há uma única pessoa e que Jesus de Nazaré é um homem) consideram, pois, os nossos quatro evangelhos como obras clandestinas, fabricadas cerca de um século depois de Jesus Cristo e cuidadosamente escondidas dos gentios durante o século seguinte”."

                                                                - "O Professor Bart D. Ehrman, Ph.D. em Teologia por Princeton e professor de estudos religiosos na Universidade da Carolina do Norte, afirma: “Com o desenvolvimento do Cristianismo, houve várias tentativas de explicar como Jesus podia ser divino, se havia um único Deus.Uma dessas tentativas (chamada patripassianísmo, por Tertuliano, ou sabelianísmo, por causa de Sabélio) diz que Deus pai e Deus filho não eram duas entidades, mas que Deus filho é Deus pai, quando este encarna. A outra era o arianismo, que afirmava que Jesus e Deus não eram da mesma substância, mas de substancias similares. Cristo passou a existir em determinado momento e, embora fosse divino, não era igual a Deus. A Trindade, é uma invenção cristã posterior, baseada segundo os argumentos de Atanásio e outros, em passagens das Escrituras, mas que na verdade não aparece em nenhum dos livros do Novo Testamento. Em três séculos, Jesus deixou de ser um profeta apocalíptico judeu para se tornar o próprio Deus, um membro da Trindade”." 
                                                             - "Em conformidade com F. Fernandes em “Jesus este ilustre desconhecido”, publicado em ‘Cristianismo’ e disponível em www.diariodeunsateus.net, encontramos: “Nem a Arqueologia, nem a História, nem o Antigo Testamento contém uma única referência ao personagem Jesus. Apenas o Novo Testamento fala nele. Nos documentos históricos contemporâneos, ou posteriores à época de Jesus, nunca se fala dele e apenas quatro historiadores o mencionam: Flávio Josefo, cujos escritos sobre Jesus concluiu-se ser uma falsificação grosseira, isto é, uma tentativa de fazer ‘colar’ o nome do historiador à prova existencial do suposto Jesus. Plínio, o Jovem, faz referência numa carta a Trajano em que fala, vagamente, que os cristãos “afirmavam que as culpas ou erros se redimiam no fato de encontrar o dia esperado antes da Alba, para cantar um hino a Cristo como se fora um deus…”. Suetonio (referindo-se a alguém que no ano 45, estava em Roma): “uma vez que os judeus fomentavam contínuos distúrbios instigados por Crestos, Claudio expulsou-os de Roma”. Crestos é a tradução do original latino Chrestus; nome derivado do grego Chrestos, que quer dizer – Bom, Valente -. Mais do que um erro de transcrição de Christus, este era um nome comum na época. Tácito cita algumas vezes os cristãos nos seus “Annales”, dizendo que estavam em Roma no tempo de Nero, entre 54 e 65, escrevendo que “Cristo foi condenado à morte por Pôncio Pilatos, durante o reinado de Tibério”. Estas são as passagens “não cristãs”, da antiguidade, que de alguma maneira referem-se a Jesus” ."

                                                                    - "Se as referências a Jesus, fora da Bíblia, são pouco críveis para um filho de Deus, dentro desta são contraditórias e inverídicas, segundo o comentário de F. Fernandes na obra já mencionada: “Relativamente ao seu nascimento, Mateus escreve que «nasceu em Belém, região da Judéia, no tempo em que Herodes era o rei do país…», enquanto Lucas escreve que «por aquele tempo o imperador Augusto ordenou que se fizesse um recenseamento em todo o mundo. Este primeiro recenseamento foi efetuado, sendo Cirenio governador de Síria». Uma vez que Herodes morreu no ano quatro antes da nossa Era, os relatos são temporalmente contraditórios. Nesse período não se registrou nenhum fenômeno atmosférico que possa ser interpretado como a estrela dos reis magos, nenhuma matança de crianças, nem nenhum recenseamento romano. Este último, pelo simples fato de que naquele tempo a Judéia não estava sob o domínio romano. Assim sendo, estes relatos não correspondem à verdade”. “Nos quatro evangelhos Jesus é chamado de Nazareno, mas só nos capítulos iniciais de Mateus e Lucas se conta sobre o seu nascimento e se situa o mesmo em Belém. Tal como sobre o nascimento, também sobre a morte de Jesus não dispomos de relatos criveis. O único dado que sabemos é que aconteceu “sob o reinado de Pôncio Pilatos”, entre o ano 26 e 36 depois da nossa Era. Não há registro dos, dificilmente esquecidos, prodígios que acompanharam a sua morte. É certamente falso que «desde o meio dia e até às três da tarde, toda aquela terra ficou às escuras», não poderia haver um eclipse do sol de três minutos e muito menos de três horas, durante o plenilúnio. Surpreendentemente, nenhum historiador da época parece ter-se apercebido que naquele momento «o céu se rasgou em dois de alto a baixo, a terra tremeu, as rochas se partiram, os túmulos se abriram e muitos homens de Deus que estavam mortos ressuscitaram»”." 

                                                            - "As contradições e as inverdades, conforme pode ser visto, são evidentes. Quero saber qual foi o seu objetivo ao divulgar estes fatos inverídicos naquela ocasião? Você estava a serviço de alguém ou de alguma instituição? Recebeu algum pagamento pelo texto que escreveu?" 

                                                             Mais uma vez, eu estou plenamente convencido de que os réus, instruídos pelos seus advogados, responderiam que só falariam em juízo, tentando ganhar tempo para imaginar respostas verossímeis, que fossem aceitáveis pelo inquiridor. Este, continuando seu interrogatório, diria, ademais, que: 

                                                                 - "A credibilidade dos evangelhos é tal, que apenas quatro deles são considerados canônicos e todos os outros são considerados apócrifos e rejeitados como inautênticos. Naturalmente em questões de cânon (regra) tudo é relativo; por exemplo: os livros do Antigo Testamento, os Macabeus, que atualmente a Igreja considera canônicos, são considerados não canônicos pelos próprios judeus e considerados apócrifos pelos protestantes, e a decisão definitiva sobre o cânon católico do Antigo Testamento não vai além de 1546, quando o Concílio de Trento estabeleceu a lista atual e declarou «anátema sobre quem não admita como sagrados e canônicos estes livros completos, com todas as suas partes, tal como são lidos na Igreja Católica»." 

                                                                       - "Tal fato não impede que a igreja Etíope admita, ainda, mais três livros como canônicos. Muitos dos evangelhos considerados apócrifos perderam-se, mas outros se conservaram e narram episódios completamente diferentes da vida de Jesus, da Virgem e dos apóstolos. Aqui a posição da Igreja varia entre uma clara aceitação de alguns documentos como oficiosos, e uma explícita recusa de outros, como oficialmente heréticos. Não deixa de ser curioso que o evangelho de Pedro, parcialmente encontrado em 1886, descreva a “paixão” de Cristo de maneira análoga à dos sinópticos, mas desde uma perspectiva política diversa, anti-judía e pró-Pilatos". 

                                                                  - "O que você tem a dizer sobre isto? Por que escolheram logo o seu evangelho, dentre tantos outros? Você pagou alguma coisa para alguém, objetivando incluir o seu texto entre aqueles considerados canônicos?"

                                                            Mais uma vez, o réu permaneceria em silêncio.
                                                                O inquiridor continuaria:


- "O Dr. Bart D. Ehrman, citado anteriormente, afirma em seu livro ‘Quem Jesus foi? Quem Jesus Não Foi?’: “O surgimento final da religião cristã representa uma invenção humana que, em termos de seu significado histórico e cultural, pode ser considerada a maior invenção da história da civilização ocidental”.

“Aquilo que consideramos cristianismo tradicional não caiu simplesmente do céu, pronto e plenamente desenvolvido, logo depois do ministério de Jesus. Nem emergiu direta e simplesmente de seus ensinamentos. Em muitos sentidos, aquilo que veio a ser o cristianismo representa uma série de distanciamentos bastante importantes dos ensinamentos de Jesus. O cristianismo, como há muito reconhecido pelos historiadores críticos, é uma religião sobre Jesus, não a religião de Jesus”."



                                                            - "Marcelo da Luz, em seu livro ‘Onde a Religião Termina?’, afirma: Nos séculos seguintes, os evangelhos divergentes foram destruídos para que a definição dada pelo Concílio de Niceia, no ano 325, fosse a única interpretação aceitável. Esses dados históricos mostram como a figura divina do Cristo é um produto, pouco a pouco, construído pelo fanatismo e interesse político-econômico de seus seguidores. Por outro lado, essa desconstrução pode ser feita a partir do conteúdo dos evangelhos, pois os ensinamentos e obras de Jesus apresentam muitas inconsistências. Ele foi sectário, obscuro em muitos momentos; usou discurso demagógico e populista; fomentou o fanatismo ao reclamar para si o amor exclusivo dos discípulos; foi ignorante quanto ao próprio parapsiquismo; utilizou muitas vezes a coerção psicológica para convencer os devotos (medo do inferno, proximidade do juízo final), insuflou a violência em alguns momentos; pregou o amor condicional (aqueles que não aceitam sua vontade serão condenados)..., isto só para citar alguns exemplos. Não há motivos racionais para que alguém considere Jesus divino ou o homem mais inteligente e brilhante que já existiu. Muito pelo contrário. Hoje, qualquer pessoa esclarecida pode ir muito além de Jesus Cristo. As pessoas têm medo de questionar a obscuridade e a irracionalidade das proposições dos evangelhos; porque fomos lavados cerebralmente, desde o berço, por uma cultura de base cristã”."
  

                                                              Queridos leitores, aqui, encerro o meu conto de ficção, pois sei que todos os réus, instruídos por seus advogados, alegarão prescrição, alegação esta que a justiça não poderá ignorar, deixando de considera-la.

                                                                     Quanto ao título do presente conto, tenho a dizer aos meus leitores que os seres humanos, na minha modesta opinião, jamais foram feitos a imagem do Criador, como em algum momento da História Humana alguém resolveu alardear, em um acesso de megalomania e de soberba. Até mesmo, porque ninguém sabe qual seria essa imagem, se é que o Criador possui alguma.
                                                                Por outro lado, também não somos a imagem do Criador, nem física nem espiritualmente, por sermos seres mortais, com corpos frágeis, sujeitos a incontáveis moléstias e enfermidades e portadores de uma imagem que, se em alguns casos pode ser considerada aceitável, em outros são totalmente bizarras e, até mesmo, disformes e monstruosas. Desta forma, nós, simples mortais,não poderíamos, jamais, sermos feitos a imagem de um ser imortal, necessário porém desconhecido. Espiritualmente também não somos a imagem do Criador em virtude dos nossos espíritos, em sua maioria, serem pouco evoluídos e dominados, na maior parte do tempo, pelos sentimentos viciosos (notadamente em razão da presença do EGO em nossa psique, que tudo quer para si mesmo); assim, jamais poderíamos possuir a imagem espiritual do Criador.
                                                         Relativamente a  alegada semelhança que teríamos com o Criador (no sentido de analogia, afinidade ou algo em comum), creio que esta foi uma tentativa dos pensadores religiosos antigos de alçar os seres humanos a uma categoria superior a das demais espécies conhecidas, embora todas elas tenham algo em comum com o Criador; isto é, a capacidade de gerarem outras vidas como aquela que receberam Dele. 
                                                     Ocorre, no entanto, que, recentemente, em razão dos contatos de primeiro, segundo e terceiro graus (muitos deles documentados com fotos e filmes), realizados com seres de outros mundos ou de outras dimensões, verificou-se que a imagem de algumas destas espécies (muito mais desenvolvidas cientifica e socialmente do que a nossa), embora antropomórfica, é bastante diferente de nós, humanos. Certamente, tais seres viverão vidas mais longas e estarão menos sujeitos a enfermidades e doenças do que nós, em razão do estágio tecnológico que já alcançaram. Espiritualmente, por serem mais avançados do que nós cientificamente (milhares ou milhões de anos, segundo ufólogos), também deverão ser mais avançados filosoficamente, pois Ciência e Filosofia costumam caminhar juntas. A semelhança deles com o Criador, neste caso, seria bem maior do que a nossa. 
                                                                     Quando estávamos sós no Universo podíamos nos gabar, alegando, falsamente, sermos a imagem e a semelhança do Criador; mas, agora, quando vemos outras espécies diferentes da nossa, mais evoluídas e que nos visitam com certa frequência, constatamos que a afirmação que fazíamos não passava de vanglória de seres ínfimos, habitantes de um planeta ínfimo, perdido na imensa vastidão do Universo.


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Conto de ficção.