quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018



173. Fechado para Balanço**


Jober Rocha*



                            Lembro-me dos tempos de menino, lá pela década de 1950, quando costumava ver na frente de estabelecimentos comerciais com as portas cerradas, uma pequena placa com os dizeres: Fechado para Balanço.
                                     A atividade de fazer o balanço comercial das empresas era tão importante, além de obrigatória, que exigia a presença de um Contador no local do negócio, que a tudo via e anotava, inclusive, avaliando o estoque de mercadorias e os livros fiscais. O estabelecimento permanecia fechado por um ou dois dias, para, ao final, qual Fenix renascida, abrir de novo as suas portas e dar início a mais um ciclo de atividades produtivas. Aqueles dias de portas fechadas ao público, em minha reduzida compreensão infantil, era a demonstração verdadeira de que, por detrás delas, tinha início uma faxina física e moral daquele negócio, onde se procurava corrigir os erros culposos e dolosos do empresário, contando, para tal, com a ajuda de um honesto e competente Contador.
                                            Estabelecendo uma analogia, acho que países e Estados também poderiam e deveriam passar por processo semelhante, em que fechariam para balanço, notadamente quando foram mal administrados, dolosa e culposamente, como mencionado, por sucessivos administradores eleitos pelo povo, dilapidados por gerações de políticos corruptos e, finalmente, praticamente falidos (como estão, na atualidade, alguns Estados Brasileiros) sem conseguirem pagar em dia seus servidores e sem recursos para o custeio das atividades da máquina pública.
                                            Só que no caso dos países e Estados, ao lado dos contadores, deveriam estar presentes, também, delegados e agentes policiais, promotores públicos e, até mesmo, juízes.
                                             A máquina pública ficaria desta forma alguns dias sem operar; mas, poderia sair dali renascida, talvez até sob o comando de um interventor honesto e competente, que colocasse o país ou aquele Estado de volta ao rumo certo.
                                            Todo brasileiro que já passou da casa dos cinqüenta anos, que já sofreu com a burocracia que nos assola em todos os setores, que já penou sob os efeitos dos mais esdrúxulos e incompetentes planos econômicos, que teve confiscada a poupança de toda uma vida, que é lesado diariamente por empresários privados e por agentes públicos que agem de má fé (aqueles roubando no peso, na quantidade, na adulteração, na falsificação; e estes roubando através da extorsão, da cobrança de propinas, da concussão, etc.), sob o olhar complacente das autoridades, há de convir comigo que já está na hora de fecharmos para balanço.
                                         Como diz o ditado popular: “Pau que nasce torto não tem jeito, morre torto.” Seria, portanto, o caso de jogar este pau fora e arranjar um novo, que não fosse torto e sim reto.
                                               Isso é o que nos falta: jogar fora um passado de políticos venais e aproveitadores, cujo único objetivo na política sempre foi o de enriquecer a si próprio e à sua quadrilha. Precisamos de novos administradores, honestos, não comprometidos com os figurões do passado, que, mediante acordos espúrios e velados, entre políticos e partidos, sempre elegeram seus sucessores, em um processo viciado e eterno.
                                            Sucessivos anos de má administração e dilapidação de recursos públicos (como se fôssemos um país rico do Primeiro Mundo); de mordomias inaceitáveis nos três poderes da república, frente a uma população pobre e carente como a nossa; de verdadeiros crimes de lesa-pátria cometidos contra a União, contra os Estados e contra os Municípios, por políticos venais ou comprometidos com ideologias frontalmente antidemocráticas; conduziu o país a uma monumental crise econômica e financeira, política, militar e psicossocial, na qual o orçamento federal carece de cerca de duzentos bilhões de reais para fechar e a previdência, segundo apregoam, está falida e, em breve, deixará de honrar o pagamento dos aposentados.                                                                    Nas ruas das cidades os criminosos agem impunes e uma guerra civil se anuncia. Nas cadeias e presídios, dominados por facções criminosas, os chefes destas ditam as ordens para seus bandos, em liberdade e agindo nas periferias.
                                                  Leis mal feitas, talvez de forma proposital, permitem dezenas de interpretações e de subterfúgios para deixar impunes criminosos contumazes. A leniência com os crimes cometidos por políticos e autoridades (que hoje não nomeiam mais como crimes e sim como “mal feitos” ou “erros”), é grande e muitos deles, mesmo condenados, continuam soltos, exercendo suas atividades políticas e recebendo seus salários.
                                                  A maioria da população, honesta, ao se ocupar com seus afazeres diários para sobreviver, não possui tempo nem recursos para se instruir sobre Política Nacional e Internacional, Ciência, Filosofia, Ideologias, etc. A grande maioria, infelizmente, nada lê e nada sabe sobre tais assuntos, sendo presa fácil de políticos demagogos e da Mídia comprometida e venal.
                                                  Aqueles brasileiros de idade mais avançada, certamente, já tiveram a percepção de como as coisas são aqui tratadas. Em qualquer pendência ou situação de crise, interna ou externa, procura-se sempre a conciliação e a solução das desavenças sem a realização de conflitos ou com suas soluções de forma pacífica.
                                                           A nossa própria constituição federal de 1988, em seu Art. 4º, diz: “A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: 

IV - não-intervenção;
VII - solução pacífica dos conflitos;

                                                     Isto pode parecer um mérito da nossa gente, mas, na minha modesta maneira de ver a questão, demonstra um povo fraco e submisso. Digo isso por que a doutrina de defesa dos USA, por exemplo, menciona que aquele país defenderá os interesses dos cidadãos norte- americanos em qualquer lugar do mundo. 
                                                 Como podemos ver, as nossas e as deles tratam-se de visões completamente diferentes sobre questões de segurança e de política externa.  Nosso povo é, mundialmente, reconhecido por algumas de suas características: alegre, paciente, dócil, pacífico, crédulo, religioso, inocente, despolitizado, imitador, desorganizado, conciliador, pouco afeto ao trabalho e medroso. 
                                                    Nossa História, antiga e contemporânea, está cheia de exemplos quanto a isto. Embora algumas destas mencionadas sejam características muitas vezes desejáveis individualmente, adotadas coletivamente elas indicam um povo fraco e submisso, conforme já dito anteriormente.
                                                 Tendo chegado ao fundo do poço, talvez seja esta a ocasião para o povo brasileiro fazer uma “parada para balanço”, quando se revisaria de forma crítica o nosso passado e o presente. Só assim, poderíamos pensar em ter um futuro.
                                                  Os indivíduos, enquanto cidadãos, consumidores, fiéis, eleitores, contribuintes, correntistas, telespectadores, leitores, etc., possuem uma monumental força, insuspeitada por eles mesmos. Se conscientes e unidos, podem ‘quebrar’ empresas (não consumindo seus produtos ou serviços), podem fechar igrejas (não frequentando seus templos), podem sanear o legislativo do país (não votando em políticos reconhecidamente corruptos ou que não tenham ficha limpa) e podem pressionar o governo a se moralizar (mediante passeatas, greves, boicotes, etc.). Só não o fazem por serem desunidos, mal informados, acomodados, influenciáveis e ingênuos. A única maneira de mudar o mundo é começando por mudar a nós mesmos. 
                                                  Reconheço que somos apenas uma gota no vasto oceano dos seres dominados, mas o mar se move na direção para onde as gotas se dirigem e não o contrário. O mesmo se passa com os bandos de pássaros, com os cardumes, com os rebanhos e com as populações. São os seus componentes que os movimentam. 
                                               Se nós, seres humanos, nos tornarmos conscientes de como as coisas se passaram até agora, poderemos modificá-las no futuro. Como bem disse o médium Chico Xavier (cuja frase é citada, erroneamente, como sendo de autoria de Rui Barbosa): “- Embora não possamos voltar atrás e fazer um novo começo, podemos sempre começar de novo e fazer um novo fim”. 
                                           Nossas escolhas erradas, com respeito àqueles que até agora conduziram o Poder Legislativo do país, têm sido a principal causa do nosso atraso econômico e social e das crises pelas quais passamos. A nossa alienação quanto a questões geopolíticas e econômicas, bem como a nossa inocência e pouca cultura quanto a questões de ordem ideológica, política, religiosa e filosófica, estão por detrás de todos os males que nos afligem, compondo um triste e letal pano de fundo de nossas idiossincrasias.


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Crônica



2 comentários:

  1. Seria bom fechar tudo para balanço. Abraços, Mello

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  2. Concordo plenamente. Fechar o país, em âmbito federal, estadual e municipal, para balanço. É hora de começar de novo e fazer um novo fim.
    Abs

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