168. Sobre o excesso de assuntos**
Jober Rocha*
Muitos leitores ficarão sem entender a razão deste titulo, logo em seguida ao título anterior. A explicação é simples. Estas duas ocorrências, o excesso e a escassez, são os piores episódios na vida de qualquer escritor (como também na vida de muitas mulheres de antigamente, conforme anunciava a propaganda, nas rádios de todo o país, do famoso Regulador Xavier - remédio para cólicas menstruais - do qual talvez só se lembrem aqueles leitores meus contemporâneos do tempo de menino. Existiam dois frascos do remédio para cólicas: o Número 1, para o excesso, e o Número 2, para a escassez.
Estes dois são, portanto, problemas com que frequentemente se deparam os profissionais da escrita. Algumas vezes encontram-se totalmente sem assuntos para escrever e outras se deparam com o excesso deles.
Ocorre que, ao contrário do que muitos imaginam, o excesso de temas é tão ruim quanto a sua escassez. A explicação é a mesma que faz com que caia o preço do tomate, quando todos os produtores rurais resolvem plantar este produto, em razão do seu elevado preço nos mercados. Todos os agricultores, tendo a mesma ideia, ao plantarem tomate provocam, logo em seguida, a superprodução do mesmo e o preço, antes elevado, cai em todos os mercados, às vezes a valores ínfimos, pelo excesso de oferta.
Com muitos assuntos na pauta do dia, todos aqueles que se dedicam à tarefa de escrever (jornalistas, escritores, articulistas, filósofos, comentaristas, blogueiros, etc.) falam diariamente sobre os mesmos temas, que, em breve, acabam por cansar os leitores, em virtude da repetição do mesmo assunto contado, quase sempre, da mesma forma ou com poucas variações. Quem leu um texto, praticamente, leu todos os demais como se costuma dizer.
Outra dúvida é aquela sobre a escolha do assunto a escrever, quando existem diversos temas atuais (políticos, sociais, econômicos, militares, etc.) que mobilizam a atenção dos indivíduos.
Por outro lado, o escritor deve ter uma ideia bem clara daquilo que deseja expor, antes de começar a digitar. Muitas vezes, novas idéias ocorrem durante o desenrolar do seu trabalho e ele tem que se policiar para não sair do foco e divagar sobre vários outros assuntos, como costuma ocorrer com alguns conferencistas e palestrantes que acabam se perdendo durante suas explanações.
Os leitores de determinados escritores, por sua vez, os seguem, justamente, em razão dos assuntos que abordam. Se eles começarem a mudar de temas com muita frequência, vários de seus leitores poderão deixar de acompanhá-los.
Em compensação inúmeros outros leitores gostam quando os escritores que seguem, escrevem em suas novas obras sobre temas diametralmente opostos daqueles abordados nas anteriores. Este também é um dilema de todo escritor: especializar-se em determinado tema ou partir para a chamada “clinica geral”?
Ademais, o escritor deve escrever apenas sobre temas atuais, que influenciam a vida diária das pessoas, ou escrever sobre o passado ou o futuro?
Dedicar-se aos contos, às crônicas, aos romances, às novelas ou aos ensaios?
Muitas vezes o escritor faz de tudo um pouco, pois necessita colocar para fora de sua mente tudo aquilo que, constantemente, a ela está chegando e que necessita de um canal de escoamento para continuar fluindo.
Outras preocupações de menor monta podem ser ainda consideradas, como, por exemplo:
Como chegar aos leitores? Como fazer com que percam os seus escassos e preciosos tempos destinados à leitura, a escolherem um texto seu, que, com toda certeza, se tratará de apenas mais um, dentre tantos outros disponíveis, no vasto mundo da Literatura?
Como editar, registrar e distribuir suas obras, quando impressas, em um país como o nosso em que qualquer obra literária é cara, quando comparada à padrões internacionais, e o governo, paradoxalmente, ao mesmo tempo em que se apropria de parte substancial do trabalho de todos, cria barreiras burocráticas a tudo aquilo que é produzido internamente?
Como motivar a população a ler mais obras de autores nacionais; posto que, somos um país onde se lê muito pouco e apenas os chamados ‘Best Sellers’ de autores estrangeiros e de uns poucos escritores nacionais apadrinhados pela indústria editorial?
Muitas vezes, o escritor, ainda. necessita se preocupar com aquilo que diz, dependendo da Mídia de que se utiliza, em razão da censura, do chamado comportamento politicamente correto e das eventuais ações cíveis e criminais movidas por leitores que possam se sentir melindrados, ofendidos ou injuriados com alguma passagem da obra. Vejam que os livros, na atualidade, costumam destacar, logo no início, quando se tratam de obras de ficção, que qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas e com fatos reais ocorridos é uma mera coincidência.
Assim, meus caros amigos, quando lemos algum texto que nos agrada, não imaginamos o quanto de ‘suor e lágrimas’ pode haver por detrás daquela obra; muitas vezes, escrita durante noites de insônia ou em períodos de enfermidade do autor; outras vezes, redigida em ocasiões de dificuldades financeiras ou em períodos de crises afetivas ou familiares.
O bom escritor de Literatura (como o bom ator que, embora sofrendo por algum motivo, não contamina o personagem que representa deixando transparecer, para o público, a dor que passa em seu próprio íntimo), deve escrever de forma isenta, sem tomar partido de seus personagens; porém, sofrendo com eles as suas vicissitudes e alegrando-se com as suas vitórias, sem deixar que os leitores percebam qualquer eventual problema particular que ele vivencie, até mesmo quando o seu maior problema consista em superar a falta ou dominar o excesso de assuntos, enquanto trabalha para a conclusão da sua obra.
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
_**/ Crônica
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