170. Os Protocolos dos Sábios do Brasil**
Jober Rocha*
Uma entidade esotérica, de abrangência mundial e com atuação histórica destacada em nosso país, preocupada com a situação de degradação econômica, militar, psicossocial e política do Brasil, resolveu formar um conselho de sábios (segundo os dicionários, um grupo de pessoas apontado ou eleito como corpo consultivo e/ou deliberativo e/ou administrativo, seja de atividades públicas, seja de atividades privadas) constituído apenas por brasileiros, para que sugerissem, à mencionada entidade, as ações necessárias (a serem incentivadas de forma velada, mediante a influência que a entidade podia exercer, na vida pública e privada, através da ação de seus membros, patriotas dedicados e homens honestos), objetivando consertar tudo aquilo que existe de errado por aqui e que, de maneira inexorável, está conduzindo o nosso país ladeira abaixo no Concerto das Nações, visto que, na atualidade, já somos considerados como um dos países mundialmente mais fracos em termos de educação, saúde, saneamento, segurança pública, transporte público, etc.
O conselho, formado por pessoas externas à organização e consideradas de notório saber, após seis meses de deliberações, deveria produzir um documento final que contivesse todas as diretrizes necessárias ao alcance do objetivo proposto.
O documento em apreço (após muita discussão anterior acerca do seu título), em sessão onde, finalmente, houve unânime consenso, teria o pomposo nome de "Os Protocolos dos Sábios do Brasil", em alusão a um documento similar muito mais antigo. O texto encomendado ao conselho de sábios, embora para ser utilizado pela direção da organização, também poderia subsidiar a ação de políticos, de executivos e de empresários que, eventualmente, pertencessem àquela entidade esotérica.
Tendo escolhido o título do documento que produziriam, os sábios passaram, então, a discutir por qual dos setores, dos quatro mencionados anteriormente, dariam inicio, primeiramente, às suas análises.
Escolheram o setor político, por ser aquele que mais influência vinha exercendo sobre a degradação dos demais e por ser, também, o que mais males estava causando à nação, de uma maneira geral.
O segundo setor a ser abordado foi o econômico, desestruturado que estava em razão de episódios generalizados de corrupção, superfaturamento de obras, desvio de recursos públicos, políticas equivocadas, má gestão de empresas públicas, etc.
A seguir preocuparam-se com o setor psicossocial, no qual, em razão da falência do sistema de segurança pública e de carências sociais imensas, o país estava a um passo da guerra civil, com o rompimento do Contrato Social e o risco de convulsões sociais graves.
Finalmente dedicaram-se a análise do setor militar, enfraquecido este por sucessivos governos, que nele viam possível inimigo às suas sanhas avassaladoras pelo desvio de recursos públicos.
O documento final (ao qual eu tive acesso em razão de um primo distante, do cunhado da minha finada tia, pertencer à entidade esotérica patrocinadora dos referidos protocolos e me haver cedido cópia do mesmo, sob o compromisso de não divulgá-lo jamais), foi por mim bastante sintetizado. Todavia, resolvi divulgá-lo de forma resumida, em que pese promessa feita a ele, porque julguei mais importante alertar os meus fiéis leitores para a grave crise que vivemos e para as propostas de solução dos sábios brasileiros, do que padecer para sempre no fogo do inferno por violar juramento feito. Em resumo, os protocolos tratavam do seguinte:
Resumo dos Protocolos dos Sábios do Brasil
"Em virtude da atual fragilidade de todos os poderes brasileiros, nosso poder de homens de bem será mais duradouro do que qualquer outro, porque será invencível no momento em que estiver tão enraizado que nenhuma astúcia maligna o poderá destruir...
Temos diante de nós um plano, no qual está exposta estrategicamente a linha de que não podemos nos afastar, sem correr o risco de ver destruído o trabalho de muitos meses.
Nosso futuro presidente, nossos futuros governadores, nossos futuros prefeitos, nossos futuros senadores, nossos futuros deputados e nossos futuros vereadores deverão ser de exemplar inatacabilidade e possuir, todos eles, fichas limpas na justiça, para que possamos alcançar os nossos objetivos nacionais aqui propostos, que objetivam colocar o país no rumo certo; rumo este que havia sido perdido em decorrência da má gestão de sucessivos governos anteriores.
Após meses de intensas discussões chegamos às seguintes proposições (de caráter geral e que visam colocar o país no rumo que havia perdido, conforme mencionado, em decorrência de má administração e do desvio de recursos públicos em grande escala), que passamos a destacar:
I. Para o Setor Político
É consenso generalizado entre nós sábios, que a função política não é um emprego, mas uma colaboração cidadã ao Município, Estado e ao País; da mesma forma como assim pensam os cidadãos da maioria dos países desenvolvidos. Em virtude deste fato, qualquer candidato eleito não deverá ter um salário correspondente a sua função política, nem se aposentar nesta função.
As despesas, exclusivamente necessárias ao desempenho de suas funções, serão cobertas pelo governo, que, todavia, manterá o seu salário de origem (quando o político estiver empregado antes de se eleger), a título de indenização, pelo prazo de duração do mandato, proibida a reeleição. Este salário indenizatório não poderá ultrapassar o valor de dez salários mínimos, mesmo que o eleito ganhe quantia mais elevada na vida privada, pois consideramos a política como uma vocação e não como um meio de vida.
Sua aposentadoria será feita através da Previdência Social. Do salário que receber mensalmente do Estado, como indenização, enquanto permanecer no mandato, ele custeará as suas despesas pessoais e as de seus familiares (moradia, transporte, alimentação e educação).
Em caso de enfermidades usará o Sistema Único de Saúde, caso não disponha de plano de saúde privado. Em síntese, o político eleito deverá ser tratado como qualquer cidadão brasileiro, sem nenhuma exclusividade ou privilégio pelo fato de representá-los, o que, estamos certos, ele faz por vocação e não por querer vantagens indevidas ou qualquer tipo de enriquecimento.
Será vedado a qualquer político eleito ocupar cargo executivo em ministérios, secretarias, governos estaduais, etc. Caso queira, deverá renunciar ao cargo para o qual foi eleito.
II. Para o Setor Econômico (Público e Privado)
Os juros bancários não poderão ser superiores a taxa de 2,0%, como aquelas que são praticadas na maioria dos países desenvolvidos.
Deverá haver a substituição de todos os tributos por apenas um, sobre movimentação financeira, cobrado sobre cada parte de uma transação bancária, isto é, sobre o débito e sobre o crédito.
A abertura e o fechamento de firmas comerciais e de serviços; as contratações e as demissões de empregados; as importações e exportações de mercadorias; as concorrências públicas e as compras do Estado; deverão ser totalmente desburocratizadas.
No entanto, descoberta alguma fraude ou falsidade ideológica, a punição para o fato deverá ser implacável, com a prisão dos responsáveis por prazo bem longo, de modo a desestimular tais iniciativas.
Empresas grandes e médias empregadoras de mão de obra, tanto nas cidades quanto no campo, deverão contar com incentivos governamentais de várias ordens.
O governo elaborará planos estratégicos setoriais, de curto, médio e longo prazo, que extrapolarão governos e que deverão ser seguidos à risca por todos eles, sob pena de prevaricação dos responsáveis.
Todas as operações de financiamento, concedidas pelo Estado ou por Empresas Públicas de caráter financeiro, deverão ser lastreadas em garantias reais e não mais em outros tipos de garantias de difícil ou impossível realização no caso de inadimplência.
Má gestão de empresa pública ou gestão temerária, que envolva episódios comprovados de corrupção ou de desvio de recursos, deverão ser enquadradas como crimes hediondos e, consequentemente, inafiançáveis.
A administração pública federal não poderá ultrapassar o número máximo de quinze ministérios e o total de servidores ministeriais não poderá ultrapassar o efetivo de 350 mil, já incluídos os cargos comissionados. Os Estados da Federação e os Municípios deverão fazer um corte de pessoal da ordem de vinte por cento, acabando com as funções comissionadas e gratificadas, até que passem a vigorar superávits anuais sucessivos em suas finanças.
Os governos municipais, estaduais e federais não poderão gastar mais do que arrecadam (lei a este respeito já existe, mas não é cumprida). Os responsáveis, caso isto ocorra, deverão responder por crimes hediondos e inafiançáveis.
Os preços dos produtos da cesta básica não poderão sofrer elevações que ultrapassem a inflação do período compreendido desde a data do último aumento.
III. Para o Setor Psicossocial
Todo indivíduo que for encontrado portando ostensivamente fuzil de guerra ou arma de uso restrito, sem ser membro das forças policiais ou militares (salvo os casos de colecionadores, caçadores e atiradores, devidamente legalizados e registrados nos órgãos competentes), deverá ser automaticamente abatido pela autoridade policial ou militar que constatar o fato.
Toda ação de saque a estabelecimento comercial será reprimida a bala pelas forças policiais. Todo indivíduo preso, a critério da autoridade que efetuou a prisão, deverá ser conduzido algemado até a autoridade judiciária. A corrupção e o desvio de recursos públicos serão considerados crimes hediondos e punidos como tal.
Qualquer pessoa que assassinar um policial ou um militar no exercício de suas funções, será condenada à prisão perpétua ou à pena capital, que deverão ser implantadas o mais rápido possível no país, em virtude da situação de convulsão social já existente em diversos Estados da Federação, com a morte diária de policiais assassinados por marginais.
IV. Para o Setor Militar
Considerando a nossa estratégia militar de defesa, segundo a qual nos guiamos pelos princípios constitucionais da não intervenção, da defesa da paz, da solução pacífica dos conflitos e da democracia; bem como, em razão da escassez atual de recursos, da extensão do nosso território (rico em bio diversidade e em minerais estratégicos) e das nossas extensas costas marítimas (ricas em petróleo), ambos objetos da cobiça internacional, propomos que as nossas forças armadas priorizem as seguintes atividades:
Marinha de Guerra – Aquisição de submarinos convencionais e movidos a propulsão nuclear, em número suficiente para guarnecer e defender o nosso litoral marítimo. Aquisição e desenvolvimento de satélites espaciais que monitorem todo o litoral marítimo do país, até o limite de nosso mar territorial. Desenvolvimento de alternativas nacionais aos sistemas de localização e de posicionamento, dos quais o país e as suas forças armadas dependem. Manutenção de uma Guarda Costeira, composta por embarcações velozes e bem armadas, objetivando reprimir o contrabando, a pirataria, o tráfico de drogas e a entrada de imigrantes clandestinos. O Corpo de Fuzileiros Navais deverá estar presente com maior intensidade na região da foz do Rio Amazonas e nas grandes bacias fluviais do Amazonas e do Paraguai-Paraná.
Exército Brasileiro - Aquisição e desenvolvimento de baterias de mísseis de curto alcance (até 1.000 km), de médio alcance (de 1.000 a 2.500 km) e de alcance intermediário (2.500 a 3.500 km), a serem instaladas em toda a costa brasileira. Fabricação de veículos lançadores de satélites e dos respectivos satélites de baixa e de alta altitude, sobretudo de satélites geoestacionários de múltiplos usos. Manter e expandir o serviço militar obrigatório, selecionando-se os jovens conscritos segundo os critérios de: vigor físico, aptidão manual e capacidade intelectual. Deverá ser considerado, ademais, o fato de que todas as classes sociais precisam estar representadas na força. Aumentar a defesa da região amazônica e de suas fronteiras, encarada, na atual fase por que passa o país, como o foco de concentração das diretrizes de monitoramento e mobilidade da força, fortalecendo-se os quartéis e organizações militares da região.
Força Aérea Brasileira – A prioridade deve ser a da vigilância aérea do território nacional e do mar territorial. A Força Aérea deverá possuir plataformas e sistemas próprios para monitorar, para combater e transportar pessoal e equipamentos, notadamente na região amazônica. Deverá ser incentivada a produção de veículos lançadores de satélites, de aviões de inteligência e dos respectivos aparatos de visualização e de comunicações, que estejam sob integral domínio nacional.
Considerações finais dos Protocolos
Estas medidas propostas, de caráter geral, visam proteger o país, interna e externamente, e trazê-lo de volta ao rumo certo, devendo ser seguidas pelos novos mandatários a serem eleitos em futuro próximo. Embora estas propostas tenham sido a nós encomendadas por uma sociedade esotérica, para seus fins particulares, somos de parecer que deveriam ser intensamente divulgadas para os eleitores brasileiros, alertando-os para as nossas prioridades e para que elegessem políticos com elas compromissados.
Reconhecemos que somente através de uma liderança honesta, carismática e desinteressada das coisas materiais, conseguiríamos vencer os anos de má gestão e de apropriação particular indevida dos recursos públicos, que temos vivido nas mãos de governantes inescrupulosos e incompetentes.
Não existem palavras para definir como este libertador do país, da miséria, da dependência, do subdesenvolvimento material de sua sociedade, e mental de sua gente, seria ovacionado pelas gerações vindouras, cujos pais e avós sofreram, e têm sofrido, sob o governo de políticos como estes mencionados. Quem se negaria a abrir as portas ao libertador? Quem se recusaria a obedecê-lo? Que brasileiro deixaria de brindar-lhe a sua lealdade e a sua admiração?
Muitos políticos no passado, como falsos messias, já se arvoraram em libertadores da pátria e em redentores da pobreza no nosso país; mas os inquéritos policiais em curso demonstraram que, através da fraude em concorrências, do simples desvio de recursos públicos e da concussão, apenas conseguiram libertar as suas próprias famílias da pobreza em que jaziam secularmente.
Urge, pois, procurar com uma lanterna, como fazia o filósofo grego Diógenes, este honesto salvador da pátria; já que, como disse Petrarca em seus versos (que adaptamos para o Brasil):
Vertù contra furore
(O valor tomará armas contra o furor)
Prenderà l’arme, e fia combatter corto
(Que a luta se espraie bem depressa)
Chè l’antiquo valore
(Pois a coragem antiga)
Ne brasiliano cor non é ancor morto
(Ainda não morreu no coração dos brasileiros)"
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
_**/ Conto de humor (ficção)
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