quinta-feira, 7 de dezembro de 2017


152. Como sempre, o nosso povo é quem dita às regras**



Jober Rocha*




              Durante muito tempo, junto com alguns outros brasileiros que pensavam da mesma forma, eu acreditei que as elites nacionais conduziam o povo, moral e ideologicamente, para caminhos que só a elas interessavam.
              Sob este meu julgamento o povo se constituiria em um rebanho sendo, diariamente, pastoreado por suas elites políticas, econômicas, militares e religiosas, que o conduziriam a decisões e comportamentos que favorecessem, exclusivamente, aos interesses destas elites.
                  Passados muitos anos de observação do cenário nacional pude rever a minha antiga posição: o nosso povo é tal qual a nossa elite; isto é, oriundo das mesmas matrizes genéticas e possuidores dos mesmos condicionantes históricos e das mesmas idiossincrasias raciais, culturais e religiosas. 
           Constatei que rebanho e pastores se confundem, sendo que muitos pastores já fizeram anteriormente parte do rebanho, do qual saíram por ingerência das parcas (oriundas da mitologia romana) ou das moiras (oriundas da mitologia grega), as fiandeiras que teciam os fios da vida, isto é, os destinos de todos os seres humanos.
         A razão desta digressão é simples: começou com a minha constatação de que grande parte do povo brasileiro, passado os primeiros momentos da Operação Lava a Jato, hoje contesta e vaia o heroico juiz Sérgio Moro, peça chave (junto com alguns promotores de justiça e delegados da Polícia Federal) no desmonte de uma das maiores quadrilhas de fraudadores de concorrências públicas brasileiras e de desvio de recursos dos governos federal, estadual e municipal, envolvendo políticos, empresários e membros do Poder Executivo. Muitos julgam que nunca ocorreu, no mundo, desvio de dinheiro público de tamanha magnitude.
                  Os argumentos usados pelos acusados, por seus advogados e por grande parcela do nosso povo (contaminada por muitos anos de doutrinação político-partidária e ideológica), nestas contestações, são os mais variados possíveis: o juiz Sérgio Moro serve aos interesses norte-americanos, que desejam atrasar o nosso crescimento e a nossa expansão pela América; não existem provas, apenas simples indícios e relatos de delatores vingativos; o país não pode parar por causa dos empresários corruptos presos, e as suas empresas devem continuar operando com novos dirigentes (mesmo que sigam continuando a fazer uso dos mesmos esquemas licitatórios fraudados) e prestando novos serviços para os governos. O que importaria seriam os empregos e a renda gerados e não a moralidade dos processos licitatórios. De uma maneira geral, infelizmente, é assim que grande parte da população ainda pensa; notadamente aqueles que tiveram sua renda aumentada através dos programas demagógicos implantados, enquanto políticos e membros do governo desviavam recursos públicos para suas contas no exterior.
                   Grande parte da nossa gente que, de uma maneira geral, é crítica com relação ao procedimento dos envolvidos nestes casos mencionados, não o faz porque preze a moralidade e os bons costumes; mas, certamente, por que sente inveja daqueles que enriqueceram de forma ilícita. A grande maioria dos críticos, caso se encontrasse na mesma condição dos envolvidos, teria feito a mesmíssima coisa que eles fizeram e que o eufemismo hipócrita do politicamente correto nomeia de malfeitos e não de crimes. Somos muito condescendentes com o erro alheio, talvez, por que, em razão de condições históricas, genéticas e culturais, estejamos quase sempre errando também ou nos deixando ‘cair em tentação’, como uma oração conhecida roga a Deus que nos impeça.
                 Um pensamento comum que ocorre a muitos brasileiros, mormente entre àqueles que trabalham para governos, é: - Se eu não aproveitar a chance de enriquecer nesta função em que me encontro, algum outro o fará no meu lugar.
                  Desta forma justificam-se todos, perante si mesmos e as suas consciências, dos desvios de conduta que praticam diariamente.
               A grande maioria dos eleitores dos últimos governos envolvidos em episódios de corrupção, não reconhece culpa em seus políticos eleitos, mesmo que apresentadas provas concretas de seus crimes, com o argumento de que desviar recursos do governo para os partidos políticos não é crime.
                O juiz Sergio Moro, que tem sido premiado por diversos organismos internacionais em razão de sua atuação na Operação Lava a Jato, recentemente, tem sido vaiado pelos empregados de algumas empresas estatais e de órgãos públicos brasileiros, que ele ajudou a preservar apurando desvios e condenando seus ex-dirigentes. As vaias, eu posso imaginar, demonstrariam que os empregados daquelas empresas estavam satisfeitos com os rumos que elas seguiam e a intervenção do juiz veio prejudicar alguns dos seus interesses.
                  Como alguém já disse, nossos políticos são espelhos da nossa sociedade. Políticos venais e corruptos são sintomas de uma sociedade venal e corrupta, que vende seus votos por dinheiro, cargos, empregos, interesses diversos, amizades ou, até mesmo, por pura ignorância e alheamento.
                A frouxa aplicação das leis, embora combatida por alguns patriotas mais esclarecidos, a todos interessa, desde aos grandes até aos pequenos. Todos querem se safar das garras da lei, cada um usando de seus artifícios disponíveis. Os que possuem altos cargos usam de suas carteiras e de seus relacionamentos para se livrarem das malhas da justiça. Os que não possuem, usam do dinheiro para subornar a autoridade que os coage.
               A excessiva burocracia vigente no país, com certeza, já é institucionalizada não com o objetivo de evitar fraudes, mas, sim, de criar barreiras para dificultar os procedimentos individuais dos usuários, barreiras estas que são facilmente rompidas através da contratação de qualquer um dos inúmeros escritórios, espalhados pelo território nacional, especializados em resolver estas dificuldades.   
               Alguns chamam a isto de Custo Brasil, que envolveria, ademais, a falta de treinamento generalizada para qualquer que seja a função, a preguiça, o descaso, a falta de infra-estrutura, de logística, a falta de normatização seja lá para o que for (obrigando a que na hora em que o problema ocorre é que se pense em como fazer para solucioná-lo), a corrupção endêmica, etc. etc. etc.
                   Em razão do exposto, podemos concluir que não mudaremos o nosso país simplesmente com a realização das próximas eleições no ano seguinte. Qualquer que seja o novo partido político que venha a se instalar no poder, as coisas em nosso país continuarão como sempre foram: excessiva burocracia, corrupção nos três poderes, deficiências infra-estruturais crônicas. Evidentemente, a economia e a política poderão pender para a direita ou para a esquerda e os grupos beneficiados poderão se alterar, dependendo da ideologia que vier a prevalecer. 
                 Entretanto, não esperemos nenhuma mudança significativa no próximo governo, moralmente falando, enquanto continuarmos sendo, como povo, tolerantes com os erros e com as violações das leis.
                 Talvez em razão de sermos um povo colonizado pelo europeu, no qual prevaleceu, desde o início da nossa colonização, a religião cristã (que prega a tolerância, o perdão e que afirma não devermos julgar para não sermos julgados), temos sido excessivamente permissivos e condescendentes com os erros, as faltas e a violação das leis; embora tenhamos algumas leis, em certos casos, bem severas. 
                 Muitos delinqüentes que aqui vivem em liberdade, embora com extensas folhas corridas, em outros países, mais sérios quanto à aplicação das leis, estariam em presídios cumprindo extensas penas, quando não presos perpetuamente ou condenados a morte. Aqui presos que mataram as mães são libertados no ‘Dia das Mães’ para passarem o feriado em casa. O mesmo ocorre com aqueles que mataram os filhos e que são soltos no ‘Dia das Crianças’. Soltam-se presos no Natal e na Páscoa. 
                 Os argumentos para tanto são vários: necessidade de re-socialização dos criminosos; celas superlotadas nos presídios; poucos recursos financeiros do Estado para alimentação dos detentos; etc. Muitos daqueles que saem beneficiados pela liberalidade da Justiça, não retornam aos presídios. Outros voltam a delinqüir durante a breve saída, inclusive cometendo crimes de morte.
                     Em minha opinião, para que o nosso país entrasse no rumo certo, definitivamente, e que a nossa população passasse a agir de maneira correta, como fazem aquelas de muitos países desenvolvidos, seria necessário, fundamentalmente, que a nossa justiça fosse inflexível. Que todas as leis fossem normatizadas, de forma a que os infratores soubessem, de antemão, o que os esperava e que não ficasse a critério dos juízes e demais autoridades envolvidas, interpretá-las segundo suas crenças, ideologias e interesses.  Que se construíssem inúmeros presídios de segurança máxima e que as leis fossem aplicadas com rigor extremo, sem que ninguém estivesse acima da lei ou que fosse beneficiado com algum tipo de foro especial para crimes de natureza comum, como ocorre na atualidade.
                 Alguns dirão que se corrige um povo pela educação. Concordo, mas de maneira paralela a da rigorosa aplicação das leis pela Justiça. Apenas a educação não é suficiente, quando a justiça é fraca, permissiva e demorada. Uma população da ordem de trezentos milhões de seres humanos ou mais (cada um com seus vícios, virtudes e idiossincrasias), não se conduz com tolerância e permissividade, no que diz respeito ao cumprimento das leis; pois, caso contrário, o Estado perderá o controle sobre seus cidadãos e sobre a ordem social.


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Ensaio


3 comentários:

  1. Não concordo com suas generalizações sobre os sentimentos brasileiros sobre Moro e suas lides . O burocratismo parece perene porque é realimentado pela desconfiança e a justiça é pouca porque cultivamos rituais processualísticos.
    Precisamos enfim é de mais educaçāo!

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  2. Concordo com o autor quando aponta uma tendência para se desvalorizar o trabalho do juiz Moro mas espero que não se torne maioria.
    Por último, embora concorde totalmente que precisamos de mais educação, considero que precisamos determinar como conviveremos com essas gerações perdidas até que alcancemos um nível satisfatório de educação e consciência política.

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  3. Jober, você expressou tudo que muitos gostariam de dizer, mas não tem a capacidade concisa e o talento político da sua magnitude. Nossa nação está condenada a continuar sofrendo de todos esses males apontados na sua análise, ainda por décadas ou séculos. A transformação só virá com o sofrimento profundo e inevitável do povo, cujo sacrifício terá que representar uma força incontrolável para desmontar todo esse sistema corrupto e, por fim, a capitulação através de acordos de paz e novas regras sociais.
    Alguns ainda são otimistas e mantem esperanças falsas.
    Eu já perdi todas.
    Que Deus nos proteja.
    Um forte abraço.
    Roberto Perez

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