domingo, 3 de dezembro de 2017


150. O Belo Mundo dos Sonhos



Jober Rocha*


                 Os escritores de literatura e seus leitores, evidentemente, vivem no mundo dos sonhos e da ficção, onde os valores que tradicionalmente nortearam a raça humana acabam, quase sempre, prevalecendo ao final; isto é, na literatura, tradicionalmente, amor prevalece sobre ódio, coragem sobre covardia, bem sobre mal. A virtude, em geral, prevalece sobre o vício.
                Como é bom se abstrair, durante horas, dias e até semanas, dos problemas que nos afligem cotidianamente trazendo sofrimentos, magoas, dores, preocupações e desavenças. Como é bom esquecer, por algum tempo, que estamos neste bairro, nesta cidade, neste Estado e neste país e mergulharmos em outras terras e em outras épocas; conhecermos outras pessoas que, muito embora possam ter também os seus problemas, vivem as suas vidas de maneira bem mais emocionante que a nossa (segundo todos nós, leitores, imaginamos).
                O dia a dia de um brasileiro, embora pudesse fornecer matéria para milhares de livros sobre os mais diversos assuntos, para aquele que o vive é, quase sempre, destituído de graça e constituído de muito trabalho e de muita privação. Aqui falta quase tudo, se não em quantidade ao menos em qualidade. Os transportes são deficientes, a segurança idem, a saúde também, a moradia mais ainda, a educação é cara e de baixo nível (poucos daqueles que freqüentaram até a universidade sabem escrever corretamente e de forma compreensível; o que pode ser comprovado com uma simples consulta às matérias veiculadas no Facebook). O próprio lazer é de baixa qualidade, intelectualmente falando.
             Muitos de nossos políticos, além do baixo nível ético e moral, demonstrado em suas aparições públicas sendo conduzidos à sede da Polícia Federal para prestar depoimentos (ou mesmo sendo presos), nada produzem de útil para a nação em que pese o muito que custam, em termos de salários e de mordomias (carros, casas, planos de saúde, diárias, passagens, verbas de gabinete, assessores parlamentares, etc. etc. etc.). 
               Tais políticos chegam a ter padrão de vida superior ao de muitos grandes empresários nacionais, que trabalham de forma dura para conduzir os seus negócios e poder honrar os compromissos com empregados, clientes e fornecedores, além de pagar os seus impostos, que sustentam estes parasitas já mencionados.
                 Embora nos contos e romances também existam personagens de má índole convivendo com os de boa índole, a trama, em geral, é tão bem traçada que, após dezenas de páginas, aqueles personagens maus, quase sempre, perdem para os bons e as virtudes prevalecem sobre os vícios; ao contrário da vida diária dos leitores e escritores, onde os bons, quase sempre, perdem para os maus e os vícios sobrepujam as virtudes. 
                A trama traçada pelo Criador, para a maioria dos personagens da epopeia humana, fica devendo, em muito, àquela dos escritores. Os livros do Criador que, de maneira especifica, tratam sobre os destinos de cada um dos seres humano, quase sempre, após descreverem muito sofrimento e poucas alegrias, terminam com um triste final. Qualquer leitor que os lesse acabaria com lágrimas nos olhos. Não seriam livros empolgantes e arrebatadores, embora existam algumas boas exceções para confirmar a regra.
                  Por isso recorremos tanto a Literatura, tentando penetrar no mundo dos sonhos e da ficção, únicos lugares onde poderemos encontrar aquilo que todos nós, leitores, ansiamos para as nossas pobres existências terrenas: justiça, amor, felicidade, paz, amizade, etc. A Literatura é a única fonte que poderá matar esta nossa sede interior. A própria fortuna, tão desejada, não possui este poder.
                    A Literatura de uma maneira mais ampla, de forma a abarcar também a Filosofia e a Ciência, possui, ademais, outra fonte que, juntando suas águas à ficção e ao sonho, aumenta o volume do manancial necessário para saciar essa nossa sede interior. Esta outra fonte chama-se conhecimento ou sabedoria.
                    Não acompanho o desempenho da indústria editorial no nosso país, mas acredito que em épocas como a que ora vivenciamos, a venda de livros (contos e romances) aumente. Todos desejam sair, mesmo que por pouco tempo, do ambiente conflituoso e desagradável em que, eventualmente, vivem; ainda que, no novo ambiente em que penetrem, venham encontrar as mesmas coisas que deixaram para trás. A única coisa que difere entre estes dois mundos (além do fato das virtudes, normalmente, prevalecerem ao final no mundo da ficção) é que basta fechar o livro para sair, definitivamente, daquele mundo dos sonhos e só conseguimos sair deste mundo real quando a vida se esvai.
               Pena que a referida indústria não conte com os mesmos incentivos, subsídios, isenções e facilidades com que contam as redes de televisão, as igrejas, os bancos, os clubes de futebol, os partidos políticos, etc. Pena que a mente tacanha, retrógrada e egoísta de uns poucos dirigentes e líderes espirituais implantem, por vezes e em épocas de obscurantismo, a censura literária às obras de escritores que destoam daquelas consideradas “política, ideológica e religiosamente corretas”.
                 Enfim, louvemos aqueles escritores que, da mesma forma como procede a indústria dos fármacos químicos de tarja preta, mantém, por algum tempo, os indivíduos afastados da realidade madrasta, levando-os, ainda que por um breve período, para o colo dos avós no belo mundo dos sonhos.  

_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

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