151. Versões Tupiniquins do ‘Maior Espetáculo da Terra’
Jober Rocha*
No ano de 1952, nas telas dos cinemas mundiais era exibida uma comédia dramática, dirigida por Cecil B. de Mille, denominada ‘O Maior Espetáculo da Terra’. Tratava-se da estória sobre a vida de um circo itinerante, chamado Ringling Brothers and Barnum & Bailey, que percorria pequenas cidades do interior dos Estados Unidos (com seus palhaços, domadores, trapezistas, mágicos, etc.) levando diversão às populações ávidas por espetáculos deslumbrantes, extraordinários e surpreendentes, que, de tão inusitados e jamais vistos, beiravam, muitas vezes à magia.
Fazendo um paralelo ao mencionado filme, no Brasil da atualidade, as seitas e religiões que por aqui disputam os corações e as mentes dos brasileiros, revezam-se na direção de espetáculos com os mesmos requintes e objetivos daqueles do famoso circo: deslumbrar, extasiar, amedrontar e extrair dinheiro dos frequentadores, ávidos pelo bizarro, pelo desconhecido e pelo inusitado. Poderíamos, também, chamar estes acontecimentos de ‘Versões Tupiniquins do Maior Espetáculo da Terra’; posto que são feitos em nome do Criador de todas as coisas, em especial deste pequeno planeta a que chamamos Terra.
Assim é que os sacerdotes nos altares, como Show Man’s nos palcos de teatros, promovem espetáculos que poderiam ser representados em qualquer circo ou casa de shows do país (rivalizando com as apresentações de experimentados artistas e prestidigitadores, como o conhecido Mister M) para plateias receptivas que, em sua maioria, participam de maneira ativa daquelas encenações.
Alguns sacerdotes, com um simples sinal das mãos, atiram longe fiéis e diáconos. Outros expulsam demônios dos corpos de adeptos que se contorcem pelo solo. Outros, ainda, conclamam os fiéis a comparecerem ao altar e entregarem ao sacerdote as chaves e documentos dos seus veículos, além de todo o dinheiro que carregam na carteira. Alguns vendem canetas esferográficas de plástico que custam apenas um real no comércio e que, depois de ungidas pelo sacerdote, passam a valer cem reais cada.
Um deles, que presenciei pela televisão, vendia frascos com o perfume de Jesus Cristo; outro comercializava vassouras de piaçava que, depois de ungidas, custavam mil reais cada uma. Um deles afirmava que, pagando mensalmente determinada quantia, os fiéis tinham o direito de exigir do Criador que atendesse aos seus pedidos de saúde, de riqueza e de felicidade no amor. Alguns vendiam livros; outros chaveiros que protegiam contra o mal; outros comercializavam óleos bentos milagrosos que protegiam o corpo contra qualquer agressão externa; outros vendiam frascos de água do Rio Jordão, na Palestina. Saquinhos com areias do deserto, pisadas por Jesus Cristo; pedaços de madeira da cruz do Calvário, na qual crucificaram Jesus.
Santinhos, imagens, relíquias de mártires, tudo era, e ainda é, comercializado por sacerdotes empresários, cujas metas de arrecadação necessitavam ser cumpridas para que eles continuassem a frente daqueles lucrativos empreendimentos.
Muitos levavam pessoas (que declaravam ter sido curadas das doenças mais diversas, inclusive de paralisia e de câncer), para prestar depoimentos de como as suas curas só ocorreram após terem contribuído financeiramente para as obras caridosas da igreja ou daquele templo.
Todos aqueles espetáculos eram seguidos de músicas, tocadas por conjuntos musicais que adaptavam letras de cunho religioso às músicas do momento. A maior parte daqueles espetáculos, no entanto, era preenchida com pedidos de dinheiro por parte dos sacerdotes.
Alguns deles eram mais sutis e faziam uso de metáforas, na defesa de seus argumentos para arrecadar dinheiro; outros eram mais vulgares e diretos. O público ouvinte, longe de se sentir ludibriado, parecia concordar com tudo aquilo dito pelos sacerdotes, demonstrando, assim, que suas mentes e seus corações já haviam sido capturados, definitivamente, pelos argumentos daquelas seitas ou daquelas religiões.
O mais estranho de tudo isso é que todas as seitas e religiões, tanto as sérias e bem intencionadas quanto as outras, contam com isenções, subsídios, facilidades e incentivos governamentais, da mesma forma como ocorre com os clubes de futebol, com as emissoras de televisão e com os partidos políticos. Porque seria? Deixo a resposta por conta dos leitores.
O mais estranho de tudo isso é que todas as seitas e religiões, tanto as sérias e bem intencionadas quanto as outras, contam com isenções, subsídios, facilidades e incentivos governamentais, da mesma forma como ocorre com os clubes de futebol, com as emissoras de televisão e com os partidos políticos. Porque seria? Deixo a resposta por conta dos leitores.
Recordo-me de haver lido, há tempos, em um jornal carioca, que determinado indivíduo, conhecido por praticar operações mediúnicas em pessoas enfermas, fazendo uso de tesouras e facas não esterilizadas, estava sendo processado nas justiças cível e criminal, por inúmeros de seus pacientes, em razão de lesões graves sofridas por eles, decorrentes daquelas chamadas ‘cirurgias mediúnicas’.
Muitas destas seitas e religiões que proliferam no país, se utilizam constantemente dos chamados ‘milagres’, que se constituem em violações das Leis Físicas, Químicas e Biológicas, instituídas universalmente pelo Criador e por ele mesmo violadas, segundo preconizam tais sacerdotes, através dos milagres, que possuíam a única finalidade de beneficiar determinados fiéis seguidores daquela religião.
Acerca de milagres, muitos filósofos já se pronunciaram ao longo da História, mas destaco, apenas, uma afirmação de Baruch de Spinoza (1632-1677):
- ‘Contra a Natureza ou acima da Natureza, o milagre não passa de absurdo; e Deus é mais bem conhecido graças à ordem e à necessidade da Natureza, do que por pretensos milagres’.
Em um país como o nosso, de carências crônicas e deficiências estruturais em quase todos os setores, além de contar com um povo tradicionalmente crédulo e inculto, estes espetáculos religiosos citados possuem o mesmo efeito de uma ópera, para os amantes da ópera; de uma sinfonia, para os adeptos da música clássica e de um espetáculo de circo para as crianças, os jovens e os adultos de antigamente. Todos, com certeza, saiam satisfeitos daqueles espetáculos, felizes da vida e com as energias renovadas, para enfrentarem as adversidades que os esperavam do lado de fora do auditório, na triste e enfadonha realidade da vida.
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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