segunda-feira, 25 de dezembro de 2017


158. A Triste Vida de um Aprendiz de Escritor na Era Digital**

Jober Rocha*



                           Ele era um escritor iniciante que, desejando testar seus dotes na Literatura, resolveu inscrever-se em alguns concursos literários, através de um site na Internet específico para tal finalidade. Esperava submeter seus textos à apreciação de escritores com mais experiência, de modo a confirmar se tinha ou não vocação para a carreira literária.
                        Os diversos concursos em que se inscreveu (alguns oferecendo prêmios em dinheiro) exigiam, além do conto ou da crônica, o envio de seus dados pessoais e de comprovantes xerografados do documento de identidade; CPF e prova de residência; ademais do nome do banco, agência e número da conta bancária; bem como, de um currículo onde deveriam constar a sua profissão, o seu telefone fixo e móvel, seu e-mail e principais trabalhos realizados nos últimos anos.
                         Tendo enviado tudo aquilo requisitado nos editais consultados, de uns quatro ou cinco concursos diferentes, aguardou, aflito, a divulgação dos resultados, que só seriam publicados transcorridos vários meses.
                          Pouco tempo depois começou a receber cartas informando débitos não pagos com fornecedores de determinados produtos; mensagens bancárias de que seu nome seria enviado ao Serviço de Proteção ao Crédito (caso seu saldo continuasse devedor e alguns empréstimos não fossem quitados); bem como, notificações de contas de luz, gás e telefone em atraso.
                                Como ele sempre fora pontual com suas contas e não operava com os bancos referidos, nem possuía outro imóvel que pudesse ter alguma conta de luz, gás ou telefone atrasada, achou que devia ter sido engano e deixou aquilo para lá, esquecendo do assunto.
                          Tempos depois foi surpreendido com um oficial de justiça à porta, entregando-lhe uma intimação e querendo entrar em sua casa para avaliação e listagem de bens passíveis de penhora.
                          Vendo que aquilo era coisa séria, contratou um advogado para assessorá-lo sobre a melhor forma de agir, de modo a safar-se de uma situação a que fora levado sem saber como nem por que.
                          O advogado percorrendo fornecedores, bancos, cartórios de protesto e distritos policiais, descobriu que algumas pessoas, passando-se pelo seu cliente e com documentos falsificados ou simples cópia de documentos, efetuaram compras no comércio, abriram contas em bancos e solicitaram empréstimos em nome dele. Por leviandade de comerciantes (interessados em vender) e de gerentes bancários (interessados em cumprir metas), cópias de seus documentos foram aceitas em diversas operações de venda a crédito e de empréstimo bancário. Ademais, foram também usadas para solicitar ligações de luz, gás e telefone.
                             Nestas operações todas, ele constava como comprador, mutuário, inquilino e devedor. Os verdadeiros usurpadores de sua identidade, ninguém sabia quem eram. Ao buscarem nos endereços fornecidos, todos já haviam se mudado e nenhum vizinho ou porteiro sabia descrevê-los.
                                      Em que pesem todas as providências tomadas, as contas e cobranças continuavam chegando à sua residência.
                                    Um belo dia recebeu uma multa do Departamento de Trânsito - DETRAN, com a foto de seu carro, em subúrbio distante do local de sua residência. Como ele usava muito pouco o veículo, pois morava próximo do local de trabalho e ia sempre a pé, além de morar sozinho e o seu carro passar o mês inteiro na garagem do prédio, prestou atenção na fotografia do veículo. Por diversos itens ele confirmou que aquele não era o seu veículo, embora a marca, a cor e a placa coincidissem. O carro da foto possuía antena, luz de freio interna, lanternas, calotas e frisos externos diferentes.
                               Haviam clonado a placa do seu veículo e, nos dias seguintes, uma enxurrada de multas, nos mais variados locais da cidade e do Estado, começou a chegar a sua residência. Em breve ele recebeu um comunicado do DETRAN de que haviam cassado a sua Carteira Nacional de Habilitação, por excesso de multas, e que ele não poderia mais dirigir nenhum veículo automotor. Caso fosse apanhado ao volante, seria preso.
                                Como além de escritor ele também era assíduo leitor, resolveu reler a obra ‘O Processo’, de Kafka, para ver se encontrava, ali, algum vislumbre de solução para o seu caso. Desejava relembrar como Joseph K, o personagem principal da obra, tinha se livrado do processo que o Estado lhe havia imputado, também, sem que houvesse feito nada de errado ou violado qualquer lei. Constatou, apavorado, que o infeliz Joseph fora, finalmente, morto pelo algoz do Estado (que o perseguia de longa data), com uma faca cravada no coração.
                                   Depois de trocar por três vezes de advogado, sem conseguir livrar-se dos débitos, das ações de cobrança, dos protestos de títulos, duplicatas vencidas e das penhoras judiciais, uma ideia luminosa lhe ocorreu: faria como alguns falsos idealizadores de concursos literários fizeram com ele e trocaria, também, de identidade. 
                              Dirigiu-se, em seguida, ao escritório da residência, onde mantinha seu computador, e, sentando-se comodamente na poltrona, digitou um edital de concurso literário em que solicitava diversos documentos, contas bancárias, endereço residencial, currículo, etc. Publicou o edital sob o título de ‘Concurso Literário com  Grande Prêmio em Dinheiro’.
                              Alguns dias depois começou a receber uma quantidade enorme de contos e crônicas, acompanhados de toda a documentação pessoal necessária para a inscrição dos concorrentes.
                                     Imprimiu dezenas de cópias de documentos de identidade, CPF’s, comprovantes de residência, etc. De posse destes documentos saiu caminhando pelas ruas da cidade, fazendo tudo aquilo que haviam feito com ele. Temeroso no principio ele verificou, a seguir, como era fácil comprar a crédito com simples cópias de documentos. Ninguém parecia se importar com a veracidade das cópias que ele apresentava, na ânsia de vender e de atingir as metas a que eram obrigados, tanto empregados quanto gerentes.
                                 Em breve, já havia trocado as placas do seu carro por outras e, agora, ele também fazia questão de avançar sinais de trânsito e dirigir com excesso de velocidade, sabendo que jamais pagaria as multas referentes àquelas infrações.
                                 Tomava o cuidado de mudar frequentemente de endereços, de circular pouco pelas portarias e de não fazer amigos, nos prédios em que ele residia, de modo a evitar ser reconhecido e os demais moradores poderem descrever suas características físicas à polícia.
                                  Alguns dos meus leitores poderão questionar:
 - Mas, e a consciência dele? Não lhe atormentava constantemente, por agir da forma como agia?
                                   Confesso que também fiz esta mesma pergunta ao meu personagem e a sua resposta, pasmem leitores, foi a que se segue:

                                 - Caro amigo, em uma sociedade corrompida como a nossa, na qual diversos integrantes dos três poderes dão, diariamente, exemplos de violação impune das leis; onde o povo, de uma maneira geral, apenas possui deveres e quase nenhum direito, vivendo em uma servidão consentida e sendo tocado rezes de um rebanho, para o rumo que as elites venais desejam; onde a burocracia campeia, seja por ignorância de servidores públicos, seja pelo desejo de criarem dificuldades para venderem facilidades; onde a meritocracia na administração da coisa pública é relegada, em razão do nepotismo e do apadrinhamento político; em que se cultuam vícios e se desprezam virtudes, em uma transvaloração de valores, ao estilo do comportamento politicamente correto, tão em voga; onde os políticos que comandam os Estados só pensam em arrecadar mais impostos dos seus já sobrecarregados cidadãos, nada (ou quase nada) oferecendo em retribuição, quanto à qualidade e a quantidade dos serviços públicos; onde as igrejas se transformaram em empresas, que só visam à arrecadação fácil de dízimos de uma população ignorante e crédula; onde grande parte dos Estados da Federação e o Governo Central encontram-se, praticamente, falidos em razão da má administração de seus políticos e do desvio de verbas públicas; onde a Educação nas escolas sofre influências ideológicas nefastas para a formação dos jovens; onde inúmeros setores da Economia estão sendo desnacionalizados e vendidos na ‘bacia das almas’ para empresas e países estrangeiros, por políticos antipatrióticos preocupados, apenas, em equilibrar as contas orçamentárias, deficitárias por inchaço da máquina governamental, excesso de mordomias e desvio de dinheiro; eu não tenho nenhum problema de consciência em fazer aquilo que estou fazendo atualmente. Desisti de nadar contra a maré e, agora, nado no mesmo sentido dela, com muito menos esforço.
                                      Posso assegurar que minha vida se tornou muito mais fácil de viver, depois que adotei o chamado ‘jeitinho brasileiro’, do qual sempre fui um crítico ferrenho. Estou pensando, inclusive, em candidatar-me a um cargo eletivo; apenas ainda estou decidindo com que falsa identidade eu o farei, com que apelido me darei a conhecer (um pseudônimo, como dizemos em concursos literários) e por qual partido concorrerei às eleições; já que, como um bom aluno de malandragem, jamais irei expor o meu verdadeiro nome a execração pública...


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Conto


sábado, 23 de dezembro de 2017


157. Qui, come là...**

Jober Rocha*



                    Segundo noticias divulgadas na imprensa, o papa Francisco I alertou, nesta quinta-feira 21/12/17, os cardeais da Igreja de Roma sobre o "câncer da desequilibrada e degenerada lógica das intrigas no seio da Cúria Romana, o Governo da Igreja", e advertiu sobre o "perigo dos traidores da confiança".
                                Perante os representantes da Cúria, reunidos na Sala Clementina, o pontífice advertiu sobre "A lógica desequilibrada e degenerada das intrigas ou dos pequenos grupos".
                                Vejam que o Sumo Pontífice, a autoridade máxima da Igreja de Roma, aquele que afirma fazer a ponte entre o material e o imaterial, entre o humano e o divino, está preocupado com os rumos da instituição que comanda, tantos são os escândalos em que esta se envolveu ao longo dos últimos anos; bem como, tantas são as correntes de interesses e de pensamentos divergentes, que ameaçam o surgimento de forte dissensão e cizânia, quase um cisma, no seio da igreja.
                              Vejam também que as religiões, de uma maneira geral, intrinsecamente, constituem-se em organizações criadas com os objetivos de levantar templos às virtudes e de cavar masmorras aos vícios, conforme já disse alguém tempos atrás. Suas finalidades básicas e principais, segundo preceitos, regulamentos, doutrinas e ritualísticas adotadas por todas elas são as de propiciar, aos adeptos, oportunidades de evolução espiritual. Teoricamente, só procuram religiões aqueles que desejam evoluir espiritualmente e acham que o sacerdote poderá ajudá-los nesta busca.
                                 Em tese, os religiosos deveriam se tratar de pessoas bem intencionadas, movidas pela fraternidade, pela modéstia, pela humildade, pela caridade, etc. Ocorre que isto nem sempre é o que se verifica na prática. 
                                   Muitos religiosos procuram a religião em busca do perdão para as suas consciências culpadas e do atendimento às suas demandas materiais, emocionais e de saúde; objetivos estes que julgam poder ser atendidos pelas divindades. Notem, portanto, que se tratam, quase sempre, de objetivos egoístas e mesquinhos. O próprio sectarismo religioso, com a disputa, por parte das diversas religiões, pela primazia dos seus Deuses; bem demonstra a falta de humildade e de fraternidade entre os seguidores de muitas delas.
                                Se isto ocorre no âmbito dos adeptos e dos sacerdotes das varias religiões e seitas (que teoricamente seriam pessoas que estariam do lado do bem), o que dizer então do pensamento diário que norteia muitos políticos e empresários nas suas atividades mundanas de amealhar riqueza em países do Terceiro Mundo, como o nosso? Políticos e empresários que possuem vasta ficha criminal (e que, sabidamente, sempre estiveram do lado do mal), em razão das brechas existentes nas leis, de seus caríssimos e competentes advogados e da condescendência de alguns juízes (muitas vezes, nomeados pelos próprios políticos mandatários que são réus nos julgamentos), não se sentem tolhidos em suas maquinações visando à acumulação de riqueza e poder, em razão da total impunidade de que chegam a desfrutar, por força do chamado foro privilegiado que os beneficia com julgamentos especiais e particulares quando são alvos de processos penais.
                              Existem fortíssimas razões para o povo brasileiro estar mais preocupado com o destino do Brasil, do que o papa com o destino do Vaticano.
                            Parte dos políticos brasileiros, de forma egoísta e mesquinha, pensa, apenas, em si mesmo, na sua família e no grupo criminoso do qual faz parte. O povo e as suas necessidades apenas são objeto de comentários, por parte deles, quando alguma negociata destinada a amealhar muito dinheiro pode ser engendrada tendo o povo como suposto beneficiário daquilo que será feito. Os benefícios populares são mencionados, apenas, para justificar o mérito daquela negociata (obra, projeto, atividade ou serviço) com recursos públicos, que, em razão de superfaturamentos vários, proporcionará a riqueza de muitos políticos, executivos e empresários.
                             A degenerada lógica das intrigas e o perigo dos traidores da confiança do povo brasileiro, neles depositada nas urnas, são, com toda certeza, mais intensos e mais perigosos aqui, no Brasil, do que na Cúria Romana, no Vaticano, objeto da preocupação papal. 
                                Mais perigosa, principalmente, em razão do fato de que aqui no país eles podem conspirar entre si e maquinar seus crimes, em pequenos e grandes grupos, sem nenhum receio de punições, quer da parte dos governantes, quer da parte de divindades nas quais não acreditam ou, quando muito, apenas fingem nelas acreditarem.
                               Os inúmeros habeas corpus (inclusive preventivos), com que os réus envolvidos em desvio de dinheiro público são agraciados, além do fato de que, quando eventualmente condenados, as penas. quase sempre, são cumpridas em suas próprias residências; bem demonstram o tratamento diferenciado que recebem, quando comparados aos demais criminosos do país. Por outro lado, as mais altas cortes de justiça passaram a decidir sobre quase todos os assuntos, inclusive sobre assuntos políticos e propostas de emendas constitucionais, evidenciando a falência das instituições e a insegurança jurídica que reina no país.
                                Acresce, ainda, que, correndo pela raia de fora, encontra-se o grupo dos políticos que quer ver implantado no país o regime comunista proposto por Antônio Gramsci. Empresários que enriqueceram com os governos passados, de natureza esquerdistas, imaginam que irão continuar ganhando muito dinheiro, caso seja implantado aqui um regime comunista do tipo venal, como costumam ser. Talvez, por isto, ainda estejam em cima do muro, quanto ao apoio material, político e financeiro para a campanha de 2018 à Presidência da República, esperando para ver se o comunismo se implanta através de algum casuísmo, como, por exemplo, uma nova constituição outorgada sem a participação popular.
                               De acordo com alguns jornalistas, o Brasil da atualidade é governado pelo crime organizado internacionalmente. Em sendo verdadeira esta afirmação, como parece ser, qualquer eventual candidato à presidência da república, por qualquer um dos partidos existentes, terá que fazer coligações e comer na mão dos atuais donos do país, para poder governar; isto é, terá que seguir a cartilha ditada por aqueles que realmente comandam o processo, cujos nomes são conhecidos de alguns poucos. Portanto, não creio em mudanças significativas, nos próximos anos, com a simples troca de governantes ou com apelos aos sentimentos dos dirigentes, nem no Brasil nem no Vaticano.


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Aqui, como lá... (Crônica)



quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

156. Por que?**


Jober Rocha*




                      Alguns dos meus leitores já terão se perguntado por que o autor destes textos, um economista, não escreve artigos sobre Economia em seu blog?
                       A resposta é longa e peço àqueles que desejarem conhecê-la através deste ensaio (pois creio que vale a pena ser conhecida), um pouco de paciência em virtude da extensão da resposta.
                    Antes, porém, como ‘pano de fundo’, faço alguns comentários para melhor situar os meus caros amigos, quanto ao objetivo que pretendo ver atingido ao final da minha explanação. Por outro lado, como serão milhares, senão milhões, de anos que irei resumir em algumas poucas linhas, muita coisa poderá deixar de ser mencionada e ficar de fora, pelo que antecipadamente peço minhas escusas.
                          Inicialmente, por similitude com a estória de Adão e Eva, creio que nos primórdios do surgimento do Homo Sapiens no planeta, a Filosofia (traduzida do grego como ‘amizade pelo conhecimento’ e consistindo no estudo das questões gerais e fundamentais relacionadas com a natureza da existência humana; do conhecimento; da verdade; dos valores morais e estéticos; da mente; da linguagem, bem como do universo em sua totalidade), deve ter sido a primeira preocupação a surgir de forma avassaladora na mente humana. 
                           A convivência e a posterior união desta Filosofia rudimentar com uma Matemática também rudimentar, na minha maneira de ver, foi o que possibilitou, algum tempo depois, a concepção de uma Ciência embrionária, também rudimentar. A religião certamente surgiu da Filosofia, em seguida ou até mesmo concomitantemente com a Ciência, também como fruto da preocupação humana de ordem Metafísica. Inicialmente, a Religião abençoou aquela anterior união da Filosofia com a Matemática, ao bendizer o nascimento da filha pródiga, a Ciência; mas, posteriormente, veio a maldizê-la, ao competir com sua irmã pela supremacia acerca da posse da Verdade. 
                                A Religião afirmava que a Verdade lhe havia sido revelada pelo Criador, enquanto a sua irmã, a Ciência, tentava obtê-la através da descoberta das leis físicas, químicas e biológicas que regiam o Universo e a vida. A Arte também surgiu na mesma ocasião, mas, desde o início, esteve separada da Filosofia, sendo ambas apenas amigas e não parentes consanguíneos como eram a Religião e a Ciência.
                              Embora a Bíblia date o surgimento do homem em 4.142 anos antes de Cristo (ano da criação de Adão, segundo o Gênesis, Cap. 1, Ver. 27), estudos científicos indicam que o homem surgiu, em várias regiões da face do planeta, entre um e quatro milhões de anos antes de Cristo. 
                           Antes de os homens primitivos, que viviam em liberdade natural, se transformarem em indivíduos sedentários; isto é, transitarem da colonização nômade para a colonização permanente, eles viveram um período denominado Semi-Nomadismo, no qual possuíam acampamentos fixos onde passavam parte do tempo com o seu grupo e com seus animais (domesticados ou não). 
                             O sedentarismo total tornou-se, então, possível, graças à descoberta de técnicas agrícolas e pecuárias, cujo desenvolvimento permanente permitiu maior agregação populacional, levando a formação de vilas, cidades e outras formas de comunidade.
                                  O surgimento da Agricultura ocorreu entre 8.000 e 5.000 a.C. Os povos, em geral, contavam o tempo tendo por referência suas crenças. Os judeus contam-no a partir da criação do mundo, que supõem haver ocorrido há cerca de seis mil anos. Os árabes contam-no a partir da fuga de Maomé de Meca para Medina, ocorrida 622 anos após o nascimento de Jesus. 
                              A Idade Antiga é contada do surgimento da escrita, mais ou menos 4.000 anos antes de Cristo, até a queda do Império Romano, em 476 depois de Cristo (século V).
                               Em 533 D.C. o monge Dionisio Exiguo, conhecido como ‘O Pequeno’, propôs a divisão da História em dois ciclos: um antes e um depois do nascimento de Cristo. O nascimento ficou sendo o ano 01 D.C, embora Jesus tenha nascido cerca de 4 a 6 anos antes. Anteriormente o tempo, no Império Romano, era contado a partir da data de fundação de Roma.
                                A Idade Média teve início no século V e foi até a queda de Constantinopla, em 1453 D.C. (século XV). A Idade Moderna inicia no século XV e vai até a Revolução Francesa de 1789 (século XVIII) e a Idade Contemporânea vem do século XVIII até os dias atuais. Podemos dizer que a história do pensamento econômico é dividida em três períodos: Pré-moderno (grego, romano e árabe), Moderno (o mercantilismo e a fisiocracia) e Contemporâneo (a partir de Adam Smith no final do século XVIII). A análise econômica sistemática se desenvolveu, principalmente, a partir do surgimento da Modernidade.
                            Voltando, mais uma vez, ao surgimento da preocupação Metafísica, ainda no âmbito da Filosofia, constatamos que a função dos mitos que deram origem as Religiões foram, exclusivamente, as de lidar com a angústia dos indivíduos, na tentativa de superar o vazio que o ser humano sempre enfrentou diante dos mistérios da criação.
                                    Oliveira Martins, em seu livro “Mitos da Religião” destaca: 

                            A Mitologia consiste no sistema dos sonhos primitivos com que o pensamento inconsciente dos povos representa a seu modo a Natureza. O mito e o fato são, pois, na essência, uma e a mesma coisa, vista por maneiras diversas. Tanto o pensamento cria um mito quando representa ou corporifica noções mentais, como quando anima ou define objetos reais.
                                    É fato conhecido e estudado que da admiração e do medo, gerados pelo instinto do conhecimento (característica intelectual da espécie humana), nascem os mitos que são a raiz da religião. Assim é absurdo negar a qualquer homem a faculdade mitogênica, como é absurdo afirmar a existência de raças sem religião.
                                   A criação de mitos é, assim, uma função espontânea inerente ao espírito humano, da mesma forma que a fala.
                               A função psicológica inventora dos mitos é universal e essencialmente humana O mito é, pois, a parte subjetiva das religiões, enquanto o medo é sua parte objetiva. Este medo do inominado foi o que fez a raça humana tremer e fugir, produzindo o calafrio e a palidez; foi á impressão que levou o homem primitivo a cair de rastros adorando um Deus. Do mito que deu realidade à quimeras, nasceu o medo religioso, nasceu Deus, cuja imagem é sempre dupla: ¨ Bem ou malfazeja, terrível como as sombras errantes animadas ou simpática à maneira da luz do céu sereno.¨
                                 Com o primeiro Deus surgiu o primeiro sacerdote, porque uma autoridade que se sente sem se ver; a quem se obedece e se teme sem se conhecer, envolve, em si, a necessidade de um intermediário.
                              Por outro lado, a alma humana, neste momento da sua compreensão, seria a ponte que colocaria o homem em relação com a divindade, á ponte que ligaria o mundo real ao fantástico, o mundo do sonho ao mundo dos astros.
                        No Céu, no Paraíso, no Olímpo, junto aos deuses, partilhando-lhes a essência e a vida, a alma também seria um intermediário necessário.
                              A tendência para a unidade, por sua vez, é ingênita no espírito humano e toda a mitologia, quer seja animista (percepção infantil do mundo, invenção dos espíritos ou almas, seres fantásticos, etc.), naturalista (ideia de uma causa da existência humana, dos animais e das coisas) ou idealista (o mundo externo e o mundo interno representam-se para a imaginação como aspectos de substancias que, no seu desenvolver, o pensamento reduzirá à pureza de idéias), procede unificando os deuses no seio de uma Doutrina Monoteísta.
                                  Houve quem chamasse a religião de uma doença (Fuerbach) e quem a radicalizasse psicologicamente no medo (Schleiermacher);
                                A religião seria, pois, a doença do medo. Outros denominam a religião como a teoria das relações entre o homem e o universo.
                               Resumindo, desde o surgimento do homem sobre a face da terra, as religiões tiveram suas origens no fato dos homens verem, sentirem e explicarem, a seu modo, a existência e, cheios de medo, colocarem-se de joelhos perante o desconhecido. Naquela ocasião tudo em sua volta consistia em sombra e morte. Não havia sociedade, nem leis: não havia moral, nem ciências, surgindo daí os mitos de representação simples. Depois, a sociedade constitui-se como uma cristalização e esboçam-se idéias científicas; isto é, percepções e opiniões obtidas pela comparação e pela observação. Surge, então, outra esfera de mitos, os mitos da invenção, porque é por via deles que o pensamento inventa os casos que solicitam a sua curiosidade.
                                 Posteriormente,quando deuses morais e criadores introduzem-se, os mitos sociais e cosmogônicos progridem, pondo, a par da mitologia remota, os ditos mitos do pensamento, que são as invenções abstratas da teologia e da filosofia.
                              Assim, o medo já transformado em respeito e submissão, torna-se amor, piedade e caridade.
                               Surgidas às religiões, consolidadas e adotadas por todas as raças, como uma necessidade intrínseca do ser humano para explicar o inexplicável, surge, também, a associação do sacerdote (como intermediário entre o indivíduo e a divindade) e os detentores do poder temporal terrestre. Desta forma, um poder passa a precisar do outro; posto que, ambos se complementam.

                           Desde os tempos imemoriais, os governantes governam pela graça de Deus, ou de Deuses, segundo afirmam eles próprios e confirmam os sacerdotes. Esta associação entre os poderes terrestres e os religiosos, existente em todos os cantos do planeta, alem de legitimar os primeiros, busca manter os povos conformados com seus destinos; pois, se Deus existe (e isto é fora de dúvida) e escolheu aquele governante, aquela oligarquia, aquele partido ou aquela religião, para cuidar dos destinos daquele povo, não há porque contestar tal escolha. Mesmo porque os verdadeiros valores, aqueles que realmente importam para os seguidores de alguma religião, são os transcendentais que os aproximam da sua divindade. Os bens que devem ser buscados não são os materiais (aqueles buscados avidamente pelos governantes e detentores do poder), mas, sim, os bens imateriais (as virtudes, que devem ser buscadas pelo homem comum para obter uma vida melhor após a morte). Esta colocação, acatada pelas populações religiosas, evita quaisquer contestações sobre legitimidade do poder e sobre a apropriação da riqueza gerada por aquele povo.
                         Feitas estas considerações iniciais, creio que posso, agora, chegar ao cerne do título deste texto. Como vimos até aqui, inicialmente as preocupações de ordem filosófica dominavam o pensamento humano. Pouco depois, as preocupações científicas e metafísicas, já desmembradas da Filosofia, sob a forma de Ciência e Religião, passaram a competir entre si pela supremacia das explicações acerca da Natureza e da vida, suas criações, funcionamento e evolução. 
                          Com o desenvolvimento da civilização, diversas questões mal respondidas pela Filosofia deixaram-na de lado e passaram, em seguida, a fazer parte da Ciência, da Arte ou da Religião. Algumas outras questões, embora tendo se mudado para a Ciência, permaneceram, ainda, visceralmente ligadas a Filosofia ou a Arte. Outras tantas permaneceram no limbo, sem que se saiba, ao certo, se fazem parte da filosofia, da Ciência, da Arte ou da Religião.
                          O caso do Direito, por exemplo, fez com que sua natureza seja objeto, ainda, de controvérsia. Alguns o consideram como Ciência, Técnica ou Arte; outros o vêm, apenas, como um conhecimento científico. Na minha modesta opinião, trata-se de uma Arte, embora muitas de suas áreas de abrangência sejam denominadas de Ciências Jurídicas.
                        Todavia, não existe um critério único e uniforme que determine a sua extensão, natureza e caracteres, em razão do fato de que vários critérios adotados pelo Direito têm fundamentos filosóficos que extravasam a prática científica.
                             A Economia, por sua vez, considerada, por muitos, como Ciências Econômicas, trata, fundamentalmente, da análise da Produção, da Distribuição e do Consumo de Bens e Serviços; bem como, da aplicação prática da Teoria Econômica e dos variados tipos de organizações humanas, públicas e privadas.
                              Trata-se, pois, a Economia, de uma especialidade cuja natureza possui caracteres de ordem filosófica e científica. É certo que Economia e Ideologia caminham juntas; pois esta é, quase sempre, utilizada para justificar a supremacia ou a Ética de um determinado Sistema Econômico sobre outros, já que uma Teoria Econômica implica, sempre, em uma Teoria de Raciocínio Moral.
                         Os métodos utilizados na Economia, em geral, fazem simplificações que acabam virando crenças e, posteriormente, transformando-se em axiomas, como, por exemplo: a crença de que os seres humanos são independentes em suas preferências e não influenciáveis pela propaganda; a crença de que os seres humanos são felizes apenas quando consomem; a suposição de que os seres humanos agem racionalmente no que respeita aos seus interesses próprios; que existe plena mobilidade dos fatores de produção trabalho e capital e, finalmente, que existe concorrência perfeita no mercado de determinados bens e serviços, com incontáveis vendedores e compradores.
                               A inter-relação entre a Economia, a Filosofia, a Psicologia, a Estatística, a História, a Geografia, a Política, as Finanças, a Geoestratégia e a Arte da Guerra, por exemplo, faz da Economia uma profissão onde as previsões, quase sempre, se frustram, por serem tantas e imprevisíveis as variáveis independentes a afetarem o experimento econômico em estudo. Os Métodos Quantitativos, a Teoria das Probabilidades e a Teoria dos Jogos, tentam solucionar este problema; mas, quando entra em cena o comportamento humano e suas idiossincrasias, as previsões constantemente se frustram.
                                Como exemplo, cito o fato do filósofo e sociólogo Karl Marx (1818-1883) e de seu amigo Friedrich Engels (1820-1895), fundadores do chamado socialismo científico, que criaram a expressão ‘luta de classes’ para indicar o conflito entre os chamados opressores e os denominados oprimidos (isto é, a burguesia e o proletariado); conflito este que, segundo eles, vigoraria no sistema de produção capitalista. Para eles, a referida luta teria surgido com a instituição da propriedade privada dos meios de produção e só acabaria com o fim do capitalismo e das classes sociais. 
                                Segundo Marx, a luta de classes era inevitável, em razão da irreconciliável relação entre proprietários e não proprietários dos meios de produção, e seria regida por Leis Sociais Historicamente Determinadas. A luta de classes era, assim, para o filósofo, o motor do desenvolvimento histórico das sociedades e a mais importante força motriz da história humana, mesmo que ela pudesse se desenvolver em outros terrenos que não o econômico; isto é, os terrenos político, religioso, filosófico ou em qualquer outro solo fértil ideologicamente. Na opinião do filósofo, existiriam as chamadas Leis Sociais Historicamente Determinadas segundo as quais, sempre que determinadas condições estivessem presentes, o comportamento da sociedade seria sempre o mesmo, justificando, com isso, a existência das mencionadas leis históricas.
                               Evidentemente, a propalada luta de classes, classificada pelos dois eminentes filósofos como uma lei social histórica, consiste, apenas, segundo a minha modesta maneira de ver este assunto, em uma falácia que mascara o simples desejo das classes trabalhadoras por maiores salários e por melhores condições de vida, frente a proprietários dos meios de produção, muitas vezes, insensíveis às condições laborais e as reivindicações salariais destes trabalhadores. O papel do Estado, como árbitro e moderador isento destes eventuais conflitos, é que vem a ser, em minha ótica, de fundamental importância para a solução satisfatória destas reivindicações trabalhistas.
                             Imaginar que todos os proletários são infelizes e que iriam ao extremo da ‘luta de classes’, apenas, por não serem os donos dos meios de produção é, penso eu, de uma ingenuidade portentosa; posto que, aqueles que assim pensam, olvidam importantes aspectos psicológicos da natureza humana, ademais da existência de razoável distribuição de renda e das características dos modernos Mercados de Capitais, existentes em inúmeros países democráticos desenvolvidos. 
                        Essa suposta “Lei Histórica”, que conduziria a luta de classes, tem sido vendida como verdadeira pelas esquerdas, objetivando unicamente apoio popular para a tomada do poder. Após haverem chegado lá, esquecem-se de que anteriormente a mencionaram e reprimem as manifestações e os descontentamentos populares (com a situação econômica e social, motivada por políticas erradas de seus governos), da mesma forma como os países capitalistas costumam fazer; isto é, fazendo uso da força policial. Conquanto a Economia tenha produzido teorias que se correlacionam com os comportamentos observados na sociedade, a Economia não gera leis naturais ou constantes universais, devido à sua dependência de argumentos não-físicos.

                               Voltando ao tema central do presente texto, minha formação profissional me conduziu a trabalhar em universidades, centros de pesquisas públicos e privados; bem como, em instituições públicas de financiamento a projetos de Desenvolvimento Econômico e Social. 
                                  Minha experiência nestes locais por onde passei, mostrou-me que inúmeros trabalhos, teses acadêmicas, relatórios de análises, livros publicados e teorias divulgadas de cunho econômico, serviam, apenas, para mostrar serviço de empregados para seus patrões; para demonstrar interesse e produtividade de professores, visando impressionar a direção das universidades em que trabalhavam e os organismos públicos e privados financiadores de pesquisas; para alunos pós graduados poderem demonstrar capacidade e os conhecimentos necessários para obterem os graus de mestres e de doutores; bem como, de uma tentativa de alguns ideólogos de países do Primeiro Mundo, em tentar convencer economistas do Terceiro Mundo sobre a veracidade e a inexorabilidade de certos ‘Princípios de Natureza Econômica’.  
                                A grande maioria daqueles textos não passava de exercícios de futurologia, sem nenhuma aplicação prática com respeito à realidade dos países onde eram realizados ou aos quais se destinavam; tantas as condicionantes e limitações que possuíam. Tais condicionantes e limitações sugeriam, sempre, a continuação das pesquisas realizadas, justificando, de antemão, novas verbas para os meses e anos seguintes. Tanto era assim que, muitos destes relatórios de pesquisa, logo depois de divulgados e comentados, iam parar em alguma estante de onde jamais saiam. 
                     O mesmo ocorria com pesquisas econômicas encomendadas, por órgãos públicos, a empresas privadas de consultoria. Pago o estudo, o mesmo era encaminhado a alguma biblioteca, onde era arquivado para eventual consulta futura. Muitos esforços despendidos por economistas em busca de equações que descrevessem a realidade dos fenômenos observados, com vistas a poderem efetuar previsões, projeções ou criarem cenários econômicos, simplesmente, consistiam em esforço inútil.
                                   Recordo-me de que projetos submetidos à determinadas Instituições Financeiras, nacionais ou internacionais, possuíam, em média, sete assinaturas ao serem encaminhados para a Diretória, e haviam sido gestados em, no mínimo, vários meses. Ao serem aprovados em reuniões de Diretorias, levavam o ‘referendum’ de mais cinco ou seis novas assinaturas dos diretores. Destas treze assinaturas, apenas os quatro técnicos que elaboraram as análises e visitaram as empresas e/ou os locais dos projetos, além dos gerentes destes técnicos, possuíam convicção formada sobre os mesmos. Os demais participantes assinavam, normalmente, em confiança; já que a apresentação dos mesmos, durante as Reuniões de Diretorias, eram sucintas e já vinham com o aval dos técnicos, dos gerentes, dos chefes dos departamentos e dos superintendentes das instituições. 
                                Projetos mal analisados, contendo treze ou mais assinaturas, que, eventualmente, redundavam em fracasso futuro, eram, normalmente, considerados mal sucedidos devido a “um furo nas previsões de mercado”, “a uma conjuntura econômica adversa” ou “a uma queda nas atividades econômicas em decorrência da crise internacional”. Tais projetos mal sucedidos (após deixarem as áreas onde haviam sido analisados e as suas execuções haviam sido acompanhadas) eram remetidos a um novo Departamento para que fosse tentada a Recuperação daqueles Créditos, quando seriam tentadas  alternativas quaisquer, extrajudiciais, para recuperar os montantes emprestados. Findas as  possibilidades de acordos, os projetos eram enviados aos Departamentos de Contencioso, para os procedimentos judiciais de cobrança.
                                   Muitos estudos econômicos, evidentemente, servem aos seus objetivos de proporcionar desenvolvimento com justiça social, mas isso não é regra geral. Vivemos em uma sociedade dominada pela informação, mas, infelizmente, também pela desinformação, pela contra-informação, pelo engodo e pela corrupção.
                                      Diversas agências de notícias, imprensas e editoras em todo o mundo, permitem que a desinformação, de uma maneira geral, se propague por seus intermédios, sem nenhum controle, fazendo com que, algumas vezes, as notícias se tornem virais e influenciem o pensamento e o comportamento das populações. O mesmo ocorre quanto às notícias referentes à Economia. Governos e mega investidores manipulam o Mercado de Capitais, as cotações das moedas, as Bolsas de Valores, as taxas de juros e os preços das commodities nas Bolsas de Mercadorias. Quase sempre estas manipulações estão lastreadas em falsas notícias, oriundas de estudos e pesquisas econômicos tendenciosos ou falaciosos encomendados a empresas de consultoria, institutos de pesquisa, empresas de Marketing ou elaborados pelo próprio governo.
                                    Eu penso que esta falta de controle sobre tudo aquilo que consiste em notícias falsas ou mentirosas e é divulgado diariamente, através da Mídia, nas notícias, estudos e pesquisas de natureza econômica, se constitua em um grande problema da humanidade na era da informática digital global em que vivemos. Talvez as nossas leis devessem considerar como crimes a criação, a divulgação e a propagação de qualquer notícia falsa, através dos meios de comunicação (como já ocorre com a propaganda enganosa), tantos e tão graves são os malefícios que podem advir da divulgação de falsas notícias e de informações mentirosas. Todavia, como fazer para separar a verdade da mentira? Esta é a grande questão que se impõe nos dias atuais, principalmente porque inúmeros governos (notadamente aqueles que não são democráticos, mas alguns destes também procedem desta forma) divulgam informações falsas através de seus institutos de pesquisa e de organismos de coleta de dados primários sobre a Economia.
                          Já aposentado, na atualidade, prefiro, portanto, dedicar-me a elaboração de ensaios polêmicos, alguns de natureza filosófica; muito mais interessantes e úteis, sob a minha ótica, que aqueles de natureza econômica, pelas razões até aqui expostas. Não é meu desejo, ademais, vir a enganar meus eventuais leitores com matérias, muitas vezes herméticas e ininteligíveis, que, supostamente, representariam a realidade dos fatos e dos atos econômicos, como, por vezes, chegam a fazer alguns de meus colegas.


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Ensaio








terça-feira, 12 de dezembro de 2017


155. O meu desejo aos leitores deste blog, para o ano que se inicia**


Jober Rocha*




                  Todo final de ano é uma época boa para refletirmos. Refletirmos sobre tudo aquilo que fizemos de bom e de mau, meditarmos sobre o que nos ocorreu e, principalmente, de planejarmos as nossas pequenas existências para fazer frente à imensidade de possibilidades e de oportunidades que o mundo sempre ofereceu, e continua oferecendo, a cada ano, aos que planejam as suas vidas.
          Em agradecimento àqueles leitores fiéis, que têm me acompanhado desde o início deste blog, tentei resumir neste texto alguns ensinamentos que devem estar presentes, diuturnamente, na mente de todos nós que possuímos como meta, nesta existência terrestre, algum dia chegar a alcançar a sabedoria.
                     Em primeiro lugar, devemos ter sempre na memória a frase “Conhece-te a ti mesmo", que está inscrita desde tempos ancestrais na entrada do templo de Delfos, na Grécia, construído em honra a Apolo, o deus do sol, da beleza e da harmonia. O conhecer-se a si mesmo é a pedra fundamental que, se bem assentada, dará início a edificação de um magnífico templo representado pelo ser humano, seu caráter, seus pensamentos, seu raciocínio, suas emoções; enfim, a sua própria alma. 
             Em segundo lugar que, louvando-nos nas experiências passadas, tenhamos aprendido com os nossos próprios erros e acertos, fazendo de nossas metas, para o novo ano, o desejo de sempre procurarmos evitar aqueles e repetir frequentemente estes. 
             Em terceiro, que iniciemos os nossos dias pensando nas palavras com que o Imperador Romano Marco Aurélio iniciava o seu dia: “Neste dia vou tratar com intrigantes, ingratos, insolentes, velhacos, invejosos e gente grosseira. Se eles possuem estes defeitos é porque não conhecem nem os verdadeiros bens nem os verdadeiros males. Eu, porém, que sei que o verdadeiro bem é tudo aquilo que é decente e o verdadeiro mal tudo aquilo que é vergonhoso, não posso considerar-me nunca ofendido por eles; visto que eles jamais poderão despojar a minha alma da virtude que ela, eventualmente, já possua”.
                   Em quarto, ainda seguindo os exemplos de Marco Aurélio, que consigamos perdoar, sem demora, aqueles que se arrependem; que cheguemos a ser livres, firmes e não titubeantes; que possamos ter em vista apenas a razão e que nos mostremos os mesmos em todas as circunstâncias da vida; que saibamos, mas que não ostentemos sabedoria; que não nos deixemos abater com facilidade; que não sejamos desdenhosos para com os demais, julgando-nos melhores do que eles.
                    Em quinto, que ao contemplarmos o cenário nacional em que vivemos e perguntarmos, a nós mesmos, como isso tudo pode ocorrer (e porque nos encontramos na triste situação em que estamos), que enxerguemos em nós mesmos a causa primeira de todo este drama sócio-cultural, com repercussões políticas e econômicas, vivido pelos brasileiros. 
                    Na verdade, o sujeito e o próprio objeto deste texto, por mim hoje escrito, somos todos nós caros amigos leitores e as escolhas erradas que temos feito ao longo das nossas vidas. O Sistema de Dominação existente funciona muito bem quando, e enquanto, a maioria das pessoas aceita a dominação, acredita nas ‘verdades’ proclamadas pelo Sistema e as reproduz.
                 Nossas escolhas erradas com respeito àqueles que conduzirão os destinos do Poder Legislativo do nosso país, têm sido a principal causa do nosso atraso econômico e social e das crises pelas quais passamos. A nossa alienação quanto a questões geopolíticas e econômicas; bem como, a nossa inocência e pouca cultura quanto a questões de ordem ideológica, política, religiosa e filosófica, estão por detrás de todos os males que nos afligem na atualidade, compondo o pano de fundo de nossas idiossincrasias.
                      Por último, eu faço votos para que no próximo ano, quando se realizarão eleições para a Presidência da República, uma nova maneira de entender o país e o mundo em que vivemos (nova na medida em que difira da versão oficial) contribua para libertar-nos de falsas propagandas, falsos valores, falsas crenças, crendices e superstições, todos eles maquiavelicamente inoculados em nossas mentes com o único objetivo de esconder-nos a verdade e permitir que sejamos facilmente dominados, sem que dessa dominação tenhamos consciência e sem que a ela oponhamos resistência.
                        Que vocês, meus caros amigos leitores, passem a ser mais conscientes dos seus interesses e menos ingênuos com relação àquilo que lhes tentam incutir através da grande mídia, oficial e privada. Procurem fontes alternativas para se informar, como cursos, seminários, palestras, livros e a própria WEB. Defendam os seus pontos de vista e valores, não se deixando influenciar e, dentro da lei, principalmente, façam apenas aquilo que as suas consciências ou o bom senso lhes indicar. 
                           Um feliz Natal a todos e um Ano Novo de paz, de amor e de harmonia em suas vidas e nas de seus familiares, é o que desejo aos fiéis e estimados leitores.


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Crônica

domingo, 10 de dezembro de 2017


154. Aos nossos heróis anônimos**


Jober Rocha*


               No dia três de dezembro de 2011, falecia na cidade de Niterói, em sua residência, o coronel Iporan Nunes de Oliveira, aos 94 anos. Seu enterro ocorreu no Cemitério do Parque da Colina, em Pendotiba, Niterói, RJ.
                        Alguns meses antes, eu o havia observado, ao por do sol, caminhando solitário pelo calçadão da Praia de Icaraí. Trajava calça escura e um agasalho marrom, pois o tempo estava frio.
                  A calçada estava cheia de caminhantes, alguns apenas passeando, outros correndo e alguns praticando ginástica. Vendo-o caminhar devagar e com passos trôpegos, fiquei imaginando-o nos idos de 1944, como um simples tenente de infantaria, comandando o pelotão que tomou a cidade de Montese, na Itália, dos aguerridos soldados alemães que a dominavam; bem como, comandando tropas brasileiras na famosa tomada de Monte Castelo. Ao seu lado, na calçada, nenhum dos passantes o cumprimentava ou demonstrava reconhecê-lo. Por outro lado, um carro de som com um cantor e seu conjunto musical congregava uma multidão de freqüentadores daquela praia.
                       Pelos seus reconhecidos atos de bravura, Iporan recebeu, dentre outras condecorações, a Cruz de Combate de 1ª e de 2ª classe; a Silver Star do V Exército Norte Americano e foi admitido na Ordem do Império Britânico pelo Rei George VI.
                       Aqui em nosso país permaneceu, sempre, como um ilustre desconhecido, igual a tantos outros brasileiros que dedicaram e dedicam suas vidas a proteger o nosso povo, a nossa economia, a moralidade pública, a justiça, os nossos bens, valores, interesses e, ainda, as nossas fronteiras e limites territoriais.
                     Conheci o Coronel Iporan, já na reserva, na sede do Terceiro Regimento de Infantaria – Regimento Ararigbóia, quando de uma solenidade militar em que ele estava sendo homenageado como ex-combatente da FEB oriundo daquele quartel de infantaria, como tantos outros integrantes da Força Expedicionária Brasileira, que dali haviam saído para compor o primeiro e o segundo escalão a embarcarem para a Itália. Naquela ocasião, na qualidade de Presidente do Conselho Consultivo da Associação de Amigos e Veteranos do Regimento Ararigbóia-SAVRA, entreguei a ele um diploma de sócio benemérito da SAVRA.
                      Em dezembro deste ano de 2017, por ocasião da formatura dos aspirantes da Turma Iporan Nunes de Oliveira, na Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende, RJ, ironicamente a imprensa destacava o início das filmagens de uma película sobre a vida de um político e guerrilheiro, autor de um conhecido manual de guerrilha, morto no final da década de 1960, ao ser preso na cidade de São Paulo.
              Voltando ao caminhar do velho soldado pelas calçadas do Bairro de Icaraí, em Niterói, fico imaginando quantos heróis anônimos percorrem diariamente as ruas e os gabinetes do nosso triste país, trabalhando pelo bem da nossa gente, sem esperar e sem receber nenhum reconhecimento por parte daqueles a quem buscam defender e das autoridades do Estado a que estão subordinados. 
                      É o caso de médicos, nos hospitais públicos, superlotados e desaparelhados; de policiais civis e militares, que expõem diuturnamente as suas vidas em defesa das nossas; de bombeiros militares; de funcionários públicos; de professores, muitas vezes humilhados por seus alunos, ensinando em escolas deficientes e distantes em que tentam retirar o véu da ignorância de olhares displicentes e, quase sempre, desinteressados.
                   Infelizmente, em razão de uma transvaloração de valores em que vícios passam a se constituir em virtudes e virtudes em vícios, nossa gente considera como seus heróis nacionais simples praticantes de esportes (que enriquecem de maneira fácil e rápida, em razão dos elevados salários que recebem); cantores, artistas de televisão e do cinema (que também ficam milionários em razão dos altos salários e cachês recebidos) e determinados políticos, cujos únicos objetivos na política foram os de enriquecer, a si mesmo e aos seus familiares, de maneira fraudulenta.
                       Quantos daqueles que caminhavam na mesma calçada do velho Iporan saberiam que ele, nos idos de 1944 (apenas para mencionar a sua citação para a Cruz de Combate de 1ª Classe):

         “Durante toda a campanha da FEB, destacou-se em diversas patrulhas de combate e em três batalhas – Monte Castelo, Castelnuovo e Montese – em que o 11º RI se envolveu, tendo recebido doze elogios por suas ações militares, nas quais sempre fazia prisioneiros alemães. Na antevéspera do ataque a Montese, na chefia de uma patrulha de combate, abriu uma pequena brecha em um campo minado que protegia uma das bordas fortificadas da posição alemã. Durante o ataque do dia 14 abril., já conhecendo o terreno e sabendo da existência da brecha, a qual era desconhecida dos alemães, foi à frente da força de ataque, entrando com seu pelotão em Montese, tomando a torre local, onde fez vários prisioneiros, e manteve posição de resistência contra os alemães, contribuindo em larga escala para a vitória da FEB nesta batalha. Seu pelotão foi a primeira tropa brasileira a romper o dispositivo defensivo e adentrar no fortificado ponto de defesa dos alemães, em um momento em que as unidades da FEB engajadas na batalha sofriam pesadas perdas decorrentes da obstinada resistência inimiga. Demonstrou coragem, decisão, vontade, senso de cumprimento do dever e iniciativa”. 

                 Quantos brasileiros demonstram em seus ofícios e ocupações, durante todas as horas e dias da semana, como era costume do velho soldado Iporan, coragem, decisão, vontade, senso de cumprimento do dever e iniciativa, de forma anônima e desinteressada?
                        A estes bravos heróis anônimos, tão desconhecidos do nosso povo quanto o Iporan, os meus sinceros agradecimentos e meu eterno reconhecimento.


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Crônica


sábado, 9 de dezembro de 2017


153. O Poder da Desinformação**



Jober Rocha*



                Pesquisa recente, divulgada pela Mídia, dá ciência de que o Brasil é o segundo país do mundo em que as pessoas mais têm a percepção equivocada sobre a realidade de onde vivem. 
               A notícia, segundo a imprensa, faz parte da pesquisa denominada “Os perigos da percepção”, elaborada pelo instituto Ipsos Mori.
                    De acordo com o levantamento, realizado em 38 países, para avaliar o conhecimento geral e a interpretação que as pessoas fazem acerca dos países em que vivem, os brasileiros entrevistados só ficaram à frente dos sul-africanos.
                  O estudo apresentou aos 29 mil indivíduos pesquisados perguntas sobre a realidade de seus países e, em seguida, comparou a percepção destas pessoas com os dados oficiais divulgados pelos próprios países.
                        Os países cujos cidadãos possuem as maiores percepções da realidade em que vivem são: Suécia, Dinamarca, Espanha e Montenegro. O fato do Brasil encontrar-se em segundo lugar, quanto a percepção equivocada, demonstra bem a intensidade com que a desinformação proposital é aqui aplicada, ademais dos altos índices de analfabetismo funcional.
                    A pesquisa em apreço, que deveria se chamar “Os perigos da percepção errada”, evidencia o papel da desinformação plantada, propositalmente, entre os cidadãos de todos os países, por agências públicas e privadas, a serviço de governos, de partidos políticos, de empresas, de grupos econômicos, de religiões e de ideologias. 
                     Diariamente somos massacrados por informações visuais e auditivas, muitas delas contraditórias, cujos objetivos últimos desconhecemos, tentando nos convencer sobre a supremacia de algo ou de alguém. Este algo ou alguém, como já dito, pode ser um produto ou serviço, um candidato a cargo político eletivo, uma ideologia, uma religião. Nossos corações e mentes são disputados, avidamente, por aqueles que ambicionam a riqueza e o poder, objetivos estes que só podem ser alcançados através dos indivíduos de uma nação, quer como consumidores, fiéis, eleitores, trabalhadores, usuários, espectadores, etc.
                 Avram Noam Chomsky (nascido na Filadélfia em sete de dezembro de 1928) consiste num linguista, filósofo, cientista cognitivo, comentarista e ativista político norte-americano, reverenciado em âmbito acadêmico como "o pai da linguística moderna" e também é conhecido como uma das mais renomadas figuras no campo da filosofia analítica. Outra parte importante do trabalho político de Chomsky consiste na análise dos meios de comunicação de massa (especialmente dos meios norte-americanos), de suas estruturas, de suas restrições e do seu papel no apoio aos interesses das grandes empresas e do governo
                 Edward S. Herman e Noam Chomsky, em suas pesquisas, encontraram evidências de que a imprensa norte-americana estava se comportando de modo subserviente aos interesses das elites daquele país. Esta constatação, com certeza, pode ser estendida aos meios de comunicação de todos os países do mundo no que tange às suas respectivas elites. 
                    Amado e odiado por muitos, Chomsky já foi definido como ‘o Sócrates americano’, como ‘o intelectual mais importante dos USA’. Da mesma forma, dele já disseram que ‘não possui nenhuma credibilidade entre as pessoas sérias que se preocupam com a verdade’. Já foi, também, chamado de ‘o aiatolá do ódio antiamericano’.
                A desinformação proposital, levada a cabo por agências governamentais de inteligência, por institutos de verificação de opinião e empresas de marketing, através da imprensa, das redês de televisão, das emissoras de rádio, das editoras e das companhias cinematográficas, constitui um fato concreto a nível mundial e é produzida de maneira cientifica, fazendo uso dos conhecimentos mais avançados de ciências tais como a Psicologia, a Medicina, a Estatística, a Informática, a Computação Gráfica, etc.
                      Alguns leitores, mais inocentes, poderão questionar: Qual a razão que tais agentes teriam, para querer uma população desinformada?
                  Todas as razões, a começar pelo fato de que a verdade ilumina as trevas e aqueles que agem nas trevas, seja para ganharem dinheiro ou alcançarem poder de forma ilícita, não desejam que as populações conheçam a verdade.
                  ‘Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará’ é uma frase antiga da Bíblia, atribuída ao evangelho de João (8,32), em que cabem várias interpretações, tanto as de caráter religioso quanto as de índole psicossocial e política.
                    O Sistema de Dominação vigente, existente mundialmente, funciona bem quando e enquanto a maioria das pessoas aceita a dominação, acredita nas ‘verdades’ proclamadas pelo Sistema e as reproduz. Por isto, a desinformação é tão importante para governos, empresas, religiões, partidos políticos e grupos econômicos.
                       Como já afirmava Étiene de La Boétie, no século XVI, (360 anos antes de Mahatma Gandi divulgar, em 1906, o principio da não agressão – Satyagraha –, uma forma não violenta de protesto e de desobediência civil): 

                    ”Não é preciso combater nem derrubar esses tiranos que comandam o mundo. Eles se destroem sozinhos, se as pessoas não consentirem com suas servidões. Nem é preciso tirar-lhes algo, mas só não lhes dar nada. As pessoas não precisam esforçar-se para fazer algo em seus próprios benefícios, basta que não façam nada contra si mesmos. São, por conseguinte, as próprias pessoas que se deixam, ou melhor, que se fazem maltratar, pois seriam livres se parassem de servir. É o próprio povo que se escraviza e se suicida, quando, podendo escolher entre ser submisso ou ser livre, renuncia à liberdade e aceita o jugo; quando consente com seu sofrimento, ou melhor, o procura”. 

                      Os indivíduos, enquanto cidadãos, consumidores, fiéis, eleitores, contribuintes, correntistas, telespectadores, leitores, etc., possuem uma monumental força, insuspeitada por eles mesmos. Se conscientes e unidos, podem ‘quebrar’ empresas (não consumindo seus produtos ou serviços), podem fechar igrejas (não frequentando seus templos), podem sanear o legislativo do país (não votando em políticos reconhecidamente corruptos ou que não tenham ficha policial limpa) e podem pressionar o governo (mediante passeatas, greves, boicotes, etc.). 
                         Só não o fazem por serem desunidos, mal informados (ou desinformados propositalmente), acomodados e influenciáveis. A única maneira de mudar o mundo é começando por mudar a nós mesmos. 
                          Reconheço que, individualmente, somos apenas uma gota no vasto oceano dos seres dominados, mas o mar se move na direção para onde as gotas se dirigem e não o contrário. O mesmo se passa com os bandos de pássaros, com os cardumes, com os rebanhos e com as populações. 
                           São os seus componentes que os movimentam. Se nós, seres humanos, nos tornarmos conscientes de como as coisas se passaram, até agora, poderemos modificá-las no futuro. Como bem disse o médium Chico Xavier, com esta frase tantas vezes citada: “Embora não possamos voltar atrás e fazer um novo começo; sempre poderemos começar, agora, e fazer um novo fim”. 


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Ensaio



quinta-feira, 7 de dezembro de 2017


152. Como sempre, o nosso povo é quem dita às regras**



Jober Rocha*




              Durante muito tempo, junto com alguns outros brasileiros que pensavam da mesma forma, eu acreditei que as elites nacionais conduziam o povo, moral e ideologicamente, para caminhos que só a elas interessavam.
              Sob este meu julgamento o povo se constituiria em um rebanho sendo, diariamente, pastoreado por suas elites políticas, econômicas, militares e religiosas, que o conduziriam a decisões e comportamentos que favorecessem, exclusivamente, aos interesses destas elites.
                  Passados muitos anos de observação do cenário nacional pude rever a minha antiga posição: o nosso povo é tal qual a nossa elite; isto é, oriundo das mesmas matrizes genéticas e possuidores dos mesmos condicionantes históricos e das mesmas idiossincrasias raciais, culturais e religiosas. 
           Constatei que rebanho e pastores se confundem, sendo que muitos pastores já fizeram anteriormente parte do rebanho, do qual saíram por ingerência das parcas (oriundas da mitologia romana) ou das moiras (oriundas da mitologia grega), as fiandeiras que teciam os fios da vida, isto é, os destinos de todos os seres humanos.
         A razão desta digressão é simples: começou com a minha constatação de que grande parte do povo brasileiro, passado os primeiros momentos da Operação Lava a Jato, hoje contesta e vaia o heroico juiz Sérgio Moro, peça chave (junto com alguns promotores de justiça e delegados da Polícia Federal) no desmonte de uma das maiores quadrilhas de fraudadores de concorrências públicas brasileiras e de desvio de recursos dos governos federal, estadual e municipal, envolvendo políticos, empresários e membros do Poder Executivo. Muitos julgam que nunca ocorreu, no mundo, desvio de dinheiro público de tamanha magnitude.
                  Os argumentos usados pelos acusados, por seus advogados e por grande parcela do nosso povo (contaminada por muitos anos de doutrinação político-partidária e ideológica), nestas contestações, são os mais variados possíveis: o juiz Sérgio Moro serve aos interesses norte-americanos, que desejam atrasar o nosso crescimento e a nossa expansão pela América; não existem provas, apenas simples indícios e relatos de delatores vingativos; o país não pode parar por causa dos empresários corruptos presos, e as suas empresas devem continuar operando com novos dirigentes (mesmo que sigam continuando a fazer uso dos mesmos esquemas licitatórios fraudados) e prestando novos serviços para os governos. O que importaria seriam os empregos e a renda gerados e não a moralidade dos processos licitatórios. De uma maneira geral, infelizmente, é assim que grande parte da população ainda pensa; notadamente aqueles que tiveram sua renda aumentada através dos programas demagógicos implantados, enquanto políticos e membros do governo desviavam recursos públicos para suas contas no exterior.
                   Grande parte da nossa gente que, de uma maneira geral, é crítica com relação ao procedimento dos envolvidos nestes casos mencionados, não o faz porque preze a moralidade e os bons costumes; mas, certamente, por que sente inveja daqueles que enriqueceram de forma ilícita. A grande maioria dos críticos, caso se encontrasse na mesma condição dos envolvidos, teria feito a mesmíssima coisa que eles fizeram e que o eufemismo hipócrita do politicamente correto nomeia de malfeitos e não de crimes. Somos muito condescendentes com o erro alheio, talvez, por que, em razão de condições históricas, genéticas e culturais, estejamos quase sempre errando também ou nos deixando ‘cair em tentação’, como uma oração conhecida roga a Deus que nos impeça.
                 Um pensamento comum que ocorre a muitos brasileiros, mormente entre àqueles que trabalham para governos, é: - Se eu não aproveitar a chance de enriquecer nesta função em que me encontro, algum outro o fará no meu lugar.
                  Desta forma justificam-se todos, perante si mesmos e as suas consciências, dos desvios de conduta que praticam diariamente.
               A grande maioria dos eleitores dos últimos governos envolvidos em episódios de corrupção, não reconhece culpa em seus políticos eleitos, mesmo que apresentadas provas concretas de seus crimes, com o argumento de que desviar recursos do governo para os partidos políticos não é crime.
                O juiz Sergio Moro, que tem sido premiado por diversos organismos internacionais em razão de sua atuação na Operação Lava a Jato, recentemente, tem sido vaiado pelos empregados de algumas empresas estatais e de órgãos públicos brasileiros, que ele ajudou a preservar apurando desvios e condenando seus ex-dirigentes. As vaias, eu posso imaginar, demonstrariam que os empregados daquelas empresas estavam satisfeitos com os rumos que elas seguiam e a intervenção do juiz veio prejudicar alguns dos seus interesses.
                  Como alguém já disse, nossos políticos são espelhos da nossa sociedade. Políticos venais e corruptos são sintomas de uma sociedade venal e corrupta, que vende seus votos por dinheiro, cargos, empregos, interesses diversos, amizades ou, até mesmo, por pura ignorância e alheamento.
                A frouxa aplicação das leis, embora combatida por alguns patriotas mais esclarecidos, a todos interessa, desde aos grandes até aos pequenos. Todos querem se safar das garras da lei, cada um usando de seus artifícios disponíveis. Os que possuem altos cargos usam de suas carteiras e de seus relacionamentos para se livrarem das malhas da justiça. Os que não possuem, usam do dinheiro para subornar a autoridade que os coage.
               A excessiva burocracia vigente no país, com certeza, já é institucionalizada não com o objetivo de evitar fraudes, mas, sim, de criar barreiras para dificultar os procedimentos individuais dos usuários, barreiras estas que são facilmente rompidas através da contratação de qualquer um dos inúmeros escritórios, espalhados pelo território nacional, especializados em resolver estas dificuldades.   
               Alguns chamam a isto de Custo Brasil, que envolveria, ademais, a falta de treinamento generalizada para qualquer que seja a função, a preguiça, o descaso, a falta de infra-estrutura, de logística, a falta de normatização seja lá para o que for (obrigando a que na hora em que o problema ocorre é que se pense em como fazer para solucioná-lo), a corrupção endêmica, etc. etc. etc.
                   Em razão do exposto, podemos concluir que não mudaremos o nosso país simplesmente com a realização das próximas eleições no ano seguinte. Qualquer que seja o novo partido político que venha a se instalar no poder, as coisas em nosso país continuarão como sempre foram: excessiva burocracia, corrupção nos três poderes, deficiências infra-estruturais crônicas. Evidentemente, a economia e a política poderão pender para a direita ou para a esquerda e os grupos beneficiados poderão se alterar, dependendo da ideologia que vier a prevalecer. 
                 Entretanto, não esperemos nenhuma mudança significativa no próximo governo, moralmente falando, enquanto continuarmos sendo, como povo, tolerantes com os erros e com as violações das leis.
                 Talvez em razão de sermos um povo colonizado pelo europeu, no qual prevaleceu, desde o início da nossa colonização, a religião cristã (que prega a tolerância, o perdão e que afirma não devermos julgar para não sermos julgados), temos sido excessivamente permissivos e condescendentes com os erros, as faltas e a violação das leis; embora tenhamos algumas leis, em certos casos, bem severas. 
                 Muitos delinqüentes que aqui vivem em liberdade, embora com extensas folhas corridas, em outros países, mais sérios quanto à aplicação das leis, estariam em presídios cumprindo extensas penas, quando não presos perpetuamente ou condenados a morte. Aqui presos que mataram as mães são libertados no ‘Dia das Mães’ para passarem o feriado em casa. O mesmo ocorre com aqueles que mataram os filhos e que são soltos no ‘Dia das Crianças’. Soltam-se presos no Natal e na Páscoa. 
                 Os argumentos para tanto são vários: necessidade de re-socialização dos criminosos; celas superlotadas nos presídios; poucos recursos financeiros do Estado para alimentação dos detentos; etc. Muitos daqueles que saem beneficiados pela liberalidade da Justiça, não retornam aos presídios. Outros voltam a delinqüir durante a breve saída, inclusive cometendo crimes de morte.
                     Em minha opinião, para que o nosso país entrasse no rumo certo, definitivamente, e que a nossa população passasse a agir de maneira correta, como fazem aquelas de muitos países desenvolvidos, seria necessário, fundamentalmente, que a nossa justiça fosse inflexível. Que todas as leis fossem normatizadas, de forma a que os infratores soubessem, de antemão, o que os esperava e que não ficasse a critério dos juízes e demais autoridades envolvidas, interpretá-las segundo suas crenças, ideologias e interesses.  Que se construíssem inúmeros presídios de segurança máxima e que as leis fossem aplicadas com rigor extremo, sem que ninguém estivesse acima da lei ou que fosse beneficiado com algum tipo de foro especial para crimes de natureza comum, como ocorre na atualidade.
                 Alguns dirão que se corrige um povo pela educação. Concordo, mas de maneira paralela a da rigorosa aplicação das leis pela Justiça. Apenas a educação não é suficiente, quando a justiça é fraca, permissiva e demorada. Uma população da ordem de trezentos milhões de seres humanos ou mais (cada um com seus vícios, virtudes e idiossincrasias), não se conduz com tolerância e permissividade, no que diz respeito ao cumprimento das leis; pois, caso contrário, o Estado perderá o controle sobre seus cidadãos e sobre a ordem social.


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Ensaio