quarta-feira, 5 de agosto de 2020

387. Um breve ensaio sobre a atração


Jober Rocha*



                     A Ciência da Física possui uma Lei conhecida como da Gravitação Universal, enunciada em 1682, pelo físico e matemático inglês Isaac Newton, que dizia: “se dois corpos possuem massa, ambos estão submetidos a uma força de atração mútua proporcional às suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância que separa seus centros de gravidade”. A gravitação é, pois, uma propriedade da matéria que se manifesta como uma força, a qual é designada por gravidade ou força de atração gravitacional.
                            Entretanto, a atração que nos interessa investigar neste ensaio é àquela que atua entre dois seres humanos distintos; os quais, embora também submetidos à Lei da Gravitação Universal por se tratarem de duas massas, sofrem a atração causada por determinadas leis psicológicas e biológicas, as quais, da mesma forma que a força gravitacional age, atuam no sentido de aproximar os seres humanos uns dos outros, em busca do amor ou da amizade.
                      Este tema da atração entre pessoas tem sido muito estudado por filósofos e psicólogos e está, evidentemente, ligado intimamente ao amor, ao afeto e a amizade.
                            A atração precede ao amor e à amizade, pois só sentimos estes últimos por aqueles que nos atraem. Os dicionários a definem como a ação de atrair algo ou alguém, de forma encantadora ou sedutora, a partir de um conjunto de características (físicas, emocionais ou psicológicas) que despertem o interesse ou o desejo por algo ou alguém. 
                                Segundo os estudiosos do assunto, alguns fatores parecem ser os responsáveis pela atração entre duas pessoas: a proximidade entre elas; a exposição constante de uma a outra; a semelhança de atitudes e de valores que ambas possuam; a necessidade de complementariedade que buscam; a atração física que despertam e a carência afetiva que apresentam. Evidentemente deverão existir outros fatores que fazem com que surja atração entre duas pessoas, como, por exemplo, a capacidade de guardarem e de dividirem segredos, a lealdade, o carinho, o afeto, o apoio, a franqueza e o senso de humor; mas, eu considero como os mais relevantes aqueles inicialmente mencionados.
                              Esta atração mencionada tem sido fruto de ampla discussão, estudo e pesquisa por parte de psicólogos, pensadores e filósofos; bem como, de uma eterna admiração, exaltação, louvor, valorização e enaltecimento por parte dos poetas e dos escritores que utilizam o tema em suas obras literárias ao ressaltarem a amizade e o amor.
                                   Creio que foi o filósofo Aristóteles (324 a.C. a 322 a.C.), em sua ‘Ética a Nicômaco’, um dos primeiros a escrever de forma substancial e aprofundada sobre a atração entre duas pessoas, fato que conduziria a amizade ou ao amor, os quais ele considerava como virtudes extremamente necessárias à vida. Segundo alguns pesquisadores, os escritos de Aristóteles consistiriam na mais completa e bela análise que, filosoficamente, já se fez sobre o fenômeno da atração entre pessoas. 
                                Anteriormente a ele, Sócrates (469 a.C. a 399 a.C.) já havia declarado: - “Para conseguir a amizade ou amor de uma pessoa digna é preciso desenvolver, em nós mesmos, as qualidades que nela admiramos”. 
                                    Platão (427 a.C. a 347 a.C.) teria afirmado, por sua vez: - “A amizade ou o amor é uma predisposição recíproca que torna dois seres igualmente ciosos da felicidade um do outro”.
                                      Voltando a Aristóteles, podemos constatar que ele distinguia três tipos de amizades, e consequentemente de amor, entre os seres humanos: a fundamentada no interesse, a baseada no prazer e aquela considerada como a  amizade, ou o amor, perfeito.
                                  As duas primeiras, segundo ele, eram apenas acidentais, porque a pessoa amada não era amada por ser quem era, mas porque proporcionava algum bem ou prazer ao outro. Por isto, tais amizades/amores, se desfaziam facilmente se as partes não permanecessem como eram desde o início; pois, se uma das partes cessasse de ser útil ou agradável como fora desde o início, a outra deixaria de amá-la. Acresce, segundo o filósofo, que a utilidade e o prazer não são permanentes, mas estão constantemente mudando. Dessa forma, quando desaparece o motivo da amizade/amor/atração, esta se desfaz, pois existia apenas como um meio para chegar a um fim, conforme pensava o filósofo.
                                    Quando a atração, que se transformaria em amizade ou amor, se dá por prazer ou por interesse, pensava o filósofo que até os maus poderiam ser amigos, se amarem e se atraírem. Da mesma forma, os bons também poderiam ser amigos dos maus e aqueles que não são nem bons nem maus poderiam ser amigos de qualquer tipo de pessoa. 
                                      Todavia, em razão daquilo que são por si mesmo, só o terceiro tipo de amizade ou amor poderia ser considerado como perfeito para Aristóteles.
                            A amizade ou o amor, perfeitos, para ele, seriam aqueles que existiriam entre indivíduos que são bons e semelhantes na virtude, pois tais pessoas desejam o bem uns aos outros, de maneira idêntica, e são bons em si mesmos. Estes agiriam em razão de suas próprias naturezas e não por acidente ou interesses particulares. Uma amizade ou amor assim, como seria de esperar, teria caráter permanente, para Aristóteles; visto que, um deles encontraria, no outro, todas as qualidades que imaginava deveria este possuir. 
                                O filosofo, entretanto, salientava que amizades ou amores como estes eram raros, pois também eram raros indivíduos como estes. Acrescentava, ainda, que entre as pessoas idosas era menos frequente que surgissem tais amizades ou amores, depois de já idosas, pois tais pessoas eram menos bem-humoradas e não encontravam muito prazer na companhia umas das outras; sendo que a boa disposição e a sociabilidade eram consideradas, pelo filósofo, as marcas principais da amizade ou do amor e contribuíam para que estes ocorressem.
                              Ainda, segundo Aristóteles, em todas as amizades ou amores que envolvessem desigualdades, a amizade ou o amor também deveriam ser proporcionais, isto é, a parte melhor deveria receber mais amor ou amizade do que dava, assim como deveria ser mais útil, e de modo análogo, em cada um dos outros casos; pois, quando o amor ou a amizade era proporcional ao merecimento das partes, estabelecer-se-ia, de certa forma, a igualdade, que era considerada uma característica essencial da amizade e dos amores.
                               O filósofo Arthur Schopenhauer (1788-1860), por sua vez, um dos grandes pensadores da história a respeito do tema, em sua obra ‘A Vontade de Amar’, menciona: 
                           “Quando o instinto sexual se manifesta na consciência do indivíduo de uma maneira vaga e geral, sem determinação exata, é porque nela nasce de uma maneira absoluta, a vontade de viver. E quando, conscientemente, o instinto amoroso se fixa em determinado indivíduo, é que esta mesma vontade deseja ardentemente viver em um ser novo e distinto. O instinto do amor é meramente subjetivo, mas sabe iludi-los, ocultando-se sob a máscara de uma admiração objetiva. Para conseguir seus fins, a natureza emprega a sua astúcia. Por mais que haja o amor perfeito e desinteressado a alguém, o supremo fim deste é a geração de um novo ser. É prova disso não se satisfazer o amor com uma reciprocidade sentimental, mas ter necessidade da posse, do gozo físico. A certeza de ser amado não traz consolo quando existe a privação daquela que se ama e, devido a isso, muitos são os homens que têm feito saltar os miolos”.
                                     “A vontade de viver, evidente, em toda a espécie, é a força soberana que atrai duas pessoas de sexos diferentes, procurando realizar seus fins no novo indivíduo que deve nascer deles. Terá a vontade ou o caráter do pai; a inteligência da mãe, de ambos a constituição física; as feições reproduzirão mais vezes a do pai, a figura será semelhante mais frequentemente à da mãe. Tão difícil como explicar o caráter particular de cada indivíduo, é compreender o sentimento, também particular, da inclinação de uma pessoa por outra”.
                         “Não haverá, sem dúvida, um único homem que, no primeiro momento, não deseje a mulher mais formosa, pois esta realiza o tipo mais puro da espécie; depois procurará as qualidades que lhe faltam ou as imperfeições que não lhe pareçam, mas, pelo contrário, qualidades opostas às suas. Por isso vemos, por exemplo, os homens baixos gostarem de mulheres altas, os loiros das morenas, etc. Quando o indivíduo encontra outro, do sexo oposto, que o completa, isto é, completa seus defeitos, sabe ele, inconscientemente, que isto produzirá um novo ser mais perfeito, que está exposto à sua criação. Quanto mais viril um homem seja, mais procurará a mulher que tenha em si, no mais alto grau, todas as características da feminilidade e vice-versa”. 
                                 “Existe em todas as grandes paixões um cálculo inconsciente com o qual medem os amantes, instintivamente, esta parte proporcional necessária a cada um deles. O mesmo acontece com o temperamento; cada qual preferirá, certamente, com uma intensidade proporcional à energia de seu temperamento, um temperamento oposto ao seu. De acordo com a lei de concordância dos sexos, um homem pode sentir-se cativo por uma mulher declaradamente feia, se seus defeitos e irregularidades físicas são o corretivo do homem, por serem opostos aos dele. É quando, então, a paixão alcança seu maior grau. Sem o suspeitar, o indivíduo é guiado e dirigido pelo gênio da espécie, e daí se origina a importância que este liga a certos pormenores que lhe deveriam ser indiferentes. O gênio da espécie está sempre em guerra com os gênios protetores do indivíduo; é o mais encarniçado inimigo deste, pois não titubeia em aniquilar a felicidade deste para lograr seus fins”.
                                 “A verdade é que todo ser, em si, existe mais na espécie do que no indivíduo. Esse interesse pela constituição particular da espécie, origem de toda relação amorosa, desde o mais leve capricho até a paixão mais exaltada, faz com que cada um conceda ao amor uma importância vital”.
                                Quando Schopenhauer escreveu sua obra, a Psicologia (ciência que estuda os processos mentais - sentimentos, pensamentos, razão e o comportamento humano) ainda não havia nascido como Ciência, sendo estudada pela Filosofia. A psicologia como um campo autoconsciente de estudo experimental começou apenas em 1879, em Leipzig, Alemanha, quando Wilhelm Wundt fundou o primeiro laboratório dedicado exclusivamente à pesquisa psicológica. Da mesma forma, a psicanálise (que busca compreender os processos reprimidos pelo subconsciente, que geram sintomas como a angústia ou a ansiedade) só veio surgir em 1890, através do médico Sigmund Freud que centrou seus trabalhos nos pacientes com sintomas neuróticos e/ou histéricos. Acho, portanto, bastante aprofundadas e meritórias as análises e conclusões de Aristóteles e, posteriormente, as de Schopenhauer.
                                     Com respeito à abordagem psicológica, o psiquiatra Sigmund Freud (1856-1939), considerado como o criador da psicanálise, defendia que todo ser humano era movido, de um modo geral, pela busca da felicidade, através daquilo que ele denominou de “Princípio do Prazer”, que vale também para o amor e para a amizade, em particular. Esta busca, entretanto, segundo ele, seria fadada ao fracasso, devido à impossibilidade de o mundo real satisfazer a todos os nossos desejos. A isto, Freud deu o nome de "Princípio da Realidade". Segundo ele, o máximo a que poderíamos aspirar, de um modo geral, seria uma felicidade parcial, valendo isto também para o amor e para a amizade. A psicologia positiva, por sua vez - que dá maior ênfase ao estudo da sanidade mental e não às patologias - relaciona a felicidade com as emoções e as atividades positivas.
                                 Na minha modesta maneira de ver a questão, relativamente aos casos do amor e da amizade, o prazer se trataria, pois, de uma emoção mais fortemente vinculada aos sentidos físicos e a felicidade constituiria uma emoção mais ligada aos sentimentos do intelecto e do espírito.
                                    O Psicólogo Robert Steimberg, em 1986, apresentou uma denominada teoria triangular do amor. No contexto das relações interpessoais, os três componentes do amor, de acordo com a sua teoria, seriam a intimidade, a paixão e o compromisso. A intimidade englobaria os sentimentos de apego, proximidade e vínculo; a paixão abarcaria o sentimento conjunto de limerência (estado cognitivo e emocional involuntário que resulta de um desejo romântico por outra pessoa, combinado por uma intensa, avassaladora e obsessiva necessidade de se ter o sentimento correspondido) e de atração sexual; e o compromisso consistiria na decisão de permanecer com a outra pessoa, compartilhando ao longo do tempo as conquistas e os planos comuns.
                                     Atualmente, na Psicologia, em geral, existe o consenso de que todos os indivíduos amam de modo diferente; pois todos possuem histórias diferentes. Ademais, este amor individual se modifica com o passar do tempo; isto é, a própria forma de entender o amor, que está sendo vivido, muda na vida das pessoas à medida que amadurecem.
                                  O fato é que desde o surgimento do homem na superfície do planeta, os sentimentos de amor entre os indivíduos de sexos diferentes, felizmente, têm superado os de ódio e de aversão, permitindo que a população aumente.
                                      A denominada psicologia da atração, aceita e divulgada por inúmeros psicólogos modernos, busca explicar o porquê de nos sentirmos atraídos por determinadas pessoas, que, eventualmente, poderemos vir a amar ou ter amizade e a razão de querer mantê-las sempre por perto em nossas vidas. A origem para este fenômeno está, segundo afirmam os psicólogos, na força energética que conecta os indivíduos, fazendo com que eles se sintam emocionalmente próximos. Contudo, tanto nos relacionamentos amorosos quanto nas amizades, como regra geral, procuramos sempre por pessoas que tenham afinidades conosco. Dessa forma, poderemos chegar a compartilhar interesses, manter conversas mais profundas e criar maiores laços de empatia. 
                                   Este é, sem dúvida, um assunto fascinante e instigante para prolongadas discussões, pois afeta a todos nós, seres humanos já encarnados e aqueles ainda por encarnar, que só o farão caso haja um acordo afetivo prévio entre seus eventuais progenitores, proporcionado pelo mecanismo da atração e sob a observação e o consentimento do gênio da espécie, conforme salientava Schopenhauer.
                                   Finalizando, gostaria de destacar dois pensamentos divergentes sobre o tema da atração, quer para o amor, quer para a amizade, mencionados a continuação.
                                     Segundo o místico e mestre espiritual George Gurdjieff (1866-1949) “É preciso ter sempre alguém, de preferência do sexo oposto, em quem se possa confiar e falar abertamente, ao menos em um raio de dez quilômetros. Não adianta se estiver mais longe”. Na época e no local em que ele proferiu este pensamento, os transportes e os sistemas de telecomunicação deveriam ser precários, razão, talvez, para o estabelecimento da distância de dez quilômetros.
                                             O poeta e escritor brasileiro Mario Quintana (1906-1994), por sua vez, em sentido contrário ao de Gurdjieff, dizia, com sabedoria: “Não te abras com teu amigo que ele outro amigo tem; e o amigo do teu amigo, possui amigos também”... 



_*/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

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