domingo, 29 de julho de 2018




241. Mais crônicas sobre o País da Corrupção



Jober Rocha*



1.    Le Grand Chef de Cuisine



                                         Ele pertencia a uma tradicional família de políticos do interior do país, sustentada desde os tempos do império por verbas de organismos federais. Grandes latifundiários que eram, eles nada cultivavam em suas terras. Faziam parte de uma minoria de agricultores políticos, que se limitavam a desviar para as contas que mantinham em bancos do país e do exterior, os recursos que recebiam do governo, anualmente e a fundo perdido, cuja destinação original deveria ser para o plantio e a colheita de leguminosas.
                                                         A maior parte dos membros jovens da família nem estudava e nem trabalhava; ou seja, preparavam-se todos para ocupar altos cargos na política local. Os membros mais idosos já haviam encontrado seus caminhos como políticos, seja no próprio município, seja no Estado ou na Capital Federal.
                                                          Ele, tipo magro, pele muito branca e com longos cabelos negros, era muito diferente dos demais jovens da família. Diferia não só na aparência, mas, também, nos interesses e preferências: enquanto os rapazes da família (geralmente musculosos e queimados de sol) se interessavam por esportes, ele gostava de culinária. Enquanto as moças gostavam de rapazes e os rapazes gostavam de moças, ele preferia, sempre, a companhia de rapazes.
                                                         Em certa ocasião, participando do banquete comemorativo pela posse do avô como deputado federal na capital, ele teve a oportunidade de saborear iguarias muito finas, elaboradas por um grande mestre da culinária francesa contratado a peso de ouro pela família, com a verba de representação que o avô antecipadamente recebera.
                                                          Após o lauto jantar, ele foi à cozinha para conhecer o artífice daquelas maravilhas que provara. O ‘Chef’ era um tipo alto, magro, branco como ele mesmo e de olhos verdes, sonhadores, com quem nosso personagem se identificou logo ao primeiro contato.
                                                        Convidou o ‘Chef’ para visitá-lo na casa funcional do seu avô, na capital federal, onde parte da família estava hospedada, o que foi logo aceito por este, revirando os olhos verdes e exclamando: - Oui, mon cherry! (Sim, meu querido!)
                                                          A partir de então, eles eram sempre vistos juntos pelas ruas e pontos turísticos da Capital e das cidades menores no entorno desta. Aos poucos, pelas mãos do ‘Chef’ e amigo, ele foi introduzido nos segredos da difícil - e sofisticada - Culinária Francesa.
                                                      Iniciou pelos pratos mais fáceis: Quiche Lorraine; Cassoulet; Coq au Vin; Ratatouille; Cuisses de Grenouilles; Fondue Savoyarde; Confit de Canard e Gratin Dauphinois.
                                                       Mais tarde, passou aos pratos mais requintados: Limande à La Normande; Le Canard à L’orange; Poulett Marine et Grillé au Citron Vert, Poisson ao Court-Bouillon e Poulet à La Marengo (este último uma homenagem a Batalha de Marengo, travada contra os austríacos, em 1800, e vencida pelas tropas francesas comandadas por Napoleão Bonaparte).
                                                           Os pratos que preparava sob a supervisão do ‘Chef’, eram muito apreciados pelo restante da família (ainda de férias na casa do avô deputado, meses depois, em razão de ali tudo ser grátis e na quantidade desejada), que já pensava até em abrir um restaurante na própria Capital Federal, onde os parentes e amigos, alguns com mandatos populares, poderiam saborear os requintados pratos que seriam elaborados e, evidentemente, pagos por estes com recursos de diárias e verbas de representação.
                                                            Em breve, contando com financiamentos governamentais obtidos mediante a intervenção do avô deputado, um sofisticado restaurante foi inaugurado pela família às margens de um Lago existente naquela bela e moderna cidade, com vistas para o centro administrativo e comercial, para os ministérios e para o palácio presidencial.
                                                      O jantar de inauguração, ao qual compareceu toda a classe política, empresarial e do primeiro escalão governamental, foi, sem dúvida, noticiado previamente pelos principais periódicos locais.
                                                     Ele, naquela altura já sendo tratado como um novo ‘Grande Chefe de Cozinha’, fazendo uso da sua grande criatividade e querendo unir os costumes da culinária francesa às tradições do seu país, superou-se na cozinha, fazendo adaptações, transformações e novas criações de sofisticadas receitas.
                                                       Assim é que, ao iniciar-se o jantar com todos os lugares ocupados pela fina flor daquela elite parasitária, acostumada a comer bem às expensas de polpudas diárias recebidas dos cofres públicos, foram anunciados, em francês e em português, os pratos que seriam servidos.
                                                       O ‘maître’, em um perfeito francês e também em português, anunciou: - Mesdames et messieurs, les plats que nous servons maintenant sont comme suit (Senhoras e senhores, os pratos que nós serviremos agora são os seguintes):

•    Soup de Calango Vert au Citron (Sopa de Calango Verde ao Limão);
•    Bouillon  Haricots (Caldinho de Feijão);
•    Viande du Soleil au Beurre de Garrafe (Carne de Sol na Manteiga de Garrafa);
•    Tarte de Seriguelas a L’anglaise (Torta de Seriguela à Inglesa);
•    Chèvre Tripés a L’orange avec Phare de L‘Arrière-Pays (Buchada de Bode na Laranja com Farofa do Sertão);
•    Queue de Boeuf aux Herbes de Provence Nord-Est (Rabada em Ervas Nordestinas);
•    Bouillon Mocotó avec Cuisses de Grenouilles dês Vallées Humides (Caldo de Mocotó com Coxa de Rã dos Vales Úmidos).
Les desserts son (As sobremesas são)
•    Macaxeira Jumbo Sauce Champagne (Macacheira Gigante ao Molho de Champanhe);
•    Sucre Brun de Canne à Sucre (Rapadura de Cana).
Les apéritifs son (Os aperitivos são):
•    Petite Femme de La Campagne (Caipirinha);
•    Coup de Fruit de La Passion (Batida de Maracujá);
•    Coup d’Arachide (Batida de Amendoim);
•    Vin de La Région Rugueuse (Vinho do Agreste);
•    Bière a La Pression (Chopp);
•    Réfrigérants (Refrigerantes);
•    L’eau Minérale Naturelle dês Sources de L’arrière-Pays (Água Mineral Natural de Fontes do Sertão).

                                                     Aqueles importantes convidados da corte, ao ouvirem a descrição, na língua local, dos pratos, das sobremesas e dos aperitivos que seriam servidos, começaram a se levantar e a caminhar em direção a porta de saída. Todos eles, com seus telefones celulares de quinta geração ao ouvido, chamavam os motoristas dos veículos oficiais que os serviam, diuturnamente, na Capital Federal.
                                                  O único e magistral erro do nosso ilustre personagem e ‘Grande Chefe de Cozinha’, tardiamente por ele percebido, foi o de querer que o ‘maître’ traduzisse os nomes dos pratos do francês (que ninguém entendia) para o português (que todos os presentes entendiam, alguns mais outros menos; já que, muitas daquelas autoridades possuíam apenas o primeiro grau).
                                                           Se o ‘maître’ tivesse, apenas, mencionado os nomes franceses dos pratos, aquela teria sido, certamente, mais uma noite gastronômica maravilhosa na Capital do País da Corrupção.
                                                             Ao ouvirem os nomes dos pratos em sua língua natal, sentiram-se todos ofendidos e desprestigiados, em razão dos altos cargos que ocupavam na corte, com a apresentação, no jantar de inauguração de tão sofisticado restaurante, daqueles simples pratos de consumo popular dos habitantes do sertão.
                                                 Muitas autoridades diziam, até, que providenciariam a cassação do alvará daquele estabelecimento, que se atrevia a servir Sopa de Calango e Coxa de Rã dos Vales Úmidos.
                                                              Ele, muito nervoso, gritava aos quatro cantos da casa (entremeando palavras francesas ao português) afirmando que havia sido ultrajado, insultado, afrontado e desconsiderado por aqueles convidados que se retiravam. Dizia que eles não haviam respeitado os direitos humanos que ele possuía de tentar fazer, à sua maneira, a união da culinária francesa à nordestina; que haviam sido preconceituosos com uma minoria de mestres cozinheiros, inovadores como ele, que trabalhavam a serviço do desenvolvimento da gastronomia nacional e internacional.
                                                         Assim é que, meses depois daquele evento, qualquer viajante (ao serviço público, privado ou mesmo em visita de turismo à Capital Federal) que passasse pelas margens do referido Lago veria o mato crescendo e as paredes descascadas em redor daquele que prometia ser um dos grandes restaurantes da cidade.
                                                     O Grande Chefe de Cozinha, tendo retornado à sua cidade natal, passou a ocupar seus dias na ociosidade, como sempre fizeram seus irmãos e primos, aguardando, finalmente, que chegasse a sua vez na fila da sucessão política local.
                                                         Uma vez ou outra, quando o desejo aumentava muito, ia para a cozinha e preparava uma suculenta ‘Viande Séchée avec de La Citrouille’ (Carne Seca com Abóbora), que saboreava com prazer, na companhia de alguns parentes mais chegados, trajando uma rica vestimenta de ‘Chef de Cuisine’, com a gola e os punhos bordados por famosas costureiras locais e calçando tamanquinhos importados do Marrocos.




2.    Vingança de Mestre

 


                                         Desde bem pequeno a vocação dele sempre fora a de ensinar. No colégio ensinava aos coleguinhas de turma com dificuldades em tabuada e nas quatro operações; na Faculdade de Engenharia ensinava aos amigos acadêmicos com dificuldades para aprender Cálculo Integral e Diferencial.
                                                          Terminada a faculdade e sem perspectivas de emprego, ele resolveu que seria professor de Matemática em cursinhos e escolas de nível médio. O mercado para engenheiros estava muito ruim, em razão da recessão econômica pela qual o País da Corrupção passava e ele, fazendo exame de consciência, decidiu que gostava mesmo era de ensinar aos mais jovens.
                                                       O choque psicológico que teve, todavia, logo que começou a dar as primeiras aulas em uma escola de subúrbio, levou-o a pensar que estava em outra época, em um país de outro planeta ou que havia, simplesmente, enlouquecido.
                                                         Nenhum dos alunos da turma demonstrava o menor interesse por aquilo que ele ensinava. Enquanto ele falava em sala sobre as relações métricas nas figuras geométricas, a totalidade dos alunos da classe olhava seus I-Phones ou escutava música, conversava, dormia, lia jornal, namorava, pintava as unhas, jogava baralho ou fumava cachimbos contendo pedras de craque.
                                                        Ele não conseguia entender como aquela geração podia ser tão diferente da sua. Lembrava-se de que no seu tempo de escola, os alunos se interessavam pelas matérias ensinadas, pois todos tinham algum objetivo na vida e projetos para o futuro. Muitos queriam ser militares, engenheiros, médicos, advogados, etc.
                                                        Surpreso ele constatara que naquela turma, para a qual dava aulas, ninguém possuía planos ou objetivos para a sua própria vida. Os alunos só pensavam no dia de hoje e em como ganhar bastante dinheiro da maneira mais fácil possível.
                                                       Depois de muito insistir com seus alunos, chamando-lhes a atenção e até colocando alguns para fora de sala; tendo percebido, finalmente, que, tanto os alunos quanto a administração da escola não tinham o menor interesse pelo futuro (os primeiros pelos seus próprios e os segundos pelos da Educação e da Cultura nacionais), resolveu que só falaria em aula, a partir de então, sobre assuntos e conhecimentos inúteis.
                                                       Para pessoas inúteis, conhecimentos inúteis - pensava o mestre. Esta seria a sua vingança particular. Uma vingança de mestre, segundo imaginava, pois deixaria de ensinar a matéria para a qual fora contratado e passaria todo o tempo que durasse a sua aula, a dizer coisas que não teriam a menor importância para o futuro daqueles alunos relapsos.
                                                        Ao terminar o ano letivo, com todos eles sendo reprovados, certamente, muitos parariam definitivamente de estudar; portanto, eles que se virassem por conta própria para aprender, fora da escola, todas as matérias que não quiseram aprender enquanto estavam dentro dela.
                                                        Assim, na aula do dia seguinte quando seus alunos se preparavam para dar início a mais um período de brincadeiras e de livre confraternização, foram surpreendidos com o professor que, ao invés de falar sobre a desinteressante Matemática, resolvera discorrer sobre assuntos bem mais atraentes.

                                                   Por isto, começou dizendo: - Os amendoins entram na composição da dinamite; a mão direita de um destro é responsável por cinquenta e seis por cento de sua digitação; o tubarão é o único peixe que pisca com os dois olhos; há mais galinhas do que gente no mundo; as amêndoas são da família do pêssego; os gatos têm trinta e dois músculos em cada orelha; o olho de uma ostra e maior do que seu cérebro; você, simplesmente, não pode espirrar de olhos abertos; qualquer pessoa come, em média, oito aranhas durante o sono em sua vida toda; a barata pode viver até 9 dias sem a cabeça até que morra de fome; Elvis Presley tinha um irmão gêmeo, ou melhor, era para ter tido, pois ele morreu ao nascer; as mulheres piscam duas vezes mais que os homens.
                                                          Todos os alunos pararam, imediatamente, com o que estavam fazendo e, estaticamente, contemplavam o professor; embevecidos com tanta sabedoria.
                                                        O mestre, que não havia notado o súbito silêncio na classe, continuou falando para as paredes: - Um caracol pode dormir por três anos; se os dentes de uma pessoa resistissem, qualquer um poderia mastigar concreto ou furar o pneu de um caminhão. O masseter, músculo responsável pela mastigação, tem esse poder todo; as borboletas sentem os sabores com as patas; o grito do pato produz um eco quase inaudível e, por isso, durante muito tempo ele foi considerado inexistente; em dez minutos, um furacão produz mais energia do que as armas nucleares.
                                                      Pouco depois a sineta tocou, dando por encerrada a aula. O mestre deixou a sala como sempre fazia; isto é, pegou a sua pasta, abriu a porta e foi-se embora, sem nem mesmo olhar para trás. Não viu os olhares de admiração com que os alunos acompanharam a sua saída.
                                                          Nos dias que se seguiram, foi a sempre mesma coisa. O mestre entrava na sala de aulas, começava a falar olhando para o teto e os alunos, calados, prestavam total atenção ao que ele dizia: - Em média, mil pessoas morrem todos os anos, asfixiadas por uma caneta; em geral as pessoas temem mais as aranhas do que a própria morte; noventa por cento dos taxistas de ‘New York’ são imigrantes recém-chegados; trinta e cinco por cento das pessoas que utilizam agências de encontro são casados; os elefantes são os únicos animais que não podem saltar; só uma pessoa em cada dois bilhões vive até os cento e dezesseis anos ou mais; é possível fazer uma vaca subir as escadas, mas é quase impossível fazer com que ela desça os degraus; é fisicamente impossível lamber o próprio cotovelo; a biblioteca principal da Universidade de Indiana afunda todos os anos, cerca de uma polegada. Os arquitetos se esqueceram de incluir nos cálculos estruturais, o peso dos livros, quando a fizeram; a cadeira elétrica foi inventada por um dentista; todos os ursos polares são canhotos; no Egito antigo, os sacerdotes arrancavam todos os pelos do corpo, até as pestanas; o olho de um avestruz é maior que o cérebro dele; o crocodilo não consegue colocar a língua para fora; o isqueiro foi inventado bem antes dos fósforos.
                                                Finda a aula, o mestre apanhava as suas coisas e ia embora, sem mesmo se despedir dos alunos.
                                                   Ocorre que, na ocasião, um dos integrantes daquela classe possuía um tio que trabalhava em determinado canal de televisão. Naquele canal havia um programa para jovens estudantes, que despertava a atenção dos telespectadores de todo o País da Corrupção e o tio daquele aluno conseguira incluir a turma de colégio do sobrinho para participar do referido programa.
                                                          Tratava-se de uma disputa entre turmas de alunos oriundas de três colégios diferentes. Determinadas perguntas eram formuladas para cada uma das turmas e todos os seus integrantes colaboravam para respondê-las.
                                                        A turma que respondesse às perguntas com maior número de acertos ia acumulando pontos. Ao final da série de programas, a equipe vencedora; isto é, aquela com maior número de pontos acumulados, iria receber o prêmio de dez milhões de reais, oferecido pelos patrocinadores, que eram duas empresas multinacionais que haviam adquirido, por um preço ínfimo, empresas do país que haviam sido privatizadas. Talvez com a consciência doendo, resolveram oferecer aquele prêmio para ficarem bem vistas e com uma boa imagem pública no país.
                                                        Os formuladores do programa (como muitas das nossas autoridades em provas, concursos, exames vestibulares, etc.) não estavam interessados em descobrir aquilo que os alunos já sabiam; mas justamente o contrário, ou seja, queriam descobrir o que os alunos ainda não sabiam.
                                                      Assim, as perguntas formuladas no programa não versavam sobre conhecimentos acerca das matérias ensinadas, tradicionalmente, nos colégios de nível médio; porém, tratavam de assuntos que nada tinham a ver com a grade curricular, isto é, versavam sobre os conhecimentos inúteis, justamente a especialidade da turma em questão.
                                                      Os leitores já perceberam que a equipe vencedora foi a da classe do nosso mestre, equipe está que nada sabia das matérias curriculares do ensino médio; mas que sabia muito sobre o conhecimento requerido naquele concurso, que era considerado inútil.
                                                      Finda a série de programas com a vitória da “nossa turma”, os vinte alunos bagunceiros receberam o total de dez milhões de reais, cada um deles recebendo quinhentos mil reais para si.
                                                    Alguém da turma sugeriu que dessem uma parte da quota de cada um ao professor, que lhes havia transferido todo aquele conhecimento que possibilitara com que ganhassem o prêmio. Entretanto, por unanimidade e por vingança ao mestre, resolveram, simplesmente, que não lhe dariam nada.
                                                       Em seguida, todos eles deixaram aquela escola que frequentavam a contragosto e foram montar seus próprios negócios.
                                                        Alguns dos agraciados, em pouco tempo, conseguiram multiplicar por várias vezes a quantia que haviam amealhado. Outros perderam tudo o que tinham em vícios que possuíam ou lhe foram tomados por parentes e amigos. O professor, tendo ficado sem classe de aulas, foi demitido do colégio.
                                                           Durante alguns meses ele perambulou sem destino pelas ruas da cidade, ora vendendo balas em sinais de trânsito, ora vendendo panos de prato.
                                                  Quem o observasse, naquela ocasião, veria que falava sozinho enquanto andava por entre os veículos em movimento. Por duas vezes escapou de ser atropelado.
                                                Repentinamente, ele sumiu de circulação e não mais foi visto caminhando pelo bairro.
                                                  Um de seus antigos alunos, pertencente àquela turma premiada, tempos depois, em viagem de férias pelo interior do Nordeste, havia visto em uma pequena cidade do agreste, um tipo barbudo vestindo uma bata encardida que algum dia fora branca, muito parecido com o seu antigo professor. O tipo falava coisas desconexas sobre o futuro do país e das próximas gerações e era seguido, de perto, por uma pequena multidão de fanáticos.
                                                        Ao perguntar a um dos residentes locais sobre quem era aquele indivíduo, o morador respondeu: - Parece que é um sábio que veio lá do Leste, desiludido com a vida por aquelas bandas. Sabe muita coisa e diz que os aprendizes de onde veio ainda não estão preparados para entender as verdades ditas pelos mestres. Vive dizendo que algum dia irá chegar uma vingança do céu contra esse povo ignorante, mas não diz quando e nem como essa vingança chegará.
                                                           Os leitores mais perspicazes estarão se perguntando: - Mas, então, pelo que parece, os vícios compensam mais do que as virtudes, pois os alunos saíram vencedores no final?
                                                            Infelizmente, meu caro amigo, assim é como as coisas se passam neste País da Corrupção, em que muitos espíritos sem visão, no plano etéreo, tiveram a má sorte de aportar para tentar evoluir espiritualmente.
                                                          País este onde os professores são mal remunerados, maltratados e olhados sem nenhum respeito pelos seus alunos e pelas autoridades constituídas. Como ensinar virtudes em uma terra onde os vícios são valorizados?
                                                        Este, segundo consta, é um dos melhores países para quem se dedica ao crime e, infelizmente, um dos piores países do mundo no ranking da Educação, segundo pesquisa realizada em 2015, pela OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Está na frente, apenas, da República Dominicana, Argélia, Kosovo, Tunísia e Macedônia.
                                                         Pesquisa feita pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes – PISA, que abrange setenta e dois países, constatou que setenta por cento dos jovens de quinze anos, no país (sete a cada dez), não possuem os conhecimentos básicos de Matemática, a Ciência ensinada pelo nosso jovem mestre, personagem principal desta estória.
                                                          Vingança de mestre, pelo visto, parece que foi a dos seus aprendizes. Dizem que a vingança é um prato que se come frio. Pode até ser; mas, isto deve ocorrer em locais onde as regras dos vícios e das virtudes são respeitadas. No País da Corrupção, pelo visto, tudo pode acontecer, até mesmo o crime compensar e a vingança ser um prato que se coma quente...


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.














sexta-feira, 27 de julho de 2018

240. Outras crônicas sobre o País da Corrupção


Jober Rocha*




1. Tamanho é documento?


                                      Desde pequeno ele sofrera com o reduzido tamanho do seu órgão genital. Nas aulas de ginástica, ao trocar de roupa no vestiário, era sempre alvo de gozações partidas dos colegas de turma. Aquilo o martirizava e o tornava diferente dos demais colegas. Sofria nas mãos dos companheiros de colégio, naquela época, aquilo que hoje é denominado ‘bullying’.
                                                    Os anos se passaram e ele acabou casando-se com uma antiga colega de escola que, embora na ocasião ainda não utilizasse o mesmo vestiário que ele nas aulas de Educação Física, fato corriqueiro hoje em dia em muitas escolas (em razão dos banheiros unissex), sabia daquele problema dele através das gozações partidas dos outros colegas de classe.
                                                 Como o amor é cego, entretanto, passando por cima de todas as vicissitudes da vida, ela acabou apaixonada pelo jeito tímido e introvertido dele.
                                                      Sendo um bom aluno, as suas notas estavam entre as melhores da turma e o ar intelectual que possuía, talvez, tenha sido o grande atrativo que ela tenha visto naquela face pálida e naquele corpo raquítico.
                                                     Casaram-se na capela do próprio colégio,após a formatura dele na faculdade, em uma noite chuvosa e com a presença (felizmente, para ele) de alguns poucos amigos e parentes.
                                                            A noite de núpcias (para aquele casal sem nenhuma experiência prévia) transcorreu normalmente, pois ambos acharam que a ausência de satisfação plena fosse coisa natural em uma relação sexual.
                                                              E assim seguiram-se os anos, sem maiores fontes de prazer na vida do casal além das eventuais férias no Caribe ou as estadias em hotéis cinco estrelas pelo mundo todo (ele, pouco depois de formado, criou uma empresa que, tendo tido meteórico sucesso no mundo dos negócios, em pouco tempo deixou-o multimilionário). 
                                                                 Este meteórico sucesso, todavia, tem uma explicação: tendo ele sido de esquerda durante os anos de faculdade, envolveu-se com colegas que se tornaram guerrilheiros e combateram o regime militar que, pouco antes, havia assumido o poder no país. Com o fim daquele regime, após as eleições que a seguir se realizaram, alguns de seus companheiros assumiram cargos políticos ou administrativos nos três poderes da república. Em virtude disto a sua empresa passou a participar, e a sagrar-se sempre vencedora, de todas as concorrências públicas fraudadas conduzidas por seus antigos colegas de movimento esquerdista, que, em um corporativismo ideológico-venal, apropriavam-se, para eles mesmos, de parte do lucro super-faturado destas concorrências. 
                                                            Em razão da riqueza e dos múltiplos negócios que, desde então, passou a desenvolver no país e no exterior, ele ficava poucos dias em casa com a mulher durante a semana. Em breve, passava mais tempo com a sua secretária-executiva do que com a própria esposa. Em poucos meses ele e a secretária já eram amantes.
                                                             Sobre a sua secretária falarei pouco: possuía ela cerca de 40 anos, divorciada, bela de rosto e de corpo e com um passado rico em namorados e amantes, todos assalariados como ela. Trabalhava na empresa dele há quase dois anos. Elegante no vestir, sóbria no falar, possuía os mesmos gostos e interessava-se pelos mesmos assuntos profissionais que ele. Era totalmente diferente de sua mulher, cujos únicos interesses eram as coisas da casa e as futilidades sobre novelas, roupas e joias. 
                                                              Viajando na companhia dele à negócios, para países distantes, a secretaria acostumara-se aos ambientes luxuosos, às conversas com autoridades governamentais e aos restaurantes famosos ao redor do mundo. Em pouco tempo achou que a única maneira de continuar desfrutando de tudo aquilo era conquistá-lo afetivamente. 
                                                           Assim, fazendo uso de todo o seu charme, passou a provocá-lo durante as viagens, seja usando roupas sensuais, seja tocando-o com as mãos ou nele encostando-se de leve, para que ele sentisse bem de perto o seu perfume; seja lhe narrando aspectos da sua própria vida pessoal, onde enfatizava a solidão e a busca incessante de um verdadeiro homem que a compreendesse e amasse como nunca nenhum outro havia feito.
                                                        Em pouco tempo ele caiu naquele “conto do vigário amoroso” e passou a tê-la como amante. Após algumas relações sexuais, ouviu, por parte dela, um sutil comentário sobre o pequeno tamanho do seu órgão – ela, ao contrário da esposa dele que tinha casado virgem, já conhecera, ao longo da vida, tamanhos P, M, G, GG e XG.
                                                            Tentando agradar ao seu novo amor, ele resolveu buscar auxílio médico para corrigir aquela deficiência. Antes de procurar um médico, no entanto, tentou um determinado equipamento, visto em um anúncio na Internet, que prometia aumentar em dez centímetros o tamanho do referido órgão. Tendo pago a enorme quantia relativa ao preço do produto, recebeu pelos Correios, oito dias depois, um volume que continha dentro uma lupa que aumentava em dez vezes o objeto focado.
                                                                Finalmente, desiludido com a compra, recorreu a um especialista em Andrologia que, após examiná-lo, constatou possuir ele aquilo que era denominado cientificamente como um micro-pênis. Este, no contexto médico, era a condição de um órgão cujo comprimento, quando esticado flácido, media menos do que dois e meio desvios padrões, abaixo do tamanho médio para a sua faixa etária; porém, que se mantinha ativo.
                                                         O médico afirmou-lhe que, aproximadamente, um em cada 200 homens o possuía. Algumas causas identificáveis para a sua ocorrência eram: a deficiência do hormônio do crescimento e/ou gonadotrofinas; pequenos graus de insensibilidade a andrógeno; várias síndromes genéticas  (doenças congênitas) e diversas variações em genes homeobox. 
                                                     Disse-lhe o doutor, na ocasião, que alguns tipos de micro-pênis podiam ser tratados com o hormônio do crescimento ou testosterona, desde que fosse no início da infância. No caso dele, entretanto, afirmou o médico que a solução teria de ser cirúrgica.
                                                               A cirurgia para aumento do órgão, também chamada de Faloplastia pelo cirurgião, na grande maioria dos casos, possuía indicação apenas estética – que era justamente o caso dele - e destinava-se à pacientes que relatavam uma inadequação quanto ao tamanho de seu órgão genital, que era evidentemente o caso dele.
                                                           O cirurgião explicou-lhe que faria a secção do ligamento suspensor do pênis, nas proximidades de sua inserção no púbis, até o nível da aponeurose perineal média, e a sua fixação junto à face anterior do púbis permitiria o avanço distal da haste peniana, através do qual pretendia alcançar um aumento de, no mínimo, quatro centímetros no seu comprimento. 
                                                         Disse o médico que seria uma cirurgia relativamente simples, com anestesia local, onde ele seccionaria, parcialmente, o ligamento suspensor, liberando um segmento de cerca de três a quatro centímetros que ficava embutido internamente na pelve, aumentando, com isto, o comprimento externo peniano, principalmente quando flácido. Disse que seria necessário o uso de um aparelho extensor no pós-operatório, para evitar problemas de retração cicatricial.
                                                              Sem dizer nada à esposa e à amante, ele marcou a cirurgia para a semana seguinte, período em que viajaria sozinho, para a África Central, a negócios – segundo comentou em casa e na empresa.
                                                         Chegando o dia dirigiu-se à clínica, localizada em local ermo e agradável, onde permaneceria por alguns dias convalescendo da cirurgia.
                                                           Terminada a mesma, o cirurgião enfaixou a região com uma bandagem e ele permaneceu ali internado. O médico lhe garantiu que a operação fora um sucesso.
                                                 Assim, foi em um estado de ânimo bastante satisfeito com a sua nova condição genital, que ele esperou o dia em que o médico retiraria os pontos e ele poderia contemplar, com orgulho, o mais novo membro da família.
                                                            Chegando a ocasião por tanto tempo esperada, qual não foi a sua surpresa e desilusão ao contemplar o novo órgão, bem menor que o anterior. O médico, também, se disse surpreendido e sem atinar com o que poderia ter acontecido. 
                                                               Aquela cirurgia sempre dera resultados – falou o cirurgião – e aquele fora o único caso em que a técnica não funcionara. Disse-lhe, ademais, que devolveria os honorários cobrados, pedindo muitas desculpas pelo ocorrido.
                                                                Tão furioso ele estava, que saiu dali direto para o escritório do advogado da empresa. Queria, sob todas as formas, processar aquele ‘charlatão‘, conforme passou a nominar o médico a partir de então.
                                                                 O advogado, com bastante experiência em causas cíveis, explicou-lhe que, para que o médico fosse responsabilizado, criminal e civilmente, e tivesse a obrigação de indenizar um paciente ou sua família, necessário se fazia comprovar que ele houvesse agido com dolo ou culpa. Isto implicaria que fosse provada a existência de negligência, de imprudência ou de imperícia. A única exceção a esta regra (em que não se necessitaria comprovar nada), tratava-se do caso em que o médico responderia objetivamente quando da realização de uma cirurgia plástica estética; ou seja, o seu caso específico. Isso ocorria porque, ao contrário da atividade médica tradicional, neste caso o médico teria uma obrigação de resultado e não de meio. 
                                                                      Ao procurar um cirurgião plástico, para corrigir determinado defeito físico, o paciente esperava um resultado estético, resultado este que o profissional médico se comprometia a atingir ao contratar a cirurgia; logo, não ocorrendo o resultado esperado pelo paciente, este poderia acionar judicialmente o médico, pleiteando uma correção ou uma reparação por danos físicos, estéticos e morais – finalizou o advogado. 
                                                                   Mesmo sem observar o efeito da cirurgia, o advogado garantiu que, no caso alegado por ele, era, sim, passível uma ação de reparação por danos físicos, estéticos e morais.
                                                           Tendo o experiente advogado entrado com a Petição Inicial na Vara Cível da Comarca, pouco tempo depois foi marcada a primeira audiência. 
                                                                  Entretanto, sem que ele ou o seu cliente soubessem, o assunto daquela ação cível havia vazado no interior do Fórum e no dia marcado para a audiência a sala estava repleta de advogados, estagiários e serventuários da justiça, curiosos em conhecer minúcias do caso e em verem o tamanho da ‘peça‘ que motivara aquela causa judicial.
                                                          Ao chegar a Vara Cível acompanhado do advogado, ele estranhou a grande movimentação de pessoas, algumas, inclusive, com máquinas fotográficas e filmadoras. Ao entrar na sala, ouviu logo as primeiras piadinhas: - Essa Vara Cível é maior do que a dele! Ele devia procurar é a Vara da Infância e da Juventude!
                                                      Ele pensou em ir-se embora, imediatamente; mas, o advogado argumentou que aquilo seria desistir da ação e, consequentemente, da reparação a que teria direito.
                                                        Gostaria de dizer aos leitores que até aqui me acompanharam, que ele tivera a coragem e a determinação de ir-se dali, como havia pensado momentos antes, deixando para trás todos os seus argumentos e demandas jurídicas; mas, a exemplo do escritor Camilo Castelo Branco em ‘A Queda dum Anjo‘, também tenho aqui ao meu lado o demônio da verdade, inseparável a todo historiador sincero e que, por isto, não me deixa mentir.
                                                              Naquele exato momento ele relembrou todo o inferno que havia sido a sua vida em razão daquela deficiência, da qual se envergonhava.
                                                           Pensou nos sofrimentos pelos quais passara em inúmeras ocasiões, ao perceber que era incapaz de proporcionar prazer a sua parceira.
                                                               Decidiu, em um rasgo de coragem, que iria até o fim daquela ação; mesmo que todos os parentes, amigos e funcionários da sua empresa viessem a tomar conhecimento dos fatos que o envergonhavam - o que seria certo, já que eles acabariam por se tornarem públicos, em razão da dimensão que aquela ação já havia tomado, perante o meio jurídico municipal.
                                                           Foi de cabeça erguida que ele enfrentou os questionamentos dos advogados da parte do médico réu - pois eram dois - e as perguntas do juiz. 
                                                        Quando expuseram duas fotos comparativas de seu caso, antes e depois, todos riram de ambas, enquanto ele permanecia sério. Estava disposto a ganhar aquela causa para demonstrar que doenças e malformações, quaisquer que sejam elas, não podem ser alvo de chacotas e que os médicos que se comprometem a curá-las – como aquele do seu caso – deviam ser responsabilizados civilmente quando não cumpriam aquilo que prometeram.
                                                        Finda a ação, com a sua vitória, ele era outra pessoa. Cumprimentado por alguns advogados pela sua coragem de enfrentar a tudo e a todos, inclusive a imprensa (que, dada a magnitude do caso, noticiou o fato em primeira página dos principais jornais do país), já não mais sentia vergonha por aquela sua condição. 
                                                              A partir daquele episódio ele iria iniciar uma nova vida, segundo confidenciou ao seu advogado, que, pouco tempo depois de receber seus honorários, acabou perdendo o contato com ele.
                                                             Somente alguns anos após o ocorrido o advogado teve notícias dele, através de uma carta recebida com selos do Tibete: segundo relatava na carta ele havia separado da mulher e tornara-se monge budista, em um convento situado nas altas montanhas do Himalaia.
                                                        Continuava urinando sentado para não molhar o chão do banheiro e, toda vez que olhava para seu micro pênis, sorria complacente. 
                                                     Tamanho, realmente, não era mais documento para alguém que, como ele, se preocupava, agora, apenas com as coisas relativas ao espírito. 
                                                          No entanto, tinha absoluta convicção de que em uma nova encarnação viria com ideologia de direita e muito bem dotado (no mínimo com tamanho GG). Achava que pessoas com condições genitais iguais a dele, nesta existência, possuíam a tendência mórbida de esposarem ideologias de esquerda. 
                                                       Estava, ademais, plenamente convencido de que aquilo pelo que passara nesta vida fora, também, apenas, um teste do Criador, sempre brincalhão e curioso para ver como as suas criaturas se comportavam em situações adversas...



2. Tem culpa eu?


                                          Desde os jogos de futebol da Copa anterior, aquele técnico do time nacional do País da Corrupção – ganhando um salário milionário – montava e desmontava equipes titulares e reservas, com vistas à realização da  próxima competição mundial de futebol.
                                                     As instalações onde as equipes treinavam, em região montanhosa de um dos Estados, eram primorosas e com todos os requintes de um hotel cinco estrelas. Os altos salários dos jogadores, médicos, massagistas, seguranças, roupeiros, etc. etc. etc., seriam suficientes para a manutenção anual dos vários hospitais públicos do Estado, sempre à míngua, implorando verbas para aquisição de material e pagamento da mão de obra.
                                                          As eventuais declarações à imprensa, por parte do técnico e dos jogadores, eram sempre ufanistas; isto é, aquela era a melhor seleção do mundo e aqueles os melhores jogadores, comandados, evidentemente, pelo melhor técnico. Durante os treinos, qualquer passe medíocre de bola era considerado genial pela imprensa. Qualquer gol era uma obra de arte realizada por um gênio da pelota. E assim seguiram-se os meses, até a data da competição para a qual todos treinaram juntos durante tanto tempo.
                                                           O País da Corrupção pelo qual competiriam, onde alguns daqueles jogadores apenas treinavam nas proximidades da Copa; já que, na maior parte do tempo residiam no exterior, era carente de tudo: transporte, saúde, saneamento, habitação, educação, alimentação, etc. etc. etc. 
                                                            Ao invés de fazer como outros países menos frívolos e investir seus escassos recursos naqueles setores mais carentes, as  suas autoridades - respaldadas pela vontade do povo - resolveram, por ignorância, por corrupção e por pura demagogia, candidatar-se para sede da Copa e investir bilhões de reais na construção de supérfluos estádios de futebol, objetivando mostrar ao mundo que eram os maiores e os melhores, naquele esporte bretão.
                                                    As obras realizadas para a construção de novos estádios e para a remodelação dos antigos, custaram mais do que a quantia total gasta nas três copas anteriores, situando-se no entorno dos 30 bilhões de unidades monetárias. Denúncias na imprensa acusavam as empreiteiras, responsáveis pelas obras, de superfaturamento; certamente, com a conivência das autoridades. Muitas dessas obras foram realizadas sem licitação e o custo inicial previsto foi multiplicado algumas vezes. 
                                                         Os recursos que faltavam para todos os setores carentes da sociedade, como em um passe de mágica, apareceram em profusão para a construção dos dezessete estádios programados.
                                                       Em diversos Estados, os estádios construídos serviriam, apenas, para alguns dos jogos da copa. Finda esta, os monumentais estádios ficariam subutilizados; já que, os referidos Estados não possuíam times de futebol para disputas durante o ano, nem público local, que justificassem estádios daquelas proporções. Sem estas condições anteriores, em pouco tempo estariam depredados, sucateados e custando ao poder público elevadas somas, apenas com manutenção e salários de empregados, seguranças e vigias.
                                                      Durante os preparativos, autoridades governamentais faziam apologia das obras (todas de Primeiro Mundo), da seleção, do técnico e dos jogadores individualmente. A imprensa, domesticada pelas verbas estatais de publicidade, cedia espaço para estas apologias.
                                                           A população, desinformada e inculta, seguia acreditando em tudo aquilo que a mídia divulgava. Não importava que o povo estivesse carente de quase tudo (embora o país fosse a oitava economia mundial); pois, o importante na vida daquela gente era ser hexacampeã de futebol.
                                                              Finalmente, tendo chegado o grande dia de mostrar do que eram capazes, constatou-se que o desempenho da seleção nacional nas primeiras partidas fora medíocre. Nas quartas de final fora abaixo da crítica, pois perdeu de 7 à 1 – de forma humilhante - para um país considerado sério, onde o futebol era apenas mais um esporte e não a razão de ser de sua população.
                                                          O povo chorava pelas arquibancadas, pelas ruas e no interior das casas. Os jogadores, em uma demonstração de fraqueza, choravam no gramado. O técnico, pensando no emprego que certamente perderia, também deixava escorrer algumas lágrimas pela face. 
                                                 As pessoas na rua, procurando culpados, queimavam ônibus e depredavam o comércio. A imprensa caia em cima do técnico, apresentando-o como o grande vilão desta história toda mal iniciada e mal terminada. O governo, antes ufanista e agora mudo, nada declarava.
                                                       Todos queriam a cabeça de um culpado para decepar, no lugar da sua própria; já que, o único culpado era o próprio povo, com as suas idiossincrasias, com seu temperamento afável e cordial; despolitizado e leniente com as transgressões e com os crimes da plebe e das elites; com a sua inocência de criança e complexo de ‘vira-latas‘ (sempre submisso às elites e autoridades, nacionais e estrangeiras); com o seu desejo de levar vantagem nas pequenas coisas e a pouca disposição para o trabalho sério e objetivo; com a busca constante de uma sinecura ou de algum ‘encosto‘ na seguridade social ou em uma licença médica remunerada; com a capacidade de acreditar em qualquer mentira que lhe contassem; medroso e covarde quando se tratava de enfrentar os fortes, mas corajoso e valente quando se tratava de combater os fracos; sem patriotismo nas grandes questões, mas patriota ao extremo nas pequenas; com o ego exacerbado, julgando-se um povo privilegiado e melhor que seus vizinhos; sem a garra dos povos forjados nas guerras e nas vicissitudes; enfim, sem as qualidades que realmente fazem de um simples povo uma forte nação.
                                                           Era comum, historicamente, observar atletas do País da Corrupção chorando nas competições nacionais e internacionais, por haverem perdido o primeiro lugar ou por terem sido desclassificados; era comum ver representantes do país adotarem posições subservientes em foros internacionais; era comum ver autoridades rezando por cartilhas estrangeiras. As leis, que muitos não cumpriam, eram tradicionalmente brandas e com passagens que permitiam inúmeros subterfúgios aos infratores, de modo a transgredi-las sem medo e sem remorsos. 
                                                          As autoridades eram condescendentes com os crimes cometidos pelas elites e pelas próprias autoridades. O povo, de uma maneira geral, considerava que os criminosos da plebe eram vítimas da sociedade e, por isso, injustiçados ao serem presos e condenados. A imprensa, de um modo geral, considerava a autoridade policial, quase sempre, errada em suas ações e cerrava fileiras, muitas vezes, ao lado dos criminosos e dos infratores da lei. O Poder Executivo, com decretos e portarias ministeriais, violava, frequentemente, leis federais, estaduais e municipais, sem nenhuma contestação partida de quem quer que seja. 
                                                      Os políticos, do alto de suas importâncias no Poder Legislativo, aprovavam leis que prejudicavam ou eram contrárias aos interesses daqueles que os elegeram; isto é, do povo. O Poder Judiciário, de uma morosidade infinita em alguns casos e de uma ligeireza meteórica em outros, possuía inúmeras benesses que os outros poderes não possuíam e, não raro, colocava-se ao lado das elites em suas sentenças e decisões, ou agia com brandura na aplicação das leis, quando se tratavam de réus oriundos das classes dominantes.
                                                        Na minha modesta opinião, enquanto não houver mudança na consciência dessa gente, só alcançada através da educação e do culto aos valores morais e transcendentais, os falsos culpados continuarão sendo eternamente buscados no lugar dos verdadeiros, sempre que alguma coisa der errado no ‘País da Corrupção‘, fazendo com que os criminosos frequentemente perguntem, irônica e descaradamente, às suas vítimas: - Tem culpa eu?


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

quarta-feira, 25 de julho de 2018


239. Novas crônicas sobre o País da Corrupção



Jober Rocha*



1.    A Divina Comédia e a Corrupção

                                     Embora condenados por um tribunal federal, os políticos envolvidos nos tristes episódios da história recente do país da corrupção (episódios estes de associação criminosa entre políticos e empresários objetivando desviar dinheiro público para os seus bolsos), em razão dos artifícios jurídicos e das brechas legais existentes na legislação do país, eles podem acabar escapando da prisão; seja por não perderem seus mandatos políticos; seja por seus advogados acionarem foros internacionais de julgamento, que podem absolve-los em razão de interesses políticos; seja pelo próprio parlamento, de forma corporativa, aprovar novas leis que os beneficiem; seja, até, por solicitarem asilo político em algum país do continente cujo governante, de esquerda, seja “mui amigo" daqueles políticos de esquerda presos.
                                                Entretanto, não devemos imaginar que eles sairão totalmente ilesos deste lamaçal, sem nenhum respingo, se não em seus corpos pelo menos em seus espíritos.
                                               Dante Alighieri (1265-1321), em seu poema ‘A Divina Comédia’, publicado pela primeira vez em 1555, forneceu uma descrição dos sofrimentos impostos no Inferno aos espíritos daqueles condenados por vícios, crimes e pecados, todos de muito menor monta do que os que foram cometidos pelos condenados em nossas humanas Cortes de Justiça.
                                                      Para que estes políticos condenados tenham uma pequena ideia daquilo que os espera, logo após deixarem seus eleitores, a política e a vida, para todo o sempre, rumo à espiritual Suprema Corte de Justiça, apresento um breve resumo da obra de Dante (posto que muitos destes políticos, certamente, nunca a leram; alguns até por não saberem ler), onde o autor passeia pelo Inferno e pelo Purgatório em companhia do seu amigo Giovanni del Virgílio, e pelo Paraíso ao lado de Beatriz sua amada falecida.
                                                     Oxalá a leitura deste resumo pudesse transmitir um pouco de receio àqueles políticos que se dizem cristãos e que creem no Inferno, no Purgatório e no Paraíso. Estes cidadãos só cometeram os crimes de que são acusados, e que acabaram por levá-los às barras dos tribunais, porque não acreditaram que pudessem, jamais, vir a ser punidos pela justiça dos homens.  Se, pelo menos, os políticos viessem a temer os castigos do além; ter-se-ia, no país, menos casos de corrupção iguais a estes.
                                                    Resumindo, portanto, isto foi o que Dante nos contou acerca do seu passeio pelas profundezas do Inferno:

                                                     Atravessando o fatídico limiar infernal, encontramos no vestíbulo os COVARDES. Após atravessarmos para a outra margem do Rio Aqueronte, conduzidos pelo demônio Caronte, chegamos ao inferno, onde existem vários círculos destinados aos espíritos dos mortos.
                                                     O Inferno, propriamente dito, começa no segundo círculo, indicado pelo juiz Minos (quase que Dante acerta e ele se chama juiz Moro), já que o primeiro círculo é o Limbo. Neste segundo círculo, os LUXURIOSOS são arrebatados por uma tempestade de vento. No terceiro círculo os GULOSOS são flagelados por uma chuva putrefata. No quarto círculo desfilam os AVARENTOS e os PRÓDIGOS, que empurram pesos enormes, e depois os IRACUNDOS, os INDOLENTES os INVEJOSOS e os SOBERBOS. Todos imersos na lama ardente do Rio Estige.
                                                  Caminhando, chegamos à cidade de Dite. Nesta, vimos os HERÉTICOS em sepulcros de fogo, os VIOLENTOS CONTRA O PRÓXIMO em um rio de sangue, os SUICIDAS transformados em árvores nodosas; os ESBANJADORES perseguidos e devorados por enormes cadelas.
                                                 Os VIOLENTOS CONTRA DEUS E CONTRA A NATUREZA eram submetidos a uma implacável chuva de fogo, caminhando sempre. Os USURÁRIOS também eram submetidos a esta chuva de fogo, mas sentados e movendo sem descanso as mãos para se defenderem. O oitavo círculo era dividido em dez fossos ligados entre si por pontes.
                                                      Num crescendo de horror, a segunda parte do inferno apresentava um espetáculo ainda mais tenebroso. Os ALCOVITEIROS eram flagelados por demônios com chifres; os ADULADORES estavam imersos em estrume. Os VENDILHÕES debatiam-se em óleo fervente. Os HIPÓCRITAS arrastavam-se oprimidos por pesadíssimas capas de chumbo.
                                                    Os LADRÕES estavam todos em um fosso repleto de serpentes, que os envolviam enroscando-se neles, apertando-os e os mordendo. No momento em que era mordido, o infeliz incendiava-se e ficava completamente incinerado. Todo o fosso fervilhava de estranhos seres em metamorfoses, entre um abater de caudas que se tornavam pernas e de braços que se retiravam do corpo e línguas que se bifurcavam.
                                                        Depois deste monstruoso espetáculo, surge o crepitar de chamas que encerram os CONSELHEIROS FRAUDULENTOS. Mais a frente, encontramos os PROMOTORES DE DISCÓRDIA e os CISMÁTICOS, cortados em pedaços pelas espadas afiadíssimas de demônios.
                                                     No último fosso, estavam apinhados os FALSÁRIOS, oprimidos por terríveis doenças. Os MENTIROSOS ardiam de febre.
                                                   Finalmente, atingimos o fundo do inferno, que, ao contrário do que pensávamos, era gélido e consistia em um imenso bloco de gelo. Prisioneiros, neste bloco, com as cabeças imersas na estrutura gelada, estavam os TRAIDORES.



                                                           Não resumirei o passeio de Dante pelo Purgatório e pelo Paraíso, pois, evidentemente, por lá não circularão nenhum dos espíritos daqueles envolvidos nos casos de corrupção julgados.
                                                       Como este passeio de Dante ocorreu antes do ano de 1555, e como se tratava de uma ficção (muito embora o poeta pudesse ter tido uma antevisão daquelas profundezas), somos levados a acreditar que, na época de Dante, os graves crimes imputados aos atuais políticos e empresários ainda eram totalmente desconhecidos das populações terrenas e, por maior que fosse a sua imaginação poética, Dante não foi, sequer, capaz de alcançar tamanha criatividade criminosa, para poder prever e inserir na Divina Comédia alguns diferentes e mais terríveis castigos; bem como, criar um simples fosso, que fosse, onde os autores daqueles crimes abjetos, aqui cometidos, passariam a residir e a penar, para sempre, nos subterrâneos do Inferno.
                                                            Todavia, em razão do progresso material, científico e filosófico; bem como, da evolução espiritual, da mudança nos costumes e do aperfeiçoamento das leis, ocorrida desde então, é de se supor que, na real existência do Inferno, novos castigos e piores penas, possam ter sido inventados por quem de direito, para serem aplicados, ali, aos novos crimes surgidos a partir de então; na suposição de que o Capeta ainda seja o administrador daquele local e que não tenha perdido o seu posto para algum político que, da mesma forma que iludiu os seus eleitores, pode ter iludido também o Criador e se feito nomear, por este, para a função tão bem gerida pelo velho Capeta, desde o surgimento da vida humana na face do planeta.
                                                               Seria, no mínimo, frustrante para o povo do país da corrupção se a pena imposta naquele Foro (único tribunal onde os maus são efetivamente punidos) aos espíritos dos MENTIROSOS (aqueles que dizem que não sabiam de nada e que, quase sempre, escapam da justiça dos homens), continuasse ainda sendo a mesma dos tempos de Dante, ou seja, apenas ‘arder de febre para sempre’. Por outro lado, a pena imposta aos TRAIDORES (que também se contam às dezenas, centenas ou mesmo milhares no país da corrupção), a de estarem presos no gelo pelas cabeças, pode se afigurar até como um benefício ou um favorecimento, visto a temperatura escaldante que deve vigorar naquele local de expiação.



2.    O Agente Duplo


                                             Durante anos ele havia sido treinado, em um país distante, sobre todos os tipos de operações clandestinas. Era ‘expert’ em espionagem e contraespionagem. Falava fluentemente vários idiomas, inclusive o português, e fora enviado por sua agência àquele país da corrupção, no início do ano, para coletar e remeter informações sobre os diversos aspectos dos principais setores do poder nacional: o econômico, o político, o militar e o psicossocial.
                                                         Já estava no país há quase seis meses. Durante este período havia procurado informar-se sobre tudo aquilo que se relacionava com a sua missão. Lia jornais e revistas, conversava com pessoas na rua e no prédio onde morava, assistia a filmes, via televisão, etc.
                                                        Em algumas ocasiões entrara, furtivamente, em repartições públicas desertas, durante o horário do almoço e mesmo várias horas após o encerramento deste, em busca de algum informe confidencial ou secreto porventura esquecido sobre as mesas.
                                                          Quando julgou conhecer bem o país e a sua gente, preparou o primeiro informe, codificado, para remeter à agência de inteligência que o havia enviado.
                                                       O informe que mandou codificado, depois de traduzido, basicamente, era o seguinte:

De: Agente X
Para: Alta Direção da Agência de Inteligência
Assunto: Relatório de Situação

                                                    Após seis meses vivendo infiltrado neste país, e dando prosseguimento à minha missão, pude coletar diversos informes confiáveis que passo a relatar a seguir:

1. Sobre os Aspectos Econômicos do país

. Vinte por cento do lucro dos bancos vêm das tarifas cobradas pelos serviços que oferecem aos seus clientes;
. Os juros, cobrados pelas organizações financeiras, são da ordem de até quinze por cento ao mês ou de até quinhentos e quarenta por cento ao ano, constituindo-se nos mais elevados do mundo;
. As filiais dos principais bancos internacionais, aqui instaladas, são as que obtêm os maiores lucros em todo o mundo;
.  A carga fiscal, incidente sobre as pessoas físicas e jurídicas, é a maior dentre todos os países, sendo que os impostos pagos anualmente por tais contribuintes representam, no mínimo, cerca de quatro meses de trabalho em suas atividades;
. O crescimento da economia, de um modo geral, tem sido muito baixo durante vários anos, pois o governo privilegia o setor financeiro em detrimento do setor industrial;
. A burocracia e a corrupção nos órgãos públicos desestimulam a transferência de empresas estrangeiras para o país e dificultam a sobrevivência daquelas aqui instaladas;
. O governo, através dos escorchantes impostos que compulsoriamente cobra das empresas, passa a se constituir em sócio de todas elas sem haver entrado com nada nesta sociedade;
. Os empresários, por sua vez, para sobreviverem, procuram sonegar ao máximo tudo o que podem, não emitindo notas fiscais de venda, roubando no peso, na quantidade e na qualidade dos produtos que comercializam, contratando empregados sem assinar suas carteiras de trabalho, etc.


2. Sobre os Aspectos Políticos do país

. É comum aos Presidentes da República afirmarem que não sabiam que os ministros desviavam recursos do governo para seus partidos políticos, quando estes ministros se envolvem em episódios de corrupção e a imprensa entrevista os presidentes em busca de informações sobre tais casos;
. Normalmente, setenta por cento dos parlamentares eleitos respondem a processos cíveis e criminais na justiça;
. Os parlamentares ganham no total, entre salários, auxílios e vantagens, cerca de duzentas vezes o salário mínimo vigente;
. Políticos filmados escondendo nas cuecas, nas meias ou em malas, dinheiro recebido ilegalmente, declaram, cinicamente, que assim o faziam por medo da violência nas ruas;
. Políticos condenados por desvios de recursos públicos e corrupção não perdem os seus mandatos e, caso sejam presos, podem trabalhar no parlamento durante o dia e recolherem-se às suas celas no presídio durante a noite;
. Criminosos presos não perdem seus direitos civis e podem se candidatar a cargos eletivos. Se eleitos tomam posse.


3. Sobre os Aspectos Militares do país

. Grande parte das armas e munições utilizadas pelos criminosos é obtida através de furtos nos quartéis militares;
. As forças armadas têm funcionado, durante grande parte do ano, sob o regime de meio expediente, em razão de falta de comida para os militares;
. A Força Aérea, através de uma comissão, escolheu adquirir aviões de caça, de um determinado tipo e fabricante, destinados à atualização e a modernização da sua frota de aeronaves de combate; porém, o Presidente da República, na ocasião, mostrou interesse por outra aeronave diferente, produzida por outro fabricante, afirmando que quem entendia daquele assunto era ele;
. As forças armadas, em caso de engajamento em um conflito externo, possuem munição para apenas um só dia de combates intensos;
. Os Ministros da Defesa são apenas políticos, sem nenhuma formação específica nas Ciências Militares e na Arte da Guerra. 



4. Sobre aspectos Psicossociais do País

. O número de reclusos fugitivos das cadeias e penitenciárias é maior do que o número de reclusos, efetivamente, presos;
. A polícia soluciona menos de cinco por cento de todos os crimes ocorridos no país;
. Os criminosos que são condenados a mais de trinta anos de prisão, na prática, cumprem apenas cinco anos ou menos em regime fechado;
. Os menores de dezoito anos condenados por crimes de morte cumprem, no máximo, três anos em estabelecimento correcional;
. A imprensa e a Mídia, de uma maneira geral, endeusam os criminosos e criticam a ação da polícia, em seus acertos e em seus erros;
. É comum o fato de criminosos e infratores, presos no dia de hoje, serem vistos nas ruas, soltos, no dia de amanhã.



                                                       Quando estes informes chegaram ao quartel general da agência de espionagem e foram decodificados, uma reunião urgente da alta direção foi logo marcada.
                                                Vários dirigentes e analistas de informações reuniram-se para avaliar o teor do relatório.
                                                   Após horas de discussão, o Diretor Geral levantou-se e, traduzindo a opinião geral, declarou: 


                                                       - Senhores este é mais um caso de agente nosso que se bandeia para o lado do inimigo. Sem dúvida, ele já está a soldo do governo local trabalhando como agente duplo e envia estes informes falsos para nos confundir.
                                                              - Seu erro, todavia, foi primário, pois ao enviar informes tão inverossímeis, que não seriam levados a sério nem mesmo por uma criança totalmente desinformada, praticamente, confirmou sua condição de agente duplo. Nenhum país do mundo poderia coexistir com situações tão esdrúxulas e inimagináveis como estas que ele descreve.
                                                       - Vamos despachar um comando operacional nosso para sequestrá-lo, com ordem para que seja lançado no meio do oceano, de pés e mãos amarrados, como fazemos sempre com aqueles que nos traem, passando para o lado do inimigo.
                                                              - Que isto sirva de exemplo futuro para todos os nossos agentes em missão no exterior, de maneira a que jamais pensem em nos trair como fez este pobre infeliz. Que o capeta o receba de braços abertos no inferno, se é que ele ainda manda naquele local...



_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.