quinta-feira, 21 de junho de 2018


230. A Necessidade da Alienação


Jober Rocha*


                                           A palavra alienação tem várias definições, como, por exemplo, no Direito, na Psicologia, na Filosofia e na Sociologia. No presente texto, entretanto, ficaremos, apenas, com aquela que se refere à Sociologia; isto é, o fato de o indivíduo estar alheio a vida social em muitos de seus sentidos, deixando de ser agente histórico para ser conduzido por outros. Uma verdadeira marionete seria uma boa analogia para este caso. O alienado seria, assim, aquele indivíduo que não teria opinião e nem ação própria; ou seja, não teria vida própria. Existiria como se vivesse em outro mundo, que não no mundo real.
                                                      A alienação, portanto, segundo tal conceito, trataria do mistério de ser ou de não ser, como a famosa frase dita por Hamlet durante o monólogo da primeira cena do terceiro ato na peça homônima de William Shakespeare; pois uma pessoa alienada careceria de si mesmo, tornando-se a sua própria negação.
                                                           Alienação referir-se-ia, assim, à diminuição da capacidade do indivíduo em pensar e agir por si próprio e tendo a sua atenção desviada de coisas importantes para coisas sem importância, através de uma transvaloração de valores (promovida por um comunicador, isoladamente ou através da Mídia), em que aquilo que não tem importância passaria a ter e o que tem importância passaria a não ter.
                                                       O principal fator que contribuiria em maior grau para a alienação das populações, na atualidade, seria, portanto, a comunicação através da Mídia, uma vez que a alienação parece ter evoluído e se disseminado entre as populações em razão do desenvolvimento e da expansão da comunicação midiática, feita através da TV, da WEB, da imprensa e da indústria cinematográfica, atingindo grandes contingentes humanos de forma rápida e objetiva.
                                                            Mais do que a função de informar, a mídia atual teria como objetivo principal a missão de alienar os cidadãos, modificando a sua moral, os seus costumes e os seus objetivos psicossociais, pessoais e coletivos, segundo os interesses das elites dominantes.
                                                           A alienação seria, assim, passada de um comunicador qualquer, que possuiria uma informação nova (verdadeira ou falsa) e seria recebida por um receptor qualquer que, até então, a desconhecia e que, a partir daí, nela passaria a acreditar, confiar e considerar importante; sendo o agente receptor, desta forma, alienado por esse agente comunicador.
                                                 O comunicador mencionado não, necessariamente, apenas poderia ser encontrado na Mídia; mas, também, ao vivo, em escolas, igrejas, palestras, seminários, conferências, etc.
                                                         A facilidade com que muitas populações se deixam influenciar, notadamente a nossa, brasileira, certamente possui alguma explicação psicológica que pode remontar aos tempos do Brasil colônia, quando as notícias e as novidades vindas da Europa, de uma maneira geral, e aquelas chegadas da matriz, Portugal, de um modo particular, eram importantes e disputadas avidamente entre os inocentes, crédulos e pouco cultos habitantes locais.
                                                     Na atualidade, por sua vez, em decorrência das crises econômicas, políticas e sociais que se sucedem em nosso país (com os desvios de recursos públicos por políticos e governantes, a violência urbana e rural, o acentuado desemprego, a carência de infraestrutura hospitalar e de transporte, as greves frequentes, os baixos salários, a excessiva burocracia, a fome, etc.) as populações brasileiras, como que vivendo em um estado permanente de choque, buscam, elas mesmas, a alienação das novelas, do futebol, da religião, do carnaval,  como uma forma de catarse, de forma a seguirem seus destinos de rebanho sem enlouquecer. Buscam, ademais, os vícios alienantes e os remédios de tarja preta com a mesma finalidade.
                                                               Unir-se-iam, pelo visto, em nosso país, a vontade de alienar e a necessidade de ser alienado, em um episódio raro a ser melhor pesquisado e estudado pelos cientistas do comportamento social.
                                                     Para constatar aquilo que afirmo, consultando nas edições digitais da WEB os principais jornais brasileiros, encontrei como únicos assuntos, os seguintes: notícias, esportes, política, entretenimento, tecnologia, música, moda e beleza, casa e decoração, shopping, serviços e vídeos.
                                                            Relativamente ao assunto Notícias, os aspectos e fatos abordados resumiam-se a desastres, violências e furtos ou escândalos de natureza comum. No que se referia aos Esportes, noventa por cento das matérias divulgadas tratavam de futebol, de seus contratos milionários e de suas fofocas; sendo que os restantes dez por cento tratavam de lutas do MMC, UFC, etc.
                                                         Com relação a Tecnologia, eram comentados os novos jogos eletrônicos e os novos equipamentos de informática, à venda no mercado nacional e internacional. Moda e Beleza apresentavam sugestões de roupas femininas, de maquilagem, etc. Casa e Decoração tratavam de arranjos para interiores, móveis e decorações, em geral. Música destacava os cantores, cantoras e conjuntos musicais que fazem sucesso no momento.
                                                            Shopping destacava produtos e seus preços, encontrados nos principais shoppings das principais cidades do país. Política ocupava-se dos mais recentes escândalos envolvendo o desvio de recursos públicos. Serviços tratava da venda de imóveis, veículos, segurança, namoro, concursos, etc. Vídeos tratava de filmagens realizadas sobre estes assuntos anteriores.
                                                          Com respeito aos jornais impressos, vendidos em banca, a mesma coisa: crimes, violências, esportes, novelas, programação da TV, condições climáticas, ‘fofocas’ do meio esportivo e artístico, etc. etc. etc.
                                                         Convenhamos que todo este material divulgado pela Mídia, tanto através dos jornais eletrônicos quanto dos jornais impressos, pouco conteúdo tem para acrescentar alguma coisa de importante à formação científica, política, filosófica ou cultural de qualquer cidadão que faça uso destes veículos de informação (que constituem concessões do governo) buscando se instruir, se informar, elevar a sua cultura e aumentar os seus conhecimentos.
                                                         Será que estes temas apresentados são os principais assuntos a influenciar a vida, o futuro e o destino da nossa nação e de sua população? Muitos poderão argumentar: - Mas, é disso que o povo gosta! 
                                                     Ocorre que existe um postulado em Economia que diz que a oferta cria a sua própria demanda; ou seja, se estes temas são difundidos em profusão e massificados, a população acabará se interessando por eles. Se apenas estes temas forem veiculados, a população se acostumará com eles e achará normal só existirem eles.
                                                            Como este fato ocorre com os principais jornais do país, somos forçados a concluir que existe algo mais, por detrás desta maneira de noticiar. Uma mesma notícia que vi, foi divulgada por jornais escritos e por suas edições digitais na WEB com as mesmas palavras, do início ao fim, indicando que a fonte de onde havia partido era única e que todos tiveram que divulgá-la daquela mesma forma, sem comentá-la e, evidentemente, seguindo ordens, pois foi divulgada por todos naquele mesmo dia.
                                                                No que se relaciona à televisão aberta, por sua vez, o público telespectador apenas recebe das emissoras desenhos animados, filmes, programas religiosos, esportes, músicas e o noticiário diário centrado, basicamente, em crimes, condições climáticas e notícias superficiais de caráter geral. Algumas entrevistas ou debates, porventura apresentados, são feitos em horários incompatíveis com a disponibilidade de tempo dos cidadãos que trabalham e que necessitam de oito horas de repouso diário.
                                                             Praticamente, inexistem debates de cunho político, econômico, militar e psicossocial, que tragam à baila assuntos atuais, de interesse estratégico para o nosso desenvolvimento e que mobilizem a população brasileira, com vistas a um projeto de superação das nossas deficiências nos quatro campos do poder já mencionados.
                                                            Sobre muitos assuntos importantes só tomamos conhecimento deles através da mídia que nos chega de fora do país. Outros assuntos, de suma importância são apenas vagamente comentados pela mídia local, sem nenhum destaque compatível com a magnitude do nosso país e/ou com a relevância do assunto para nós.
                                                   O jornalismo investigativo, por aqui, praticamente só existe para combater inimigos políticos, fazendo-os despencar da posição de poder em que se encontram ou da importância junto ao eleitorado que, eventualmente, venham a ter. Tão logo o objetivo da reportagem é alcançado, o combate é suspenso e o assunto sai da mídia e cai em total esquecimento.
                                                         A polícia, de um modo geral, é sempre criticada na mídia, quer tenha agido corretamente, quer não tenha; parecendo que os órgãos de informação se esquecem do fato de que é preferível uma polícia deficiente e mal treinada do que nenhuma polícia (coisa que parece ser o desejo e o objetivo de algumas autoridades, de alguns políticos e de parte da imprensa, certamente, advogando todos em causa própria).
                                                       Quando um agente da lei atira e fere ou mata um meliante, logo se levantam inúmeras vozes para defender este fora da lei (que os críticos da polícia afirmam ser uma vítima das injustiças sociais) e atacar aquele agente da lei (que estes mesmos críticos afirmam ser um representante das forças reacionárias e conservadoras).
                                                       Quando algum político é apanhado roubando dinheiro público, sempre encontra guarida entre seus pares e na mídia (com algumas raras exceções), que sempre prefere fazer a defesa dos ricos e dos poderosos (optando, com isto, por permanecer do lado de onde provêm as verbas publicitárias), a ficar do lado do povo que paga a conta destes desvios através dos seus impostos (a não ser que a orientação da Mídia, partida daqueles que detém o poder, seja a de ‘fritar’ algum político ou alguma autoridade que, sendo acusados de crimes e tendo inimigos políticos, hajam caído em desgraça perante estes detentores do poder).
                                                         Como a Mídia, de um modo geral, trata-se de uma concessão do poder público, este deveria exigir de cada canal de mídia um conteúdo mínimo de informações de qualidade, sejam culturais, científicas, políticas, sociais e econômicas e fiscalizar o cumprimento desta exigência; coisa que o poder público, certamente, não faz.
                                                         Avram Noam Chomsky, filósofo, linguista e ativista político norte-americano, professor catedrático que leciona há mais de quarenta anos no MIT, vem dando enorme contribuição à Linguística, à Ciência e a Psicologia de um modo geral, à Psicologia Evolucionária, à Ciência da Computação, à Política, à Economia e às Ciências Sociais, através de seus livros e de suas teorias. A ele é atribuída a frase: “A propaganda representa para a Democracia aquilo que o cassetete significava para o estado totalitário”.
                                                            Em suas conferencias denominadas ‘Visões Alternativas’ (Chomsky, N. 1990) ele apresenta uma lista de dez princípios de que se utilizam frequentemente às classes dominantes (nacionais e internacionais), objetivando levar os cidadãos a, inconscientemente, apoiarem os interesses destas classes, interesses estes que, em sua maior parte, são totalmente diversos daqueles dos indivíduos (e até mesmo conflitantes), objetivando a manipulação econômica e social de países, nações e comunidades.
                                                    Em nosso país, isolado física, linguística e culturalmente do resto do mundo, a maior parte de nossa população apenas lê e entende a nossa língua, o que reduz, em muito, a possibilidade de informar-se por meios outros que não os nossos jornais e canais de Televisão em língua portuguesa.
                                                          Os livros são muito caros e a população não possui o costume de ler com habitualidade, como as populações de outros países. Neste contexto, torna-se muito fácil para as elites dominantes manipularem a nossa gente, seja mediante a divulgação de notícias que lhes favoreçam, seja através da supressão de notícias que lhes desfavoreçam, em uma censura velada.
                                                      Nosso povo é mundialmente reconhecido por algumas de suas características: alegre, paciente, dócil, pacífico, crédulo, religioso, inocente, despolitizado, imitador, desorganizado, conciliador, pouco afeto ao trabalho e medroso.
                                                   Nossa História, antiga e contemporânea, está cheia de exemplos quanto a isto. Embora algumas destas características, muitas vezes, sejam desejáveis individualmente, coletivamente indicam um povo fraco e submisso.
                                                         Com isto, o povo brasileiro, inculto e pouco exigente, tendo se acostumado a consumir os produtos oferecidos pela nossa mídia, nem imagina que em outros países está possa se prestar ao papel de instruir e de educar, fiscalizada com rigor pelo Estado.
                                                          É o cúmulo observar com frequência tanto a gente do povo quanto pessoas proeminentes na sociedade (médicos, advogados, militares, industriais, comerciantes, etc.), discutindo, às vezes acirradamente, sobre os próximos capítulos das novelas, sobre partidas de futebol e sobre programas de televisão. Entretanto, aqui em nosso país, este fato é considerado como possuir ‘cultura geral’.
                                                      Infelizmente, nossa mídia, que podia prestar-se ao importante serviço de levar informações relevantes à população, sobre inúmeros temas importantes para nosso desenvolvimento global, é utilizada, apenas, para entretenimento de baixa qualidade e para a divulgação de ideias e valores do interesse de nossas elites retrógradas, hoje mancomunadas com a esquerda venal, mantendo o povo alienado com relação aos seus próprios interesses.


_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

Um comentário:

  1. Jober,escrevi tanto aí alguém me mandou um MSM que caiu na página e eu perdi tudo.Concordo com tudo que você escreveu só que a revolta e principalmente sentir que você não pode modificar de maneira mais rápida tudo o que há dá vontade de hibernar por um tempo.Quando fico mais aflita fico mandando e_mail.Já mandei para a presidência da República,ouvid ouvidoria do ministério da Fazenda, para o ministério da educação pelas propagandas enganosas que colocam na mídia.Isso é mais ou menos um resumo do que escrevi.Faz_me bem ler seus textos e do Lucas, meu neto.Boa noite.

    ResponderExcluir