227. Conservar amigos e amores ou dizer sempre a verdade?
Jober Rocha*
Creio que esta dúvida, que ora na
maturidade me ocorre, é, também, compartilhada por muitos dos meus leitores.
Filosoficamente, podem ser distinguidos
cinco conceitos de verdade: Verdade como correspondência, como revelação, como
conformidade a uma regra, como coerência e como utilidade.
Os dois primeiros são os mais difundidos,
porém, ficaremos, apenas, com o primeiro deles, isto é, o conceito de verdade
como correspondência.
Como dizia Platão, em seu tempo: “Verdadeiro é o discurso que diz as coisas
como são; falso ou mentiroso é aquele que as diz como não são”.
Ou como dizia Aristóteles, no tempo dele:
“Negar aquilo que é e afirmar aquilo que não é, é falso ou mentiroso; enquanto
afirmar o que é e negar o que não é, é a verdade”.
O conhecimento e o uso que se faz da
verdade, segundo este conceito aqui adotado, possuem diversas nuances que valem
a pena ser exploradas, o que procuraremos fazer a continuação.
Quando somos jovens e pouco sabemos a
respeito das coisas e das pessoas, o nosso grande objetivo na vida, de uma maneira
geral, é o de sermos apreciados e queridos, por aqueles com quem convivemos, em
razão daquilo que pensamos ser e do que dizemos e fazemos. Naquela oportunidade,
conhecer pessoas que nos apreciem e valorizem; bem como, fazer e cultivar
amigos, passa a ocupar um tempo muito expressivo de nossas, até então, curtas e
inexperientes existências.
Com o passar dos anos e o natural
acumulo de conhecimentos e experiências que com eles chegam (trazendo juntos,
também, as desilusões, os sofrimentos, os desapontamentos, os desenganos e os
desencantos), a própria Arte de Viver se encarregará de nos mostrar que as
coisas que víamos e com as quais convivíamos e aquelas outras que imaginávamos, quase sempre não
eram e nem seriam jamais, exatamente, tudo aquilo que pensávamos.
Percebemos que tanto os amigos quanto os
amores, vêm e vão em nossas vidas; alguns deixando inesquecíveis saudades e
outros inolvidáveis mágoas ou tristezas.
Reconhecemos, por vezes, até com certa satisfação,
que jamais fomos aquilo tudo que pensávamos ser e que, felizmente, em algum
ponto do caminho, os nossos destinos cambiaram, tomando novos rumos que nos
conduziram a outros portos, sem dúvida, tão ou mais seguros e promissores que aqueles dos
quais havíamos partido anteriormente.
Não digo portos mais felizes, por que a
felicidade sempre a carregamos (ou não) junto de nós. Assim, ela estará
presente (ou não) aonde quer que estejamos; pois ela faz parte (ou não) da
bagagem interior que transportamos para onde quer que sigamos e jamais a
encontraremos vagando, solitária, a procura de uma carona, pelos diferentes caminhos
que venhamos a percorrer nestas nossas existências terrenas.
Quando somos jovens, a conquista e a
manutenção de amigos e de amores faz com que, por inúmeras vezes, evitemos
dizer a verdade, sufocando-a em nossas gargantas, pois ela não é tão importante,
para nós, como são os amigos ou os amores que queremos preservar a todo custo.
Em algumas situações, apenas nos calamos sobre a verdade que conhecemos; mas,
em outras, a substituímos pelas mentiras que criamos.
Mais à frente, ao sermos eventualmente
traídos em nossas amizades, ou em nossos amores, que julgávamos tão importantes
na juventude e, até mesmo, eternos, percebemos que o compromisso com a verdade
deveria ter prevalecido; pois nenhuma obra construída sob o alicerce da mentira
tem a tendência de permanecer de pé por muito tempo.
Reconheço, todavia, que, durante a
existência, estamos sempre raciocinando em termos da Análise Custo versus Benefício.
Se o benefício de uma mentira, para nós, naquele momento em que a formulamos,
for maior do que seu custo, é evidente que a tendência dos seres humanos será a
de aceita-la e propaga-la como se verdadeira fosse; a não ser em uns poucos
casos de pessoas consideradas totalmente virtuosas e de um comportamento
excepcional, incapazes de mentir, que constituem, evidentemente, pontos fora da
Curva Normal que descreve o comportamento humano.
Ocorre que, no tempo presente,
raciocinamos estaticamente e não de forma dinâmica, como deveríamos, caso
conhecêssemos o futuro. A mentira de baixo custo, hoje, pode nos custar muito
caro mais à frente, embora não nos venhamos a dar conta disto nos atos de
cria-la e de divulga-la.
O conhecimento da verdade, por outro
lado, significa poder de dominação sobre aqueles que a desconhecem e, em
decorrência, os poderosos guardam as suas com sete chaves.
A verdade, portanto, ao mesmo tempo que liberta
aqueles que chegam a conhece-la (e que, até então, a desconheciam e, por isto,
eram dominados antes de serem por ela libertos), aprisiona aqueles que se
escondiam sob a capa da mentira (e que, até então, por serem os únicos a conhecerem
a verdade, eram os dominadores, que propagavam a mentira para os dominados);
razão pela qual, a tendência geral dos poderosos é mantê-la sempre oculta.
Constata-se, também, que muito daquilo que é tido como verdadeiro tanto no campo das Ciências, da
Filosofia, da Religião, da Política, etc., não passa de uma verdade relativa,
válida, quando muito, sob certas circunstâncias ou condicionantes.
Compreende-se, ademais, que Ciência,
Filosofia, Religião e Política, são utilizadas como instrumentos de dominação
da raça humana e, em vista disto, as verdades que postulam devem ser vistas com
certas reservas.
Assim, muito do que, ao longo do tempo,
escreveram os cientistas, os filósofos, os religiosos e os políticos, acabou
sendo depositado na lixeira da História e ridicularizado pelas gerações que se
seguiram.
Basta ver as explicações de médicos da
Idade Média sobre as causas das doenças que acometiam os indivíduos. Basta
contemplar as explicações religiosas sobre a origem da vida e sobre a criação
do Universo; bem como, a Cosmogonia dos povos primitivos.
Basta, também, observar as ideologias
políticas, criadas para justificar a dominação dos opressores sobre os
oprimidos. Mesmo os filósofos, tradicionalmente comprometidos com a busca da
verdade, através do conhecimento, têm esposado, muitas vezes, teorias que não
correspondem à essa verdade que tão incansavelmente procuram.
Muito do que estes próprios filósofos ou
pensadores nos legaram do passado, nestes dias presentes tem, apenas, interesse
histórico e ilustrativo; tendo servido, em determinadas épocas e locais, apenas
para justificar pontos de vista das elites dominantes acerca da supremacia de
determinadas raças; de formas de governo mais adequadas para determinados países;
de ideologias e sistemas econômicos melhores do que outros; etc.
Na idade madura, entretanto, quando a
maioria das ilusões que tínhamos, sobre amigos e amores, já se perderam,
passamos a ver o mundo (mesmo não nos dando conta disto de forma consciente, em
nosso no dia a dia) como descrito por Kant em sua obra “Crítica da Razão
Prática”: “A mais impressionante
realidade em toda a nossa experiência é, precisamente, o nosso senso moral, o
nosso sentimento inevitável, diante da tentação, de que isto ou aquilo é
errado. Podemos ceder; mas, apesar disto, o sentimento lá está”.
Embora o filósofo considere que esse
senso moral é inato aos seres humanos, em minha modesta opinião ele se acentua
com a maturidade; existindo, com certeza, na juventude, porém, sendo vencido na ocasião,
facilmente, pelas paixões. Assim, mentir na juventude torna-se muito mais fácil
do que mentir na velhice, da mesma forma que os comportamentos viciosos são
mais comuns de serem encontrados na juventude do que na maturidade.
Imagino serem estas as razões pelas
quais nós, os velhos, somos mais autênticos ao dizermos, sempre ou quase sempre,
aquilo que pensamos e a evitarmos a mentira como argumento para conservarmos
amigos e amores ao nosso lado.
_*/
Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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