terça-feira, 12 de junho de 2018


226. As Obras-Primas

 

Jober Rocha*


                                           Dizem os dicionários que o termo obra-prima, originalmente, referia-se a uma peça de arte manufaturada, produzida por um artesão que pretendesse ascender à posição de mestre na sua profissão e, por conseguinte, na corporação a que pertencia, seja de ourivesaria, de tapeçaria ou uma outra qualquer.
                                                            Na atualidade, porém, o termo é empregado para definir qualquer obra de arte considerada extraordinária, quase sempre se referindo a melhor obra do artista; já que, estas são tão raras que os melhores artistas não costumam produzir mais do que uma em suas vidas.
                                                              Evidentemente os gostos variam, mas as obras-primas costumam ser admiradas por todos que as contemplam, leem ou ouvem (ou as percebem através do olfato, do paladar e do tato, pois existem obras-primas na culinária, na perfumaria, etc.) em qualquer época; isto é, são atemporais e universais.
                                                           Extrapolando aquelas obras-primas de natureza artísticas, sob o meu ponto de vista, elas existem também nos campos da Ciência e da Filosofia. Tais obras, assim consideradas, possuem algo intrínseco de divino e este alento divino está presente, segundo penso, não apenas em algumas obras de arte excepcionais, mas, também, em algumas obras científicas e filosóficas.
                                                           As obras-primas costumam culminar os trabalhos dos seus autores, pois são frutos do pendor natural, da experiência profissional, da maturidade e (por que não?), certamente, de uma pequena ajuda divina em reconhecimento ao valor do seu autor.
                                                       Essa ajuda, mesmo que os leitores não creiam nela, pode se dar, segundo penso, através da inspiração, que dirigiria o raciocínio e a habilidade do autor para determinada ideia, objetivo ou conclusão.
                                                   Quantos de nós já não sonharam, durante a noite, com a resposta para problemas que ainda vivenciavam ao irem para a cama dormir? Quantos não tiveram uma intuição para  a solução de questões que os atormentavam durante vários dias?
                                                               Raramente alguém produz uma obra-prima logo ao se iniciar em uma profissão, pois, caso contrário, a partir de então só decairia na mesma; posto que, ninguém consegue produzir, sempre, apenas obras-primas.
                                                              As obras-primas são assim classificadas, em comparação às demais obras de seus autores; porém, creio que pode existir também uma única obra-prima que se destaque, ao se comparar obras de autores distintos, sobre uma mesma arte e motivo ou sobre determinados assuntos científicos ou filosóficos.
                                                           O fato é que determinadas obras nos mantém extasiados ao contemplá-las, ouvi-las ou lê-las. A pergunta que nos vêm a mente, na ocasião, é a de como alguém, de natureza humana, teve a inspiração e a habilidade de construí-la tão bem, posto que parece uma obra divina?
                                                                Esta questão nos ocorre, certamente e principalmente, ao ouvirmos determinadas melodias, ao contemplarmos certas obras de artistas plásticos e ao lermos determinados textos literários, científicos ou filosóficos.
                                                              No meu caso, especificamente, considero as obras Thais Meditation, de Jules Massenet (1842-1912) e Variation 18 Rhapsody on Themes of Paganini, de Rachmaninoff, como sendo as principais obras-primas da música clássica. Relativamente à escultura, minhas preferências recaem sobre a Pietà e sobre David, de Michelangelo Buonarotti (1475-1564).    O David é uma das esculturas mais famosas do mestre renascentista. O trabalho retrata o herói bíblico com realismo impressionante, sendo considerada uma das mais importantes obras do Renascimento e do próprio autor. A escultura encontra-se em Florença, na Itália, cidade que originalmente encomendou a obra. Ao término da sua escultura diz-se que o autor, maravilhado com o produto final, olhou-a e disse: - Parla! (- fala!).
                                                             Com respeito à Literatura, o romance de aventuras Guerra e Paz, de Liev Tolstoi (1828-1910), para mim, pode ser considerado a principal obra-prima.
                                                                 Em filosofia, creio que as três críticas de Immanuel Kant (1724-1804), Crítica da Razão Prática, Crítica da Razão Pura e Crítica do Juízo (ou do Julgamento), foram as obras-primas.
                                                                  Evidentemente, a todo momento estão surgindo novas obras ao redor do mundo e torna-se muito difícil, senão impossível, conhece-las todas, afim de separarmos as melhores e, dentre estas, elegermos aquelas que consideraríamos como verdadeiras obras-primas.
                                                                   No entanto, sempre que tomamos contato com uma destas obras, algo dentro de nós logo se manifesta, chamando a nossa atenção. É como se, também, fôssemos tocado pela mesma centelha divina que inspirou o seu autor a produzi-la.
                                                                     A própria genética é pródiga em produzir obras-primas, à revelia dos seres humanos e, talvez, também com a interferência divina, pois, ao combinar os genes de homens e mulheres, durante a procriação, costuma, por vezes, produzir seres maravilhosos e belos que se destacam dos demais, sob os nossos pontos de vista estéticos e psicológicos. Tais seres podem ser considerados como verdadeiras obras-primas da Natureza, o mesmo ocorrendo com algumas espécies animais e vegetais de rara beleza e perfeição.
                                                               Tratar-se-ia do belo como perfeição sensível; isto é, do prazer que acompanha a atividade sensível. Segundo Kant, em Crítica do Juízo, “aquilo que agradaria universalmente e sem conceitos”. Segundo o mesmo autor, na obra citada: “Cada um chama de agradável o que o satisfaz; de belo o que lhe agrada; de bom o que aprecia ou aprova, aquilo a que confere um valor objetivo. O prazer também vale para os animais irracionais; a beleza, só para os seres humanos em sua qualidade de racionais; mas, não só por isso, por serem, também, ao mesmo tempo, animais”.
                                                          Mas, voltando ao cerne da questão, da mesma forma que as religiões afirmam que o Criador, de tempos em tempos, envia às suas criaturas emissários (ou profetas) encarregados de explicar e divulgar as coisas do espírito e da eternidade (como fizeram Moisés, Cristo, Maomé, Sidarta Gautama, Confúcio, etc.); bem como, para corrigir eventuais desvios das suas criaturas com relação a estes temas, creio que o Criador também é responsável por estas obras–primas que, de tempos em tempos, surgem pelas mãos de artistas, de cientistas e de filósofos. 
                                                          Quando menos seja, tais autores, com certeza, receberam suas inspirações de origem divina; posto que, foram os únicos capazes, como dizia Friedrich Nietzsche, de respirar ares de altitudes que os mortais comuns não conseguem atingir... 


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.


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