quarta-feira, 6 de junho de 2018

224. Atualizando fábulas antigas


Jober Rocha*



                                        As fábulas são composições literárias curtas, escritas em prosa ou versos, em que os personagens são animais falantes que apresentam características antropomórficas.
                                                             Muito presente na literatura infantil e tão ao gosto de Esopo, escravo grego que a desenvolveu; La Fontaine, grande divulgador das fábulas de Esopo; Sá de Miranda; Diogo Bernardes; Bocage e Monteiro Lobato, são elas, também, uma das melhores maneiras de fazer com que as pessoas reflitam sobre um determinado pensamento.
                                                                Assim além de ser uma ótima forma de entretenimento, a moral da história acaba sendo o momento perfeito para dar uma lição aos leitores, ensinando-lhes os valores morais tão escassos em qualquer época, notadamente na atual.
                                                                  Em vista disso, resolvi adaptar algumas das antigas fábulas mais conhecidas, para os dias de hoje, e as narrarei a continuação, substituindo, entretanto, os animais por personagens.
                                                         Que os leitores avaliem a pertinência da ideia e, também, se os jovens atuais poderão delas extrair algumas lições morais, que os induzam a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa.

1.    Fábula do trabalhador e do político
  
Uma vez, ao chegar o inverno, um político que estava morto de fome (coisa está que só ocorre em fábulas) se aproximou à porta de um trabalhador, em um longínquo país, pedindo comida. Face ao seu pedido, o trabalhador respondeu fazendo a seguinte pergunta:
- Por que durante o verão você não fez uma reserva de alimentos como eu fiz?
O político respondeu:
- Estive cantando alegremente o tempo todo e desfrutando do verão plenamente, viajando pelo país e pelo exterior em companhia de um amigo empreiteiro de obras públicas. Se soubesse como seria duro o inverno...!
O trabalhador, então, lhe disse:
- Enquanto eu trabalhei duro durante o verão inteiro, para ter as provisões e poder passar o inverno tranquilamente, você perdeu o tempo todo cantando e viajando a passeio com seu benfeitor empreiteiro. Assim, que você agora continue cantando, dançando e viajando! E que não seja reeleito nas próximas eleições...

Moral: Quem quiser passar bem pelas privações, enquanto for jovem e puder trabalhar, mesmo sendo um político, deve aproveitar melhor o seu tempo. Existe tempo para se divertir (passeando com os gordos salários dos três poderes da república) e para trabalhar como qualquer cidadão comum pagador de impostos.

2. A fábula do empreiteiro e do edital de concorrência

 
Um empreiteiro, morto de vontade de fornecer para o Estado, viu, ao passar diante do prédio de um Ministério, na capital federal de um distante país, pendurados no quadro de avisos, editais de concorrências públicas, alguns deles de valores bastante expressivos e, o mais importante de tudo, sem ninguém a contemplá-los.
Não pensou duas vezes: depois de certificar-se que o caminho estava livre de intrusos, resolveu apanhar o seu alimento; isto é, surripiar os editais ali afixados, para que nenhum outro empreiteiro participasse daquelas concorrências, por desconhecê-las, e ele fosse o único participante das licitações.
Usou de todos os seus dotes, conhecimentos e artifícios para apanhar os editais, mas, como estavam muito alto e fora do seu alcance (e ademais sob a vigilância constante de um guarda), acabou cansando-se em vão e nada conseguiu, desistindo da empreitada.
Desolado, cansado, faminto, frustrado com o insucesso de sua tentativa, suspirando, encolheu de ombros e deu-se por vencido.
Deu meia volta e foi saindo, desapontado, dizendo:
“Os editais, afinal, estão verdes, não me servem…”
Quando já estava indo embora, um pouco mais à frente, escutou um barulho, como se alguma coisa tivesse caído no chão. Voltou correndo pensando serem os editais.
Mas, quando chegou lá, sua decepção foi total. Era apenas uma folha de papel que havia caído do quadro de avisos. O empreiteiro, desolado, virou as costas e foi-se embora de novo.

Moral: É fácil desdenhar daquelas concorrências públicas das quais não conseguimos participar pelas mãos de algum político amigo...

3. A fábula do político e do eleitor

Próximo da capital federal, de um determinado país distante, um eleitor estava bebendo água em um riacho. O terreno era inclinado e, por esta razão, havia uma forte correnteza. Quando o eleitor parou de beber e levantou a cabeça, avistou um político também bebendo da água.
- Como é que você tem a coragem de sujar a água que eu bebo - disse o político, que estava alguns dias sem receber propina e procurava algum eleitor desavisado para matar a sua raiva.
- Senhor - respondeu o eleitor - não precisa ficar com raiva porque eu não estou sujando nada. Daqui de onde bebo, uns vinte passos mais abaixo, é impossível acontecer o que o senhor está falando.
- Você agita a água - continuou o político ameaçador - e sei que você andou falando mal de mim no ano passado.
- Não é verdade - respondeu o eleitor – pois no ano passado eu ainda não tinha vindo do Norte do país para a capital federal. O político pensou um pouco e disse:
- Se não foi você foi seu irmão, o que dá no mesmo.
- Eu não tenho irmão - disse o eleitor - sou filho único.
- Alguém que você conhece, algum outro eleitor, um trabalhador de obras ou um dos vigias que cuidam dos edifícios em construção aqui na capital, e é preciso que eu me vingue.
Então ali, dentro do riacho, no fundo daquela mata, o político saltou sobre o eleitor, agarrou-o bem forte com as mãos e o levou para a sede do partido, para doutriná-lo em um lugar mais sossegado, sabendo que, por ter foro especial, nada lhe aconteceria em razão daquela violência contra o eleitor.

Moral: A razão do político mais forte, e que possui foro especial ou privilegiado, é sempre a melhor.


4. A fábula do ministro e do secretário

Certo dia em uma determinada capital federal de um longínquo país, durante o expediente, estava um ministro a dormir a sesta quando um simples secretario começou a arrumar a mesa de trabalho deste.
O ministro, acordando do longo sono, colocou ambas as mãos no pescoço do secretário, abrindo a bocarra e preparando-se para espinafrá-lo.
- Perdoa-me! - Gritou o secretário.
- Perdoa-me desta vez e eu nunca o esquecerei. Quem sabe se um dia não precisarás de mim?
O ministro ficou tão divertido com esta ideia que levantou a pata e o deixou partir.
Dias depois o ministro caiu numa armadilha montada pelos investigadores da Polícia Federal, que apuravam corrupção no ministério. Como os policiais o queriam oferecer vivo ao Ministério Público, amarraram-no a uma árvore e partiram à procura de um meio para o transportar (vale lembrar que, em razão de uma greve de caminhoneiros, a polícia estava sem combustível naquela ocasião).
Nisto, apareceu o secretário, vindo não se sabe de onde. Vendo a triste situação em que o ministro se encontrava, roeu, disfarçadamente, as cordas que o prendiam.
E foi assim que um simples secretário, pequenino, salvou a vida e a reputação de um ministro, todo poderoso na corte.

Moral: Não devemos subestimar os outros, mesmo que eles tenham a estatura e fraqueza de um rato e nós tenhamos o tamanho e o poder de um leão.


5. A fábula do juiz e do prisioneiro mentiroso

- Nobre Juiz, encarregado de promover a justiça nos ares, nos mares e no território deste imenso país, por favor, não venha a mandar investigar os meus pimpolhos!
Assim implorou um dia um político, contumaz mentiroso, preso em uma cela na masmorra do castelo de um distante país, ao Meritíssimo juiz, de uma vara federal que o havia mandado prender.
Pensando um pouco, o juiz, que tinha bom coração, declarou: - Sim, respeitarei os teus ‘corujinhos’.
- Basta que os mostres ou me descrevas como são.
Com medo de exibir o seu apartamento tríplex, onde vivia com a família, o político se explicou: - São os filhotes mais lindos e rechonchudos do mundo, bem como os mais pobres!
E lá se foi o preso, continuar a ler o seu livro de cabeceira na prisão, enquanto o juiz foi analisar depoimentos e fazer o cruzamento de informações.
Em pouco tempo o juiz encontrou indícios do envolvimento de diversas pessoas, ligadas ao citado político, em atos de corrupção.
Ao invadir o luxuoso tríplex, com a equipe de policiais e procuradores, o juiz encontrou três jovens feios, porém muito bem vestidos e ostentando joias caríssimas, jogando cartas e bebendo uísque. Tendo olhado bem para eles, pensou consigo mesmo:
- Essas miniaturas de dinossauro sem penas não podem ser os filhos do político que está preso!
E, assim, mandou que os prendessem e interrogassem.
 Quando o político soube da prisão, soltou gritos desesperados e pediu ao carcereiro para falar com o juiz.
Este, ao encontra-lo na cela, replicou:
- Você disse que os seus filhos eram os mais lindos e os mais pobres do mundo!
- Se tivesse sido honesto comigo e falado a verdade, na certa eu os teria poupado!

Moral: Quem ama o feio (e costuma mentir para todo mundo), o bonito lhe parece (mas perde toda a credibilidade).


6. A fábula do Conselho dos Políticos

Os políticos corruptos, de determinado país distante, resolveram organizar um conselho com a intenção de decidir qual seria a melhor estratégia para que pudessem saber, com antecedência, quando o pior inimigo deles, nesse caso a Polícia Federal, estivesse por perto.
Dentre as muitas ideias que foram apresentadas, uma delas, que logo foi aprovada por unanimidade, sobressaia entre as demais. Ela sugeria que votassem, rapidamente, uma lei obrigando os agentes policiais federais a usarem um sino ou um guizo pendurado no pescoço.
Assim, ao escutarem o tilintar do mesmo, todos os políticos poderiam correr, a tempo e em segurança, para seus esconderijos.
De fato, aquele extraordinário plano, por aclamação, agradou a todos ali presentes. Mais do que isso, sentiram-se orgulhosos e extasiados por serem capazes de conceber tão criativa e prática solução.
E eis que um velho e sábio político nordestino ali presente (que já se encontrava em seu sétimo mandato), então, questionou: 

- Meus amigos, percebo que o plano é realmente muito bom; mas, caso eles não queiram colocar os sinos, quem dentre nós irá prende-los nos pescoços dos policiais?

Moral: Se um bom conselho político não se mostra viável, trata-se apenas de um mal conselho político...


7. A fábula do empresário avarento


Um empresário avarento, de um determinado país distante, tinha enterrado um pote de ouro num lugar secreto do seu jardim. E todos os dias, antes de dormir, ele ia até aquele local, desenterrava o pote e contava cada moeda de ouro para ver se estava tudo lá.
Ocorre que de tanto repetir aquelas viagens ao mesmo ponto, um político vizinho que já o observava há bastante tempo, curioso para saber o que o empresário avarento estava escondendo, veio na calada da noite e, secretamente, desenterrou o tesouro levando-o consigo.
Quando o empresário avarento descobriu sua grande perda, foi tomado de aflição e desespero e caiu em prantos.
 Ele gemia e chorava, enquanto puxava os poucos cabelos que ainda lhe restavam, maltratados pela absoluta falta de cuidados. Alguém que passava pelo local, ao escutar seus lamentos, quis saber o que acontecera.
- Meu ouro! Todo meu ouro... - chorava inconsolável o avarento.
- Alguém o roubou de mim!
- Seu ouro? Ele estava nesse buraco? Por que você o colocou aí? Por que não o deixou num lugar seguro, como dentro de casa, onde poderia mais facilmente pegá-lo quando precisasse comprar alguma coisa? – Questionou o passante.
- Comprar? - Exclamou furioso o Avarento.
- Você não sabe o que diz. Ora, eu jamais usaria aquele ouro. Nunca pensei de gastar dele uma peça sequer... - exclamou o avarento.
Então, o estranho pegou uma grande pedra e, jogando-a dentro do buraco vazio, disse:
- Se é esse o caso, enterre então essa pedra. Ela terá o mesmo valor que tinha para você aquele tesouro que perdeu...

Moral: O Valor de qualquer coisa é definido por sua utilidade; razão pela qual, não se deve querer ganhar dinheiro a qualquer preço, como fazem os corruptos, as custas da própria honra e dignidade pessoal.



8. A fábula do jovem estagiário

Um jovem estagiário de alguma coisa, ao encontrar caído ao solo por onde passava um crachá de deputado, resolveu então colocá-lo sobre o próprio peito e entrar em um prédio público qualquer, em um país distante e isolado do resto do mundo.
Feito isso, vagava pelos corredores do prédio, divertindo-se com a impressão que causava aos passantes que ia encontrando pelo caminho. Falava alto, tentando intimidar os presentes, como se uma autoridade fosse.
Por fim, ao deparar-se com um velho pensionista que por ali passava tentou, também, amedrontá-lo. Mas o pensionista, velho frequentador daquele prédio aonde ia regularmente fazer prova de que ainda continuava vivo, tão logo escutou o som de sua voz e depois de examiná-lo de cima a baixo, deu dois passos para trás e exclamou com indisfarçável ironia:
- O senhor quer saber de uma coisa? Eu certamente teria me assustado com a sua presença, pensando tratar-se de uma autoridade; isto, se antes não tivesse escutado o seu inconfundível Zurro, comum a maioria dos políticos deste país, e visto o seu crachá, que apenas veio confirmar o meu julgamento inicial...

Moral
: Um tolo pode se esconder por detrás das aparências e dos cargos que eventualmente venha a ocupar; mas, logo, as suas palavras acabarão por revelar a todos quem ele verdadeiramente é...


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

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