segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018




175. Cristianismo versus Islamismo: qual deles vencerá desta vez?**



Jober Rocha*



                                   O filósofo francês François Marie Arouet (1694-1778), conhecido como Voltaire, em sua obra ‘Dicionário Filosófico’, menciona um dialogo extraído da obra ‘Espelho dos Fiéis’, de Ben-Aboul-Kiba, que apresenta a seguinte conversa entre um muçulmano (árabe) e um cristão (europeu), a mesa do café:

Muçulmano

                                                    “Cão cristão, por quem tenho uma estima toda particular, podes bem reprovar-me por ter quatro mulheres segundo nossas santas leis, enquanto esvazias doze tonéis por ano sem que eu beba sequer um copo de vinho? Que bem fazes ao mundo passando mais horas à mesa do que eu no leito? Todos os anos eu posso dar quatro filhos para o serviço do meu augusto senhor e tu podes fornecer apenas um. E que é o filho de um bêbado? Seu cérebro será ofuscado pelos vapores do vinho que bebeu seu pai. 
                                                           Que queres que eu me torne quando duas de minhas mulheres estão menstruadas? Não é preciso que me sirva das duas outras assim como minha lei ordena? E tu, em que te tornas e que papel fazes nos últimos meses da gravidez de tua única mulher, durante suas menstruações e durante suas doenças? É preciso que permaneças numa ociosidade vergonhosa, ou que procures outra mulher. 
                                                    E assim fica jogado, necessariamente, entre dois pecados mortais que te farão, depois de morto, cair duro nos quintos dos infernos.
                                                  Supondo que em nossas guerras contra os cães cristãos tenhamos perdido cem mil soldados, teremos cerca de cem mil mulheres a prover. Não cabe aos ricos tomar conta delas? Maldito seja todo muçulmano bastante morno para não abrigar em casa quatro belas mulheres como suas legítimas esposas e para não tratá-las segundo seus méritos.
                                                       Em teu país, como fazem a trombeta do dia (que chamas de galo), o honesto carneiro, príncipe dos rebanhos, o touro, soberano das vacas? Cada um deles não possui um serralho? Assenta-te muito bem reprovar minhas quatro mulheres, quando o grande profeta teve dezoito, Davi, o judeu, a mesma quantidade, e Salomão, o judeu, setecentas bem contadas e mais trezentas concubinas!  
                                                 Vede quão modesto sou. Cessa de reprovar a gulodice de um sábio que faz refeições tão medíocres. Permito-te beber, permita-me amar. Mudas de vinho, tolera que eu mude de mulheres. Que cada um deixe viver os outros à moda de seu país. Teu chapéu não foi feito para ditar leis ao meu turbante. Teu colarinho e teu casaco não devem ordenar ao meu dólmã. Acaba de tomar comigo teu café e vai acariciar tua alemã, já que estás reduzido a ela somente”.

Cristão

                                                       “Cão muçulmano, por quem conservo uma profunda veneração, antes de acabar meu café quero confundir seus ditos. Quem possui quatro mulheres possui quatro harpias, sempre prontas a se caluniarem, a se baterem. O lar torna-se antro da discórdia e nenhuma pode amar-te. 
                                                      Cada uma só dispõe de um quarto da tua pessoa e não te poderia dar mais do que um quarto do teu coração. Nenhuma pode tornar-te a vida agradável: são prisioneiras que, nunca tendo visto nada, nada podem dizer-te. Só conhecem a ti, por conseguinte tu a entedias. 
                                                         És tu o seu senhor absoluto, portanto te odeiam. És obrigado a guardá-las por um eunuco, que as chicoteia, quando elas fazem muito barulho. Ousas comparar-te a um galo! Porém, nunca um galo mandou chicotear suas galinhas por um capão. Toma teus exemplos dos animais, pareça-te com eles quanto quiseres. Quanto a mim quero amar como homem, quero dar todo o meu coração e que minha esposa também me dê o seu. 
                                                        Esta noite contarei nossa conversa a minha mulher e espero que fique contente. Quanto ao vinho que me reprovas, fica sabendo que, se é um mal beber na Arábia, é um habito muito louvável na Alemanha. Adeus”.

                               Este diálogo, com no mínimo 250 anos de existência, bem retrata a animosidade existente entre cristãos e muçulmanos, desde há muito, em razão de costumes diferentes e de religiões distintas. As falácias e os sofismas utilizados com freqüência nas discussões entre adeptos de ambas as religiões, como sempre, fazem com que os dois lados pareçam ter razão, em seus pontos de vista, aos olhos e ouvidos daqueles que os vêm e ouvem, sem conhecer, com profundidade, as origens, os fundamentos e as divergências históricas de ambas as religiões e de seus seguidores.

                                            Desde o ano de 1095, data da primeira Cruzada à Jerusalém (na Terra Santa da Palestina), até o presente, isto é, novecentos e vinte e três anos depois, em 2018, cristãos e muçulmanos ainda se enfrentam pelos quatro cantos do planeta, sejam em combates de tropas regulares, sejam em episódios de guerrilhas nos campos e nas cidades ou em atos de terrorismo. 
                                                  A oitava cruzada terminou em 1270, com a morte de Luiz IX, vitimado por uma peste na cidade de Túnis e, se, por um lado, elas aprofundaram a hostilidade entre o cristianismo e o Islã, por outro, estimularam os contatos econômicos e culturais para benefício permanente da civilização européia. O comércio entre a Europa e a Ásia Menor aumentou consideravelmente e a Europa conheceu novos produtos, em especial o açúcar e o algodão. Os contatos culturais e profissionais que se estabeleceram entre a Europa e o Oriente, tiveram um efeito estimulante no conhecimento ocidental e, até certo ponto, prepararam o caminho para o Renascimento. 
                                                Ambas as religiões, desde então, sempre mantiveram certo antagonismo entre elas; todavia, mais recentemente, em razão de diversas guerras localizadas, cerca de nove milhões de refugiados islâmicos acorreram para a Europa e para a América. Segundo números de 2014, 62% dos refugiados em todo o mundo eram originários de seis países islâmicos: a maior parte era da Síria, seguindo-se o Afeganistão, a Líbia, a Somália, o Sudão e o Sudão do Sul (que se tornou independente do Sudão em 2011). 
                                                   A maioria destes refugiados ainda que tenha se encaminhado, de início, para outros países africanos, acabou, finalmente, por chegar à Europa e à América.
                                                 Na atualidade em alguns países da Europa, como na Holanda e na Bélgica, cinqüenta por cento dos recém nascidos já são filhos de famílias muçulmanas, a maioria originária do Norte da África (Argélia, Tunísia, Mauritânia e Marrocos). Estudos recentes dão conta de que em 2025, um terço dos recém nascidos na Europa será de origem muçulmana.
                                                    As taxas de fertilidade de trinta e um dos países da União Européia encontram-se, em média, em torno de 1,38; taxa esta considerada muito baixa, frente aos 8,1 dos muçulmanos que vivem na Europa. Desde 1990, no entanto, o crescimento da população européia tem sido devido quase que exclusivamente à imigração islâmica. Atualmente, na França, trinta por cento dos jovens com menos de vinte anos é de origem islâmica. Em algumas regiões deste país esta percentagem chega a quarenta e cinco por cento.
                                                     A recente onda migratória originária da Síria e dos outros territórios islâmicos mencionados, em direção aos países da União Européia, certamente, fará com que estes dados apresentados se alterem consideravelmente para mais, em alguns poucos anos.
                                       Em todas as Américas, onde aportaram, também, recentemente, grandes contingentes de imigrantes árabes, a religião islâmica têm se difundido rapidamente. 
                                              Com uma população de adeptos da ordem de cem milhões de católicos, o México vem perdendo fiéis de forma acentuada para o islamismo. Em recente pesquisa efetuada naquele país, junto a mexicanos que passaram a adotar o islamismo como religião, destacou-se as seguintes respostas:

Adotei o islã por que faltava algo em minha vida, que achei nele.
O catolicismo não dá as respostas que dá o islamismo.
Encontrei mais apoio na comunidade islâmica do que na  comunidade cristã e mais do que na minha própria família.
Antes eu me sentia sozinha e isolada, agora não.
O islã é mais do que uma religião, é um estilo de vida.

                                                  Com relação ao Brasil, em uma conferência realizada na cidade de Chicago, nos USA, no ano de 2008, um imã afirmou que dentro de cinqüenta anos o nosso país se transformaria em uma nação islâmica.
                                              Em virtude de seu anti-semitismo, a esquerda brasileira, que assumiu o poder nos últimos trinta anos, se aliou ao islã e diversas Organizações Não Governamentais, ligadas ao financista George Soros e à Fundação Ford, tem tentado incentivar a imigração de islamitas para o nosso país, culminando com a recente Lei da Imigração, proposta pelo senador Aloysio Nunes, Ministro das Relações Exteriores.
                                                      A referida lei, segundo notícias veiculadas na Mídia, deixa a política migratória brasileira nas mãos de organismos externos, como a ONU e a UNASUL, sem limitar o número de imigrantes que poderiam vir anualmente para o Brasil. 
                                                  A ideia dos que apoiam a referida lei seria de que recebêssemos, anualmente, cerca de cem mil refugiados. Todos eles teriam acesso aos serviços públicos de saúde, poderiam formar partidos políticos, sindicatos, etc. Na prática, esta lei criaria um país destituído de fronteiras, onde os refugiados teriam os mesmos direitos dos nacionais.
                                                 Existem em nosso país, na atualidade, cerca de cem entidades islâmicas espalhadas por todos os Estados da Federação e o terreno para o seu crescimento nunca esteve tão fértil. Cada vez mais cidadãos brasileiros ascendem ao topo da hierarquia destas entidades. Segundo informações não oficiais, já são aproximadamente um milhão e quinhentos mil o número de adeptos do islamismo no país. 
                                                     Esse número tem crescido nas periferias das grandes cidades e nas favelas, notadamente entre os evangélicos e umbandistas. Embora o catolicismo possua raízes históricas em nosso país; posto que, a igreja católica veio junto com os primeiros colonizadores portugueses, muitos brasileiros, notadamente oriundos das classes mais pobres, mudam de religião com freqüência ou, até mesmo, professam mais de uma. O mesmo parece ocorrer com as populações pobres do mundo inteiro, que estão sempre buscando uma tabua de salvação aonde se agarrar para sobreviver em um planeta inóspito, quer pela sua Natureza física, quer pela natureza de seus próprios semelhantes.
                                                       O islã, por sua vez, não apela para o bolso dos seus seguidores como fazem a maioria das outras religiões.
                                               Para aderir ao islã, basta que o adepto pronuncie em uma mesquita, por três vezes, a frase: “- Não há Deus, senão Deus; e o profeta Muhammad é seu mensageiro”.
                                                      Para que não pairem dúvidas, com respeito a uma eventual parcialidade minha, vale destacar que, embora Deísta, não possuo, não pratico e nem admiro nenhuma religião.

                                                    Mundialmente falando, a distribuição atual das religiões, pelos habitantes do planeta, é a seguinte:
Cristianismo: 35,0 %
Islamismo:  26,3 %
Sem religião: 12,0 %
Hinduísmo: 15,0 %
Budismo: 7,1 %
Outras religiões: 4,4 %
Judaísmo: 0,2 %
Total:  100,0 

                                                 Considerando que a chamada Nova Ordem Mundial, capitaneada por financistas como George Soros, Rockfeller e  Rothschild (segundo noticias veiculadas na Mídia mundial), deseja implantar uma única religião (ideia cujo atual papa do catolicismo, publicamente, já concordou), creio que os “donos do mundo” chegaram à conclusão de que esta nova religião mundial deva ser o islamismo; em primeiro lugar, por ser a mais difícil de ser absorvida por alguma outra e, em segundo, por ser aquela com maior possibilidade de absorver adeptos das demais religiões. 
                                                   Se não fosse esse o caso, dificilmente a Europa receberia a multidão de refugiados islâmicos que recebeu até agora. Teria fechado as suas fronteiras a esta imigração, coisa que não fez. Por outro lado, dificilmente países como o Brasil, teriam feito, às pressas, leis de imigração que acolhessem, anualmente, centenas de milhares ou mais de refugiados islâmicos. 
                                                    Por que os próprios países árabes não acolheram em seus territórios estes refugiados islâmicos, é uma pergunta que muitos fazem? Certamente, por que, por detrás desta história toda, existe a intenção de unificar as religiões através da imigração em massa de islamitas, que, aos poucos, sobrepujariam os cristãos no mundo ocidental e tomariam o lugar do cristianismo; já que, muitos daqueles que se dizem cristãos não frequentam igrejas nem seguem os preceitos do cristianismo, ao contrário dos adeptos do islã, que seguem a risca seus princípios e os impõem aos demais, por vezes, de forma contundente e violenta, através da implantação da Sharia nos territórios para onde imigraram. Os islâmicos, ao contrário dos fiéis de outras religiões, vivem a sua religião 24 horas por dia e não a buscam com objetivos de acumular riquezas, através dela ou por intermédio dela, como costumam fazer sacerdotes e fiéis de outras religiões.
                                               Ambas as religiões englobam mais da metade da população mundial e as demais religiões existentes, como já visto anteriormente, são constituídas por minorias espalhadas e mais facilmente unificáveis ao islã. Se esta unificação entre as grandes religiões for obtida, talvez algumas religiões menores possam, ainda, permanecer vivas e sendo praticadas em determinados locais ou por determinados povos.
                                                Contando com as técnicas já desenvolvidas de Marketing e de propaganda, com a massificação das notícias proporcionada pela Mídia, com o apoio dos organismos internacionais, das autoridades eclesiásticas e dos governos, não imagino que seja impossível fazer com que o rebanho humano siga um determinado caminho religioso, cujo rumo tenha sido pré-estabelecido pelos ‘donos do mundo’. Dificuldades semelhantes já foram vivenciadas por estes e seus prepostos, com a criação do Euro e da União Européia.
                                                    Na atualidade, a série de livros do escritor Dan Brown sobre o cristianismo e os filmes sobre algumas das obras que ele escreveu, por sua vez (ademais de diversos outros escândalos, de toda ordem, veiculados na Mídia, sobre as igrejas cristãs e acerca de pedofilia, da corrupção de autoridades, do desvio de recursos, da associação com a Máfia italiana, etc.), fez com que as igrejas cristãs, de uma maneira geral, e a católica, em particular, perdessem muitos de seus seguidores. Muitas delas se transformaram em verdadeiras empresas, cujo objetivo seria o de angariar dinheiro para seus dirigentes e criadores.
                                                 Alguns autores afirmam, até, com base em livros e documentos históricos, que o cristianismo foi uma religião ‘inventada’ pela elite romana, na época do Imperador Constantino, com base em alguns fatos verídicos (como, por exemplo, a existência real de um pregador místico chamado Jesus, igual a tantos outros que percorriam a Palestina pregando, naquela ocasião) e em inúmeros outros fatos inventados, tempos depois, por pessoas cultas e não contemporâneas de Jesus e que seriam os verdadeiros autores dos novos evangelhos.  Até porque,  não existe nenhum documento que tenha sido escrito por Jesus ou por algum de seus discípulos, propondo a criação de uma religião e de uma Igreja que a disseminasse pelo mundo.
                                                       Esta religião, criada pelas elites romanas, teria tido por objetivo impedir as constantes revoltas dos países conquistados pelo império. Para tanto, a docilidade natural dos que aceitavam o cristianismo e a crença em um reino nos céus, onde os bons teriam vida eterna ao lado do Criador, fez com que os povos conquistados, que aderiram a esta nova religião, parassem de se rebelar contra Roma, aceitando de bom grado a sujeição e a correspondente servidão.
                                                      Para tanto, tão logo criada esta nova religião, foi retirado o foco da mesma da cidade de Jerusalém, onde o protagonista principal. Jesus, vivera com sua família, e trazido este foco para a cidade de Roma, sede do império e local onde a elite romana, que a havia criado, passou a controlá-la e a expandi-la pelo território imperial e pelo resto do mundo antigo, segundo seus próprios interesses de dominação.
                                                Sendo verdadeira a hipótese levantada anteriormente. da opção dos 'donos do mundo' pelo islamismo (o que ainda não podemos confirmar; posto que, com relação a verdade, já naquele passado remoto da Palestina, perguntava Pilatos, sabiamente, à Jesus: - Verdade, o que é a verdade?), o islã poderá ser, evidentemente, a religião a conduzir, no futuro, os destinos do rebanho humano em nosso planeta.


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Ensaio.

sábado, 24 de fevereiro de 2018


174. Idiossincrasias e ideologias**


Jober Rocha*



                                Idiossincrasia é o vocábulo que indica uma característica comportamental ou estrutural peculiar a um indivíduo isolado ou a um grupo de indivíduos. Origina-se de uma palavra grega que significa ‘temperamento particular’.
                                             Cada ramo do conhecimento vê a idiossincrasia de uma maneira própria; isto é, possui uma peculiar maneira de caracterizá-la. Existe tanto a idiossincrasia na Medicina, quanto na Economia, na Religião, na História, etc. Existe a idiossincrasia pessoal e a coletiva.
                                              De uma maneira geral, as pessoas costumam ter posicionamentos filosóficos frente à vida e comportamentos peculiares (por vezes estranhos) e costumam criticar aqueles que não se comportam da forma como elas acham que seja a correta. Tais comportamentos caracterizariam, pois, às suas idiossincrasias. A razão pela qual elas não acham correta a maneira de ver o mundo e de se comportar de seus interlocutores, pode ser buscada em suas raças, vivências, costumes, tradições, em seus psiquismos, em seus caracteres interiores, em seus níveis sócio-culturais, etc. 
                                                 Relativamente à História, constata-se que os fatos e as transformações sociais, ocorridas no passado, sempre estiveram relacionados à figura de uma determinada pessoa, que levava para a posteridade a fama ou a infâmia sobre os fatos ocorridos em seu tempo. Mais tarde, com o desenvolvimento humano verificou-se que a História sempre foi uma construção ideológica, sujeita a um grande número de intrincados processos e acontecimentos. Como alguém já disse, a história das guerras sempre foi escrita pelos vencedores.
                                                 Ideologia, por sua vez, segundo os dicionários, é um termo que possui diferentes significados e duas concepções: a neutra e a crítica. No senso comum o termo ideologia neutra é sinônimo de ideário, contendo o sentido de um conjunto de idéias, de pensamentos, de doutrinas ou de visões de mundo de um indivíduo ou de um grupo, orientado para suas ações sociais e, até mesmo, políticas. Neste caso, o indivíduo é levado a agir, da forma que age, motivado por bons sentimentos, que representam, segundo a sua maneira particular de ver, a melhor solução para a questão que se apresenta.
                                              Vejam que, neste caso, existe certa superposição com o conceito de idiossincrasia.
                                                 Para autores que utilizam o termo sob uma concepção crítica, a ideologia pode ser considerada como um instrumento de dominação, que age por meio do convencimento das pessoas (persuasão ou dissuasão; mas, não por meio da força física), de forma prescritiva, alienando a consciência humana. Neste caso, com toda a certeza, existe um sentimento de ódio implícito, ódio este com relação à ideologia atual ou ao sistema dominante, que se deseja destruir para implantar novos, lastreados naquilo que se está ‘vendendo como verdade’. 
                                                    Assim, em meu ponto de vista, os indivíduos escolhem ou elegem suas ideologias neutras em razão de suas idiossincrasias e não o contrário. O contrário; isto é, o fato de possuírem suas idiossincrasias em razão de suas ideologias, ocorreria, apenas, com relação à concepção de ideologia critica.
                                                       Isso nos leva a considerar que nem todos os indivíduos que defendem determinadas ideologias, o fazem pelas mesmas razões ou motivos. Nem todos são dominados por aquele sentimento de ódio mencionado; porém, apenas os que foram convencidos ideologicamente pela persuasão ou dissuasão.
                                                        Os primeiros buscariam ver os seus pontos de vista aceitos e adotados por seus semelhantes, através do diálogo e da argumentação; posto que, aquela maneira de ver as coisas sempre esteve presente de modo claro em suas mentes. Tratar-se-ia, apenas, de tentar convencer aqueles que pensassem de forma diferente, mediante argumentos; sem que houvesse nenhuma imposição, obrigação de crença ou mecanismos psíquicos de convencimento.
                                                  Os segundos buscariam vê-los adotados até mesmo através da força, mesmo que eles próprios tenham sido convencidos a adotar aquela ideologia através do convencimento e da persuasão. Isto se dá por que eles, ao serem convencidos de algo que não estava em seu íntimo, até então, passam a se julgar vítimas inocentes de tremendas injustiças implantadas, de má fé, pela ideologia vigente a que tentam destruir.
                                                     Um exemplo claro daquilo que digo, pode ser encontrado entre aqueles que vivem sob alguma forma primitiva de socialismo ou comunismo, em comunidades isoladas. Eles não desejam impor a sua maneira de viver aos demais habitantes do mundo, de forma violenta. Quem deseja impor o socialismo ou o comunismo de forma violenta são aqueles que foram doutrinados e convencidos de que o capitalismo (seu eventual opositor) é algo mau e que precisa ser destruído, seja da forma que for, mas, principalmente, pelo uso da força. O mesmo ocorre com respeito às demais ideologias existentes.
                                                 As ideologias, para serem implantadas, conforme já dito, muitas vezes, necessitam destruir aquelas anteriormente instaladas a que vieram substituir. Neste particular, o número de vítimas sacrificadas para que a mudança se realize monta, por vezes, a casa dos milhões.
                                                     Para conseguirem implantar o Comunismo na Rússia (primeiro país onde esta experiência foi tentada), apenas no período de 1937-38, três milhões de pessoas foram fuziladas. Oito milhões de seres humanos estiveram presos em campos de trabalhos forçados. Cerca de vinte milhões de pessoas tiveram suas existências devastadas em nome do “mais belo ideal da humanidade”. 
                                                  Na Revolução Cubana, também de ideologia comunista, calcula-se em cerca de 85.675, o número de vítimas entre assassinados, desaparecidos, feridos ou que fugiram para o exterior. Adicionalmente, cerca de dezesseis mil mortes, ocorreram em combates durante esta revolução. Ao final, a ideologia marxista e a forma de governo comunista acabaram ruindo na própria URSS, após a Glasnost e a Perestroika, ficando restrita apenas à Rússia, à Cuba e a alguns países africanos.
                                                     No referente à implantação do Nazismo, na Alemanha, informações disponíveis indicam a morte, por assassinato, desnutrição, trabalhos forçados e doenças, de cerca de seis milhões de judeus, dois milhões de poloneses, um milhão de ciganos, quatro milhões de prisioneiros soviéticos, duzentos mil deficientes físicos e mentais, cem mil maçons e cinco mil testemunha de Jeová. Note-se que estes dados são estimativas, pois os valores reais podem chegar ao dobro. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, o Nazismo deixou de existir, como forma de governo, em todo o mundo.
                                                   Com relação ao Capitalismo, Gilles Perrault, em seu “O Livro Negro do Capitalismo”, estima em 58 milhões, o número de mortos na Primeira e na Segunda Guerra Mundiais; além de mortes nas várias guerras coloniais, repressões, conflitos étnicos e vitimas da fome e da desnutrição, chegando a uma cifra estimada da ordem de cem milhões de mortes atribuídas ao Capitalismo e a sua implantação no mundo, durante o século XX. 
                                                     O Capitalismo tem sobrevivido em meio de crises cíclicas, tem consumido o meio ambiente de uma forma sem precedentes na história da humanidade, tem proporcionado inúmeras guerras motivadas pela disputa de matérias primas e de mercados consumidores, tem acumulado déficits fiscais na maior parte dos países e gerado uma legião de pobres e miseráveis nos países periféricos do Terceiro Mundo.
                                                      Relativamente ao Fascismo, após 1922, diversos países foram influenciados por esta ideologia: Itália, Hungria, Suíça, Bulgária, Áustria, Albânia, Brasil, África do Sul, Espanha, Portugal, Romênia, Finlândia, Bélgica, Grã Bretanha, Japão, China, Iraque e Argentina. Embora não disponhamos do número total de mortes causadas pelo Fascismo, em todo o mundo; apenas na Campanha da Abissínia (atual Eritreia), meio milhão de africanos morreram, além de cinco mil italianos. Formalmente, o Fascismo como forma de governo não mais existe; existindo alguns governos Neo-Fascistas, que se escondem por detrás de uma capa democrática.
                                         No que se relaciona com o Anarquismo, movimento inspirado pelo russo Mikhail Bakunin, em meados do século XIX, constata-se que o mesmo influenciou diversos acontecimentos políticos, como, por exemplo, as Comunas de Lyon e de Paris; a Insurreição Anarquista de 1918, no Rio de Janeiro; e a Revolução Espanhola de 1936. Eu não sabería dizer quantos morreram ou foram sacrificados na tentativa vã de sua implantação, que não chegou a concretizar-se.
                                     Movimentos de cunho Nacionalista têm se verificado, ao longo da história, em diversos países do mundo. Na Europa, destacam-se o Pan-Eslavismo, o Pan-Germanismo e o Revanchismo Francês. Na Irlanda, o Movimento Nacionalista Irlandês, colocou em lados opostos católicos e protestantes (dominados e dominadores). Desde 1846, milhares de vítimas têm sido contabilizadas, nesta disputa pelo poder naquele país.
                                              Os movimentos nacionalistas anti-ocidentais, surgidos no Oriente Médio, na África, na Ásia Meridional (incluindo Índia, Paquistão e Sudeste Asiático), têm suas origens nos grupos fundamentalistas existentes no século XIX. No século XX, os Estados Unidos da América e o Reino Unido, no âmbito da Guerra Fria, apoiaram a ascensão destes grupos no Oriente Médio e na Ásia Meridional, como forma de oposição à expansão soviética na região. Após a ascensão destes movimentos, voltaram-se eles contra os próprios países ocidentais que os apoiaram. Ainda, durante o período da Guerra Fria, na América Latina, surgiram diversos Movimentos de Libertação Nacional que, embora de cunho nacionalista, tinham, contraditoriamente, por base a ideologia comunista, que é internacionalista.
                                               O Socialismo existe em alguns poucos países desenvolvidos da Europa que, no entanto, ainda fazem uso do sistema capitalista de produção. Nestes países, a renda é bem distribuída e os serviços sociais e de infra-estrutura funcionam bem; principalmente, por se tratarem de países ricos, com poucas populações e com elevados níveis educacionais, características estas encontradas em apenas poucos países ao redor do mundo.
                                                    Se levarmos em consideração os holocaustos indígenas (durante a colonização do Continente Americano); a Revolta Circasiana, de 1860 (Cáucaso e Chechênia); o Massacre dos Hererós e dos Namaquas (1904/1907), na África; o holocausto Ucraniano (1932/1933), pelos soviéticos; o holocausto dos Curdos (1937/1938), pela Turquia; o massacre dos Armênios (1915/1917), pela Turquia; o massacre dos Sérvios, pelos Alemães, durante a Segunda Guerra Mundial; o genocídio dos Bengalis (1971), pelo Paquistão; o massacre do Timor - Leste (1975/1999), pela Indonésia; o genocídio da Bósnia (1992/1995), pelas forças da Sérvia; o massacre dos Tutsis (1994), em Ruanda; o massacre dos Tibetanos (a partir de 1950), pela China; o genocídio Cambojano (1975/1979), pelo Khmer Vermelho; a Guerra do Vietnam; a Guerra do Afeganistão; a Guerra do Golfo Pérsico e a Guerra da Palestina; além de inúmeras outras não consideradas, veremos que milhões de seres humanos têm perdido as vidas em nome das ideologias de sistemas políticos e econômicos;  como também das religiões, e de suas implantações em todo o mundo.
                                        Acredito que todos nós tenhamos as nossas idiossincrasias, que não são movidas pela maldade, e que, com elas, convivamos de forma pacífica com os nossos semelhantes que pensam de maneira distinta; pois, desconheço qualquer povo que possua o mal, disseminado e reconhecido, como uma característica intrínseca do conjunto daquele povo. 
                                                  Só nos tornamos violentos, tentando fazer com que adotem a nossa maneira de ver as questões ideológicas, quando somos influenciados por alguma delas, que nos persuada de que temos sido enganados, até então, e de que esta nova forma ideológica e política de administrar a Economia e as relações sociais, que nos impingem, é melhor e mais justa do que a anterior. 
                                                 Esta é, segundo eu penso, a razão pela qual os ideólogos buscam sempre os mais jovens para disseminar suas ideologias. Os mais velhos, em razão de suas idiossincrasias, dificilmente se deixam levar na conversa...


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.


_**/ Ensaio.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018



173. Fechado para Balanço**


Jober Rocha*



                            Lembro-me dos tempos de menino, lá pela década de 1950, quando costumava ver na frente de estabelecimentos comerciais com as portas cerradas, uma pequena placa com os dizeres: Fechado para Balanço.
                                     A atividade de fazer o balanço comercial das empresas era tão importante, além de obrigatória, que exigia a presença de um Contador no local do negócio, que a tudo via e anotava, inclusive, avaliando o estoque de mercadorias e os livros fiscais. O estabelecimento permanecia fechado por um ou dois dias, para, ao final, qual Fenix renascida, abrir de novo as suas portas e dar início a mais um ciclo de atividades produtivas. Aqueles dias de portas fechadas ao público, em minha reduzida compreensão infantil, era a demonstração verdadeira de que, por detrás delas, tinha início uma faxina física e moral daquele negócio, onde se procurava corrigir os erros culposos e dolosos do empresário, contando, para tal, com a ajuda de um honesto e competente Contador.
                                            Estabelecendo uma analogia, acho que países e Estados também poderiam e deveriam passar por processo semelhante, em que fechariam para balanço, notadamente quando foram mal administrados, dolosa e culposamente, como mencionado, por sucessivos administradores eleitos pelo povo, dilapidados por gerações de políticos corruptos e, finalmente, praticamente falidos (como estão, na atualidade, alguns Estados Brasileiros) sem conseguirem pagar em dia seus servidores e sem recursos para o custeio das atividades da máquina pública.
                                            Só que no caso dos países e Estados, ao lado dos contadores, deveriam estar presentes, também, delegados e agentes policiais, promotores públicos e, até mesmo, juízes.
                                             A máquina pública ficaria desta forma alguns dias sem operar; mas, poderia sair dali renascida, talvez até sob o comando de um interventor honesto e competente, que colocasse o país ou aquele Estado de volta ao rumo certo.
                                            Todo brasileiro que já passou da casa dos cinqüenta anos, que já sofreu com a burocracia que nos assola em todos os setores, que já penou sob os efeitos dos mais esdrúxulos e incompetentes planos econômicos, que teve confiscada a poupança de toda uma vida, que é lesado diariamente por empresários privados e por agentes públicos que agem de má fé (aqueles roubando no peso, na quantidade, na adulteração, na falsificação; e estes roubando através da extorsão, da cobrança de propinas, da concussão, etc.), sob o olhar complacente das autoridades, há de convir comigo que já está na hora de fecharmos para balanço.
                                         Como diz o ditado popular: “Pau que nasce torto não tem jeito, morre torto.” Seria, portanto, o caso de jogar este pau fora e arranjar um novo, que não fosse torto e sim reto.
                                               Isso é o que nos falta: jogar fora um passado de políticos venais e aproveitadores, cujo único objetivo na política sempre foi o de enriquecer a si próprio e à sua quadrilha. Precisamos de novos administradores, honestos, não comprometidos com os figurões do passado, que, mediante acordos espúrios e velados, entre políticos e partidos, sempre elegeram seus sucessores, em um processo viciado e eterno.
                                            Sucessivos anos de má administração e dilapidação de recursos públicos (como se fôssemos um país rico do Primeiro Mundo); de mordomias inaceitáveis nos três poderes da república, frente a uma população pobre e carente como a nossa; de verdadeiros crimes de lesa-pátria cometidos contra a União, contra os Estados e contra os Municípios, por políticos venais ou comprometidos com ideologias frontalmente antidemocráticas; conduziu o país a uma monumental crise econômica e financeira, política, militar e psicossocial, na qual o orçamento federal carece de cerca de duzentos bilhões de reais para fechar e a previdência, segundo apregoam, está falida e, em breve, deixará de honrar o pagamento dos aposentados.                                                                    Nas ruas das cidades os criminosos agem impunes e uma guerra civil se anuncia. Nas cadeias e presídios, dominados por facções criminosas, os chefes destas ditam as ordens para seus bandos, em liberdade e agindo nas periferias.
                                                  Leis mal feitas, talvez de forma proposital, permitem dezenas de interpretações e de subterfúgios para deixar impunes criminosos contumazes. A leniência com os crimes cometidos por políticos e autoridades (que hoje não nomeiam mais como crimes e sim como “mal feitos” ou “erros”), é grande e muitos deles, mesmo condenados, continuam soltos, exercendo suas atividades políticas e recebendo seus salários.
                                                  A maioria da população, honesta, ao se ocupar com seus afazeres diários para sobreviver, não possui tempo nem recursos para se instruir sobre Política Nacional e Internacional, Ciência, Filosofia, Ideologias, etc. A grande maioria, infelizmente, nada lê e nada sabe sobre tais assuntos, sendo presa fácil de políticos demagogos e da Mídia comprometida e venal.
                                                  Aqueles brasileiros de idade mais avançada, certamente, já tiveram a percepção de como as coisas são aqui tratadas. Em qualquer pendência ou situação de crise, interna ou externa, procura-se sempre a conciliação e a solução das desavenças sem a realização de conflitos ou com suas soluções de forma pacífica.
                                                           A nossa própria constituição federal de 1988, em seu Art. 4º, diz: “A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: 

IV - não-intervenção;
VII - solução pacífica dos conflitos;

                                                     Isto pode parecer um mérito da nossa gente, mas, na minha modesta maneira de ver a questão, demonstra um povo fraco e submisso. Digo isso por que a doutrina de defesa dos USA, por exemplo, menciona que aquele país defenderá os interesses dos cidadãos norte- americanos em qualquer lugar do mundo. 
                                                 Como podemos ver, as nossas e as deles tratam-se de visões completamente diferentes sobre questões de segurança e de política externa.  Nosso povo é, mundialmente, reconhecido por algumas de suas características: alegre, paciente, dócil, pacífico, crédulo, religioso, inocente, despolitizado, imitador, desorganizado, conciliador, pouco afeto ao trabalho e medroso. 
                                                    Nossa História, antiga e contemporânea, está cheia de exemplos quanto a isto. Embora algumas destas mencionadas sejam características muitas vezes desejáveis individualmente, adotadas coletivamente elas indicam um povo fraco e submisso, conforme já dito anteriormente.
                                                 Tendo chegado ao fundo do poço, talvez seja esta a ocasião para o povo brasileiro fazer uma “parada para balanço”, quando se revisaria de forma crítica o nosso passado e o presente. Só assim, poderíamos pensar em ter um futuro.
                                                  Os indivíduos, enquanto cidadãos, consumidores, fiéis, eleitores, contribuintes, correntistas, telespectadores, leitores, etc., possuem uma monumental força, insuspeitada por eles mesmos. Se conscientes e unidos, podem ‘quebrar’ empresas (não consumindo seus produtos ou serviços), podem fechar igrejas (não frequentando seus templos), podem sanear o legislativo do país (não votando em políticos reconhecidamente corruptos ou que não tenham ficha limpa) e podem pressionar o governo a se moralizar (mediante passeatas, greves, boicotes, etc.). Só não o fazem por serem desunidos, mal informados, acomodados, influenciáveis e ingênuos. A única maneira de mudar o mundo é começando por mudar a nós mesmos. 
                                                  Reconheço que somos apenas uma gota no vasto oceano dos seres dominados, mas o mar se move na direção para onde as gotas se dirigem e não o contrário. O mesmo se passa com os bandos de pássaros, com os cardumes, com os rebanhos e com as populações. São os seus componentes que os movimentam. 
                                               Se nós, seres humanos, nos tornarmos conscientes de como as coisas se passaram até agora, poderemos modificá-las no futuro. Como bem disse o médium Chico Xavier (cuja frase é citada, erroneamente, como sendo de autoria de Rui Barbosa): “- Embora não possamos voltar atrás e fazer um novo começo, podemos sempre começar de novo e fazer um novo fim”. 
                                           Nossas escolhas erradas, com respeito àqueles que até agora conduziram o Poder Legislativo do país, têm sido a principal causa do nosso atraso econômico e social e das crises pelas quais passamos. A nossa alienação quanto a questões geopolíticas e econômicas, bem como a nossa inocência e pouca cultura quanto a questões de ordem ideológica, política, religiosa e filosófica, estão por detrás de todos os males que nos afligem, compondo um triste e letal pano de fundo de nossas idiossincrasias.


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Crônica



segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018


172. Das dificuldades de se viver em paz nos dias atuais**

Jober Rocha*



                                     Desde o início da vida humana sobre a face do planeta, sempre foi difícil para homem cuidar da sua própria vida, da vida de sua família e da vida de sua tribo, segundo o que descreve a estória que nos tem sido contada pela Ciência (chamo de estória, por que inúmeras descobertas recentes nos mostram aspectos da vida humana que têm sido relegados e desconsiderados pela Ciência oficial, indicando uma história da civilização que pode ter sido falseada ou, mesmo, desconhecida da própria Ciência Oficial).
                                                O mundo em seus primórdios, segundo o que nos ensinam, era, portanto, inóspito e violento. Lembremo-nos, entretanto, que no início da caminhada humana os homens eram ignorantes das coisas físicas e dos assuntos espirituais.
                                                Com o passar do tempo e com o progresso da humanidade, surgiram a Ciência, a Filosofia e a Religião, tripé e alicerce que, supostamente, tem proporcionado a evolução material e espiritual dos indivíduos até os dias atuais.
                                                    Assim, decorridos milhares de anos após terem surgidos estes três instrumentos que, supostamente repito, beneficiariam o desenvolvimento humano, constatamos que a natureza humana continua sendo como sempre foi: violenta, egoísta, vaidosa, orgulhosa, vingativa e desumana. 
                                                    O mundo, também, ainda continua inóspito para grande parte dos seus habitantes (que habitam inúmeros países, ditos subdesenvolvidos e pertencentes ao chamado Terceiro Mundo); embora, neste caso, seja inospitaleiro de outras formas distintas das anteriores (através do desemprego, da fome, da insalubridade, das doenças, etc.), e a violência ainda domina as cidades (promovida pelo crime organizado, pelo tráfico de drogas, pelo terrorismo, etc.) e os campos (promovida pelos agricultores sem terra, pelos guerrilheiros, etc.), em muitos destes países.
                                           Lembremo-nos de que estes comportamentos que eram normais aos seres humanos em passado remoto e que permanecem, até hoje, no caráter dos indivíduos, nos primórdios da humanidade eram considerados como virtudes; porém, mediante uma transvaloração de valores processada ao longo da história, hoje eles são considerados vícios, em conformidade com os comentários que nos deixou o filósofo Friedrich Nietzsche em sua obra ‘Genealogia da Moral’. 
                                             Note-se que os seres humanos não se modificaram na essência, mas, sim, na moralidade que passaram a adotar, após a consolidação do cristianismo no Império Romano, entre os anos de 300 e 400 d.C., em suas colônias e nos países limítrofes. 
                                                  A religião cristã, ao estabelecer a figura do pecado, fez com que as velhas características que permitiram aos seres humanos dominar seus inimigos e conquistar os seus territórios, em benefício próprio e do clã a que pertenciam, passassem, a partir de então, a serem vistas como comportamentos maus e a serem evitados, pois eram dirigidos contra os mais fracos e indefesos, justamente àqueles que eram os protegidos pelo Deus dos cristãos. 
                                                    Entretanto, para infelicidade nossa, o mesmo velho costume de cortar gargantas, utilizado pelos antigos, ainda continua em vigor no mundo atual; é só contemplarmos, como exemplo, os vídeos disponíveis no You Tube mostrando isso, feitos nas periferias das principais grandes cidades brasileiras e mexicanas, submetidas todas elas a uma guerra civil não declarada nem assumida pelos governos; como também, naqueles vídeos filmados nas guerras civis declaradas da Síria, do Iraque, do Afeganistão, etc., demonstrando que, no íntimo, os seres humanos continuam os mesmos, ainda que tenham transcorridos milhares de anos.
                                                Ocorre, ademais, que hoje em dia com todo o progresso da Ciência e com a toda a riqueza mundial, acumulada através dos milênios, segundo relatório da Organização das Nações Unidas (referente aos Objetivos de um Desenvolvimento Sustentável),  treze por cento da população mundial ainda vive em extrema pobreza, oitocentos milhões de pessoas passam fome e dois bilhões e quatrocentos milhões não têm acesso ao saneamento básico.                                                                         Materialmente falando, os benefícios do desenvolvimento não estão sendo compartilhados igualmente entre todos os habitantes do planeta.
                                                 Espiritualmente falando, por outro lado, o que se vê hoje em dia são adeptos das três principais religiões com maioria de fiéis nos países ocidentais (judaica, cristã e muçulmana), guerreando entre si e se digladiando pelas ruas das cidades, em um ódio milenar ainda não superado pelo amor que eles apregoam serem apanágios destas suas três religiões.
                                                     As guerras entre os países e as nações, de um modo geral, continuam a produzir vítimas como no passado; só que agora na casa dos milhões e não mais dos milhares. As antigas pestes, que dizimavam as populações, foram controladas pelas vacinas e pelos antibióticos. Ocorre que novas moléstias e enfermidades ainda sem controle, vieram substituir aquelas já controladas, em um processo cíclico e sem fim de ameaças aos seres humanos, inúmeras vezes, mais agressivo e mortal do que todas as moléstias e enfermidades que têm atingido as demais espécies animais. 
                                                      O homem, tendo se transformado em uma espécie que se multiplicou descontroladamente com relação às demais, está sendo combatido pela própria Natureza, que tem lhe enviado as enfermidades que o atingem como envia pragas para as culturas agrícolas. Ocorre com a espécie humana o mesmo que ocorre na Agricultura com as espécies vegetais, quando desmatamos uma grande área rural rica em espécies nativas variadas e plantamos, no lugar delas, apenas uma única espécie. O passo seguinte é a Natureza enviar uma praga, antes inexistente, para dizimar aquela nova espécie plantada pelo homem, que se proliferou exageradamente sobre as demais. Isto é o que a Natureza também está fazendo com a espécie humana.
                                              Por sua vez, os crimes comuns perpetrados pelos cidadãos também se multiplicaram, em qualidade e em quantidade, não apenas em decorrência da maior população mundial, da amplitude das modalidades criminosas, mas, também, em razão de leis e de sistemas judiciários, muitas vezes, equivocados que, analisando a Sociologia, a Psicologia e as Ideologias de forma superficial e equivocada, consideram, em muitos países, os criminosos oriundos das classes mais pobres, como indivíduos de boa índole que, tendo sido oprimidos pelo sistema econômico dominante e vítimas de uma sociedade injusta, ingressaram na carreira do crime; tratando-os, por esta razão, com uma benevolência que estes mesmos criminosos não dispensaram às suas vítimas. 
                                                    Antigamente os assaltantes e criminosos eram punidos com a forca, com a prisão perpétua nas masmorras, nas galés, nas minas e nas pedreiras. Os carrascos se multiplicavam e exerciam suas funções laboriosamente, fazendo baixar as estatísticas acerca dos crimes praticados.
                                                     Na atualidade, nas nossas cidades praticamente despoliciadas e incontroláveis quanto a prática de crimes (refiro-me aqui ao caso do Brasil, onde leis esdrúxulas favorecem os criminosos, punindo, muitas vezes, os policiais que os combatem), as facções criminosas se sucedem, ocupando espaços do território em que o Estado já não mais penetra e nem possui soberania, e sempre aumentando seus efetivos e  os crimes que praticam.
                                                         Em nosso país os familiares dos criminosos presos e condenados recebem salários mensais, para se manter; durante todo o período em que os criminosos, chefes destas famílias, cumprem suas penas. Políticos condenados e presos exercem suas atividades no parlamento recebendo seus salários e dormindo, à noite, na prisão. Condenados, já cumprindo pena, que se candidatam a cargos eletivos, se eleitos tomam posse.
                                                      Os familiares das vítimas destes criminosos, por outro lado, nada recebem (mesmo que as vítimas, os chefes destas famílias, tenham sido mortas pelos criminosos que são beneficiados com a benesse governamental do chamado auxílio reclusão).
                                                  Visitas íntimas; saídas natalinas; saídas no dia das mães; prisões domiciliares; progressões de penas, segundo as quais nenhum criminoso cumpre mais do que seis anos de cadeia, independente do número de anos ao qual tenha sido condenado, etc., são outras benesses de que desfrutam os criminosos em determinados países como o Brasil. 
                                                 Criminosos com menos de dezoito anos (os denominados menores infratores) não podem ir para a prisão, mas, apenas, para Centros de Sócioeducação ou abrigos de semi-liberdade e provisórios, de onde fogem, frequentemente, em virtude da total ausência de grades ou da fraca segurança proporcionada nestes locais. 
                                                      A opinião de alguns representantes da Justiça, do Ministério Público e do Poder Executivo, expressa em audiência pública realizada no Rio de Janeiro no ano de 2016, é a de que “muitos destes menores deveriam estar em liberdade, por terem sido internados por crimes análogos ao tráfico de drogas – considerada uma infração não violenta”.
                                                    O STF - Supremo Tribunal Federal está estudando Um Habeas Corpus coletivo que pode converter em domiciliar a prisão de detentas grávidas ou com filhos de até doze anos.  O argumento é o de que "confinar mulheres grávidas em estabelecimentos prisionais precários, subtraindo-lhes o acesso a programas de saúde pré-natais, assistência regular no parte e pós-parto, e ainda privando as crianças de condições adequadas a seu desenvolvimento, constitui tratamento desumano, cruel e degradante"

                                                  É comum aos policiais encontrarem pelas ruas, caminhando livres e soltos, no dia seguinte, os mesmos criminosos que haviam prendido no dia anterior; desestimulando, assim, o trabalho policial. 
                                                      A esquerda que possuiu o comando do governo nos últimos trinta anos, por ter sua origem nos movimentos guerrilheiros da década de 1960, movimentos estes desbaratados e seus integrantes presos naquela oportunidade, considera que os criminosos nas cadeias e nos presídios são, também, prisioneiros políticos, como eles foram, no passado, e que também possuem ideologia marxista, como a que eles possuíam. Acho que este é um erro crasso de julgamento daqueles que hoje defendem os criminosos comuns e que criticam a polícia em sua atividade de combate e repressão ao crime. 
                                                   O Movimento Militar de 1964, ocorrido no Brasil naquela ocasião, ao fechar o Congresso e instaurar um regime de exceção, com a utilização dos denominados Atos Institucionais (que passavam por cima das leis já existentes e dos tribunais civis, em razão do surgimento da guerrilha urbana e rural), arregimentou contra si todos aqueles que militavam na área do Direito, inclusive os professores universitários. Tais professores, que também defendiam judicialmente presos políticos, formaram uma (ou mais) geração de alunos que viam com maus olhos os militares e os regimes militares pelos prisioneiros políticos que faziam, alguns deles torturados e até mortos nas prisões. Muitos destes alunos, na atualidade, podem, talvez, se encontrar na posição de advogados, defensores, promotores, procuradores, juízes e desembargadores.
                                                      A magnitude do problema chegou a tal ordem, no Estado do Rio de Janeiro, que o governo federal decretou, recentemente, intervenção militar no Estado. A rigor, a intervenção deveria ser em todos os Estados da Federação, tal a dimensão que o crime tomou em nosso país. Quadrilhas dominam o território e o governo de muitos de nossos Estados, dilapidando a economia, desviando os recursos públicos e ameaçando a segurança dos cidadãos.
                                                 Considerando tudo aquilo que dissemos até agora, as previsões que podemos fazer para o futuro, não são nada otimistas. 
                                                 Se, transcorridos tantos mil anos, ainda continuamos sofrendo dos mesmos males que sofríamos como espécie, não há por que imaginar que no futuro as coisas se passarão de forma diferente. A Natureza humana continuará sendo a mesma que sempre foi. A Natureza inóspita do planeta continuará apresentando dificuldades aos seus habitantes (dificuldades que poderão ser de ordem diferente das anteriores) e apresentando, sempre, novas moléstias e enfermidades que objetivem reduzir as populações humanas, relativamente às populações das outras espécies. O comportamento criminoso de parcela da população mundial continuará existindo, como sempre existiu. As religiões, a Filosofia e a Ciência serão sempre incapazes de modificar aspectos do caráter humano que lhe são intrínsecos e que convivem com ele desde o seu nascimento. 
                                                       Talvez a nossa única saída resida no contato com outras espécies, porventura existentes no Universo, que tenham se organizado de uma maneira melhor do que a nossa e que nos ensinem, finalmente, a conviver em paz e com harmonia, em busca de um progresso que seja, verdadeiramente, compartilhado por todos.


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.


_**/ Ensaio

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

171. Uma Experiência Inusitada**


Jober Rocha*



                                              Certa ocasião, como sempre fazia nas segundas-feiras, eu acordei bem cedo me preparando para escrever alguma coisa: um ensaio, uma crônica ou, até mesmo, um conto. Pouco tempo depois de sentado ao computador, notei que minha mente vagava por locais distantes, de épocas remotas. Repentinamente, como se houvesse regressado a uma vida passada, encontrei-me no século XVI, frente a frente com Niccòlo Maquiavelli, no palácio de Lorenzo de Medici, em Florença, Itália.
                                                 Maquiavelli (ou Maquiavel, como aqui no Brasil é conhecido) acabava de entregar o seu livro ‘De Principatibus’ (O Príncipe), a Lorenzo II, que o recebeu com frieza e constrangimento, segundo eu pude perceber.
                                          Saindo do palácio, pouco tempo depois, e caminhando junto com Maquiavel por amplos corredores de mármore, notei que este me fitava como se percebesse a minha presença ao seu lado. Parando de repente e olhando-me bem nos olhos disse: Brazilian Es? (em latim: - Você é brasileiro?). Ante minha resposta afirmativa, ele continuou, agora deixando de lado o latim e falando em português: - Tenho um recado muito importante para o seu presidente! Como você pode ver, eu também tenho visões do futuro e conheço o seu país, que foi descoberto por Cabral há apenas treze anos, pois estamos em 1513. Você poderia tomar nota para entregar esta mensagem ao presidente atual?
                                          Não sei como, já que a minha mente estava vagando por Florença e o meu corpo continuava, ainda, sentado frente ao computador em meu escritório, eu disse, gaguejando: - Claro, Messer Maquiavelli, pode falar!
                                         Na medida em que ele começou a se comunicar comigo, na escadaria do palácio em Florença, as minhas mãos sobre o teclado do computador, no Brasil, passaram a digitar furiosamente, como que movidas por uma força desconhecida que não me pertencia. Transcorrido um determinado intervalo de tempo, sobre o qual não posso precisar ao certo a sua duração, minhas mãos cessaram de datilografar a mensagem ditada por Niccòlo e a minha mente, ainda em Florença, viu ir esmaecendo, aos poucos, a figura imponente daquele pensador político italiano, até que ela desapareceu por completo. Logo em seguida, me vi sentado em frente à tela do meu computador, onde, fixando melhor os olhos, pude ler o seguinte texto:


O Presidente (Praeses)



                                           “Espero senhor presidente do Brasil, que aceite este pequeno presente com o mesmo espírito com que lhe é, por mim, oferecido. 
                                            Caso se digne a folhear as poucas páginas que preparei, perceberá que desejo, apenas, que conduza o seu país e o seu povo pelos caminhos da prosperidade, da grandeza e da felicidade.   Espero que receba o texto com entusiasmo e alegria e não com a mesma frieza e descaso, com que dádiva semelhante (livro a que nomeei ‘O Príncipe’ e que foi, nesta data, por mim ofertado com enorme boa-fé ao meu soberano Lorenzo II), provocou neste meu contemporâneo, ignorante das coisas de Estado e ingrato potentado.
                                         Espero, ainda, que não me considere presunçoso por querer dar conselhos a um presidente; porém, como eu já disse a Lorenzo, da mesma forma que um pintor necessita estar na planície para pintar uma montanha; para aconselhar a um presidente é preciso ser gente do povo, criada no sofrimento das desigualdades e na necessidade das coisas materiais.
                                           Da mesma forma que alertei Lorenzo II, alerto o presidente deste grande e rico país que é o Brasil, sem esperar nenhuma recompensa pelos conselhos que me custaram horas, dias e, seguramente, meses de longas meditações e intensos raciocínios; no entanto, se baixar os olhos da sua posição altaneira para a situação modesta em que me encontro, neste passado remoto, poderá reconhecer os grandes e imerecidos sofrimentos que me foram impostos por um fardo cruel e, com certeza, saberá recompensá-los (como sempre tem feito com aqueles empreiteiros que o ajudaram em suas obras faraônicas aí neste belo país do futebol), da forma que lhe parecer mais adequada; mesmo que seja, tão somente, através de missas mandadas rezar por vossa magnificência, em alguma igreja local, pela intenção da minha humilde alma...”

I. Sobre O Modo De Um Presidente Governar O Estado


                                                     “Existem várias maneiras de se governar um país como o Brasil, por alguém que jamais passou por esta experiência anteriormente, como você, e acho que a melhor delas é procurar a assessoria e o conselho de gente honesta e competente. A sua falta de conhecimento e de leitura, todavia, poderá ser sanada, desde que tenha bom senso e se aconselhe com pessoas íntegras e experientes. A pior coisa que pode acontecer com um presidente inculto e inexperiente é tomar conselhos com gente mais inculta do que ele e tão inexperiente quanto. Pior ainda quando, além das duas características mencionadas anteriormente, estes conselheiros unem uma nova, qual seja: a vontade incontrolável de se apropriar daquilo que não lhes pertence, como parece ser a tônica daqueles que o assessoram neste momento”. 

II. Sobre Aqueles Presidentes Que Através De Atos criminosos Chegaram Ao Governo De Um Estado.


                                                “Pode-se chegar ao governo de uma nação democrática, como o Brasil, de duas formas: mediante o sufrágio popular universal honesto ou através do mesmo sufrágio universal fraudado. Ambos são eficientes, já que possibilitam alcançar os objetivos a que eles se propõem; entretanto, o primeiro deles é melhor do que o segundo, pois, este último, quando descoberto, além de permitir tornar nulas as eleições populares, em razão de fraude eleitoral, ainda tem a desvantagem de poder conduzir o presidente, eventualmente eleito, para uma prisão no interior do país e de difícil fuga, junto com todo o seu séquito de companheiros de partido. Reconheço que a moderna tecnologia de apuração de votos, neste país que admiro, é um convite à fraude, principalmente partindo de candidatos à reeleição; já que, o controle que estes possuem sobre o pleito e os seus resultados, é quase total, em razão do aparelhamento que, seguramente, ao longo do primeiro mandato, conseguiram implantar na máquina do Estado e nos três poderes da república. Entretanto, sempre existe algum risco de a fraude ser descoberta, mediante denuncia de algum cabo eleitoral mal remunerado ou de alguma (algum) esposa (o) ou amante insatisfeita (o) ou traída (o) e, portanto, vale a pena acautelar-se a respeito”.

 III. Os Deveres Dos Presidentes Para Com Os Seus Soldados.


                                               “Os militares deste seu magnífico país devem, em primeiro lugar, ser tratados com respeito; quando menos seja, por serem aqueles mais bem treinados no uso das armas e das táticas de guerra e os que podem, eventualmente e como já ocorreu no passado, destituí-lo do seu cargo e colocá-lo atrás das grades, se assim o desejarem. Medidas de caráter revanchistas, contra eles, não costumam surtir nenhum efeito e só despertam a má vontade e a discordância por parte daqueles que não desejam ser molestados. Os soldados devem ser bem alimentados, pagos em dia e com aumentos anuais que compensem a inflação. Seus equipamentos bélicos devem ser modernos, estar em bom estado de funcionamento e ser eficientes. Deve ser providenciado treinamento adequado, visando à proficiência no uso dos mesmos e também nas modernas táticas e estratégias de guerra. Soldados descontentes e sem ocupações de ordem militar, desde os tempos de Sun Tsu e do Império Romano, costumam pensar, amiúde, em conspirações para destituir aquele que é identificado como o responsável pelos seus descontentamentos e pela obsolescência dos seus armamentos. Bons soldados e razoável poderio militar, além de dissuadirem ataques externos de eventuais inimigos, permitem, ademais, que o presidente fale grosso nos fóruns internacionais, satisfazendo, assim, o seu ego e alegrando aqueles que, à sua volta, lhe admiram e enaltecem”.

 IV. A Crueldade E A Clemência: Se É Preferível Ser Amado Ou Temido Pelo Povo


                                            “Embora aqueles que cheguem a comandar um país desta dimensão, e com a enorme população que dispõe, desejem integral obediência de seus comandados, alguns conseguem tal intento através da crueldade e outros através da clemência. Em se tratando de chefiar uma população constituída, tão somente, de masoquistas, aqueles que comandam com crueldade teriam, desta forma, assegurados os seus mandatos (ou empregos) ‘ad eternum’. Tratando-se, por outro lado, de uma população onde só existissem sádicos, os governantes dóceis e clementes possuiriam grandes chances de serem constantemente reeleitos, para serem massacrados por seus sádicos eleitores. Como na prática estas duas hipóteses jamais ocorrem, os governantes de um país como o Brasil devem procurar sempre alternar, perante seus comandados, a crueldade e a clemência; isto é, ser clemente para com as elites e os ricos, e cruel para com o povo e os pobres. O mandatário de um país com a extensão territorial do Brasil e com uma população tão dócil e ordeira como aquela que preenche os seus municípios, todavia, não precisaria fazer uso nem de uma nem de outra destas características; posto que, a simples mentira já é suficiente para fazer com que a população trabalhadora acredite em tudo aquilo que o governante lhe diz e siga seu destino no rebanho, em direção ao matadouro, sem questionar e sem se importar com o que fazem aqueles que a governam. Mentir sempre e, caso apanhado na mentira, arguir que não sabia de nada, esta é a chave para o sucesso e a permanência no poder de um presidente brasileiro.
                                                   O governante, no entanto, deve ter o cuidado de variar nas mentiras que conta, de tal forma que aqueles poucos eleitores que sabem ler, e formular questionamentos (além de possuírem uma boa memória), não venham em algum momento reclamar publicamente, alegando que já ouviram aquelas estórias e que nelas não acreditam mais. Lembro, no entanto, que o simulacro de democracia que esconde os verdadeiros donos do poder, por vezes, pode ser rompido de forma traumática por alguém (ou por alguma classe) que desconheça como as coisas funcionam neste país, com respeito aos feudos estabelecidos desde a data em que vocês se tornaram independentes do colonizador português. Portanto, o presidente, caso não seja um democrata convicto, deve acautelar-se contra aqueles que acreditam, verdadeiramente, na liberdade e na democracia e mantê-los quietos e isolados, de preferência em uma ilha distante, se não conseguir eliminá-los em definitivo”.

 V. A Conduta Dos Presidentes E A Boa-Fé Dos Súditos Eleitores


                                                   “Os eleitores, em geral, são pessoas inocentes e de boa- fé, qualidades estas que não são, normalmente, atributos daqueles candidatos ao cargo máximo de um país, como o de presidente. Se estes fossem inocentes e de boa-fé, os partidos políticos aos quais pertencem não os colocariam como candidatos para vaga tão disputada e importante. A conduta de qualquer presidente eleito deve, no entanto e segundo penso, seguir em realidade os ditames da boa-fé (ditames estes tão apreciados pelos eleitores), e não apenas parecer que os está seguindo, como ocorre com freqüência. Digo isto porque, além de ser a maneira correta de agir, é, praticamente, impossível enganar a todos os eleitores durante todo o tempo e, assim, a má-fé do governante logo acabará sendo percebida por aqueles que o elegeram. Como alguns juízes neste país não se deixam corromper facilmente, pode ser que a má-fé do governante acabe por engendrar ações criminais, por improbidade administrativa, que o conduzam a perder o cargo e a ser levado às barras dos tribunais, com grandes riscos de vir a amargar alguns anos de cadeia ao lado dos assessores mais chegados. Como pode ser constatado, em que pese um governante honesto deixar o governo com o mesmo patrimônio com que entrou nele, aqueles governantes que deixam o cargo com o patrimônio multiplicado por dezenas, centenas ou, até mesmo, milhares de vezes, podem não ter o prazer e a felicidade de chegar a desfrutar, ao lado da família e dos amigos mais chegados de partido, de tudo aquilo que amealharam no cargo, em razão de sentenças transitadas em julgado, confiscando-lhes o patrimônio e mandando-os, definitivamente, para um cárcere longínquo. Você poderá argumentar que isto nunca aconteceu na história republicana do seu país, mas, lembre-se, todavia, de que os tempos e os costumes estão sempre mudando, como dizia Cícero ao afirmar: O Tempora! O Mores!”  


 VI. Como Se Pode Evitar O Desprezo E O Ódio Dos Eleitores


                                                 “Todo aquele que ocupa o cargo máximo de um país, será, com absoluta certeza, desprezado e odiado por aqueles cujos interesses em alguma situação foram contrariados. A única esperança para um mandatário é a de ser desprezado e odiado pelo menor número possível de cidadãos. Para tanto, deverá adoçar a maioria do povo com medidas paternalistas de grande efeito social, mas que custem muito pouco ao Tesouro do Estado. Para os demais governados, deve prometer dias melhores, que, evidentemente, jamais chegarão. Portar sempre um sorriso amigo na face e apertar as mãos de quantos encontre pelo seu caminho; levantar crianças nos braços e beijar as suas tenras faces; acenar para as multidões; mandar beijos com as mãos; usar da mentira a torto e a direito (tendo sempre o cuidado de não se esquecer daquelas que contou com anterioridade, para não se contradizer publicamente), são técnicas infalíveis para angariar a admiração das massas. Uma alternativa que também pode ser utilizada por um presidente com pouca popularidade, como parece ser o seu caso, é a de desprezar e odiar o povo, pois, segundo conceitos retirados da Física, duas forças iguais e contrárias acabam por se anular. Desprezando e odiando o povo, você poderá vir a se contrapor ao desprezo e ao ódio que este mantém por você. Evidentemente que jamais conseguirá evitar ou diminuir o desprezo e o ódio daqueles que com você convivem mais de perto; já que, estes o conhecerão com maior intimidade e não se deixarão levar por suas mentiras e falsidades. Lembre-se, no entanto, que o mandato é curto e que, no caso de ser reeleito, você sempre poderá livrar-se de todos aqueles mais chegados, que com você conviveram durante o seu primeiro mandato”.


 VII. Como Deve Agir Um Presidente Para Ser Estimado Pelos Eleitores


                                                “Para poder contar com a estima de seus eleitores, bastaria, a qualquer presidente, colocar os interesses do povo acima dos seus interesses pessoais. Quando o presidente age desta forma, trabalhando para o benefício daqueles que o elegeram, evidentemente, poderá sempre contar com a estima de todos. No entanto, dado os mecanismos de poder existentes, que o levaram a ocupar a mais alta função do país, isto, quase sempre, é, absolutamente, impossível. Alguns que, ao longo da história, tentaram proceder desta forma foram, simplesmente, eliminados em operações que pareceram acidentes, suicídio ou, até mesmo, fruto da ação de malucos ideológicos. Como, todavia, os presidentes se alternam (ao contrario dos reis e dos imperadores que, teoricamente, são considerados vitalícios), não há necessidade de buscar ser estimado pelo povo, que, normalmente, tem memória curta e não corre atrás do prejuízo; salvo alguns delegados, promotores e juízes, patriotas, competentes, sérios e honestos, contra quem é preciso sempre se acautelar”. 

VIII. Os Ministros Do Presidente


                                                “Todo presidente deve procurar, como já dito anteriormente, ser assessorado por pessoas honestas e experientes, nomeadas para os diversos ministérios (que devem ser poucos e o mínimo necessário para regular o funcionamento de alguns setores especiais do país). Tais pessoas podem ser, eventualmente, encontradas no meio universitário, na caserna e no setor empresarial. Quando o presidente busca ser orientado em seus ministérios, por auxiliares sem nenhuma formação acadêmica ou profissional, mas, apenas, porque a eles deve favores pessoais ou partidários ou porque eles foram indicados por outros partidos políticos (distintos daquele pelo qual o presidente se elegeu), partidos estes que fazem parte da base aliada, em troca, apenas, de apoio nas votações do senado e da câmara, a possibilidade de vir a ser mal orientado é muito grande e cresce ainda mais, segundo formulação matemática que desenvolvi, na razão direta dos recursos orçamentários disponíveis no caixa do referido ministério e na razão inversa do grau de instrução possuído pelo eventual ministro.
                                                    Os ministros, se não forem pessoas honestas e competentes nos setores em que atuam (como parece ser o caso dos seus, no presente momento), dispersarão os escassos recursos do Tesouro em obras desnecessárias e super faturadas, de modo a que, quando deixarem os respectivos ministérios, embora saiam dali com os bolsos cheios, as carências e as necessidades dos setores que comandaram por vários anos continuarão sendo as mesmas que eles encontraram quando foram nomeados e os cofres públicos, que estavam cheios quando eles entraram nos cargos, desta vez, ao saírem, estarão vazios”.



                                  Isto, senhor presidente do Brasil, é tudo o que eu tinha a lhe dizer.
                                  Do seu fiel admirador,

                                  Niccòlo Maquiavelli




Considerações Finais Aos Meus Leitores


                                              Ao terminar de ler o texto na pequena tela do computador, eu não acreditava que pudesse haver escrito aquilo, da forma como havia sido feito. Concordava com a matéria ali contida, mas não me dava conta de tê-la, jamais, escrito. Teria eu, por acaso, psicografado uma mensagem de Maquiavel endereçada ao presidente do nosso país? Se fosse este o caso, eu deveria encaminhá-la à nossa autoridade máxima? Teria ela a mesma reação de frieza e de desprezo que teve Lorenzo de Médici, ao receber ‘O Príncipe’ das mãos de Maquiavel?  
                                       Deixo a cargo dos queridos leitores qualquer conclusão a respeito.




_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Conto de humor