384. A Vaidade das nossas autoridades
Jober Rocha*
Diz uma antiga lenda que o Rei Salomão, após se atentar para todas as obras dos homens
debaixo do sol, percebeu que tudo era vaidade e os esforços dos homens eram tão
vãos quanto correr atrás do vento; inclusive, Salomão introduz o seu livro
dizendo: “Vaidade de vaidade, diz o
Pregador; vaidade de vaidade, tudo é vaidade” (Eclesiastes 1:2). Com estas
palavras, Salomão lembra que tudo é efêmero, é passageiro como o vento, é
temporário, é transitório. O vocábulo vaidade, em hebraico, pode ser traduzido
também como fugaz ou ilusão.
A
vaidade referida por Salomão possuiria várias conotações: a dos bens terrenos, a
da sabedoria humana, a do esforço e das realizações, a da própria vida, a da
inveja, a do egoísmo e do poder, a da cobiça, a das riquezas e a das
acumulações humanas.
Por
sua vez, o escritor português Mathias Aires Ramos da Silva de Eça (1705-1763),
em um gesto premonitório, talvez tenha sido um dois primeiros a escrever um
quase tratado sobre este vício que predomina entre grande parte das autoridades
brasileiras atuais. Seu livro tinha por título: 'Reflexões sobre a vaidade dos
homens' e parece haver sido escrito para descrever como agem às nossas autoridades.
Mathias
Aires inicia o seu livro, dizendo: “Sendo
o termo da vida limitada, não tem limite a nossa vaidade; porque dura mais do
que nós mesmos e se introduz nos aparatos últimos da morte. Que maior prova do que
a fábrica de um elevado mausoléu”?
“No silêncio de uma urna depositam os
homens as suas memórias, para com a fé dos mármores fazerem seus nomes
imortais, querem que a suntuosidade do túmulo sirva de inspirar veneração, como
se fossem relíquias as suas cinzas e que corra por conta dos jaspes a
continuação do respeito. Que frívolo cuidado”!
“Esse triste resto daquilo que foi
homem, já parece um ídolo colocado em um breve, mas soberbo domicílio, que a
vaidade edificou para habitação de uma cinza fria e desta declara a inscrição o
nome e a grandeza. A vaidade até se estende a enriquecer de adornos o mesmo
pobre horror da sepultura”.
Qualquer
um que tenha convivido em nosso país, nas três últimas décadas, com determinadas
autoridades dos três poderes da República ou dos Estados da Federação, melhor
do que ninguém, poderá confirmar a assertiva de que estão convencidas de que a
relevância presumida do cargo ocupado e a certeza de ser considerada uma
autoridade, por si só, confere merecimento, valor e saber a quem não tem nem
saber, nem valor nem merecimento.
Quase
sempre, o simples fato de serem consideradas autoridades da República ou dos
Estados da Federação traz impunidade aos crimes por elas praticados em virtude
dos foros privilegiados de que desfrutam, fazendo com que suas soberbas, arrogâncias
e altivez, assemelhem-se, aos olhos dos homens comuns, a coisas normais, naturais
e justificáveis.
Imaginam
estes figurões que tudo lhes é permitido e que estão acima das leis, elaboradas
que foram estas, apenas, para enquadrar as pessoas comuns e não as autoridades
em que elas se constituem.
O
excesso de benefícios que desfrutam, em razão dos cargos que ocupam, quase
sempre, foram maquinados e aprovados por eles mesmos, usando dos poderes
discricionários que usurparam ao longo do tempo, sem resistência maior por
parte da nossa sociedade.
Esquecem
estes brasileiros que dela abusam que as autoridades, em todos os lugares e em
todas as épocas, foram, sempre, em tese, instituídas pelas sociedades para
enobrecerem as ações ilustres e não para ilustrarem as viciosas, para que elas
sejam escravas da razão e não déspotas da insensatez, da imprudência, da
precipitação e da vaidade.
As
autoridades nada mais são do que servidoras do povo e não o contrário, como
elas insistem em fazer com que todos acreditem.
O
que mais notamos, da parte destas autoridades é o tradicional: - você sabe com
quem está falando?
Recentemente
um guarda municipal foi destratado e ofendido em sua dignidade por um
magistrado em plena via publica, apenas, por cumprir com o seu dever de
pedir-lhe que colocasse a máscara protetora contra o vírus Sars Cov 2, que
assola o nosso país, e cujo uso nas cidades é obrigatória.
Quase
todos os dias a Mídia noticia alguma demonstração de vaidade partida de alguma
autoridade, seja não aceitando ficar nas filas de embarque dos aeroportos, seja
não querendo submeter-se aos aparelhos de raios x, seja retendo a aeronave para
poder embarcar em razão de ter chegado atrasado ao aeroporto. Em algumas
repartições públicas várias autoridades possuem funcionários cuja missão é a de
afastar-lhes a cadeira quando vão se sentar ou, então, segurar-lhes o guarda
chuva, nos dias de chuva, para que não se molhem ao embarcar nos veículos
oficiais.
A
capacidade de criar benefícios próprios, mordomias e direitos é imensa por
parte de nossas autoridades, que os detém em muito maior quantidade do que as
autoridades de países bem mais desenvolvidos e ricos que o nosso. Em outros
países, mais desenvolvidos, Ministros de Estado vão para o trabalho de metrô,
de ônibus, de bicicleta. Moram em suas próprias casas e não em residências
funcionais com tudo pago pelo Estado; isto é, pelo povo brasileiro.
Na
maioria dos países desenvolvidos as autoridades viajam, exclusivamente a
serviço, em aviões de carreira. Aqui viajam a serviço, e nas viagens particulares
com as famílias e os amigos, em aeronaves do governo.
Quem
desconhece a miséria do nosso povo e fica conhecendo a vida de uma autoridade
brasileira, deve imaginar que somos um dos países mais ricos do mundo.
Muitas
autoridades que ocupam cargos públicos possuem padrão de vida superior ao de
grandes empresários nacionais que, com seus impostos escorchantes, bancam a
vida de luxo destas autoridades.
O
país com um déficit orçamentário, neste ano de 2020, da ordem de 800 bilhões de
Reais, não pode continuar mantendo este padrão de vida de nossas autoridades,
tendo que se endividar ou emitir moeda para continuar bancando despesas novas,
criadas todos os dias por aqueles que não necessitam produzir riquezas para
delas desfrutar.
Da
forma como temos seguido nas últimas décadas, governados por uma cleptocracia
instalada nos três poderes da República, como reconheceu há algum tempo, publicamente,
um ministro da mais alta corte do país, algumas autoridades parecem imaginar
que se lhes permite tudo, que o vício se autoriza, que o crime se justifica e
que a vaidade faz parte integrante do cargo, no desempenho do qual algumas
delas já perderam o pejo, a honra, a verdade e a consciência.
A
vaidade se mostra nos pareceres rebuscados que tentam esconder alguma verdade
trágica que irá impactar negativamente nas populações, mostrando-a como uma
concessão benéfica do Estado; nas sentenças ininteligíveis que buscam absolver
culpados ou defender o indefensável; nas leis aprovadas na calada da noite, sem
ouvir as populações interessadas e que visam favorecer grupos ou então prejudica-los.
A
vaidade se mostra na forma como se protegem corporativamente, impedindo o
andamento de inquéritos ou arquivando-os por decurso de prazo.
O
Brasil da atualidade não pode mais conviver com este tipo de autoridade, que
busca servir-se e não servir. O povo precisa entender, de uma vez por todas,
que só ele pode mudar uma situação de descalabro como esta, que chegou até onde
chegou por seu exclusivo descaso. A própria Carta Magna de 1988, menciona em
seu parágrafo primeiro do artigo primeiro:
Art.
1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático
de Direito e tem como fundamentos:
Parágrafo
único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (grifo meu).
Não
podemos continuar colocando no parlamento, como nossos representantes, cidadãos
sem a menor condição intelectual e moral que, ao invés de desejarem o nosso
progresso e a nossa ordem, pugnam pela desordem do quanto pior melhor, pelo
conluio contra os eleitores, pelos seus exclusivos interesses particulares e
grupais, pelas negociatas e maquinações lesivas ao tesouro nacional.
O resultado das próximas eleições, previstas para o mês de novembro do corrente, serão como um termometro a nos
mostrar se a nossa temperatura política já baixou; isto é, se já nos curamos do vírus do descaso, da displicência, da incúria e da
indiferença, que tem feito com que elejamos muitos políticos que trabalhem contra os interesses do país e do povo brasileiro.
_*/
Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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