379. A hipótese da vida após a morte e a sua utilização com finalidades religiosas e político-ideológicas
Jober Rocha*
Platão, certa ocasião, teria declarado
perante uma plateia grega: “O castigo dos bons, que não fazem política, é serem
governados pelos maus”. O Filósofo Voltaire, por sua vez, teria dito: “A
política tem a sua fonte na perversidade e não na grandeza do espírito humano”.
A existência ou não de vida após a morte,
preocupação dos seres humanos desde os primórdios da civilização como nos
demonstram os historiadores, os antropólogos, os arqueólogos e os filósofos com
as suas pesquisas, investigações de campo e seus simples raciocínios, deduções
e inferências, têm sido exploradas por aqueles que, visando seus próprios
interesses, utilizam-se politicamente dos aspectos ideológicos e religiosos
extraídos dos fundamentos desta questão, com o objetivo de conduzir as
populações humanas para o rumo que desejam e conseguir obter delas tudo aquilo
que pretendem; isto é, a obediência, o servilismo, a riqueza, o acatamento, a resignação,
a credulidade, a devoção, a ingenuidade, a fé, a superstição, a ignorância,
etc.
Fazendo um breve retrospecto histórico,
podemos constatar que para o homem primitivo a morte tratava-se de um caso
fortuito, não existindo de forma natural. Explico-me melhor: quando ela eventualmente
ocorria fora de episódios de guerra, segundo eles imaginavam, tratava-se de uma
ação má de algum espírito ou de algum feitiço executado contra o morto. Tanto
era assim que interrogavam o cadáver sobre o autor do crime, tentando adivinhar
as respostas deste ao observarem, acuradamente, o entorno do local em que
estavam em busca de sinais ou de respostas supostamente fornecidos pelo morto acerca
do causador de sua morte. Ademais, era crença antiga que o morto iria partilhar
também do mundo dos deuses, com eles coabitando, razão pela qual eram venerados
após o funeral como deuses lares, que velavam pelo lar e pela família dos
primitivos humanos.
Constata-se, pois, que, real ou
fantasiosa, a crença em uma vida após a morte sempre esteve presente entre os
seres humanos. Tanto é que os primitivos abasteciam os túmulos dos mortos com
coisas que estes eventualmente necessitariam em sua outra existência. Certos
povos enterravam o chefe do clã, morto, junto com a sua esposa e com os criados,
todos estes ainda vivos.
Filosoficamente, no entanto, se o nosso
objetivo nesta existência for o de aprender e evoluir espiritualmente, conforme
mencionado por todas as religiões, evidentemente o local de onde vieram os nossos
espíritos, antes de nascermos neste planeta, possuiria, necessariamente,
organizadores e administradores que seriam superiores intelectual, cultural,
tecnológica e espiritualmente àqueles nossos administradores humanos existentes
neste pequeno planeta onde, forçosamente, fomos obrigados a viver após termos
nascido. Está dedução, a meu ver, seria lógica para qualquer um que meditasse
sobre o assunto. Não só os organizadores e os dirigentes deste local
desconhecido seriam superiores a qualquer um de nós humanos, mas, também, o
próprio ambiente de onde procederíamos deveria ser mais culto, mais organizado,
mais limpo, mais belo e tecnologicamente mais evoluído do que este pequeno
planeta inóspito onde tivemos a felicidade (ou a infelicidade) de aportar para
usufruir como morada até o final de nossas existências.
Ocorre que o ser humano primitivo ao chegar
ao planeta Terra, vindo não sabia de onde e deparando-se com coisas que
desconhecia e que admirava embora não as houvesse criado passou a atribuir as suas
existências aos chamados, Deuses que seriam os criadores de tudo aquilo que
viam, bem como daquele mesmo e dos incontáveis outros mundos que podiam
contemplar quando, à noite, olhavam para o céu. Foi por esta época, certamente,
que ocorreu o surgimento do Politeísmo. Existiriam inúmeros Deuses: o dos rios,
o dos mares, o das tempestades, o do trovão, o dos raios, o das matas, o da
caça, o da fartura, o da chuva, o das colheitas, etc.
Surgiu, a partir de então, inexoravelmente,
a Mitologia com a sua gradação de Deuses, maiores e menores, como forma de
tentar explicar o inexplicável. A Mitologia tentava formular uma estória
coerente sobre os Deuses, suas famílias, suas vidas diárias, suas desavenças,
suas moradas, suas ambições, etc. Entretanto, os seres humanos, por basearem-se
em seus próprios comportamentos, imaginavam poder contar com a bondade e com a
maldade, sem dúvida alguma existente nos deuses, e, por isso, necessitavam
homenageá-los para angariar suas benesses. Surgiu, logo em seguida, alguém ou
uma determinada classe de pessoas que se propunha a fazer esta intermediação em
troca, evidentemente, de vantagens pessoais, tanto por parte dos seres humanos
quanto também dos Deuses, aos quais serviriam: apareceram, assim, os
sacerdotes. Embora os povos fossem inicialmente politeístas, a evolução social acabou
conduzindo-os para o monoteísmo por razões de ordem econômica, conforme os
leitores mais curiosos poderão confirmar em suas pesquisas particulares.
O
monoteísmo foi, sem dúvida, o fator que possibilitou a conquista e a manutenção,
definitiva, de Reinos e de Cidades Estados pelos conquistadores, sem a
necessidade de destruí-los e de eliminar fisicamente às suas populações; pois,
a partir de então, um mesmo Deus poderia ser venerado por conquistadores e por conquistados.
Antes, os reinos e as cidades conquistadas tinham que ser necessariamente
destruídas e as suas populações exterminadas; pois os Deuses eram locais e os
conquistadores não poderiam ocupar aquele território e ali ficar por muito
tempo, em razão de ser aquela uma região onde o Deus dominante era outro e não
próprio Deus do conquistador; já que este deveria fazer orações e sacrifícios
ao seu Deus particular e protetor. Não poderia, evidentemente, fazê-lo no território
onde reinasse qualquer outro Deus distinto do seu. O monoteísmo possibilitou
que isso pudesse ser feito e, também, permitiu manter como preposto (ou
gerente) naquele mesmo reino conquistado, o próprio rei deposto ou algum
familiar seu, pois, com a existência de um Deus comum e único, a conquista física
daquele novo reino, cidade ou território, nenhuma mudança acarretaria no
tocante ao fator religioso e aos seus sacrifícios obrigatórios, importantíssimos
para o homem primitivo.
Por sua vez, do outro lado do mundo, no
Oriente, já existia a ideia de que tudo o que existia no Universo, além de ter
sido criado por um único Deus, era parte integrante do próprio Deus. Tratava-se
daquilo que ficou sendo conhecido como Panteísmo; isto é, a ideia em que Deus
se encontrava presente em tudo àquilo que existia no nosso planeta e fora dele,
bem como tinha sido por Ele mesmo criado, sendo Ele parte integrante de toda a
sua criação; embora entre muitos povos asiáticos além do panteísmo existia
também o politeísmo. Já se acreditava no espírito humano, em suas múltiplas
encarnações e na transmigração de um espírito para outro corpo entre as sucessivas
possíveis encarnações do espírito, podendo a transmigração ser feita para
corpos humanos, de animais ou mesmo de insetos.
Tendo começado de forma bastante simples,
esta ação dos sacerdotes chegou, com o passar dos tempos, ao ponto mesmo de,
objetivando arrecadar dinheiro, começarem a vender indulgências para pecados já
cometidos e/ou ainda a cometer futuramente; de venderem lugares bem situados
neste novo reino onde viveria o Deus criador de todas as coisas; bem como, de chegarem
ao ponto de eliminar fisicamente quem desacreditasse das suas ideias, crenças, postulados,
mandamentos e cosmogonias (ideias relacionadas à existência do Universo ou da
realidade dos seres humanos).
Desde então, em termos religiosos, a
coisa só fez se aperfeiçoar, com a criação do céu (onde ficariam os bons
espíritos), do inferno (para onde iriam os maus espíritos) e do purgatório
(local temporário em que os espíritos daqueles que morreram em estado de graça
seriam preparados para irem para o Reino dos céus); da elaboração de mandamentos
ou de livros sagrados, onde o Criador de Todas as Coisas explicaria, com
maiores detalhes, o que pretenderia de suas criaturas; da idealização de um tribunal
ultratumular que julgaria, no final dos tempos, as más ações, os maus
pensamentos e as más palavras (quando proferidos ainda em vida) de todos os
espíritos já desencarnados. Diversas religiões mais modernas possuem conceitos,
objetos, estórias, interpretações, personagens e datas importantes, apropriadas
de religiões muito mais antigas, bem como cosmogonias semelhantes ou idênticas,
demonstrando, com isso, que a famosa Lei de Lavoisier (1743-1794) ou da
Conservação das Massas (segundo a qual “Na natureza nada se cria, nada se
perde, tudo se transforma”) já era conhecida na mais remota antiguidade.
As três principais religiões mundiais da
atualidade podem ser consideradas o Islamismo, nascido dos povos semitas; o
Budismo, nascido dos povos de origem indiana e o cristianismo, iniciado a
partir dos povos mediterrâneos. Hoje em dia as três concorrem mundialmente em
termos de hegemonia religiosa. Alguns líderes religiosos e autoridades mundiais
pretendem unifica-las em uma só religião; posto que, o conceito monoteísta já
se consolidou entre a maioria dos religiosos.
Diversos pensadores religiosos, ao longo
da história, tentaram obter justificativas filosóficas que se situassem além de
simples crenças e de convicções, para tentar explicar, de modo racional, a
necessidade da existência de um Criador, bem como as diversas partes e
passagens dos livros considerados sagrados, tentando conciliar a fé com a razão
e o conhecimento, sem a necessidade de recorrer sempre aos dogmas.
Dentre vários destes pensadores, podemos
destacar: Platão, Aristóteles, Agostinho de Hipona, Justino, Tomas de Aquino,
Thomas More, Francis Bacon, Thomas Hobbes, George Berkeley, João Duns Escoto,
Clemente de Alexandria, etc.
Outros tantos filósofos e cientistas
tentaram demonstrar a existência de um Criador sem a necessidade da religião e
outros, ainda, salientaram ser o mundo um reles acidente fortuito, fruto
simplesmente do acaso. Dentre este grupo mencionado, destacaram-se na Idade
Média: Galileu Galilei e Giordano Bruno. Mais tarde, durante o Iluminismo, René
Descartes, John Locke, Montesquieu, Jean-Jacques Rousseau e Voltaire. Entre os
filósofos, cientistas e escritores que se pronunciaram, de forma mais ou menos
ambígua, sobre a matéria, podem ser destacados os seguintes: William Shakespeare,
Leonardo da Vinci, Sigmund Freud e Friedrich Nietzsche. Karl Marx e Friedrich
Engels eram ateus por convicção e o eventual Criador de Todas as Coisas jamais
participou como coadjuvante de suas teorias. Com a tese do Materialismo Histórico
eles defendiam que a evolução histórica, desde as sociedades mais remotas até a
atual, se daria pelos confrontos entre diferentes classes sociais decorrentes
da "exploração do homem pelo homem". O Materialismo Histórico faria
parte daquilo que eles denominavam de Leis Historicamente Determinadas.
Em minha modesta opinião, a única Lei
Historicamente Determinada é a Lei que trata da eterna luta do bem contra o
mal...
Inúmeras correntes filosóficas existem
na atualidade, como o ateísmo, o materialismo, o ceticismo, o racionalismo, o
niilismo, o anticlericalismo ou o anticristianismo, que, baseadas em diferentes
campos da ciência e da filosofia, defendem que as leis que regem o Universo
independem da existência de qualquer Deus ou de algum eventual Criador. É o
caso, mais recentemente das teorias científicas de Stephen Hawking e de Richard
Dawkins. Vejam bem que muitas destas correntes mencionadas são apenas correntes
filosóficas (fruto simplesmente do pensamento de algum filósofo) e não
correntes científicas (que devem se submeter ao processo científico de
observação, problematização, formulação da hipótese, experimentação e teoria e,
ademais, contar com um razoável número de cientistas que as endossem).
Mas, deixando de lado os aspectos
históricos e voltando ao tema que dá título ao presente texto, constato que a
utilização política que se dá ao ato da morte, em si, bem como de suas possíveis
posteriores consequências aqui mesmo no planeta ou em outro plano de existência
para aquele que morreu, tem sido sempre ou de ordem religiosa (“partindo daqueles
que acreditam que haja outra vida após o fim da existência terrestre e que a sua
verdadeira explicação, bem como os caminhos para acessar esta nova vida, da
melhor maneira possível, seriam aqueles obtidos através da religião”) ou de ordem
ideológica (“propagada por aqueles que acreditam ou não na existência de um
Criador; ou seja, aqueles que possuem uma religião e uma ideologia ou aqueles
que não possuem religião, pois a substituíram por alguma ideologia ateia, ideologia
está que propugna que só vivemos uma única vez e é nesta nossa vida que devemos
procurar satisfazer todos os desejos do nosso ego e reparar as eventuais
injustiças cometidas contra nós mesmos, sem darmos importância maior aos falsos
aspectos religiosos das nossas existências”). Tais crenças, em uma ou em outra
destas alternativas, irão desenhar e condicionar a forma de os indivíduos
encararem as suas vidas terrestres; bem como, os seus valores, costumes e
atitudes, frente a si mesmo e aos demais seres humanos.
Saliento que existem ideologias que
preservam a imagem de um Criador e ideologias para as quais o Universo não
possui um Criador. Só não existe religião sem Criador, o que seria uma
contradição Metafísica.
Apenas por curiosidade eu questiono a
razão pela qual nenhuma ideologia ou religião, das inúmeras já criadas ou ainda
existentes no planeta, jamais fez menção, que eu saiba, sobre a possibilidade
da existência de outro tipo de civilização terrestre, ideal em termos de
igualdade plena, totalmente justa e voltada para a paz e para o bem estar dos
indivíduos, que pudesse vigorar eternamente durante vida dos seres humanos
neste planeta, sem possuir nenhuma conotação de ordem religiosa ou ideológica.
Segundo os pressupostos das religiões e
ideologias existentes, as populações humanas sempre trabalhariam sob as ordens
de uma classe dominante para atender aos objetivos desta mesma classe. As
supostas democracias existentes no planeta, nas quais as populações se
vangloriam de poder eleger seus representantes, nada mais são do que simulacros
de democracias.
Na realidade os representantes do povo,
em qualquer suposta democracia, também são representantes dos grandes grupos
que comandam as expressões do poder nacional daquele país. Em inúmeros países
ao redor do mundo, que se proclamam democracias, a reeleição é permitida e
inúmeros personagens perpetuam-se no poder, notadamente nas repúblicas
socialistas, populares e comunistas, como na Coréia do Norte, na China, na
Rússia, em Cuba, na Venezuela, etc. No ocidente ocorre a mesma coisa, com
políticos eleitos para dezenas de mandatos sucessivos em diversos países que se
dizem democratas. Em muitas democracias as urnas são fraudáveis e fraudadas,
razão pela qual as eleições são, apenas, um simulacro de pleito universal. Democracia
é, pois, um simples vocábulo a fazer parte da língua de qualquer país. Nada
mais.
Nenhuma ideologia ou religião, que eu
tenha conhecimento até agora, mencionou, como se fosse realmente possível, a
existência de uma experiência de governo única neste planeta, onde as coisas se
passariam de forma diferente da que estamos acostumados até o presente; isto é,
uma forma de governo onde não vigoraria a exploração do homem pelo homem. Uma
forma de governo de um país terrestre regida pelo amor, onde todos os seus integrantes
seriam colaboracionistas e não concorrenciais e viveriam apenas para fazer o
bem ao próximo. Uma forma de governo sem vícios e apenas com virtudes, onde
todos viveriam em paz e visando, unicamente, o progresso da espécie humana. Após
uma experiência piloto em algum lugar do mundo, a ideia poderia ser expandida,
em seguida, para todos os países. Isto parece ser algo impossível de ser obtido
com a espécie humana, embora muitas espécies animais tenham obtido êxito nesta
empreitada, como, por exemplo, as abelhas, as formigas, os cupins, etc. Os
seres humanos estariam dispostos a abrir mão de seus vícios em prol da
coletividade: inveja, ambição, egoísmo, orgulho, covardia, ganância,
mesquinharia, ódio?
Em sua obra A República, Platão se
referiu a uma cidade ideal, chamada de Kallipolis. Nela, deveria ser adotado um
novo tipo de aristocracia, diferente da aristocracia tradicional, que era
baseada em bens e na tradição. A proposta do filósofo era de que esta aristocracia
possuísse como critério o conhecimento.
O livro abordava diversos temas, como política, educação, imortalidade
da alma, etc. Entretanto, o tema principal e eixo condutor da obra era a
justiça.
Dizem que um determinado rei, interessado pela
obra, teria convidado Platão a implantar a referida República em suas terras.
Pouco depois de Platão ter atendido ao monarca, foi posto para fora do reino,
ao este perceber a revolução que se abateria sobre o seu domínio.
Thomas Morus (1478-1535) escreveu A
Utopia, em parte inspirada na obra de Platão. Consistia está em dois livros. No
primeiro ele criticava a Inglaterra da época e no segundo apresentava Utopia,
uma ilha no Novo Mundo, que seria uma sociedade alternativa. A obra, de cunho
socialista, inspirou socialistas do Século XIX, como Pierre-Joseph Proudhon
(1809-1865), Charles Fourier (1772-1837), Robert Owen (1771-1858) e Saint-Simon
(1760-1825), que ficaram conhecidos como socialistas utópicos.
As obras de Platão e de Morus, no
entanto, ainda que não fossem de cunho religioso ou ideológico, jamais saíram
do papel e deixaram de ser, apenas, aquilo que sempre foram; isto é, nada mais
que simples Literatura.
Sempre
que alguma religião fala em um eventual novo mundo, de uma nova existência com
justiça e igualdade, ela está se referindo à vida após a morte e se oferecendo,
por dinheiro, para intermediar a penetração de eventuais seguidores neste novo
mundo; já que, durante a vida no planeta em que vivemos uma civilização com
tais características de amor, paz, igualdade e justiça, para todos, seria
impossível de existir.
Está impossibilidade, imagino, seria
devido tanto aos nossos vícios intrínsecos quanto às próprias desigualdades com
as quais todos nós fomos aquinhoados, desde o nascimento, pelo nosso próprio
Criador: diferentes inteligências, distintas capacidades de empreendedorismo, distintas
oportunidades, desiguais forças físicas, distintas belezas corporais, distintas
sabedorias, diferentes características morfológicas e de saúde, diversos
caracteres psicológicos, diversas raças, além de distintos tempos de vida.
Aquele que nos criou, certamente, estava mais interessado em estabelecer
diferenças do que prover igualdades entre as suas criaturas. Imagino que deva
existir uma razão plausível para o fato e tentarei explorá-la:
Em que pesem as religiões atuais
pregarem que somos todos irmãos e filhos de um mesmo Criador e que elas são as
únicas e verdadeiras representantes deste pai celestial, o simples raciocínio
nos conduz a imaginar que, se fosse desejo do próprio Criador, aquele que tudo
pode, certamente, ele ter-nos-ia feito, a todos, com características físicas e
intelectuais idênticas, igualmente belos e com as mesmas aptidões.
Em minha modesta opinião o Criador teria
sido mais coerente com a nossa Razão Prática (mencionada pelo filósofo Emmanuel
Kant em sua obra ‘Critica da Razão Prática’), se tivesse feito com que nascêssemos
iguais em nossa criação, isto é, fôssemos todos idênticos, física e
intelectualmente e, a partir daí, aproveitássemos as oportunidades desiguais
que a vida nos oferece em qualquer lugar do planeta; ao invés de, conforme a
nossa Razão Pura (mencionada pelo filósofo Immanuel Kant em sua obra ‘Crítica
da Razão Pura’) e ingênua, teoricamente, preconiza: tendo todos nascidos
desiguais, por desejo do Criador, devamos ter oportunidades iguais e sermos
mantidos todos sob uma mesma lei, de amplitude universal.
Voltando ao tema central deste texto,
podemos constatar que jamais alguma religião apregoou um novo mundo de
igualdade, justiça, paz, amor, compreensão e demais virtudes, que não fosse
alcançado apenas após a morte; um mundo que não possuísse nenhuma conotação religiosa,
esotérica ou metafísica e cujo alcance não fosse oneroso financeiramente, em
vida, para aquele que nele acreditasse. O mundo novo, apregoado desde a antiguidade
pelas religiões existentes, teoricamente, é o local ideal para vivermos e onde
encontraríamos vivendo os nossos parentes ancestrais e os nossos amigos que
para lá já houverem sido conduzidos. A passagem desta vida atual para a do
outro novo mundo, todavia, as religiões ainda não conseguiram fazer com que
fosse realizada sem dor ou sofrimento, tanto para aqueles que seguem quanto
para aqueles que ficam e, ademais, sem que antes aqueles que seguem tenham sido
filiados às respectivas religiões e contribuído com os respectivos dízimos
durante algum tempo.
Antes dos cemitérios serem instituídos e
mantidos pelos municípios, aqueles existentes ficavam ao lado das igrejas,
templos e mosteiros (ou até mesmo dentro deles) e pertenciam às diversas
religiões. Neles só poderiam ser enterrados os membros pertencentes às
religiões proprietárias dos respectivos cemitérios. Este era mais um fator a
prender o adepto ou seguidor àquela religião, visando ser bem recepcionado
pelos Deuses e espíritos iluminados em sua nova vida no mundo ‘post mortem’.
Da mesma forma como aventei
anteriormente no questionamento sobre a inexistência de religião ou ideologia
que propusesse uma nova forma de governo no nosso próprio planeta, diferente da
atual, este próximo questionamento que farei diz respeito a inexistência,
também, de qualquer religião que mencione uma nova vida após a morte, em um
novo plano de existência ou em uma nova dimensão, simplesmente como um fenômeno
físico, sem nenhuma conotação religiosa ou ideológica. Todos os seres que ali
vivessem, após terem morrido em nosso planeta, estariam em uma nova existência
física, trabalhando em prol da coletividade, praticando somente virtudes e sendo
governados ou orientados por seres dedicados, apenas, a fazer o bem.
Será que, tanto neste planeta Terra
quanto em algum outro plano de existência, antes ou após a morte do ser humano,
as coisas necessitariam, forçosamente, seguir por caminhos religiosos ou
ideológicos?
Algumas religiões e ideologias,
evidentemente, se aproximam destas hipóteses aventadas; porém, todas pecam justamente
pela ideologia ou pela religião explicitadas logo de início, que fazem com que,
conhecendo o gênero humano, percebamos nelas unicamente os desejos de poder, de
riqueza e de dominação, por parte de seus idealizadores, continuadores e
administradores, sobre todos os seguidores das mesmas como sobre os demais
seres humanos. Notem que todas as religiões e ideologias vivem a caça de
adeptos e seguidores. Seus objetivos são como o dos vírus: estenderem-se por
toda a população do planeta.
Evidentemente, como todas as concepções
ideológicas, religiosas e metafísicas existentes, já formuladas pelo homem
desde o início dos tempos, foram frutos, exclusivamente, do pensamento humano,
estas novas concepções aqui mencionadas, também poderiam ter tido os seus lugares
na história da humanidade. Por que jamais foram pensadas, ensinadas e inculcadas
na mente humana como sendo verdadeiras, como fizeram com todas as demais que,
mesmo eventualmente não sendo verdadeiras, vingaram nos quatro cantos do mundo?
As únicas hipóteses que teriam passado
perto desta nova anteriormente mencionada neste texto para a vida após a morte,
foram as do Cristianismo, do Islamismo e do Budismo e, mesmo assim, lhes têm
sido historicamente atribuída uma conotação de ordem religiosa para cuja
edificação, desde que surgiram como religião, os seus crentes, fiéis ou
seguidores acabaram contribuindo de forma vultosa, econômica e financeiramente,
e com muito trabalho físico de natureza pessoal (vejam, por exemplo, quanto foi
gasto pelos adeptos em dinheiro e em vidas humanas com o episódio das nove
Cruzadas empreendidas pela Igreja Católica contra Jerusalém, na Palestina.);
ademais da existência de muito cisma, desavenças, discórdias e divergências
entre religiões que representavam o Criador de Todas as Coisas, religiões estas
que, segundo sempre apregoaram, seus princípios fundamentais eram apenas a
prática das virtudes e a sua pregação.
O estudo da história, todavia, nos
mostra que católicos e protestantes se odiaram e combateram entre si ao longo
da história. Um exemplo consistiu no massacre da noite de São Bartolomeu, que
foi um episódio da história da França, na repressão ao protestantismo, engendrado
pelos reis franceses que eram católicos. Esses milhares de assassinatos
aconteceram em 23 e 24 de agosto de 1572, em Paris, no dia de São Bartolomeu.
O mesmo ocorreu, ao longo da história,
com os islâmicos sunitas e xiitas, que se enfrentam e exterminam sempre que
podem, em diversos países muçulmanos. As várias correntes do Budismo, por sua
vez, também procederam da mesma forma. A
primeira linha de conflito encontra-se dentro da corrente de Kagyüpa, fundada
por volta da metade de século XI pelo mestre tântrico Naropa. A segunda linha
de conflito é aquela em que o Dalai Lama é um dos protagonistas. Nesta linha, o
papel do antagonista é desempenhado por Geshe Kelsang Gyatso, monge da corrente
Guelugpa até sua “emancipação”, em 1991. A terceira linha atinge ramificações
que se referem à tradição budista oriunda do monge Nichiren Daishonin
(1222-1282), o último representante do chamado budismo japonês de reforma do
século XIII.
O
que se viu crescer e proliferar mundialmente, após tantos séculos de pregação
religiosa foram alguns enormes impérios religiosos, multimilionários, constituído
por diversas religiões e seitas que são comandados por uns poucos milionários. Ao
invés de algumas religiões se tornarem agentes propagadores do amor, da paz e
da compreensão no nosso planeta elas têm sido com frequência, agentes do radicalismo,
da intolerância, do ódio racial e da busca pelo lucro fácil retirado de
populações pobres, influenciáveis e crédulas.
Seus mais altos dirigentes, na
atualidade, passaram a ser nada mais, nada menos, do que altos empresários do
mundo das finanças, possuidores de bancos comerciais, empresas financeiras,
industriais, comerciais e de serviços, gozando de benefícios e renúncias
fiscais dos governos dos países onde estão localizadas. Pode-se, mesmo, dizer que seus mais altos
dirigentes, empresários de sucesso, nas horas vagas desempenham, eventualmente,
a função de sacerdotes.
Em vista disso, sou forçado a tecer
algumas conclusões que tanto podem ser mutuamente excludentes quanto se
intercederem parcialmente ou serem superpostas, para usar um pouco da Teoria
dos Conjuntos:
1.
Que
todos os nossos reis, monarcas, imperadores, dirigentes e governantes sempre
trabalharam a serviço de religiões ou de ideologias (nunca a serviço de seus
súditos, povos e populações), visando o alcance e a manutenção do poder, a
dominação das populações e a obtenção de riqueza; ou então que delas sempre se
beneficiaram ao longo de seus mandatos, mediante um apoio mútuo velado que
proporcionava credibilidade a ambas; Neste caso, nós, os seres humanos, teríamos
sido vítimas inocentes de um engodo histórico de proporções planetárias, quer
por acreditarmos em vida após a morte (nos países onde prevalecem as
religiões), quer por não acreditarmos (nos países onde os governantes são
ateus, as religiões proibidas e substituídas pelas ideologias).
2.
Que
os seres humanos e suas eventuais almas, imperfeitos por natureza, na
realidade, jamais estiveram aptos a viver sem os correspondentes vícios que os
acompanham desde o nascimento. Que as verdadeiras molas que os movem são a
inveja, a ambição, o egoísmo, o orgulho, a covardia, a ganância, a
mesquinharia, etc. Considerando-se esta hipótese formulada, imagino que qualquer
proposta (ideológica, religiosa ou mesmo não ideológica e nem religiosa) que
falasse, tão somente, na implantação global de uma sociedade humana praticante
apenas de virtudes em seus relacionamentos pessoal, nacional e internacional, a
mesma seria prontamente rechaçada pela nossa espécie especializada e, de forma redundante,viciada em vícios; razão pela qual jamais foi posta em prática
no planeta em que vivemos.
3.
Que,
paradoxalmente, uma civilização baseada no amor, na paz e nas virtudes, segundo
pregam todas as religiões, só se torna viável após a morte do ser humano e apenas
seria exequível em outro plano dimensional. Nesta existência real, terrestre,
isto não tem sido possível em razão dos vícios humanos, como a inveja, a
ambição, o egoísmo, o orgulho, a covardia, a ganância, etc., que conduzem os
povos às guerras e os seres humanos a se explorarem mutuamente. A experiência
terrestre que, na teoria, mais se aproximou desta proposição aqui formulada foi
àquela denominada socialista; porém, esta não é baseada no amor, nem na paz e
nem nas virtudes, posto que, ademais de edificada sobre falácias e premissas ideológicas
falsas, os seres humanos, imperfeitos por natureza, jamais deixaram de ser
movidos por seus interesses vulgares, mesquinhos e egoístas.
4.
Sou
forçado a crer que a experiência humana, embora imaginada e elaborada por um Criador
perfeito, da mesma forma como já ocorreu com algumas Agências Espaciais ao
redor do mundo, foi um projeto que falhou no lançamento. Teve que ser corrigido
em diversas ocasiões, ao longo da história, e ainda hoje não está pronto para
ser lançado ao espaço. Talvez, jamais esteja ao considerarmos que este planeta pode
nunca ter sido uma base de lançamentos, como nós sempre imaginamos, mas, simplesmente,
uma reles oficina mecânica com a função de proceder a reparos internos e
externos naqueles que por aqui aportam.
_*/
Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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