383. Drama
Jober Rocha*
Segundo definem os dicionários, o
vocábulo drama possui vários significados e interpretações. Conforme os
dicionários Houaiss e Aulete, drama pode significar: "forma narrativa em
que se figura ou imita a ação direta dos indivíduos", "texto em verso
ou prosa, escrito para ser encenado" ou, mesmo, a "encenação desse
texto". Por analogia pode ser considerada, ainda, "qualquer narrativa
no âmbito da prosa literária em que haja conflito ou atrito", podendo ser
conto, novela, romance, etc., ou mesmo toda a arte dramática.
O termo, segundo menciona, ainda, a
biblioteca da WEB conhecida como Wikipédia é também encontrado no cinema, na
televisão e no rádio, significando um texto ficcional, peça teatral ou filme de
caráter sério, não cômico, que apresenta um desenvolvimento de fatos e
circunstâncias compatíveis com os da vida real.
Na vida cotidiana, um conjunto de
acontecimentos complicados, difíceis ou tumultuosos pode ser um drama, assim
como um acontecimento que causa dano, sofrimento, dor. Mas estes são apenas
alguns dos significados mais conhecidos.
Vê-se, portanto, tratar-se de palavra
com diversas nuances e interpretações. Todavia, pretendo me ater a um único
significado, que é aquele que tira o sono dos escritores, que faz com que
percam a fome, que retirem suas vontades de se divertir, de caminhar pelo
parque, de se exercitarem: a falta de imaginação sobre o que escrever.
Este drama atinge com maior intensidade
àqueles escritores diários, de contos, crônicas, ensaios e poesias.
Escritores de romances e novelas, de um
modo geral, já possuem ideia formada do enredo de suas obras e dos personagens
e os capítulos diários fluem com muito mais facilidade.
Difícil é quando se foi dormir tarde,
sobreveio uma noite de insônia e no dia seguinte, logo pela manhã, tem-se que
dar início a um texto de cinco páginas comentando, narrando ou inventando algum
episódio dramático, cômico ou sarcástico que atraia a atenção dos leitores e
nada lhe ocorre na mente. Este é o verdadeiro drama a que me refiro.
Qualquer escritor há de convir que tentar falar sobre a falta de
assuntos, como faço agora, é uma das coisas mais difíceis que existe e que
requer, até mesmo, certa maestria...
O
assunto, qualquer que seja ele, tem a propriedade de preencher (bem ou mal)
todas as linhas de uma página e vai motivando o leitor a seguir o raciocínio do
escritor até o final do texto.
A falta de assunto, por sua vez,
abordada em algum texto, tem que ser bem conduzida (como já mencionei antes,
até com certa maestria), para que aquele que lê a matéria não a abandone logo
de início e vá dedicar-se a outra tarefa ou atividade de maior utilidade.
Assim, como veem os meus amigos, não é
nada fácil para um escritor encontrar-se frente ao teclado e não ter nenhum
assunto interessante na mente sobre o qual discorrer, ao menos, em algumas
páginas.
Eu compararia esta sensação de agonia e de
desespero, que alguns escritores vivenciam ao passar pela situação em que ora
me encontro, a mesma sensação que sente um prisioneiro prestes a ser fuzilado e
que encara o pelotão de soldados já entrando em forma, recebendo a munição e
alimentando as suas armas, sob o olhar sério do comandante que, em breve, dará
as três ordens fatais: Preparar! Apontar! Fogo!
Estejam
certos, aqueles que me leem, que está é a mesmíssima sensação que outrora
sentiam os condenados franceses ao serem conduzidos em carroças-prisão à Place
de la Grève ou Place de l’Hôtel de Ville, em Paris, onde perderiam as suas
cabeças na conhecida guilhotina.
O último trajeto que faziam pelas ruas
da velha cidade, sentados no chão da carreta que os conduzia, contemplando os
edifícios e as pessoas nas calçadas eram cheios de agonia; como aquela do
escritor que, sentado em sua cadeira, contempla o teclado imóvel de uma tela de
computador vazia.
O famoso escritor francês Victor Hugo,
com certeza, passando por momento semelhante a esse em que hoje me encontro
(isto é, sem nenhuma imaginação sobre o que escrever) e, talvez, tendo a mesma
ideia de comparação daquilo que sentia com a sensação dos condenados a morte
que eu tive, deve ter resolvido escrever a sua obra conhecida como “O último
dia de um condenado”, conseguindo, com muito trabalho e imaginação, chegar a
cerca de cinquenta páginas.
Vejam meus amigos que, mesmo para um escritor
famoso como ele, momentos de total ausência de ideias podem ocorrer com frequência.
O que dirá, então, para aqueles que como eu ainda estão engatinhando no vasto mundo
da Literatura?
Desde o tempo dos sofistas, na Grécia antiga,
a arte de enrolar leitores e ouvintes já fazia parte da Filosofia e era
estudada e aprimorada. O sofisma, como sabemos, consiste em um raciocínio
capcioso que objetiva defender algo falso e confundir aquele que contradita com
o sofista. O sofista sempre procede de má fé e o seu objetivo é ganhar a
discussão, mesmo não tendo razão. Mal comparando, eu diria que o objetivo do
escritor é sempre encontrar alguém que leia aquilo que ele escreve, mesmo que
nada justifique a sua leitura. Se alguém se dispuser a perder seu precioso
tempo lendo o que escreveu, como qualquer sofista, ele já terá ganhado a sua
‘discussão’ com o eventual leitor.
Os mais conhecidos sofistas gregos, da
palavra, foram Protágoras, Górgias, Hipias, Licofron, Pródico, Trasimaco e
Cálicles. Não me arriscaria a nomear sofistas da prosa e do verso na Literatura
contemporânea, para não ferir suscetibilidades.
O filósofo Arthur Schopenhauer, em sua obra ‘Como vencer um debate sem
precisar ter razão’, estabeleceu 38 estratagemas da chamada Dialética Erística,
formando um verdadeiro catálogo de trapaças bastante interessante, cuja ideia
não era a de ensinar o leitor a trapacear, mas, apenas, prepará-lo para se
defender das argumentações desonestas de seus adversários em eventuais debates.
Como veem meus amigos leitores, o mundo da
Literatura está repleto de textos filosóficos, romances, novelas, contos,
ensaios, crônicas, poemas, etc., escritos por uns poucos escritores que têm, na
realidade, alguma coisa a dizer e por muitos que, nada tendo, desejam apenas
serem bem remunerados pelo tempo que gastaram.
Grande parte daqueles que escrevem com
frequência, possui o único objetivo de vender palavras a leitores ávidos por
conhecimento e/ou distração. As editoras, que antigamente faziam alguma
seleção, pois remuneravam os escritores, hoje publicam livros sob a forma de
coletâneas de autores diversos, onde ninguém recebe nada pelo seu texto. Todavia, em muito poucos textos os leitores
encontrarão aquilo que realmente procuram: distração de nível ou informações que
desconheçam.
Por vezes, grandes bibliotecas particulares
são formadas por inúmeras obras sequer lidas ou, muitas vezes, apenas folheadas,
por se tratarem de assuntos desinteressantes, constatados pelos leitores, tão
somente, após terem adquirido as referidas obras literárias.
A
peça literária que mostra o seu valor, na minha modesta opinião de aprendiz de
escritor, é aquela em que o leitor segue lendo com interesse até o final e,
quando termina, não se sente traído pelo autor...
_*/ Economista e doutor pela universidade de Madrid, Espanha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário