terça-feira, 21 de julho de 2020


383. Drama



Jober Rocha*




Segundo definem os dicionários, o vocábulo drama possui vários significados e interpretações. Conforme os dicionários Houaiss e Aulete, drama pode significar: "forma narrativa em que se figura ou imita a ação direta dos indivíduos", "texto em verso ou prosa, escrito para ser encenado" ou, mesmo, a "encenação desse texto". Por analogia pode ser considerada, ainda, "qualquer narrativa no âmbito da prosa literária em que haja conflito ou atrito", podendo ser conto, novela, romance, etc., ou mesmo toda a arte dramática.
O termo, segundo menciona, ainda, a biblioteca da WEB conhecida como Wikipédia é também encontrado no cinema, na televisão e no rádio, significando um texto ficcional, peça teatral ou filme de caráter sério, não cômico, que apresenta um desenvolvimento de fatos e circunstâncias compatíveis com os da vida real.
Na vida cotidiana, um conjunto de acontecimentos complicados, difíceis ou tumultuosos pode ser um drama, assim como um acontecimento que causa dano, sofrimento, dor. Mas estes são apenas alguns dos significados mais conhecidos.
Vê-se, portanto, tratar-se de palavra com diversas nuances e interpretações. Todavia, pretendo me ater a um único significado, que é aquele que tira o sono dos escritores, que faz com que percam a fome, que retirem suas vontades de se divertir, de caminhar pelo parque, de se exercitarem: a falta de imaginação sobre o que escrever.
Este drama atinge com maior intensidade àqueles escritores diários, de contos, crônicas, ensaios e poesias.
Escritores de romances e novelas, de um modo geral, já possuem ideia formada do enredo de suas obras e dos personagens e os capítulos diários fluem com muito mais facilidade.
Difícil é quando se foi dormir tarde, sobreveio uma noite de insônia e no dia seguinte, logo pela manhã, tem-se que dar início a um texto de cinco páginas comentando, narrando ou inventando algum episódio dramático, cômico ou sarcástico que atraia a atenção dos leitores e nada lhe ocorre na mente. Este é o verdadeiro drama a que me refiro.
  Qualquer escritor há de convir que tentar falar sobre a falta de assuntos, como faço agora, é uma das coisas mais difíceis que existe e que requer, até mesmo, certa maestria...
 O assunto, qualquer que seja ele, tem a propriedade de preencher (bem ou mal) todas as linhas de uma página e vai motivando o leitor a seguir o raciocínio do escritor até o final do texto.
A falta de assunto, por sua vez, abordada em algum texto, tem que ser bem conduzida (como já mencionei antes, até com certa maestria), para que aquele que lê a matéria não a abandone logo de início e vá dedicar-se a outra tarefa ou atividade de maior utilidade.
Assim, como veem os meus amigos, não é nada fácil para um escritor encontrar-se frente ao teclado e não ter nenhum assunto interessante na mente sobre o qual discorrer, ao menos, em algumas páginas.
 Eu compararia esta sensação de agonia e de desespero, que alguns escritores vivenciam ao passar pela situação em que ora me encontro, a mesma sensação que sente um prisioneiro prestes a ser fuzilado e que encara o pelotão de soldados já entrando em forma, recebendo a munição e alimentando as suas armas, sob o olhar sério do comandante que, em breve, dará as três ordens fatais: Preparar! Apontar! Fogo!
 Estejam certos, aqueles que me leem, que está é a mesmíssima sensação que outrora sentiam os condenados franceses ao serem conduzidos em carroças-prisão à Place de la Grève ou Place de l’Hôtel de Ville, em Paris, onde perderiam as suas cabeças na conhecida guilhotina.
O último trajeto que faziam pelas ruas da velha cidade, sentados no chão da carreta que os conduzia, contemplando os edifícios e as pessoas nas calçadas eram cheios de agonia; como aquela do escritor que, sentado em sua cadeira, contempla o teclado imóvel de uma tela de computador vazia.
O famoso escritor francês Victor Hugo, com certeza, passando por momento semelhante a esse em que hoje me encontro (isto é, sem nenhuma imaginação sobre o que escrever) e, talvez, tendo a mesma ideia de comparação daquilo que sentia com a sensação dos condenados a morte que eu tive, deve ter resolvido escrever a sua obra conhecida como “O último dia de um condenado”, conseguindo, com muito trabalho e imaginação, chegar a cerca de cinquenta páginas.
 Vejam meus amigos que, mesmo para um escritor famoso como ele, momentos de total ausência de ideias podem ocorrer com frequência. O que dirá, então, para aqueles que como eu ainda estão engatinhando no vasto mundo da Literatura?
 Desde o tempo dos sofistas, na Grécia antiga, a arte de enrolar leitores e ouvintes já fazia parte da Filosofia e era estudada e aprimorada. O sofisma, como sabemos, consiste em um raciocínio capcioso que objetiva defender algo falso e confundir aquele que contradita com o sofista. O sofista sempre procede de má fé e o seu objetivo é ganhar a discussão, mesmo não tendo razão. Mal comparando, eu diria que o objetivo do escritor é sempre encontrar alguém que leia aquilo que ele escreve, mesmo que nada justifique a sua leitura. Se alguém se dispuser a perder seu precioso tempo lendo o que escreveu, como qualquer sofista, ele já terá ganhado a sua ‘discussão’ com o eventual leitor.
 Os mais conhecidos sofistas gregos, da palavra, foram Protágoras, Górgias, Hipias, Licofron, Pródico, Trasimaco e Cálicles. Não me arriscaria a nomear sofistas da prosa e do verso na Literatura contemporânea, para não ferir suscetibilidades.
  O filósofo Arthur Schopenhauer, em sua obra ‘Como vencer um debate sem precisar ter razão’, estabeleceu 38 estratagemas da chamada Dialética Erística, formando um verdadeiro catálogo de trapaças bastante interessante, cuja ideia não era a de ensinar o leitor a trapacear, mas, apenas, prepará-lo para se defender das argumentações desonestas de seus adversários em eventuais debates.
 Como veem meus amigos leitores, o mundo da Literatura está repleto de textos filosóficos, romances, novelas, contos, ensaios, crônicas, poemas, etc., escritos por uns poucos escritores que têm, na realidade, alguma coisa a dizer e por muitos que, nada tendo, desejam apenas serem bem remunerados pelo tempo que gastaram.
Grande parte daqueles que escrevem com frequência, possui o único objetivo de vender palavras a leitores ávidos por conhecimento e/ou distração. As editoras, que antigamente faziam alguma seleção, pois remuneravam os escritores, hoje publicam livros sob a forma de coletâneas de autores diversos, onde ninguém recebe nada pelo seu texto.  Todavia, em muito poucos textos os leitores encontrarão aquilo que realmente procuram: distração de nível ou informações que desconheçam.
 Por vezes, grandes bibliotecas particulares são formadas por inúmeras obras sequer lidas ou, muitas vezes, apenas folheadas, por se tratarem de assuntos desinteressantes, constatados pelos leitores, tão somente, após terem adquirido as referidas obras literárias.
 A peça literária que mostra o seu valor, na minha modesta opinião de aprendiz de escritor, é aquela em que o leitor segue lendo com interesse até o final e, quando termina, não se sente traído pelo autor...



_*/ Economista e doutor pela universidade de Madrid, Espanha.

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