quarta-feira, 31 de janeiro de 2018



165. No que você está pensando?**


Jober Rocha*




                                   Hoje pela manhã, ao abrir o Facebook, deparei-me com a velha frase que dá bom dia, boa tarde ou boa noite a todos aqueles que costumam consultá-lo a qualquer hora: - No que você está pensando, fulano?
                                           Fiquei imaginando quantos romances poderiam ser escritos por algum escritor de sucesso e competência, caso ele conseguisse descobrir aquilo que o Facebook também quer saber dos seus usuários. Imagino até que, por detrás desta simples e inocente pergunta feita, possa existir toda uma equipe de escritores sem trabalho, sentados em algumas salas na empresa de informática, olhando para as telas de seus vários computadores sintonizados com todos os países do mundo, esperando que, pelo menos, uma única pessoa se interesse em responder a esta pergunta por eles formulada.  
                                              Infelizmente, creio que são obrigados a passar os seus dias e noites, fumando e tomando café, aguardando, com os olhos fixos nas telas, alguém que se disponha a contar no que está pensando, logo no momento seguinte aquele em que acessa o Facebook. Não conheço uma única pessoa que, alguma vez na vida, tenha respondido a esta questão formulada na tela.
                                            Entretanto, se a pergunta ainda está lá, na página inicial de qualquer um de nós, deve ter a sua utilidade.
                                          Fico imaginando se aquilo não seria algo ‘bolado’ por psicólogos e pessoas do serviço secreto, tentando colher informes de eventuais terroristas desatentos e mal treinados que, vendo a mensagem e movidos pela raiva contra o governo e as autoridades, logo responderiam: - Matar o presidente! ; - Colocar explosivos no metro! ; - Jogar veneno nas águas que abastecem a cidade!
                                            Se não for este o motivo, não consigo atinar com outro. Por que razão eles desejariam saber no que estou pensando?
                                          Será que a pergunta parte de movimentos religiosos radicais, que desejariam saber se pensamos mais em virtudes do que em vícios ao acessar o Facebook?
                                            Será que alguma organização ligada à espionagem industrial-militar tenta obter, de algum desavisado internauta, os planos de um novo acelerador de partículas nucleares, esperando que ele responda a pergunta formulada divulgando os planos e as idéias que estão em sua mente naquele exato momento?
                                           Será que são integrantes de partidos políticos, esperando que confessemos em quem pretendemos votar nas próximas eleições, já que o nome do nosso tal candidato não nos sai da cabeça?
                                           Será que aquela mensagem não teria sido ali inserida, de forma sub-reptícia, pelo seu cônjuge ou namorado (a), especialista em informática (coisa que você nunca chegou a desconfiar ou perceber), desejoso de verificar se você tem outra (o)?
                                       Vejam que são tantas as possibilidades que, para qualquer internauta cauteloso e com alguma sombra duvidosa no passado ou no presente, dá até medo pensar em responder a tão famigerada pergunta. 
                                         No entanto, sendo um escritor por vocação, sinto-me verdadeiramente curioso de conhecer o que passa pelas mentes dos internautas. Quantos contos, romances e novelas poderiam ser escritos todos os dias, baseados naquilo que passa pelas mentes de tantas pessoas. Quantos dramas e novelas de fazer inveja ao “Direito de Nascer”, quantos romances mais eróticos do que “O Diário de uma Prostituta”; quantos livros de Ciência mais complicados do que “A Teoria da Relatividade”, poderiam brindar os leitores mundiais todos os dias da semana? Acredito que muitos. Entretanto, para tal, seria preciso que os internautas perdessem o receio de dizer aquilo que pensam. 
                                           Como em muitos países do Terceiro Mundo, na atualidade, vigoram governos ditatoriais camuflados de democracias é natural que todos tenham receio de expor suas idéias; notadamente, quando sabem ou desconfiam da existência de censores do outro lado da telinha. Esta pergunta feita pelo Facebook, vê-se logo, foi formulada por alguém que vive em um país do Primeiro Mundo, com liberdade de expressão. Esqueceu-se ela, todavia, que, tendo a internet alcance mundial, a pergunta formulada pelo Facebook seria lida em locais distantes onde a regra geral de bem viver é ouvir e ler; mas, nada falar, comentar ou escrever.
                                             Talvez, nestes países, a pergunta pudesse ser reformulada e a informação desejada extraída indiretamente. Talvez, pudessem usar as modernas técnicas de marketing que fazem com que consumidores e eleitores prestem informações sobre produtos e candidatos de suas preferências a terceiros, pessoas desconhecidas que nunca viram em suas vidas.
                                           Talvez pudessem explorar a vaidade dos internautas, as suas ambições, as suas volúpias, as suas religiosidades para que, finalmente, confessassem naquilo que estão pensando ao acessar o Facebook.
                                               Enquanto isso eu sigo tentando encontrar algum assunto interessante sobre o qual escrever, para manter os poucos leitores que ainda me restam...


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Crônica de humor.


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