domingo, 28 de janeiro de 2018


164. Sobre as pequenas perdas**


Jober Rocha*




                               Pequenas perdas podem ser entendidas pelos leitores como aqueles episódios desagradáveis que nos chateiam, nos causam prejuízos, e que a todos ocorrem, sem exceção, a qualquer hora do dia ou da noite.
                              Filósofos e psicólogos, que sempre costumam ver algo mais em tudo o que ocorre com a sua matéria prima de trabalho, isto é, com os seres humanos, nunca se preocuparam em tentar explicar, ou ao menos especular, acerca das razões ocultas destes episódios que, não sendo graves ou desesperadores, possuem, no entanto, a característica de estragar o resto do nosso dia ou da nossa noite, mantendo seus efeitos deletérios, sobre a mente e o bolso, até por vários dias.
                            Em razão de, no momento, estar difícil para mim encontrar um tema interessante e novo para discorrer sobre ele neste blog, notadamente em época de férias e com a casa cheia de netos, resolvi tentar analisar os possíveis motivos que poderiam explicar estas pequenas perdas que tanto nos incomodam e que, por vezes, conduzem os leitores mais perspicazes a suspeitarem de uma intervenção sobrenatural vinda do além e feita por um eventual ex-inimigo, já falecido; ou, talvez, de algum trabalho de magia feito por um colega de repartição, preterido na promoção de fim de ano e adepto das ciências ocultas.
                                        Em primeiro lugar, cumpre destacar com precisão o que sejam pequenas perdas. Considero como tal um arranhão na lataria do carro; um enguiço de motor na volta do trabalho; uma queda que provoca o rompimento de um tendão; um corte profundo na mão; a quebra de um objeto caro; a perda de uma namorada (o); uma ou várias multas de trânsito; o reboque do seu carro mal estacionado; a perda o texto de vinte páginas digitadas em seu computador, em razão de algum vírus; o extravio da sua mala; a clonagem da placa do seu carro; o saque de alguma quantia indevida na sua conta corrente; a clonagem do seu cartão de crédito; etc.
                                       As grandes perdas seriam as doenças incuráveis; a falência financeira; a morte própria e a de parentes e familiares; a prisão por crimes graves; etc.
                                        Creio que os leitores já se inteiraram sobre aquilo a que me refiro quando falo em pequenas e grandes perdas. Passo, então, a especular as razões pelas quais estes acontecimentos das pequenas perdas premiam a todos e não apenas a alguns poucos eleitos, quase todos os dias; da mesma forma como as grandes perdas ocorrem  esporadicamente na vida de todos nós.
                                          Teoricamente, pela Lei das Probabilidades, as pequenas perdas possuem a mesma chance de ocorrência que as grandes perdas, segundo eu penso. Se você, leitor que discorda, enumerar milhares de pequenas perdas, eu posso, em contrapartida, enumerar milhares de grandes perdas; portanto, creio que ambas possuem as mesmas probabilidades de ocorrência na vida de qualquer um; embora, psicologicamente, a unidade de percepção do efeito das perdas seja a tonelada, contrariamente a unidade de percepção psicológica do efeito dos ganhos, que, com certeza, é o grama. 
                                        Mas, então, porque as pequenas perdas ocorrem com maior freqüência? Penso que está é a questão fundamental, cuja resposta nos interessa conhecer. Como não vi, até o presente, nenhum filósofo ou psicólogo interessar-se pelo tema e especular sobre a possível razão para isso; a não ser alguns sacerdotes afirmando que estas perdas ocorrem em razão das nossas maldades e que seriam, portanto, castigos divinos; resolvi tecer algumas hipóteses sobre assunto tão interessante.
                                         Pelo já afirmado anteriormente, percebe-se que estas pequenas perdas são determinísticas e não probabilísticas; pois, caso fossem devidas simplesmente ao acaso, viveríamos todos, o tempo todo, imersos em dores infinitas motivadas pelas grandes perdas (que ocorreriam, probabilisticamente, em números, tanto quanto as pequenas), a maioria delas traumáticas, incuráveis e sem solução, o que, evidentemente, não ocorre na prática; pois as pequenas perdas acontecem em muito maior número que as grandes.
                                        Assim, sou forçado a crer na existência de um determinismo, cujas causas podem ser várias. Explico-me melhor: existem certos distúrbios genéticos que fazem com que os indivíduos tenham pouco controle psicomotor e, nestes casos, aqueles acometidos por eles vivem caindo e se machucando; derrubando e quebrando coisas. Outros distúrbios, também genéticos, fazem com que os indivíduos tenham maior propensão a determinadas enfermidades que, embora não sendo graves, incapacitam temporariamente para o trabalho, o estudo, festas, férias, namoros, etc. Outros, ainda, afetando o senso de ordem e de direção, fazem com que aqueles que o possuem percam suas chaves, esqueçam-se de onde deixaram o carro, o guarda chuva, a pasta, etc. Tais perdas, portando, são devidas a causas biológicas naturais e não a causas metafísicas.
                                           Outra causa do determinismo mencionado, esta sim de natureza metafísica, pode ser atribuída a uma escolha individual do seu próprio espírito quando ainda desencarnado. Aqueles que acreditam em vida espiritual hão de convir que, antes de encarnar, seu espírito foi consultado se desejava fazê-lo (posto que o Reino de Deus, embora chamado de reino, consiste em uma pura democracia e não em uma monarquia absolutista) e, também, em que local e em que família queria viver esta existência. Você sabia, de antemão, o que precisava aprender para evoluir e foi você mesmo quem escolheu sua família e o local de seu nascimento. Portanto, essas pequenas perdas que hoje sofre foram escolhidas por você mesmo, buscando aprender através do sofrimento e tentando, de maneira esperta, escapar das grandes perdas, caso deixasse a escolha das pequenas perdas a cargo de alguma das várias divindades existentes no local de onde veio antes de encarnar. Assim tais perdas nada têm a ver com eventuais pecados cometidos em vida; já que, ações erradas cometidas em vida possuem, apenas, conseqüências e não castigos.
                                                 A qualidade das perdas e o seu número, escolhidos por você quando ainda na forma espiritual, não necessariamente podem se cumprir, após você ter encarnado, de forma exatamente igual em qualidade e quantidade como imaginou antecipadamente no local tranquilo onde se achava, ao lado de espíritos de luz e entidades divinas. Lembre-se de que por aqui impera a desorganização, a má vontade, o mau caratismo, os sentimentos baixos, etc. Por estas razões, algumas perdas, que dependeriam da intervenção de terceiros para serem consumadas, podem vir mais violentas do que o previsto e apresentar requintes de maldade, não previstos. 

                                           Outra hipótese é que alguma entidade maligna e sobrenatural, com poderes para ‘hackear’ o livro do seu destino, possa interferir em sua vida pessoal enviando perdas não previstas por você quando ainda sob a forma espiritual. Neste caso tal entidade poderia, inclusive, dependendo do status de maldade que desfrutasse no âmbito da malignidade, enviar-lhe até algumas grandes perdas, que o fariam lamentar-se amargamente por muitos anos.
                                                   Finalmente caso você, meu caro leitor, seja ateu e não acredite no determinismo das pequenas perdas, lembre-se de que esta crença é a mais favorável para que nós possamos encontrar paz interior e aceitar tais eventos desfavoráveis com uma certa tranqüilidade, sabendo-os sempre de pequena monta e passageiros. Embora tais perdas nos incomodem bastante, ao terem sido escolhidas por nós mesmos, quando ainda sob a forma espiritual, com certeza, teremos sido bastante condescendentes e benevolentes conosco, escolhendo-as bem leves e pequenas; sendo muito mais benevolentes do que terceiros o seriam, caso tivessem tido a tarefa de escolher as nossas perdas. 
                                                   Se, mesmo assim, você ainda acreditar que as perdas se tratam de eventos probabilísticos, faça uma análise da sua vida e, caso só tenha tido pequenas perdas, até agora, prepare-se para aquilo que o futuro próximo, com toda certeza, lhe está reservando...


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Trata-se de uma crônica de humor.


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