sexta-feira, 12 de janeiro de 2018


162.  A burocracia no Brasil: ou a eliminamos de vez ou ela comprometerá, inexoravelmente, o nosso futuro** 


Jober Rocha*



                              A maioria dos dicionários sintetiza o termo burocracia como sendo um conceito administrativo amplamente usado e caracterizado, principalmente, por um sistema hierárquico, com alta divisão de responsabilidades, onde seus membros executam, invariavelmente, regras e procedimentos padrões, como engrenagens de uma máquina. O termo também é usado com um sentido pejorativo, significando uma administração com muitas divisões, regras e procedimentos redundantes, desnecessários ao funcionamento do sistema.
                                 A burocracia pode se instalar, na administração publica e privada, de forma natural (primeiro sentido do dicionário) ou de maneira forçada (segundo sentido, pejorativo).
                                No primeiro destes casos ela costuma se instalar por necessidade, quando os agentes públicos e privados, considerados em princípio como de índole honesta, se defrontam com empregados e com um público, eventualmente, desonestos. Neste caso, se torna necessário o estabelecimento de normas, de procedimentos vários, de fiscalização e de controle, tendentes a evitar as fraudes, os desvios, os furtos, os desfalques, as malversações, as falsificações, etc.
                                        No segundo destes casos (sentido pejorativo) ela é imposta quando os agentes públicos e privados, considerados de índole desonesta, buscam estabelecer um ‘modus operandi’ que lhes permita ganhar muito dinheiro de maneira fácil. Assim, criam dificuldades para o público alvo obter o bem ou serviço que demandam, de modo a poder vender-lhe facilidades, através dos trabalhos prestados por prepostos e escritórios, que, dominando todo o emaranhado de normas existentes, regulamentos, portarias, formulários, taxas e impostos (desnecessários e artificialmente criados), conseguem, de maneira fácil e expedita, mediante um régio pagamento, obter o produto final desejado pelo cliente, representado pelo serviço que é prestado pela respectiva entidade pública ou privada.
                             O primeiro dos casos costuma ocorrer, com freqüência, no âmbito de entidades ou empresas privadas. O segundo dos casos ocorre, frequentemente, no âmbito de entidades do setor público federal, estadual e municipal.
                               Durante o último dos governos militares, na presidência do general João Figueiredo, que percebeu os entraves causados pelos dois tipos de burocracia ao desenvolvimento brasileiro, foi criado o Ministério Extraordinário da Desburocratização, que existiu de 1979 a 1986 e que tinha como objetivo primordial diminuir o impacto e as consequências da estrutura burocrática, historicamente existente,na economia e na vida social do país. Os ministros que ocuparam esta pasta foram, respectivamente, Hélio Beltrão, João Geraldo Piquet Carneiro e Paulo Lustosa.
                              Durante a vigência do Ministério da Desburocratização foram criados os Juizados de Pequenas Causas e o Estatuto da Microempresa, dois marcos na história da desburocratização brasileira.
                                              No primeiro ano da criação do ministério, em 1979, foi promulgado o Decreto 83.740, que instituiu o Programa Nacional de Desburocratização, ‘destinado a dinamizar e simplificar o funcionamento da Administração Pública’.
                                          Com base nesse decreto, o ministro Hélio Beltrão conseguiu abolir dos órgãos da Administração Federal, direta e indireta, a exigência de apresentação de atestados de vida, residência, pobreza, dependência econômica, idoneidade moral, de bons antecedentes e o reconhecimento de firmas em cartório.
                                             Ao ser extinta a pasta, em 1986, no início do governo Sarney, foram as suas atribuições absorvidas pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado.
                                          Infelizmente, desde então, como uma erva daninha que resiste a aplicação do herbicida, a burocracia tem criado raízes e se proliferado, notadamente a partir dos governos de esquerda que assumiram o poder no país desde o ano de 2003.
                                         Considerado como “entulho autoritário”, herdado do regime militar, o presidente Lula revogou o Decreto nº 83.740, de 1979, substituindo-o pelo Decreto nº 5.378, de 2005, que instituiu o “Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização – GESPÚBLICA e o Comitê Gestor do Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização”. Nada foi realmente realizado, a não ser a volta da desconfiança sobre os cidadãos, com o retorno do reconhecimento de firmas e dos atestados de vida e outros; bem como, do velho método de criar dificuldades para vender facilidades. 
                                          Não é a toa que a corrupção de agentes públicos campeou, desde então, aumentando o já elevado Custo Brasil (assim chamado o acréscimo aos custos normais dos bens e serviços, em decorrência da corrupção dos agentes públicos, da ignorância generalizada, da falta de infraestrutura, de logística, da falta de normas apropriadas, da falta de treinamento dos agentes públicos, etc.).  Na atualidade, inúmeros inquéritos policiais e processos criminais correm na justiça, relativos ao período destes governos de esquerda, contra ex-administradores de diversas entidades públicas responsáveis por desvios de recursos, concorrências fraudulentas, concussão, etc. 
                                            As dificuldades criadas para negociar com o poder público (comprar ou vender bens e serviços) eram e, ainda, são tantas, que só aqueles que conhecem o chamado ‘caminho das pedras’ conseguem atravessar o pântano de leis, decretos, regulamentos, normas, portarias, taxas, impostos, etc, artificialmente criados para dificultar ao cidadão comum acessar aquilo que deseja e obrigá-lo a contratar intermediários ou escritórios especializados em ‘azeitar’ a máquina pública, para que os interesses de seus clientes sejam concretizados.
                                           Este caminho das pedras é informação vendida a peso de ouro, como os antigos mapas que, durante a época das descobertas marítimas, eram negociados pelos cartógrafos reais europeus com os pilotos de caravelas e demais naus de longo curso, que se arriscavam pelo Oceano Atlântico e pelo Pacífico tentando descobrir novos caminhos marítimos para as Índias, Malaca, Cipango (Japão), Catay (China), Ofir (onde se localizariam as Minas do Rei Salomão) e para o Rio da Prata, a caminho das minas de ouro e prata do Peru.   
                                                O Presidente Temer, em 2017, promulgou o Decreto nº 9.094, que dispôs sobre a ‘simplificação do atendimento prestado aos usuários dos serviços públicos, ratificou a dispensa do reconhecimento de firma e da autenticação em documentos, produzidos no País, e instituiu a Carta de Serviços ao Usuário’, além de revogar o decreto do ex-presidente Lula, de 2005.
                                                Ocorre que em nosso país o tecido social está esgarçado de tal forma (como diria o Datena, conhecido apresentador de TV), em razão de todo um trabalho ideológico desenvolvido pela esquerda Fabiana no poder nas últimas décadas, e que, mediante uma transvaloração de valores (implantada através da adoção do denominado comportamento politicamente correto), tem feito com que grande parte do povo brasileiro seja complacente e aceite, pacificamente, a corrupção de agentes públicos e dos políticos, a malversação de recursos, o pagamento de propina, a compra de mercadorias roubadas e contrabandeadas vendidas nos chamados camelódromos, o roubo de carga e a sua distribuição nas favelas da periferia das cidades, dentre outros. 
                                        Tanto é assim que os roubos perpetrados por autoridades dos três poderes já são chamados por muitos de ‘malfeitos’ e de ‘erros’ e não mais de crimes. Tanto é assim que muitas autoridades e membros de partidos políticos acham normal o desvio de recursos públicos para as campanhas eleitorais e para a manutenção dos seus respectivos partidos. Tanto é assim que muitos consideram normal, nas diversas instâncias da administração pública, o desvio de material, a fraude nas licitações, o nepotismo, a concussão, o apadrinhamento. O argumento utilizado para tanto, denotando que se trata de atitude quase generalizada, é o seguinte: - Se eu não fizer, outro fará em meu lugar!
                                              A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) também já chegou a fazer um estudo sobre o custo da corrupção no Brasil, onde projetou que até 2,3% do PIB nacional são perdidos por ano com práticas corruptas. No documento, a entidade destacou que o custo extremamente elevado dessas ações ilícitas prejudica o aumento da renda per capita, o crescimento e a competitividade do país, compromete a possibilidade de oferecer à população melhores condições econômicas e de bem-estar social e às empresas melhores condições de infraestrutura e um ambiente de negócios mais estável.
                                             A Operação Lava Jato identificou a cifra de R$ 38 bilhões como sendo o valor desviado dos cofres públicos nos governos Lula e Dilma. Evidentemente esse valor deverá ser muito maior, posto que nem todas as operações fraudulentas e os desvios de recursos, ocorridos nestes governos, foram identificados. Muito desvio, simplesmente, não foi ainda descoberto.
                                            Segundo declarações do presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial, Edson Vismona, ‘quando empresas passam a se valer de brechas para ganharem mais negócios, elas desvirtuam o ambiente corporativo, praticam uma concorrência desleal e distorcem a competitividade. Empresas que usam mecanismos tais como o do pagamento de propinas, não são competentes; pois elas estão fraudando a concorrência. Elas pervertem o mercado, estimulam a ineficiência e trazem grandes prejuízos ao erário e ao cidadão’. 
                                           Algumas entidades já levantaram os efeitos negativos exercidos pela burocracia brasileira, aí incluída a corrupção dos agentes públicos. Dentre os principais, destacam-se: fica mais difícil às empresas e aos governos brasileiros, em suas três instâncias, tomarem créditos externos; fica mais difícil os empresários estrangeiros investirem no país; os negócios se reduzem, comprometendo o emprego e a renda da população; a concorrência desleal, através da fraude nas licitações, distorce a competição e impede inovações nas empresas, pois estas não são mais necessárias; os bens e serviços passam a possuir sobre-preços (incorporados para pagar a burocracia e as propinas dos agentes públicos venais) e as empresas tornam-se ineficientes, pois não necessitam competir entre si, já que as concorrências são fraudadas. 
                                            A população recebe menos bens e serviços, do que poderia receber; pois, parte dos recursos de imposto que paga vai para os bolsos dos agentes públicos corruptos, sob a forma de propinas ou de mordomias indevidas. Por outro lado, os bens e serviços prestados ao estado são de baixa qualidade, pois, como se trata de ‘uma ação entre amigos’, normalmente não existe fiscalização do poder público sobre a qualidade dos bens e serviços entregues.
                                              Outro ralo, por onde escorre dinheiro público, muitas vezes visando a interesses inconfessáveis, são as renuncias fiscais, os perdões milionários de dívidas, as liberações de emendas sem qualquer interesse maior público subjacente.
                                             Ocorre que a única forma de evitar a corrupção, na forma como ela é processada em nosso país, é a transparência e a desburocratização nas atividades dos três poderes do Estado e em seus três níveis. Fazer como fazem os países do Primeiro Mundo. Todo cidadão é responsável pela veracidade das suas declarações prestadas ao Estado e, em caso de fraude, a aplicação pura e simples de penas elevadas para os infratores. Fim das certidões; das firmas reconhecidas; das cópias autenticadas; da necessidade de contratação dos serviços de intermediários para obter certidões de organismos públicos; do pagamento de taxas de expediente abusivas. O estabelecimento de prazos para a entrega de certidões e despachos, bem como o fim da morosidade judicial. A utilização em grande escala da internet para as solicitações junto ao Estado, concorrências, etc. Quanto mais impessoal seja o contato entre o público e o Estado, melhor e menor a possibilidade de corrupção por parte dos agentes públicos. 
                                          Da mesma forma, com mais transparência, menos exigências e punições bem mais severas para fraudadores e corruptos (posto que, a corrupção de agente público passaria a ser crime hediondo), ao mesmo tempo em que diminuirá a burocracia forçada ou pejorativa, também tenderá a diminuir a burocracia natural, pois as razões pelas quais ela foi implantada tenderão a desaparecer.
                                         Outro aspecto da Administração Pública que necessitaria ser atacado são as mordomias indevidas, concedidas aos políticos e membros do executivo e do judiciário por eles mesmos, advogando em causa própria. Tais favorecidos possuem, em razão destas mordomias (carros blindados, casa, segurança, passagens aéreas, diárias, cartões corporativos, auxílios moradia, auxílios creche, planos de saúde, auxílios para compra de roupas, verbas de gabinete, aposentadoria integral após dois mandatos de quatro anos cada, etc. etc. etc.), renda real que rivaliza ou é superior a dos empresários donos das maiores empresas brasileiras. 
                                     Só que as mordomias empresariais são pagas pelos próprios empresários e a dos servidores da república pelos altos impostos extorquidos do sofrido povo brasileiro. No mundo inteiro, notadamente nos países democráticos do Primeiro Mundo, os servidores públicos dos três poderes não possuem as mordomias que aqui são concedidas e eles vivem, exclusivamente, dos salários que recebem. 
                                       Por outro lado, a corrupção deveria ser crime inafiançável e o de mais longa pena no Código Penal, pois se trata de um crime hediondo e contra a humanidade. Leis recentes de acesso a informação e de combate a corrupção, a par do desmantelamento da chamada ORCRIM – Organização Criminosa que, segundo os promotores da Operação Lava Jato, operava dentro dos últimos governos, já começam a fazer efeito, frente à população brasileira. Todavia, aqui no Brasil ainda ocorrem fatos, acho que únicos no mundo, em que políticos, condenados e presos, continuam recebendo seus salários integrais; pessoas presas se candidatam a cargos públicos, são eleitas e vão tomar posse, conduzidas por policiais; políticos presos são liberados, na parte da manhã, para comparecer às assembleias legislativas e câmara dos deputados, voltando à noite para dormir no presídio.
                                          A burocracia em nosso país só acabará quando todos a considerarem como ‘inimiga pública número um’ do nosso desenvolvimento econômico e social. Quando a burocracia pejorativa for punida com a execração popular e com altas penas de prisão. Quando o povo tiver enraizada a consciência de que ele é o patrão e os agentes públicos os empregados da edificação do país. Quando o judiciário estiver sempre do lado do povo. Quando a totalidade dos políticos procurar a política para ajudar no desenvolvimento do país e não para se enriquecer ilicitamente, como fazem alguns.
                                     Quanto mais cedo isto ocorrer, mais rapidamente sairemos da triste situação em que nos encontramos. Se isto, eventualmente, não chegar a ocorrer estaremos comprometendo, inexoravelmente, o nosso futuro. A decisão sobre o que fazer e sobre como fazer, cabe, exclusivamente, ao povo brasileiro...


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Ensaio

Nenhum comentário:

Postar um comentário