quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

354. As Lições da Tia Sofia


Jober Rocha*



                                    Lembro-me bem de uma antiga professora com quem tive aulas durante a juventude, tia Sofia (Sabedoria, em grego), já falecida. Ela gostava de transmitir aos seus alunos, além das matérias curriculares, conhecimentos assimilados ao longo da sua extensa vida e que amava compartilhar com seus pupilos. 
                                                      Achava ela que a experiência de vida que podia transmitir para os jovens era muito mais importante do que os conhecimentos sobre Matemática, Geografia, Biologia, etc., que era obrigada a ensinar aos alunos em sala de aula.
                                               Felizmente, como disponho de boa memória, guardei muitos daqueles ensinamentos que tia Sofia, como uma verdadeira mestra, fazia questão de transmitir após suas aulas convencionais, de modo a alertar seus alunos para as armadilhas que o futuro costuma montar para todos nós.
                                                  Assim é que, hoje, lembrando-me da velha professora, resolvi escrever este texto que versa sobre muitas coisas que ela nos dizia com a sua voz calma, bondosa e didática, como costumam fazer os bons mestres.
                                                   Os leitores encontrarão, a seguir, parte daquilo que me ficou na memória das aulas da Tia Sofia.
                                                     Têm coisas na vida que só aprendemos com a idade. Uma delas é que não devemos nos deixar seduzir nem conduzir pelos sonhos da juventude. Embora sejam os sonhos dos jovens que façam o mundo evoluir (ou não), na maior parte das vezes eles não deixam de ser aquilo que em realidade são; isto é, simples sonhos sem maiores consequências.
                                                Os jovens, no entanto, não percebem isto enquanto jovens; pois, como possuem a vida inteira pela frente, sempre esperam, em algum dia futuro, vir a concretizar os belos sonhos que sonharam, esquecendo-se que a vida, muitas vezes, tem para eles outros destinos. 
                                                 Alguns supostos filósofos, alguns psicólogos e alguns religiosos costumam afirmar que todos devem seguir as suas vocações, mesmo que elas não representem ganhar dinheiro suficiente para se manter e manter uma família, pois ‘O que importa é ser feliz e se sentir bem naquilo que se faz’ ou ‘O dinheiro não traz a felicidade’, como muitos não cansam de propalar. 
                                                        Isto, em teoria, é algo que sensibiliza os espíritos mais sensíveis, como aqueles dos jovens. Na prática, quase sempre, traz consigo graves consequências e futuras frustrações.
                                                       Ocorre que um dia as coisas acabam mudando na vida dos jovens e este dia não demorará muito a chegar, notadamente na sociedade de consumo em que vivemos, concorrencial e que gira em torno do dinheiro. 
                                                          Quando o jovem de ontem já estiver casado, possuir filhos e constatar que não ganha o suficiente para mantê-los em uma boa escola particular, tendo que matriculá-los em uma deficiente escola pública, verá a falta que faz um emprego bem remunerado, mesmo que tenha seguido a sua vocação e se dedique a alguma atividade qualquer da qual goste, mas cuja renda mensal gire em torno de um, dois ou até três salários mínimos. Estou falando da situação vigente em nosso país, pois, evidentemente, no primeiro mundo, desenvolvido, as coisas, normalmente, se passam de forma diferente. 
                                                    Quando necessitar de cuidados médicos e tiver que recorrer ao Sistema Único de Saúde, na falta de um Plano de Saúde privado (quase sempre caro) para si e sua família; quando os filhos crescerem um pouco mais e desejarem ter tudo aquilo que veem com os seus eventuais colegas, em termos de equipamentos eletrônicos, roupas, brinquedos, etc.; aquele antigo jovem sentirá na própria carne a importância de ter dinheiro em um mundo monetizado, concorrencial e com uma sociedade consumista.
                                                  Opção pela pobreza fazem o catolicismo (pois o protestantismo não comunga desta visão) e o comunismo. O próprio Papa atual afirmou publicamente que Jesus, sem dúvida alguma, era socialista. Em uma passagem das escrituras (Mateus 19:22-24) encontra-se esta suposta declaração de Jesus Cristo:  “E ainda vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus”. 
                                                   Supõe Jesus, de maneira infundada a meu ver, pois generaliza a classe social dos ricos, que toda a riqueza é ilegal? Que todo rico enriqueceu ilicitamente às custas dos outros e não do seu trabalho honesto e da sua poupança? 
                                                 Muitos poderão ter enriquecido de forma ilícita, roubando, se corrompendo, desviando dinheiro público, como tantos políticos que vemos em nosso país; mas, por outro lado, muitas fortunas foram obtidas de forma honesta, com trabalho, suor e lágrimas. 
                                                      Ao generalizar, Jesus deixou o Vaticano (sede da Igreja católica que o representa) vulnerável e em uma saia justa, pois trata-se este de um Estado reconhecidamente riquíssimo. Poderemos, pois, imaginar, com base em sua declaração, que nenhum dos integrantes da alta cúpula da igreja que o representa irá para o céu, conforme ele mesmo preconizava? Devemos imaginar que os camelos passarão mais facilmente pelo fundo de agulhas do que os ricos administradores daquele Estado pontifício (que possui industrias, bancos, tesouros de valor incalculáveis, obras de arte, participações acionárias, propriedades e terrenos ao redor de todo o mundo e onde o monarca que o governa também é conhecido como Papa) entrarão no reino dos céus?
                                                    O comunismo, por sua vez, pretende ser o único empregador e dono de toda a força de trabalho do país onde for adotado como forma de governo. Para isto necessita, antes, acabar com os patrões capitalistas, que dependem e precisam dos seus empregados muito mais do que o Estado Comunista que tem a sua disposição toda a força de trabalho do país e, por isso mesmo, os patrões capitalistas normalmente tratam seus empregados com mais consideração do que aquela que estes recebem dos governantes comunistas, embora a esquerda diga sempre o contrário, pois precisa criticar aquilo que já existe para que o povo deseje mudar para algo que imagina ser melhor.
                  
                                                       No capitalismo existe uma livre negociação em torno dos salários, que sofrem correções anuais em razão da inflação e do aumento da produtividade. No capitalismo o mérito pessoal, a capacidade criativa e empreendedora são valorizados. No comunismo o salário é fixado pelo Estado e igual para todos (exceção feita para a cúpula governante). 
                                                       No comunismo (como no nazismo e fascismo) a fidelidade ao partido único é a coisa mais valorizada. Mérito pessoal, tino administrativo, capacidade criativa e empreendedora não constituem, necessariamente, fatores diferenciais que permitam ganhos salariais maiores nos países comunistas, onde toda a propriedade pertence ao Estado. O incentivo para progredir é tolhido desde o início, como uma das contradições da ideologia marxista que olvidou a natureza humana.
                                                Segundo afirmava tia Sofia, os jovens devem ser ambiciosos no bom sentido da expressão. Não se trata daquela ambição de desejar o que a outros pertence nem de enriquecer a qualquer custo. Trata-se da ambição de progredir ao amparo das leis, de melhorar de vida, de adquirir conhecimentos, de achar que sempre é possível ir um pouco mais além do ponto em que se chegou, de superar-se continuamente, de buscar aprender cada vez mais e de nunca se julgar satisfeito com aquilo que possui, seja em termos materiais, intelectuais ou mesmo espirituais. 
                                                       Como dizia Luís de Camões em seu poema ‘Amor é fogo que arde sem se ver’, todos os jovens deveriam ter aquilo que o poeta chamou de ‘ um contentamento descontente’.
                                                          A ambição, mais do que os sonhos, é que custeará os remédios da velhice, o colégio dos filhos, as contas mensais que chegam pelos correios, as despesas diárias com alimentação e transporte. A perspectiva de ganhos, em realidade, é a mola que impulsiona a atividade humana, não os sonhos nem o sentimento coletivista ou filantrópico. 
                                                  Alguém poderá questionar: - Mas eu não serei feliz, se não fizer só aquilo de que gosto!
                                                        Ocorre que a felicidade não é um atributo natural e obrigatório dos seres humanos, embora estes sejam movidos pela busca da felicidade, através daquilo que Sigmund Freud  (1856-1939) denominou de ‘Princípio do Prazer’. Esta busca, entretanto, está fadada ao fracasso devido à impossibilidade de o mundo real satisfazer a todos os desejos que nos conduziriam à almejada felicidade. A isto, Freud deu o nome de ‘Princípio da Realidade’ e, segundo ele, o máximo a que poderíamos aspirar seria a uma felicidade parcial e momentânea.
                                                     Quanto mais cedo os jovens se derem conta disto, segundo afirmava a velha tia Sofia, melhor será para as suas vidas futuras e para as existências daqueles que deles dependem ou irão depender.


_*/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

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