sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

355. Sobre as epidemias e as pandemias que nos assolam de tempos em tempos


Jober Rocha*



                                   Epidemia, segundo os dicionários, consiste em uma doença geralmente infecciosa, de caráter transitório, que ataca simultaneamente grande número de indivíduos em uma determinada localidade.
                                                   A tão falada pandemia, por sua vez, consiste na epidemia de alguma doença infecciosa que se espalha entre a população de uma grande região geográfica como, por exemplo, um continente ou, até mesmo, todo o Planeta.
                                                        A atual pandemia pelo Coronavírus, originada na China ao que parece, não é a primeira nem será a última na vida de todos os terráqueos e a extensão dos seus efeitos danosos só poderá ser aquilatada no futuro.
                                                    A História da civilização humana tem registrado inúmeras epidemias e pandemias, desde o ano de 428 a. C. quando surgiu a primeira de que se tem notícia, isto é, a Peste de Atenas. Depois desta veio a Peste de Siracusa, em 396 a. C. A seguir, depois de Cristo, entre os anos de 251 e 266 surgiu a Peste Antonina.  Em 542 surgiu a Peste Justiniana. A Peste Negra ocorreu entre 1333 e 1351; a Cólera ocorreu de 1817 a 1824; a Tuberculose, de 1850 à 1950; a Varíola de 1896 à 1980; a Gripe Espanhola de 1918 à 1919; o Tifo, de 1918 à 1922; a Febre Amarela na Etiópia, de 1960 à 1962; o Sarampo, até 1963; a Malária, até 1980; o surto de Ebola na África Ocidental, que se iniciou em dezembro de 2013, na Guiné, e se propagou em diversos países do oeste do continente africano, com muitas mortes registradas; a AIDS, desde 1981. 
                                                Muitas das epidemias não se transformam em pandemias em virtude de medidas terapêuticas e profiláticas adotadas à nível mundial, evitando, assim, sua disseminação pelo planeta. Ficaram restritas a um único país, as seguintes, dentre outras: Doença dos Legionários, USA, 1976; Criptosporidiose, 1976, USA; Febre Hemorrágica, 1976, Zaire; Hantavirose, 1977, Coréia; Hepatide D, 1980, Itália; Virus 1 Linfotrópico-T, 1980, Japão; E. Coli, 1982, USA; Enterilide Salmonella PT4, 1988, Reino Unido; Hepatite C, 1989, USA; Febre Hemorrágica da Venezuela, 1991, Venezuela; Febre Hemorrágica do Brasil (Dengue), 1994, Brasil.
                                                   Informações, supostamente, cientificas indicam que, nos últimos vinte anos, cerca de sessenta por cento das epidemias humanas tiveram suas origens em micróbios oriundos de outras espécies animais e de insetos. O mundo em que vivemos, ao que parece, está cheio de micróbios vivendo em organismos animais e no meio ambiente, que desejam sobreviver e perpetuar-se às nossas custas, passando a habitar e se proliferar em nossos corpos. 
                                                 Ademais, existem ainda os micróbios armazenados em recipientes especiais de instalações secretas espalhadas pelo mundo, que fazem parte da chamada Guerra Biológica desenvolvida por diversos países com o intuito de destruir ou incapacitar seus inimigos; bem como, aqueles mantidos em laboratórios de pesquisas e em fabricantes de vacinas.
                                                  Tais microrganismos, muitas vezes, contaminam os seres humanos através do contato ou da ingestão, por estes, de carnes de animais e de insetos contaminados, fato muito comum nos países asiáticos, notadamente na China, africanos e sul americanos. A transmissão também ocorre pelo contato entre os indivíduos (secreções, espirros, toques, etc.); bem como pela falta de higiene corporal, contato com objetos contaminados, picada de insetos, etc.
                                                    Muitos desses micróbios, ao passarem a habitar corpos humanos, sofrem mutações naturais que os tornam resistentes aos medicamentos tradicionalmente utilizados. Outros são modificados geneticamente, de maneira artificial, pelas mãos dos cientistas, de forma a aumentar sua letalidade no âmbito de uma eventual Guerra Biológica.
                                                 Alguns cientistas afirmam que os microrganismos mencionados sofrem mutações naturais, decorrentes de um mecanismo evolutivo que leva em consideração os processos biológicos e os medicamentos empregados para combatê-los, tornando-os imunes a estes. Assim, eles se tornariam resistentes para aqueles medicamentos e processos tradicionais, sendo, pois, necessários novos medicamentos e novos processos para destruí-los eficazmente, em um 'moto continuo' que manteria as engrenagens industriais sempre em movimento, gerando lucros para os fabricantes de vacinas e de outros medicamentos.
                                                  Ocorre que alguns pesquisadores já declararam publicamente que os cientistas podem, eles mesmos, modificar geneticamente os micro-organismos e preparar processos e medicamentos que os combatam. Ora, para isto virar uma poderosa indústria não falta mais nada, desde que a ética não se faça presente nem a vigilância sanitária e as autoridades da área da Saúde Pública dos países produtores e dos países consumidores destes processos biológicos e dos medicamentos produzidos.
                                                   É voz corrente, ainda, que as autoridades sanitárias públicas, desaparelhadas, sem recursos e sem pessoal técnico qualificado, seguem a reboque dos centros de pesquisas científicas, públicos e privados, contendo muitos doutores, diversos pós doutores e mestres em profusão, contando com equipamentos moderníssimos e com verbas imensas para pesquisas promissoras e sempre lucrativas. Desta forma, periodicamente, somos alvejados com novos medicamentos e novos processos biológicos, que os técnicos afirmam ser mais eficientes que os anteriores contra estes nossos inimigos invisíveis a olho nu. 
                                               Pelo que posso perceber, independente de quaisquer considerações de ordem filosófica, altruísta, filantrópica e religiosa que se possa fazer, trata-se, evidentemente, de um excelente negócio comercial. O pulo do gato estaria, pois, não em se apropriar de um bem livre como os microrganismos, mas, sim, em evitar que este bem fique livre, isto é, que fique sem controle na Natureza.
                                             Com os novos processos biológicos e os novos medicamentos, seus consumidores terão, a partir da aquisição deles nos locais de venda, o poder de impedir a sua proliferação, de controlar os seus efeitos e de destruí-los.
                                               É, sem dúvida, uma maneira engenhosa de ganhar dinheiro combatendo algo que está livre na Natureza e que, portanto, não pertenceria a ninguém.
                                                  Algum leitor mais curioso poderia questionar: - Por que existem estes microrganismos livres na natureza ou vivendo nos próprios corpos de animais e de insetos e que, periodicamente, nos assolam?
                                                     A resposta não é difícil de perceber. Tratar-se-ia de um mecanismo biológico da própria natureza (da mesma forma como ocorre com as pragas agrícolas que atingem as espécies vegetais que se proliferam em demasia com relação as demais, rompendo o equilíbrio ecológico) que regularia (ou tentaria regular) a proliferação descontrolada da espécie humana, com relação as demais espécies animais.
                                              Voltando, pois, ao que dizíamos, cientistas vinculados aos governos ou à algumas empresas que para eles prestam serviços, encontraram, também, uma forma criativa de ganhar dinheiro com estes bens livres mencionados, porém, agora, de maneira contrária.
                                                  Tais cientistas reproduzem estes micro-organismos com a finalidade de armazená-los em grandes quantidades, visando a uma eventual guerra bacteriológica futura. Por maior que sejam os mecanismos de controle, nada garante que não possam ocorrer acidentes com o vazamento de grandes quantidades destes vírus armazenados. Caso ocorram, os governos jamais dirão a verdade, pois a guerra biológica não é permitida pelos tratados internacionais.
                                               O pulo do gato, neste caso, consistiria em modificar geneticamente os micro-organismos (mantendo estocados, também, medicamentos e processos biológicos eficazmente desenvolvidos para destruí-los), de modo a que os eventuais exércitos inimigos, desconhecendo as modificações feitas nos microrganismos estocados, não possam neutralizar os seus efeitos com os tradicionais medicamentos, vacinas ou processos biológicos disponíveis em seus países.
                                           Vejam, pois, meus caros leitores, que os microrganismos, algo até então livre na Natureza como os raios de sol, a água e o ar, já estão aprisionados. 
                                                  A estatização da água, por sua vez, já ocorre em várias partes do mundo. Em muitos países a água do subsolo já pertence ao governo, não podendo ser apropriada ou explorada pelo detentor do solo.
                                             Em muitos países, os microrganismos existentes no solo urbano (necessários para a produção vegetal) são, também, de propriedade do governo, fazendo com que o proprietário do solo urbano não possa cultivar o seu próprio solo com hortaliças, legumes ou frutas. Em alguns países a captação e o aproveitamento particular da energia solar já é proibido. Em alguns outros a energia eólica só pode ser captada pelo governo.
                                                  Resta, tão somente, para finalizar, a estatização do ar, dos raios solares e da temperatura ambiente. 
                                                  O efeito da luz provocada pelos raios solares já foi substituído pelo das lâmpadas (proporcionando ganhos aos seus fabricantes, que recolhem impostos aos governos). 
                                                    O efeito da temperatura ambiente pode ser modificado pela calefação e pelo ar condicionado (também produzindo ganhos aos seus produtores e impostos aos governos). 
                                                       Sobrou, apenas, o ar atmosférico, que ainda não tem um substituto barato, fácil de ser utilizado pelos indivíduos e que permita aos governos arrecadarem impostos e aos empresários obterem lucros (a não ser os produtores de cilindros de ar para mergulhadores e de oxigênio para hospitais).
                                                    Como a criatividade humana é muito grande e a sua ganância também, estou convencido de que muito em breve surgira um substituto para o ar que respiramos ou, então, em virtude desta excessiva ganância humana, nós todos iremos é parar definitivamente de respirar.


_*/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

354. As Lições da Tia Sofia


Jober Rocha*



                                    Lembro-me bem de uma antiga professora com quem tive aulas durante a juventude, tia Sofia (Sabedoria, em grego), já falecida. Ela gostava de transmitir aos seus alunos, além das matérias curriculares, conhecimentos assimilados ao longo da sua extensa vida e que amava compartilhar com seus pupilos. 
                                                      Achava ela que a experiência de vida que podia transmitir para os jovens era muito mais importante do que os conhecimentos sobre Matemática, Geografia, Biologia, etc., que era obrigada a ensinar aos alunos em sala de aula.
                                               Felizmente, como disponho de boa memória, guardei muitos daqueles ensinamentos que tia Sofia, como uma verdadeira mestra, fazia questão de transmitir após suas aulas convencionais, de modo a alertar seus alunos para as armadilhas que o futuro costuma montar para todos nós.
                                                  Assim é que, hoje, lembrando-me da velha professora, resolvi escrever este texto que versa sobre muitas coisas que ela nos dizia com a sua voz calma, bondosa e didática, como costumam fazer os bons mestres.
                                                   Os leitores encontrarão, a seguir, parte daquilo que me ficou na memória das aulas da Tia Sofia.
                                                     Têm coisas na vida que só aprendemos com a idade. Uma delas é que não devemos nos deixar seduzir nem conduzir pelos sonhos da juventude. Embora sejam os sonhos dos jovens que façam o mundo evoluir (ou não), na maior parte das vezes eles não deixam de ser aquilo que em realidade são; isto é, simples sonhos sem maiores consequências.
                                                Os jovens, no entanto, não percebem isto enquanto jovens; pois, como possuem a vida inteira pela frente, sempre esperam, em algum dia futuro, vir a concretizar os belos sonhos que sonharam, esquecendo-se que a vida, muitas vezes, tem para eles outros destinos. 
                                                 Alguns supostos filósofos, alguns psicólogos e alguns religiosos costumam afirmar que todos devem seguir as suas vocações, mesmo que elas não representem ganhar dinheiro suficiente para se manter e manter uma família, pois ‘O que importa é ser feliz e se sentir bem naquilo que se faz’ ou ‘O dinheiro não traz a felicidade’, como muitos não cansam de propalar. 
                                                        Isto, em teoria, é algo que sensibiliza os espíritos mais sensíveis, como aqueles dos jovens. Na prática, quase sempre, traz consigo graves consequências e futuras frustrações.
                                                       Ocorre que um dia as coisas acabam mudando na vida dos jovens e este dia não demorará muito a chegar, notadamente na sociedade de consumo em que vivemos, concorrencial e que gira em torno do dinheiro. 
                                                          Quando o jovem de ontem já estiver casado, possuir filhos e constatar que não ganha o suficiente para mantê-los em uma boa escola particular, tendo que matriculá-los em uma deficiente escola pública, verá a falta que faz um emprego bem remunerado, mesmo que tenha seguido a sua vocação e se dedique a alguma atividade qualquer da qual goste, mas cuja renda mensal gire em torno de um, dois ou até três salários mínimos. Estou falando da situação vigente em nosso país, pois, evidentemente, no primeiro mundo, desenvolvido, as coisas, normalmente, se passam de forma diferente. 
                                                    Quando necessitar de cuidados médicos e tiver que recorrer ao Sistema Único de Saúde, na falta de um Plano de Saúde privado (quase sempre caro) para si e sua família; quando os filhos crescerem um pouco mais e desejarem ter tudo aquilo que veem com os seus eventuais colegas, em termos de equipamentos eletrônicos, roupas, brinquedos, etc.; aquele antigo jovem sentirá na própria carne a importância de ter dinheiro em um mundo monetizado, concorrencial e com uma sociedade consumista.
                                                  Opção pela pobreza fazem o catolicismo (pois o protestantismo não comunga desta visão) e o comunismo. O próprio Papa atual afirmou publicamente que Jesus, sem dúvida alguma, era socialista. Em uma passagem das escrituras (Mateus 19:22-24) encontra-se esta suposta declaração de Jesus Cristo:  “E ainda vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus”. 
                                                   Supõe Jesus, de maneira infundada a meu ver, pois generaliza a classe social dos ricos, que toda a riqueza é ilegal? Que todo rico enriqueceu ilicitamente às custas dos outros e não do seu trabalho honesto e da sua poupança? 
                                                 Muitos poderão ter enriquecido de forma ilícita, roubando, se corrompendo, desviando dinheiro público, como tantos políticos que vemos em nosso país; mas, por outro lado, muitas fortunas foram obtidas de forma honesta, com trabalho, suor e lágrimas. 
                                                      Ao generalizar, Jesus deixou o Vaticano (sede da Igreja católica que o representa) vulnerável e em uma saia justa, pois trata-se este de um Estado reconhecidamente riquíssimo. Poderemos, pois, imaginar, com base em sua declaração, que nenhum dos integrantes da alta cúpula da igreja que o representa irá para o céu, conforme ele mesmo preconizava? Devemos imaginar que os camelos passarão mais facilmente pelo fundo de agulhas do que os ricos administradores daquele Estado pontifício (que possui industrias, bancos, tesouros de valor incalculáveis, obras de arte, participações acionárias, propriedades e terrenos ao redor de todo o mundo e onde o monarca que o governa também é conhecido como Papa) entrarão no reino dos céus?
                                                    O comunismo, por sua vez, pretende ser o único empregador e dono de toda a força de trabalho do país onde for adotado como forma de governo. Para isto necessita, antes, acabar com os patrões capitalistas, que dependem e precisam dos seus empregados muito mais do que o Estado Comunista que tem a sua disposição toda a força de trabalho do país e, por isso mesmo, os patrões capitalistas normalmente tratam seus empregados com mais consideração do que aquela que estes recebem dos governantes comunistas, embora a esquerda diga sempre o contrário, pois precisa criticar aquilo que já existe para que o povo deseje mudar para algo que imagina ser melhor.
                  
                                                       No capitalismo existe uma livre negociação em torno dos salários, que sofrem correções anuais em razão da inflação e do aumento da produtividade. No capitalismo o mérito pessoal, a capacidade criativa e empreendedora são valorizados. No comunismo o salário é fixado pelo Estado e igual para todos (exceção feita para a cúpula governante). 
                                                       No comunismo (como no nazismo e fascismo) a fidelidade ao partido único é a coisa mais valorizada. Mérito pessoal, tino administrativo, capacidade criativa e empreendedora não constituem, necessariamente, fatores diferenciais que permitam ganhos salariais maiores nos países comunistas, onde toda a propriedade pertence ao Estado. O incentivo para progredir é tolhido desde o início, como uma das contradições da ideologia marxista que olvidou a natureza humana.
                                                Segundo afirmava tia Sofia, os jovens devem ser ambiciosos no bom sentido da expressão. Não se trata daquela ambição de desejar o que a outros pertence nem de enriquecer a qualquer custo. Trata-se da ambição de progredir ao amparo das leis, de melhorar de vida, de adquirir conhecimentos, de achar que sempre é possível ir um pouco mais além do ponto em que se chegou, de superar-se continuamente, de buscar aprender cada vez mais e de nunca se julgar satisfeito com aquilo que possui, seja em termos materiais, intelectuais ou mesmo espirituais. 
                                                       Como dizia Luís de Camões em seu poema ‘Amor é fogo que arde sem se ver’, todos os jovens deveriam ter aquilo que o poeta chamou de ‘ um contentamento descontente’.
                                                          A ambição, mais do que os sonhos, é que custeará os remédios da velhice, o colégio dos filhos, as contas mensais que chegam pelos correios, as despesas diárias com alimentação e transporte. A perspectiva de ganhos, em realidade, é a mola que impulsiona a atividade humana, não os sonhos nem o sentimento coletivista ou filantrópico. 
                                                  Alguém poderá questionar: - Mas eu não serei feliz, se não fizer só aquilo de que gosto!
                                                        Ocorre que a felicidade não é um atributo natural e obrigatório dos seres humanos, embora estes sejam movidos pela busca da felicidade, através daquilo que Sigmund Freud  (1856-1939) denominou de ‘Princípio do Prazer’. Esta busca, entretanto, está fadada ao fracasso devido à impossibilidade de o mundo real satisfazer a todos os desejos que nos conduziriam à almejada felicidade. A isto, Freud deu o nome de ‘Princípio da Realidade’ e, segundo ele, o máximo a que poderíamos aspirar seria a uma felicidade parcial e momentânea.
                                                     Quanto mais cedo os jovens se derem conta disto, segundo afirmava a velha tia Sofia, melhor será para as suas vidas futuras e para as existências daqueles que deles dependem ou irão depender.


_*/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

353. O Inferno de Dante*

O Rio de Janeiro no ano de 2025


Jober Rocha**


                                Acordei com estampidos vindos da rua. Isso já era uma coisa normal em todos os bairros da cidade; mas, naquela manhã, os tiros eram tantos e acompanhados de muita gritaria, razão pela qual resolvi olhar por detrás da persiana fechada do meu quarto e ver do que se tratava.
                                                 Antes quero dizer que moro com a família, mulher e dois filhos, em um apartamento de três quartos em um bairro de classe média alta, na cidade do Rio de Janeiro.
                                                   A última eleição presidencial havia transcorrido três anos antes, em 2022. Nela havia sido eleito um candidato de extrema esquerda. O anterior presidente, um liberal de direita candidato a reeleição, embora tenha feito um bom governo, por haver se recusado a utilizar os recursos do Fundo Partidário nas eleições de 2022, não conseguiu mobilizar seus tradicionais eleitores nem aqueles outros que lhe faziam oposição. 
                                                     Sua campanha foi pobre e totalmente superada pela dos partidos de esquerda, que se uniram em torno do nome de um único candidato. Este candidato, tendo sido anteriormente condenado e preso, por casuísmos das mais altas cortes do país fora solto e tivera a sua condenação anulada. Os demais processos a que respondia foram todos paralisados e arquivados, possibilitando, com isso, que se apresentasse candidato nas eleições de 2022.
                                                 Naquela eleição, o dinheiro do fundo correu solto para a mídia venal e para a compra de corações e mentes dos formadores de opinião, fazendo com que a população ignorante, submissa e interesseira, mais uma vez, fosse engabelada com promessas do paraíso terrestre construído pelas mãos daquele candidato esperto e bem falante, dono de uma retórica invejável e que superava a de todos os demais políticos da esquerda oportunista do país.
                                                      Enfim, foi eleito aquele velho candidato da esquerda que, paradoxalmente, além dos votos dos mais pobres, contou também com os votos e o apoio de grandes empresários, de autoridades religiosas, de intelectuais, de artistas e de militares graduados das mais altas patentes.
                                                     Tendo transcorridos três anos da posse do candidato eleito, em 2025, praticamente, já vivíamos em um governo ou regime narco-comunista. Os líderes das facções criminosas, até então presos incomunicáveis em presídios federais, haviam sido todos soltos e seus negócios haviam prosperado e se expandido. Plantações de maconha e destilarias de cocaína funcionavam abertamente em vários Estados da Federação, depois que tanto a produção quanto o consumo de drogas haviam sido liberados pelas autoridades.
                                                       Os militantes e os ativistas da esquerda, que estavam infiltrados no governo anterior sabotando decisões do presidente e de sua equipe de governo e fornecendo informações privilegiadas para seus partidos e que, por isso mesmo, haviam sido demitidos, retornaram todos no novo governo de esquerda eleito, agora com muito mais força política e um ódio mais intenso contra o capitalismo.
                                                     As facções criminosas, que operavam livremente, haviam recrutado milhares de ‘soldados’, que intimidavam a inoperante polícia e amedrontavam a população trabalhadora, temerosa de sair às ruas e vivendo trancada em suas casas, torcendo para que dela se esquecessem.
                                                   Esses ‘soldados’ do crime, anteriormente desunidos e em guerra entre eles mesmos, já haviam superado suas divergências e se unido em torno de um líder único, conhecido como Mariozinho Beira Rio, que chefiava com mão de ferro aquele exército de criminosos.
                                                Nas reuniões e solenidades no palácio do governo, na capital federal, via-se, constantemente, a presença de inúmeros assessores fardados de alguns países comunistas, tanto do nosso continente quanto de fora dele.
                                              Os uniformes visíveis, nestas ocasiões, cada qual mais colorido que o outro, demonstravam que nossas autoridades nada mais eram que simples representantes fantoches e lacaios de países comunistas mais antigos e mais poderosos, que, aproveitando-se da saída dos USA dos acordos e foros internacionais; do protecionismo e do fechamento daquele país em torno de suas fronteiras; da ausência de ideólogos de direita que contrabalançassem os ideólogos de esquerda junto ao meio intelectual e artístico (que, tradicionalmente, orientam a juventude e as massas trabalhadoras incultas) e do trabalho desenvolvido por entidades internacionais e pelos representantes de algumas religiões que adotaram as chamadas Teologia da Libertação e a Ecoteologia ou Teologia Ambientalista (está última uma forma disfarçada de panteísmo, mas, que, visava, na prática, assenhorear-se dos recursos naturais da Região Amazônica para grupos econômicos a elas ligados) , visando à implantação da Nova Ordem Mundial, tinham, finalmente, conseguido chegar ao poder em inúmeros países sul americanos e africanos.
                                            Assim, tendo eu feito uma breve síntese dos fatos ocorridos após a derrota nas urnas do candidato liberal de direita, seguirei com a narração do que ocorreu naquele dia e nos que se seguiram.
                                               Olhando por detrás da persiana, vi muitas pessoas armadas saqueando os transeuntes e as lojas, algumas delas já cerrando as suas portas rapidamente. Resolvi descer até a portaria do prédio e ver como estavam as coisas lá em baixo, isto é, nas ruas.
                                                No térreo fui alertado pelo porteiro a não sair do prédio, mas minha curiosidade era grande e resolvi sair e caminhar pelas ruas.
                                                    A primeira coisa que notei foi a total ausência da polícia. Está havia, simplesmente sumido. Caminhando por várias ruas não vi nenhum policial, como, também, nenhum bombeiro para combater os inúmeros incêndios que grassavam pelo bairro, ateados com coquetéis Molotov jogados pelos criminosos e revoltosos.
                                               Pelo que pude perceber, as facções criminosas haviam ordenado aos moradores das comunidades pobres que se rebelassem contra as autoridades constituídas e fossem às ruas para roubar e saquear o comércio e as residências particulares, visando a instauração do caos social. 
                                             Essas facções agiam sob ordem do partido político no poder, que encontrara forte resistência da parte de alguns civis e militares patriotas, que não compactuavam com a tentativa de implantação do comunismo no país. O objetivo era implantar o caos nas cidades e no campo para que o governo pudesse agir com mão forte, reprimindo os patriotas com o auxílio das forças armadas e das forças policiais cooptadas.
                                                Notei, caminhando pelas ruas, as lojas fechadas, a ausência de transportes públicos e, apenas, um ou outro veículo circulando. Muita fumaça partindo dos prédios incendiados e as ruas quase todas desertas.
                                             Ao longe eu ouvia rajadas de fuzis e metralhadoras e disparos de pistolas. Resolvi retornar para casa, me esgueirando rente as paredes das lojas e dos edifícios.
                                                       Fiquei cerca de três ou quatro dias em casa com meus familiares, comendo aquilo que tínhamos na despensa. A situação nas ruas não se modificara. Nenhuma polícia, nem elementos das forças armadas eram vistos circulando pela cidade. As lojas permaneciam fechadas e os gêneros alimentícios já faltavam em todas as residências. Uma ocasião, durante a noite, a luz foi cortada em um ato de sabotagem junto as torres de distribuição, segundo fiquei sabendo por intermédio do porteiro. Pouco depois, cortaram o fornecimento de água.
                                                    Resolvi que não valia mais a pena esperar ali, no apartamento, a normalização da situação, pois, pelo visto, ela não se normalizaria.
                                                        Decidi que tentaria me deslocar com a família para minha casa de fim de semana, localizada em região montanhosa do interior, afastada da capital.
                                                         Antevendo eu a possibilidade de uma futura convulsão social no país, há alguns anos eu adquirira uma casa em região montanhosa isolada, onde estocara alimentos, armas e munições, em um porão previamente construído.
                                                             Ali eu poderia resistir durante muito tempo, até as coisas se definirem e o país voltar ao seu rumo, com ordem e segurança.
                                                             Com calma e tempo, eu preparara previamente uma horta, plantara árvores frutíferas, montara um galinheiro onde viviam cerca de trinta e poucas galinhas e iniciara uma criação de coelhos. O terreno possuía em seus limites um pequeno córrego de águas limpas, que abastecia a casa.
                                                   A energia da casa vinha de células captadoras de energia solar. O gás da cozinha provinha de uma pequena usina produtora de gás a partir de rejeitos orgânicos. Havia estocado diesel para a caminhonete. 
                                                           Em suma, se eu conseguisse chegar até a minha propriedade, ali poderia sobreviver durante muito tempo, resistindo pela força das armas a alguma invasão ou assalto de bandos ou turbas revoltosas.
                                                   O grande problema era chegar até lá, pois a convulsão social havia se estendido por todos os Estados da Federação e, naquela situação, transitar pelas ruas das cidades transformara-se em uma aventura arriscada, ainda mais com mulher e filhos.
                                                 De qualquer forma, dei início a preparação para sair dali. Minha caminhonete Toyota estava estacionada na garagem do prédio com o tanque de diesel cheio. 
                                                  Recolhi os mantimentos que ainda restavam em casa, enchi várias garrafas de plástico com água potável, apanhei vários cobertores, meus documentos e os dos demais membros da família e coloquei tudo na parte de trás do veículo.
                                                       Peguei minha pistola Beretta mod. 92, calibre 9 mm, com quatro carregadores de 15 tiros cada, cheios; minha pistola Colt 1911, calibre .45, com cinco carregadores de 7 tiros cada, cheios; uma escopeta Mossberg, calibre 12, semiautomática, com capacidade para 10 cartuchos, carregada, e diversas caixas de munição que possuía em casa.
                                                      Coloquei as caixas com as munições no porta luvas, as pistolas na cintura, os carregadores nos bolsos da calça e a escopeta ao meu lado no banco da caminhonete, reuni a família e deixei a garagem do prédio sem nem olhar para trás e sem saber quando ali voltaria novamente.
                                                  Sai do prédio e transitei por várias ruas desertas, tomando o rumo do Aterro do Flamengo. Avisei aos familiares que, quando me vissem sacando alguma das armas, eles deveriam se jogar no chão do veículo e dali só sair com ordem minha. 
                                                   Pretendia atravessar a Ponte Rio Niterói, seguir pela Avenida do Contorno, já em Niterói, até atingir a BR 101, passando pelo município de Itaboraí e, mais adiante, seguir pela RJ 116 em direção ao município de Nova Friburgo. Dali, depois de atingir Muri no quilômetro 73, pegaria a estrada à direita em direção ao município de Lumiar. 
                                                             Minha propriedade ficava próxima de São Pedro da Serra, em uma alta montanha, quase sempre coberta pela serração, entre este município e o de Benfica.
                                                   Pelo caminho por onde passávamos, o panorama era de uma guerra declarada: casas, lojas e edifícios em chamas ou enegrecidos pelo fogo já apagado. Buracos de balas em muitas paredes, ruas desertas, esparsos veículos circulando, nenhuma viatura policial ou das forças armadas.
                                                    Entrei no Aterro do Flamengo e segui em direção ao Aeroporto Santos Dumont, de onde seguiria através do túnel Marcello Alencar até a Praça Mauá.
                                                      Nas proximidades do aeroporto, ainda de longe, notei que haviam feito uma barreira na pista e algumas pessoas armadas faziam sinais para que eu parasse. Parar, naquela situação, significaria morte certa. Mandei que todos no veículo se abaixassem, saquei a pistola 9 mm e desci os vidros da frente do veículo. Fiz que ia parar na barreira, o que tranquilizou os seus integrantes.
                                                   Com os olhos procurei rápido o ponto mais fraco da barreira e logo o encontrei. Alguns caixotes de madeira bloqueavam o lado esquerdo da pista e vi que por ali poderia passar, quebrando aqueles caixotes com as rodas do veículo.
                                                Quando um dos que ali estavam se aproximou pela direita, atirei em seu peito com a pistola. Ele caiu e os outros se aproximaram. Descarreguei meio carregador neles, joguei o veículo em direção aos caixotes e, passando por eles, pisei fundo no acelerador; pois eles começavam a atirar em minha direção. Felizmente não acertaram nenhum tiro. 
                                            Entrei no túnel Marcello Alencar e rumei célere em direção à Praça Mauá. Ali chegando, rumei em direção a subida da Ponte Rio Niterói. Eventualmente, cruzava com algum veículo em sentido contrário, pois aquela parecia uma cidade fantasma, embora possuísse cerca de 6,2 milhões de habitantes.
                                                   A travessia da ponte foi tranquila. De cima dela pude avistar partes da cidade do Rio de Janeiro, que ficavam para trás e parte da cidade de Niterói, para onde eu me dirigia. Em ambas a fumaça negra dos incêndios turvava o céu azul daquele belo dia de sol.
                                                         O posto de pedágio estava vazio e as cancelas todas abertas. Não vi nenhum funcionário no local. Tomei o rumo da Avenida do Contorno, local perigoso pois passava por cerca de quinze comunidades carentes, a pior delas entre os quilômetros 307 e 309 da BR 101 (Rodovia Niterói-Manilha), chamada Complexo do Salgueiro e mais conhecida como Faixa de Gaza.
                                                        Nesta rodovia parei o veículo e pedi a minha esposa que ocupasse o volante. Passei para o banco de trás da caminhonete, arriei ambos os vidros, segurei nas mãos a escopeta Mossberg semiautomática, engatilhei e fiquei atento a estrada.
                                                      Mais à frente, justamente na altura da Faixa de Gaza, duas motocicletas atravessadas na pista impediam o trânsito de veículos. Minha mulher ficou nervosa, sem saber o que fazer. Mandei que seguisse devagar e mirasse com a nossa caminhonete a parte da pista que separava ambas as motos, pois entre elas havia um espaço de cerca de um metro.
                                                      Em volta das motocicletas haviam cerca de dez pessoas conversando, algumas com fuzis nas mãos e outras com suas armas penduradas nos ombros pelas bandoleiras. No acostamento da rodovia notei mais algumas pessoas.
                                                        Nenhuma delas esperava reação, pois foram completamente surpreendidas pelos meus disparos repetidos em suas direções. Muitos, atingidos pelos inúmeros chumbos projetados dos cartuchos, caíram ao chão. Minha mulher jogou o veículo entre as duas motos, que foram atiradas para o lado. Ao mesmo tempo eu seguia disparando em todas as direções, vendo gente cair por todos os lados, atingidas pelos meus disparos.
                                                      Mais uma vez passamos incólumes por uma barreira de revoltosos sublevados. Seguimos até perto de Itaboraí, quando pedi a ela que parasse o veículo e assumi o volante. Recarreguei todas as armas e seguimos em frente.
                                                             Meus filhos, dois meninos, um com doze anos e o outro com quatorze, participavam daqueles acontecimentos como se estivessem vivendo na vida real algum dos jogos de guerra que costumavam acessar com seus Smartphones. Eu me recordava dos velhos filmes de faroeste em que os colonizadores, em seus carroções puxados por parelhas de cavalos, eram assediados pelos índios revoltosos.
                                                   Lembrei-me, naquela ocasião, do maquiavelismo dos governantes de esquerda que desarmaram a população do país, já prevendo a chegada destes dias negros que vivíamos. Os cidadãos desarmados tornavam-se presas fáceis das organizações criminosas que importavam fuzis, pistolas e munições em quantidade, pelas fronteiras desguarnecidas do país.
                                                  Eu, desde longa data, havia me filiado a um clube de tiro e caça e, como atirador desportivo e caçador, havia adquirido diversas armas e munição em quantidade, além de praticar com frequência o tiro sob as mais diversas modalidades.
                                                    Sempre achei que a esquerda não desistiria enquanto não tomasse o poder em nosso país. Os episódios da Intentona Comunista de 1935 e da Guerrilha Urbana e Rural, iniciada após o Movimento Militar de 1964, reforçaram esta minha crença e fizeram com que eu me preparasse pessoalmente para essa eventualidade. 
                                                     Aprendi técnicas de sobrevivencialísmo e procurei construir um refúgio isolado e distante dos centros urbanos, para viver com a família em uma eventualidade como a que agora se apresentava. Quantos cidadãos de bem irão perecer, por não terem feito o mesmo?
                                                       Uma coisa que notei agora, e que jamais pensei que fosse ocorrer, é que os primeiros a sumirem das ruas nas convulsões sociais são as autoridades públicas. As ruas tornam-se desertas de uma hora para a outra. A polícia, os bombeiros, os militares, os serviços públicos, todos desaparecem da vida da cidade. O transporte público para de funcionar, o lixo não é mais coletado e se amontoa pelas ruas, a luz e a água são cortadas, o comércio fecha as suas portas, surge o desabastecimento e com ele a fome.
                                                    Quem antecipadamente não se preparou para uma eventualidade deste tipo é apanhado de surpresa e, infelizmente, acaba perecendo. A situação geral de destruição é muito parecida com aquela que ocorre nos grandes cataclismos; todavia, nestes existe um espírito de cooperação entre os sobreviventes. Na convulsão social e na guerra civil o espírito é de antagonismo e de guerra entre os participantes dos dois lados em contenda.
                                                Você seguirá vivendo tão somente enquanto dispuser de armas, munições, água e comida. Ninguém estará preocupado com a sua situação, a não ser você mesmo.
                                                            Minha mulher é uma pessoa prática e fatalista. O que tiver de ser será, segundo pensa. Vive bem com aquilo que tiver, não sendo ambiciosa nem gastadeira. Se adapta perfeitamente a vida simples do campo, como eu também. Espero que possamos seguir sobrevivendo enquanto durar esta terrível situação pela qual estamos passando, exclusivamente, por descaso de algumas autoridades, políticas, militares, econômicas e religiosas, não comprometidas com a ideologia marxista nem com o narcotráfico, nas últimas décadas de governos esquerdistas.
                                                  Tais autoridades sempre acharam que, em nosso país, as coisas poderiam ser negociadas entre os grupos que disputavam o poder, visando chegar a um acordo que fosse bom para todos os grupos; sempre foram pacifistas; sempre tiveram receio da opinião mundial. 
                                                    Pouco ou nada entendiam de política, de ideologia, de estratégia geopolítica e se deixaram iludir pelo canto das sereias marxistas-gramscistas, que almejavam alcançar o poder, inicialmente de forma pacífica, subvertendo a moral e os bons costumes como fizeram na realidade nos anos em que governaram, antes de partir para o golpe final na democracia mediante a revolta que ora vivenciamos envolvendo, de um lado, as facções criminosas e o povo pobre das periferias, armados e incentivados pelos ideólogos e intelectuais de esquerda, e do outro a população dos profissionais liberais e dos empresários da classe média (os pequenos burgueses odiados pelos comunistas), desarmados pelos governos de esquerda. 
                                                     As elites envolvidas com o narcotráfico, com o desvio de dinheiro público, com concorrências fraudadas, com a compra de leis e decretos que os favorecia, com a compra de sentenças quando julgadas por crimes cometidos, eram declaradamente favoráveis aos governos de esquerda venais, que roubavam e deixavam roubar.
                                                      Com o início da convulsão social, os ricos e oportunistas seguiram em seus aviões particulares para as grandes capitais no exterior e para os paraísos fiscais, onde aguardariam a poeira assentar, vivendo nababescamente, para retornarem, futuramente, com seus esquemas e maquinações tradicionais, tão logo os novos e poderosos governantes comunistas controlassem a situação.  
                                                   Terminada esta digressão, face a impaciência que percebo em alguns leitores para conhecer o desenrolar dos acontecimentos daquele dia, seguirei narrando a nossa viagem. 
                                                         Após atravessarmos o município de Itaboraí, viramos à esquerda e seguimos pela RJ 116 em direção a Nova Friburgo. Já estávamos, praticamente, bastante longe dos principais focos de rebelião, que eram os centros urbanos populosos, como o Rio de Janeiro e Niterói.
                                                     Passamos por Sambaetiba, Agrobrasil, Papucaia e Cachoeiras de Macacu, antes de atingir Nova Friburgo. Esse trajeto foi feito sem nenhum incidente, pois a estrada estava praticamente deserta. 
                                                 Não vimos nenhum veículo da Polícia Rodoviária, nem pessoas andando nas margens da estrada. Parecia que éramos os únicos habitantes vivos do planeta. Nos municípios em que penetrávamos, as lojas estavam todas fechadas e as ruas vazias.                                                               Notávamos alguns veículos queimados e marcas de disparos de armas de fogo nas paredes das casas. A situação, realmente, parecia muito grave.
                                                        Os pedágios da estrada, da mesma forma que o da Ponte Rio Niterói, estavam vazios e com as cancelas abertas.
                                                Finalmente, mais tranquilizados, pudemos apreciar um pouco da bela paisagem que se descortinava e respirar aquele ar puro que sentíamos ao subir a serra. Matas com grandes árvores se perdiam no horizonte. Por vezes, ao fazer alguma curva, divisávamos um fio de água escorrendo pelas encostas rochosas que a estrada margeava. Um cheiro de essências florestais sentíamos, quando arriávamos os vidros das janelas do veículo.
                                                     Os meninos brincavam no banco de trás, minha mulher dormia no assento do meu lado. Aquele parecia mais com um dia de férias do que com um dia de guerra, no qual eu já havia matado e ferido diversas pessoas. Chegamos ao alto da serra de Friburgo e começamos a descer.
                                                 Passamos pelo posto fechado da Polícia Rodoviária, na entrada do município, e seguimos em frente. Pouco depois de Muri, viramos à direita e entramos na estrada que conduzia a Lumiar.
                                                         Esta estrada, como as demais, estava totalmente deserta. Pensei comigo mesmo: será que só eu tive a ideia de construir um abrigo fora de casa na cidade e afastado, para me esconder e tentar sobreviver? Todos os demais se escondiam em suas próprias casas nas cidades? Só podia ser isto, para as estradas se encontrarem todas desertas.
                                                 Depois de rodar algumas horas, nos aproximamos da minha propriedade. A casa ficava na parte alta da montanha e era acessada por uma estrada de terra. Na época das chuvas, mesmo usando a tração nas quatro rodas era difícil chegar ao alto, pois o barro ficava escorregadio.
                                                    Chegamos a casa em um dia de semana, de surpresa. Todavia, quem foi surpreendido fui eu, pois um indivíduo estava sentado na varanda.
                                               Ao descer da caminhonete, notei que ele portava um revolver na cintura, de um lado, e um facão, do outro. Já desci com a Colt .45 na mão, engatilhada, e mandei que deitasse no chão com as mãos na nuca. Ele, vendo a minha disposição, seguiu a ordem que recebeu. Perguntei o que fazia ali e ele respondeu que a casa estava vazia e que ele resolvera pegá-la para si, pois o país estava em guerra e o comunismo havia sido implantado. Segundo ele, tudo era de todos e aquela propriedade agora era dele.
                                                     Percebi que corria um risco enorme ao deixa-lo ir embora, naquela situação de guerra civil em que nos encontrávamos; pois ele poderia voltar com outros companheiros seus e tomar a casa pela força, matando a mim, minha mulher e meus filhos. Mandei que a esposa e os filhos permanecessem na caminhonete, aproximei-me e, com ele ainda deitado de costas no chão, apontei para a sua nuca e disparei. A morte foi instantânea e eu diria que até indolor. A varanda ficou, imediatamente, toda suja de sangue.
                                                       Arrastei o corpo dele, segurando-o  pelas pernas, para fora da varanda, em direção ao chão de terra, vendo um rastro de sangue que escorria da sua cabeça esfacelada seguir o mesmo trajeto do seu corpo.
                                                     Minha mulher e as crianças, saindo correndo do carro, entraram na casa pela porta dos fundos e eu fui cavar um buraco razoavelmente grande para depositar aquele corpo.
                                                    Escolhi um local distante da casa e, com uma picareta, uma pá e uma enxada comecei a cavar. Depois de horas, o buraco estava com uma profundidade razoável. Arrastei o corpo até lá e joguei-o dentro. A seguir comecei a tapá-lo, jogando terra com a pá. Em breve o buraco estava totalmente fechado. Coloquei alguns troncos secos e arbustos em cima, bem como algumas pedras.
                                                Voltei para a casa, guardei as ferramentas e fui limpar a varanda e os rastros de sangue.
                                                       Em breve tinha terminado tudo e estava com as costas e os braços doloridos. Descarreguei a caminhonete, acendi as luzes da casa, pois já escurecia, e preparei-me para comer algo. Minha mulher já tinha feito um arremedo de jantar e as crianças já haviam comido e estavam dormindo.
                                                         Tomei um banho rápido e sentei-me à mesa, junto com ela.
                                                     Minha mulher me olhou e vi que dos olhos molhados escorriam lágrimas. Peguei em sua mão e, depois de algum tempo, disse baixinho olhando-a firme nos olhos: 
                                                  - É a vida. Temos de sobreviver. Não temos mais a quem recorrer neste salve-se quem puder. As autoridades deixaram de existir. Estamos por nossa própria conta e risco.  
                                                No dia seguinte começaria a vida da minha família no campo, que duraria cerca de três anos; período este que durou a guerra civil em nosso país. 
                                             Seu fim só começou com o bombardeio norte-americano à Venezuela e à Cuba, com os USA estabelecendo uma zona de exclusão aérea e marítima, para aeronaves e embarcações russas e chinesas, e o bloqueio de todo o litoral, desde o Golfo do México até a Patagônia. 
                                                        Quatro forças tarefas compostas por porta-aviões, fragatas e submarinos nucleares bloqueavam o Mar do Caribe e o Atlântico Sul, impedindo a passagem de navios de guerra e aeronaves da Rússia e da China, que não se atreveram a participar de uma guerra convencional de tão grandes proporções há uma enorme distância de casa.
                                                       Finalmente o bem triunfara sobre o mal; embora tenha sido terrível o custo desta vitória, tanto em vidas humanas quanto em recursos físicos, financeiros e meio-ambientais. 
                                                  Restava agora reconstruir vidas, famílias e bens, que tinham sido destruídos pela ambição de poder e de riqueza de uma elite nacional venal e maligna; bem como pela sanha, por parte de alguns velhos países comunistas, de controlar nossas matérias primas e nossos recursos naturais e ambientais, que tanta falta sempre lhes fizeram. 
                                               A vida que levamos como fazendeiros e desbravadores sobreviventes, tendo, nestes três últimos anos, que aprender quase tudo sobre a vida no campo, será, no entanto, objeto de outro texto ainda em elaboração.


_*/ Aviso aos meus leitores: este é um conto de ficção; todavia, no Brasil e no mundo de hoje, ninguém poderá distinguir,  sem medo de errar, o que é ficção daquilo que é realidade.

_**/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.




segunda-feira, 20 de janeiro de 2020


352. O Museu da Malandragem


Jober Rocha*


      Sábios do mundo todo e banqueiros espertos reuniam-se periodicamente em um conclave na cidade de Davos, na Suíça, para discutir sobre os destinos do mundo e da humanidade. Entre um e outro gole de champanhe francesa e ao final das discussões daquele ano, deliberaram edificar, em algum lugar próximo da capital do país, um museu destinado a salvaguardar para as futuras gerações todo o conhecimento sobre a esperteza humana, acumulado nos diversos campos das atividades, quer políticas, econômicas, militares ou psicossociais.
Assim é que pretendiam criar uma entidade filantrópica privada, com inúmeros empregados que percorreriam todos os países, de todos os continentes, buscando inteirar-se de episódios, já passados ou atuais, em que os protagonistas principais tivessem demonstrado uma superioridade matreira muito maior do que aquela dos seus contemporâneos pares, em episódios de pura e simples esperteza e malandragem; com isto, auferindo vantagens de toda ordem, inclusive pecuniárias.
O Vocábulo malandragem, como bem sabem os leitores, possui, evidentemente, várias conotações; mas, aquela a que mencionamos aqui se refere ao ato de ser mais esperto no trato com os demais; à ação daquele que é hábil e malicioso em suas maquinações; o proceder de quem se utiliza de algum ardil para vencer; a característica de alguém que age com malícia para atingir seus objetivos.
A entidade a ser criada, que seria um museu, conteria, pois, depoimentos de milhares de pessoas ao redor do mundo; depoimentos estes que poderiam ser apenas escritos ou também gravados e filmados. Possuiria o museu uma ala onde se prestariam homenagens aos vultos mais malandros da humanidade, expondo suas fotos ou imagens em pintura e escultura. Estes vultos seriam escolhidos por uma comissão de banqueiros, previamente nomeada pelos próprios, que eram os donos do museu, em um ato de pura malandragem. Aquele considerado o mais malandro de todos seria alvo de uma homenagem, em que receberia um prêmio e um diploma de honra ao mérito da malandragem.
As despesas seriam custeadas pelos banqueiros suíços, já imaginando seus próprios retratos figurando em uma ala, como aquela mencionada, onde seriam expostas as fotos ou as imagens dos indivíduos considerados como os mais malandros do mundo.
Criada logo a empresa (pois, como dizia um velho banqueiro: - Quem tem dinheiro tem pressa!), contratados os empregados, estes partiram para os quatro cantos do mundo com suas pranchetas, gravadores e filmadoras, buscando descobrir episódios inéditos de malandragem dignos de figurarem nos arquivos do museu. Enquanto isto iniciavam-se as obras do prédio, cujo projeto, megalomaníaco, evidenciava uma certa malandragem do arquiteto ao ter previsto a colocação de uma grande placa interna no saguão do edifício contendo o seu próprio nome e mencionando-o como tendo sido o arquiteto projetista de tão importante e suntuosa obra.
Os custos, evidentemente, foram superfaturados em conluio com a empreiteira que realizaria a obra. Os banqueiros, donos do dinheiro, não se importavam, em realidade, com os custos; pois imaginavam serem ressarcidos, de todas as despesas da construção e da manutenção dos empregados, com a cobrança de ingressos para a visitação do museu pelos turistas mundiais e com a isenção de impostos sobre atividades filantrópicas tão importantes quanto aquela.
Os empregados do futuro museu passaram meses viajando e entrevistando pessoas. Ouviram um sem número de histórias, gravaram milhares de horas de depoimentos e outras tantas horas de filmagens e de entrevistas. Todos estes empregados recebiam diárias e deveriam apresentar comprovantes das despesas efetuadas com taxis, alimentação, hotéis, etc., para comprovarem os seus gastos. A quase totalidade deles, em um ato de pura malandragem, solicitava recibos acima dos valores efetivamente gastos, buscando ficar com a diferença para si mesmo.
Tendo todos eles, finalmente, retornado à Suíça, teve início então a seleção, a catalogação e o julgamento dos depoimentos e das entrevistas. Todos estes ficariam arquivados no museu, mas, o que se buscava avidamente eram os casos que demonstrassem uma maior malandragem da parte do seu protagonista principal. O importante, segundo pensavam os espertos banqueiros, seria aprender com os casos daqueles que fossem considerados os mais malandros do mundo.
Havia, no meio de todo aquele material coletado, depoimentos de marajás indianos; de comerciantes árabes; de contrabandistas chineses; de chefes de facções criminosas brasileiras; de negociantes internacionais de armas; de piratas da Somália; de membros dos Carteis de Cali, Medellin e Tijuana; de produtores de petróleo do oriente; de proprietários de empresas de transporte aéreo e marítimo; de donos de empreiteiras de obras públicas; de atuais e de ex políticos do mundo todo (prefeitos, governadores e presidentes); de sacerdotes e membros do clero de todas as seitas e religiões; de chefes militares, com e sem experiência de guerras; de doleiros; de financistas; de investidores na Bolsa de Valores; de deputados e senadores; de juízes e promotores; de advogados; de donos de empresas de marketing; de proprietários de órgãos de imprensa e Mídia em geral; de donos de institutos de pesquisas e de verificação de opiniões, etc. 
Aos poucos, depois de filtrada e analisada a maior parte dos depoimentos, ficou bem evidente para os membros integrantes do júri ou da comissão de juízes, que os depoimentos de uma determinada pessoa se destacavam bastante de todos os demais.
Tais depoimentos denotavam uma enorme perspicácia do entrevistado na maquinação e montagem de negócios e situações em que o único grande ganhador era ele. Os banqueiros, tradicionalmente espertos, ficaram maravilhados com golpes e maquinações, jamais imaginados por eles, que haviam sido bolados e aplicados por aquele indivíduo que amealhara uma imensa fortuna, sabiamente espalhada pelos quatro cantos do planeta.
Por unanimidade de votos, o título de personalidade mais malandra do mundo foi atribuído àquele personagem que tanta admiração despertara entre os espertos banqueiros.
Resolveram convidá-lo para a inauguração do museu e para receber o prêmio a que fazia jus, por ter sido considerado a pessoa mais malandra do mundo por um júri de homens reconhecidamente espertos. A entrega do prêmio e do diploma seria precedida de um discurso do presidente do júri, enaltecendo o premiado. A seguir seria pronunciado o discurso deste, agradecendo tão honroso galardão. Todas as despesas de translado e de hospedagem do homenageado seriam custeadas pelo museu, que solicitaria a ele declarações, para a contabilidade e para o fisco, de valores muito mais elevados do que aqueles realmente despendidos.
No dia programado para a festa de inauguração, a grande mídia mundial estava presente ao evento. Os flashes não se cansavam de espocar pelos corredores do museu. As estantes e as prateleiras estavam repletas de pastas contendo milhares de depoimentos. Enormes telas de TV transmitiam entrevistas de personalidades mundiais da malandragem.
O presidente do Júri deu início a cerimônia de premiação, lendo um breve curriculum do agraciado e destacando alguns dos episódios de extrema criatividade e malícia, que fizeram com que ele fosse considerado como o homem mais malando do mundo, de todas as épocas e lugares.
A medida que o presidente do júri seguia discursando, qualquer pessoa medianamente esperta perceberia o sentimento dominante de inveja que pairava no ar, partido daquela plateia tão seleta e composta de cidadãos mundanos considerados como águias nos negócios mundiais.
O que mais contribuía para deixá-los invejosos era o fato de que a maioria deles havia tido uma formação científica primorosa. Grande parte possuía doutorado em Finanças, em Economia, em Política, em Marketing, em Ciências Militares, em Teologia, por conceituadas universidades. Todos eram bastante experientes e maldosos quando se tratava de enganar o próximo (ou, como costumavam dizer, os otários). No entanto, nenhum havia tido as magníficas ideias do homenageado, criadas por sua privilegiada mente, apenas, para enganar os demais. A inveja dos presentes se devia, pois, ao fato de tratar-se ele de pessoa praticamente sem nenhuma formação científica ou cultural que o destacasse de qualquer homem comum do povo.
Eu, felizmente ou infelizmente, estava presente aquele evento, como jornalista, enviado que fora por minha agência sediada nas Ilhas Jersey, paraíso fiscal onde muitos dos ali presentes possuíam contas correntes abastecidas com dinheiro público desviado de países pobres.
Terminado o discurso, que foi muito aplaudido pelos presentes, entregue o prêmio e o diploma, chegou a vez do homenageado discursar.
Ele subiu ao púlpito, mirou a todos com um olhar cínico e malicioso e começou com uma voz rouca, saída das profundezas: - Cumpanheiros e Cumpanheiras...
Nesta hora, reconhecendo quem era o homenageado, levantei-me para deixar o recinto. Caminhando em direção à porta de saída, ainda pude ouvir algumas vozes que gritavam histéricas: - Deixem o pobre homem livre!


_*/ Economista e doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.