277. A Economia das bactérias, dos vírus e dos fungos
Jober Rocha*
Os dicionários de termos econômicos, existentes no mercado, definem os bens livres como aqueles cujos acessos são realmente livres a todos os indivíduos, indistintamente, sem a concorrência no consumo e sem que seja necessário pagar por seus usos. Esses bens estão, portanto, disponíveis livremente no ambiente em que vivemos. São estes os casos da luz solar, da água e do ar que respiramos, dentre outros.
Os dicionários costumam finalizar a definição com estes dois vocábulos “dentre outros”, embora não mencionem quais seriam os outros a que se referem. Tudo o mais que você procurar, caro leitor, já possui dono (ou para consegui-lo é necessário pagar algum imposto ao governo), a exceção, até agora, do ar, da água que cai do céu e da luz solar.
Buscando algo novo, além destes três já mencionados, que ainda fosse livre, lembrei-me, finalmente, de mais três: das bactérias, dos vírus e dos fungos.
Nada pagamos para obter milhões, senão bilhões ou trilhões deles. Basta passar a mão em um corrimão de ônibus; em uma sola de sapato; segurar uma nota velha de um Real; aguentar quieto durante uma espirrada ou uma tossida no seu rosto, enquanto está de pé dentro do vagão do metrô. Realmente, estes três são também bens livres.
Ocorre que alguns espertos (diversos leitores dirão: alguns altruístas e abnegados) não podendo se apropriar deles com fins comerciais para obter lucros (por ser algo impossível, já que os micro-organismos são encontrados livres na Natureza em quantidades inimagináveis e se multiplicam em quantidades mais inimagináveis ainda, desde que em um ambiente favorável), tiveram a ideia genial de ganhar dinheiro combatendo-os.
Desta forma, uma verdadeira economia foi montada em torno do combate e da busca pela reprodução (é isso mesmo, reprodução) de micro-organismos (bens livres), mobilizando imensos recursos, pessoal especializadíssimo, laboratórios moderníssimos, incentivos e renúncias fiscais, etc.
Inicialmente, trataram de combater os micro-organismos inventando processos biológicos e substâncias químicas que os afetassem, destruindo-os ou amenizando os seus efeitos danosos. Posteriormente, para que isto se transformasse em um ‘moto continuo’, perpetuando os imensos lucros produzidos, mediante estudos de engenharia genética, conseguiram modifica-los, fazendo com que fossem necessárias, periodicamente, atualizações dos processos e dos medicamentos necessários para combatê-los.
Muitos cientistas afirmam que os micro-organismos mencionados sofrem mutações naturais, decorrentes de um mecanismo evolutivo que leva em consideração os processos biológicos e os medicamentos empregados para combatê-los, tornando-os imunes a eles. Assim, eles se tornariam resistentes para aqueles medicamentos e processos tradicionais, sendo, pois, necessários novos medicamentos e processos para destruí-los eficazmente, em um 'moto continuo' que manteria as engrenagens sempre em movimento gerando lucros para os fabricantes.
Ocorre que alguns pesquisadores já declararam publicamente que os cientistas podem, eles mesmos, modificar geneticamente os micro-organismos e preparar processos e medicamentos que os combatam. Ora, para isto virar uma indústria não falta mais nada, desde que a ética não se faça presente nem a vigilância sanitária e as autoridades da área da Saúde Pública dos países produtores e dos países consumidores de processos biológicos e de medicamentos.
É voz corrente, ainda, que as autoridades sanitárias públicas, desaparelhadas, sem recursos e sem pessoal técnico qualificado, seguem a reboque dos centros de pesquisas científicas, públicos e privados, com muitos doutores, diversos pós doutores e mestres em profusão, com equipamentos moderníssimos e com verbas imensas para pesquisas promissoras e sempre lucrativas. Desta forma, periodicamente, somos alvejados com novos medicamentos e novos processos biológicos, que os técnicos afirmam serem mais eficientes que os anteriores contra estes nossos inimigos invisíveis a olho nu.
Pelo que pude perceber, independente de quaisquer considerações de ordem filosófica, altruísta, filantrópica e religiosa que se possa fazer, trata-se, evidentemente, de um excelente negócio comercial. O pulo do gato está, pois, não em se apropriar do bem livre, mas, sim, em evitar que ele fique livre, isto é, que fique sem controle.
Com os novos processos biológicos e os novos medicamentos, seus possuidores terão, a partir da aquisição deles nos locais de venda, o poder de impedir a sua proliferação, de controlar seus efeitos, de destruí-los.
É, sem dúvida, uma maneira engenhosa de ganhar dinheiro combatendo algo que está livre na Natureza e que, portanto, não pertenceria a ninguém.
Por outro lado, cientistas vinculados aos governos ou à algumas empresas que para eles prestam serviços, encontraram, também, uma forma criativa de ganhar dinheiro com estes bens livres mencionados, porém, agora, de maneira contrária.
Tais cientistas reproduzem estes micro-organismos com a finalidade de armazená-los em grandes quantidades, visando a uma eventual guerra bacteriológica futura.
O pulo do gato, neste caso, é modificar geneticamente os micro-organismos (mantendo estocados, também, medicamentos e processos biológicos eficazmente desenvolvidos para destruí-los) de modo a que os eventuais inimigos, desconhecendo as modificações feitas, não possam neutralizar os efeitos dos novos micro-organismos com os tradicionais medicamentos ou processos biológicos disponíveis em seus países.
Vejam, pois, meus caros leitores, que os micro-organismos, algo até então livre na Natureza como os raios de sol, a água e o ar, já estão aprisionados. A estatização da água, por sua vez, já ocorre em várias partes do mundo. Em muitos países a água do subsolo já pertence ao governo, não podendo ser apropriada ou explorada pelo detentor do solo. Em muitos países, os micro-organismos existentes no solo urbano (necessários para a produção vegetal) são, também, de propriedade do governo, fazendo com que o proprietário do solo urbano não possa cultivar o seu próprio solo com hortaliças, legumes ou frutas. Em alguns países a captação e o aproveitamento particular da energia solar é proibido. Em alguns outros a energia eólica só pode ser captada pelo governo.
Resta a estatização do ar, dos raios solares e da temperatura ambiente. O efeito da luz provocada pelos raios solares já foi substituído pelo das lâmpadas (proporcionando ganhos aos seus produtores, que recolhem impostos aos governos), o efeito da temperatura ambiente pode ser modificado pela calefação e pelo ar condicionado (também produzindo ganhos aos seus produtores e impostos aos governos). Sobrou, apenas, o ar atmosférico, que ainda não tem um substituto barato, fácil de ser utilizado pelos indivíduos e que permita aos governos arrecadarem impostos e aos empresários lucros.
Como a criatividade humana é muito grande e a sua ganância também, estou convencido de que muito em breve surgira um substituto para o ar que respiramos ou, então, em virtude desta excessiva ganância humana, nós todos iremos parar de respirar...
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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