276. Revogando a Lei da Oferta e da Procura
Jober Rocha*
A chamada Lei da Oferta e da Procura é uma decisão coletiva que busca estabilizar ou achar o ponto de equilíbrio entre a demanda e a oferta de um determinado bem ou serviço. Oferta é a quantidade do produto oferecido por quem o produziu ou a quantidade que está disponível para compra no mercado; enquanto a procura é o interesse dos consumidores, existente em relação ao referido produto.
Em tese, quanto mais alto o preço, mais produtores estarão dispostos a produzir o bem ou serviço. Teoricamente, quanto mais baixo o preço mais consumidores estarão dispostos a adquirir o bem ou serviço. A um determinado preço consensual, os produtores e os consumidores farão negócio; pois aquele é o preço que, junto com outros condicionantes, satisfará a ambos.
A oferta depende não só do preço, mas da quantidade da matéria prima disponível e da tecnologia utilizada na fabricação, dentre outras coisas relacionadas aos produtos e aos serviços. A procura é influenciada não só pelo preço, mas pela necessidade do consumidor, pela compatibilidade entre o preço e a qualidade do bem e pela facilidade de aquisição do produto.
Ao contrário do que pode parecer, a princípio, o comportamento da sociedade não é influenciado tão somente pelos preços dos produtos, embora o peso dos preços seja, quase sempre, o fator que exerça a maior influência na decisão de vender ou de comprar algum produto ou serviço.
O preço de qualquer produto ou serviço pode ser um estímulo positivo ou negativo para que os consumidores adquiram o bem ou o serviço de que necessitam; mas, não é apenas este o único estimulo existente. Vigoram, também, os desejos e as necessidades das pessoas; o poder de compra delas; a disponibilidade dos bens e serviços e a concorrência eventualmente disponível; a existência de produtos complementares ou substitutos e a capacidade de as empresas produzirem os bens procurados com um determinado nível tecnológico desejado.
Essas são as regras existentes em qualquer economia. A decisão de ofertar e de demandar é um misto de comportamento social, psicológico, grupal, racial e, até mesmo, filosófico, existente em todas as comunidades onde existam empresários empreendedores e produtores, operários trabalhadores e um público consumidor. Como para produzir algo com uma determinada escala de produção, que seja aquela necessária para atender grandes contingentes populacionais, torna-se mandatório a utilização de capital financeiro, este sistema passou a se denominar capitalista.
A origem do capitalismo, no entanto, por vezes, é confundida com a origem da Revolução Industrial, embora uma coisa nada tenha a ver com a outra. O capitalismo, praticamente, sempre existiu; ora sob a forma da posse de terras, ora sob a forma da posse de exércitos, ora sob a forma da posse de frotas mercantes, ora sob a forma da posse de joias e tesouros, ora sob a forma da posse de dinheiro, ora sob a forma da posse de tecnologia acerca de como produzir algo.
Quando alguém que possuía alguma destas formas de capital desejava ter algo novo ou obter mais poder, fazia uso daquilo de que dispunha da melhor forma possível. O capital pode, assim, ter várias formas, dependendo da época e do local considerados. A informação, hoje em dia, por exemplo, é uma nova forma de capital.
O sistema Comunista, lastreado na obra de Karl Marx denominada O Capital (que consistia em uma crítica ao capitalismo), tentou implantar um sistema de economia planificada na qual a Lei da Oferta e da Demanda fosse abolida, considerando apenas a importância do Estado, como produtor, e do proletário, como trabalhador.
O Estado fixaria os bens e os serviços que seriam produzidos, bem como as suas quantidades e os seus preços. Fixaria, também, o salário dos trabalhadores, ademais dos bens e serviços a serem produzidos já mencionados, e a quantidade destes bens e serviços que os trabalhadores poderiam adquirir. Esqueceu-se, o Estado Comunista, obviamente, dos desejos dos consumidores; razão pela qual, este regime jamais funcionou a contento em nenhum dos países onde foi realizada a sua implantação, seja de forma pacífica seja através da violência. O Estado controlar os preços, por definição, é a receita natural para o fracasso de qualquer economia.
O preço de um produto não pode ser definido por um planejador central, pois segue leis de formação próprias. Quando isso acontece as informações no mercado são destorcidas e, consequentemente, os incentivos, tanto para os produtores quanto para os consumidores, também sofrem alterações, gerando, assim, desequilíbrios entre a oferta e a demanda. Recentemente um grande país da América do Sul, onde foi implantado um governo comunista, tabelou os preços dos produtos agropecuários, dos medicamentos, etc. Resultado, as empresas pararam de produzir e hoje a população passa fome e não dispõe de medicamentos.
Segundo Adam Smith, autor da celebre obra A riqueza das Nações, “O consumo é o objetivo e o desígnio único de qualquer produção”. Ou seja, normalmente, ninguém produzirá algo que não objetive ser consumido por alguém. O mesmo não ocorre com o consumidor, que possui desejos não satisfeitos. Mesmo que ninguém produza o bem ou serviço, o desejo por eles, da parte dos consumidores, continuará existindo.
Ocorre que nos países comunistas, por razões de disputas ideológicas e de defesa, os governos preocupam-se muito mais com a produção dos bens de capital (indústria pesada, armamentos, indústria espacial, construção naval, etc.) do que com a produção dos bens de consumo. Como não se pode suprimir a vontade do consumidor por decreto, surge o mercado negro. Assim, aquilo que o trabalhador não encontra nas lojas ele busca no mercado negro, que é tolerado e até facilitado pelos dirigentes comunistas (que através dele, quase sempre, amealham imensas fortunas).
Embora os países comunistas possuam economias planificadas, todas estas economias (no que se relaciona aos bens de consumo) devem ser, de fato, consideradas como de mercado, onde a Lei da Oferta e da Demanda permanece sempre soberana. Se o Estado não produz algo que a população deseja, esta vai obter aquilo que procura de alguma outra maneira, seja através do contrabando seja da produção artesanal. O Estado comunista faz vistas grossas para ambos, pois sabe de sua impossibilidade em atender aos desejos consumistas dos proletários, que desejam o consumo tanto quanto os trabalhadores dos países capitalistas.
Por outro lado, a produção, em qualquer país do mundo, sempre é feita com o emprego do capital e da mão de obra, e o proletário trabalhador, em sua grande maioria, seja no comunismo ou no capitalismo, deseja, apenas, ganhar o suficiente para manter uma família e poder contar com serviços satisfatórios de saúde, alimentação, habitação, vestuário, transporte e segurança.
Nos países capitalistas, por sua vez, os proletários não desejam, como afirmava Marx, ser os donos dos meios de produção (coisa que também não são nos países comunistas, onde continuam sendo o que sempre foram; isto é, proletários). Quando muito, aqueles que conseguem poupar trabalhando em países capitalistas, aplicam no mercado financeiro (visando receber juros) ou no mercado acionário, comprando ações preferenciais sem direito a voto, de empresas industriais, comerciais ou de serviços (visando receber dividendos e especular com a cotação das ações). Os proletários nos países comunistas, além de não possuírem os meios de produção, não costumam ganhar o suficiente para poupar.
Não conseguindo controlar a economia, os países comunistas controlam tudo o mais, isto é: a vida social, a educação, a mídia, a justiça, a política, a ideologia, etc. A liberdade, de uma maneira geral, como aquela que vigora nos países capitalistas, evidentemente, não existe nos países comunistas.
O fato de existirem empresas privadas em países comunistas faz com que muitas pessoas, desavisadas, afirmem que determinados países que sempre foram comunistas deixaram de ser, pois, na atualidade, existem inúmeras empresas privadas neles atuando. Ledo engano, pois tais países continuam sendo comunistas em tudo aquilo que podem, menos na economia, que, felizmente, segue suas próprias leis, como a velha Lei da Oferta e da Procura.
O regime comunista, cuja base econômica foi fornecida por Marx, jamais conseguiu superar o regime capitalista por ignorar aspectos importantes do comportamento psicológico dos seres humanos. Para a implantação do comunismo tenta-se vender para as massas humanas simples ideias e formulações, maquinadas por pensadores e ideólogos de esquerda, como sendo verdades absolutas fruto de leis historicamente determinadas. A Lei da Oferta e da Procura, base da economia de mercado e do sistema capitalista, por sua vez, é lastreada em comportamentos psicológicos e sociais dos indivíduos e não no chamado Determinismo Histórico.
Isso me faz lembrar uma antiga piada, contada sobre um ditador que, tendo assumido o poder através de um Golpe de Estado, desejava aumentar os preços dos charutos e do rum. Seu Ministro da Economia ponderou que não seria possível, em virtude da existência da Lei da Oferta e da Procura. O ditador, chamando a secretária, mandou que datilografasse um texto que ditou na hora pedindo que fosse dada, logo a seguir, ampla divulgação ao mesmo. O teor do texto era o seguinte:
O Comandante Supremo da Revolução, no uso dos seus poderes discricionários obtidos mediante o movimento armado vitorioso, que contou com total apoio popular, através do presente decreto, resolve:
Revogar a Lei da Oferta e da Procura; bem como, todos os demais dispositivos que sejam contrários à presente revogação.
Cumpra-se!
Palácio do Governo, aos tantos dias do mês de tanto, do ano de mil novecentos e tanto.
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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