quarta-feira, 31 de janeiro de 2018



165. No que você está pensando?**


Jober Rocha*




                                   Hoje pela manhã, ao abrir o Facebook, deparei-me com a velha frase que dá bom dia, boa tarde ou boa noite a todos aqueles que costumam consultá-lo a qualquer hora: - No que você está pensando, fulano?
                                           Fiquei imaginando quantos romances poderiam ser escritos por algum escritor de sucesso e competência, caso ele conseguisse descobrir aquilo que o Facebook também quer saber dos seus usuários. Imagino até que, por detrás desta simples e inocente pergunta feita, possa existir toda uma equipe de escritores sem trabalho, sentados em algumas salas na empresa de informática, olhando para as telas de seus vários computadores sintonizados com todos os países do mundo, esperando que, pelo menos, uma única pessoa se interesse em responder a esta pergunta por eles formulada.  
                                              Infelizmente, creio que são obrigados a passar os seus dias e noites, fumando e tomando café, aguardando, com os olhos fixos nas telas, alguém que se disponha a contar no que está pensando, logo no momento seguinte aquele em que acessa o Facebook. Não conheço uma única pessoa que, alguma vez na vida, tenha respondido a esta questão formulada na tela.
                                            Entretanto, se a pergunta ainda está lá, na página inicial de qualquer um de nós, deve ter a sua utilidade.
                                          Fico imaginando se aquilo não seria algo ‘bolado’ por psicólogos e pessoas do serviço secreto, tentando colher informes de eventuais terroristas desatentos e mal treinados que, vendo a mensagem e movidos pela raiva contra o governo e as autoridades, logo responderiam: - Matar o presidente! ; - Colocar explosivos no metro! ; - Jogar veneno nas águas que abastecem a cidade!
                                            Se não for este o motivo, não consigo atinar com outro. Por que razão eles desejariam saber no que estou pensando?
                                          Será que a pergunta parte de movimentos religiosos radicais, que desejariam saber se pensamos mais em virtudes do que em vícios ao acessar o Facebook?
                                            Será que alguma organização ligada à espionagem industrial-militar tenta obter, de algum desavisado internauta, os planos de um novo acelerador de partículas nucleares, esperando que ele responda a pergunta formulada divulgando os planos e as idéias que estão em sua mente naquele exato momento?
                                           Será que são integrantes de partidos políticos, esperando que confessemos em quem pretendemos votar nas próximas eleições, já que o nome do nosso tal candidato não nos sai da cabeça?
                                           Será que aquela mensagem não teria sido ali inserida, de forma sub-reptícia, pelo seu cônjuge ou namorado (a), especialista em informática (coisa que você nunca chegou a desconfiar ou perceber), desejoso de verificar se você tem outra (o)?
                                       Vejam que são tantas as possibilidades que, para qualquer internauta cauteloso e com alguma sombra duvidosa no passado ou no presente, dá até medo pensar em responder a tão famigerada pergunta. 
                                         No entanto, sendo um escritor por vocação, sinto-me verdadeiramente curioso de conhecer o que passa pelas mentes dos internautas. Quantos contos, romances e novelas poderiam ser escritos todos os dias, baseados naquilo que passa pelas mentes de tantas pessoas. Quantos dramas e novelas de fazer inveja ao “Direito de Nascer”, quantos romances mais eróticos do que “O Diário de uma Prostituta”; quantos livros de Ciência mais complicados do que “A Teoria da Relatividade”, poderiam brindar os leitores mundiais todos os dias da semana? Acredito que muitos. Entretanto, para tal, seria preciso que os internautas perdessem o receio de dizer aquilo que pensam. 
                                           Como em muitos países do Terceiro Mundo, na atualidade, vigoram governos ditatoriais camuflados de democracias é natural que todos tenham receio de expor suas idéias; notadamente, quando sabem ou desconfiam da existência de censores do outro lado da telinha. Esta pergunta feita pelo Facebook, vê-se logo, foi formulada por alguém que vive em um país do Primeiro Mundo, com liberdade de expressão. Esqueceu-se ela, todavia, que, tendo a internet alcance mundial, a pergunta formulada pelo Facebook seria lida em locais distantes onde a regra geral de bem viver é ouvir e ler; mas, nada falar, comentar ou escrever.
                                             Talvez, nestes países, a pergunta pudesse ser reformulada e a informação desejada extraída indiretamente. Talvez, pudessem usar as modernas técnicas de marketing que fazem com que consumidores e eleitores prestem informações sobre produtos e candidatos de suas preferências a terceiros, pessoas desconhecidas que nunca viram em suas vidas.
                                           Talvez pudessem explorar a vaidade dos internautas, as suas ambições, as suas volúpias, as suas religiosidades para que, finalmente, confessassem naquilo que estão pensando ao acessar o Facebook.
                                               Enquanto isso eu sigo tentando encontrar algum assunto interessante sobre o qual escrever, para manter os poucos leitores que ainda me restam...


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Crônica de humor.


domingo, 28 de janeiro de 2018


164. Sobre as pequenas perdas**


Jober Rocha*




                               Pequenas perdas podem ser entendidas pelos leitores como aqueles episódios desagradáveis que nos chateiam, nos causam prejuízos, e que a todos ocorrem, sem exceção, a qualquer hora do dia ou da noite.
                              Filósofos e psicólogos, que sempre costumam ver algo mais em tudo o que ocorre com a sua matéria prima de trabalho, isto é, com os seres humanos, nunca se preocuparam em tentar explicar, ou ao menos especular, acerca das razões ocultas destes episódios que, não sendo graves ou desesperadores, possuem, no entanto, a característica de estragar o resto do nosso dia ou da nossa noite, mantendo seus efeitos deletérios, sobre a mente e o bolso, até por vários dias.
                            Em razão de, no momento, estar difícil para mim encontrar um tema interessante e novo para discorrer sobre ele neste blog, notadamente em época de férias e com a casa cheia de netos, resolvi tentar analisar os possíveis motivos que poderiam explicar estas pequenas perdas que tanto nos incomodam e que, por vezes, conduzem os leitores mais perspicazes a suspeitarem de uma intervenção sobrenatural vinda do além e feita por um eventual ex-inimigo, já falecido; ou, talvez, de algum trabalho de magia feito por um colega de repartição, preterido na promoção de fim de ano e adepto das ciências ocultas.
                                        Em primeiro lugar, cumpre destacar com precisão o que sejam pequenas perdas. Considero como tal um arranhão na lataria do carro; um enguiço de motor na volta do trabalho; uma queda que provoca o rompimento de um tendão; um corte profundo na mão; a quebra de um objeto caro; a perda de uma namorada (o); uma ou várias multas de trânsito; o reboque do seu carro mal estacionado; a perda o texto de vinte páginas digitadas em seu computador, em razão de algum vírus; o extravio da sua mala; a clonagem da placa do seu carro; o saque de alguma quantia indevida na sua conta corrente; a clonagem do seu cartão de crédito; etc.
                                       As grandes perdas seriam as doenças incuráveis; a falência financeira; a morte própria e a de parentes e familiares; a prisão por crimes graves; etc.
                                        Creio que os leitores já se inteiraram sobre aquilo a que me refiro quando falo em pequenas e grandes perdas. Passo, então, a especular as razões pelas quais estes acontecimentos das pequenas perdas premiam a todos e não apenas a alguns poucos eleitos, quase todos os dias; da mesma forma como as grandes perdas ocorrem  esporadicamente na vida de todos nós.
                                          Teoricamente, pela Lei das Probabilidades, as pequenas perdas possuem a mesma chance de ocorrência que as grandes perdas, segundo eu penso. Se você, leitor que discorda, enumerar milhares de pequenas perdas, eu posso, em contrapartida, enumerar milhares de grandes perdas; portanto, creio que ambas possuem as mesmas probabilidades de ocorrência na vida de qualquer um; embora, psicologicamente, a unidade de percepção do efeito das perdas seja a tonelada, contrariamente a unidade de percepção psicológica do efeito dos ganhos, que, com certeza, é o grama. 
                                        Mas, então, porque as pequenas perdas ocorrem com maior freqüência? Penso que está é a questão fundamental, cuja resposta nos interessa conhecer. Como não vi, até o presente, nenhum filósofo ou psicólogo interessar-se pelo tema e especular sobre a possível razão para isso; a não ser alguns sacerdotes afirmando que estas perdas ocorrem em razão das nossas maldades e que seriam, portanto, castigos divinos; resolvi tecer algumas hipóteses sobre assunto tão interessante.
                                         Pelo já afirmado anteriormente, percebe-se que estas pequenas perdas são determinísticas e não probabilísticas; pois, caso fossem devidas simplesmente ao acaso, viveríamos todos, o tempo todo, imersos em dores infinitas motivadas pelas grandes perdas (que ocorreriam, probabilisticamente, em números, tanto quanto as pequenas), a maioria delas traumáticas, incuráveis e sem solução, o que, evidentemente, não ocorre na prática; pois as pequenas perdas acontecem em muito maior número que as grandes.
                                        Assim, sou forçado a crer na existência de um determinismo, cujas causas podem ser várias. Explico-me melhor: existem certos distúrbios genéticos que fazem com que os indivíduos tenham pouco controle psicomotor e, nestes casos, aqueles acometidos por eles vivem caindo e se machucando; derrubando e quebrando coisas. Outros distúrbios, também genéticos, fazem com que os indivíduos tenham maior propensão a determinadas enfermidades que, embora não sendo graves, incapacitam temporariamente para o trabalho, o estudo, festas, férias, namoros, etc. Outros, ainda, afetando o senso de ordem e de direção, fazem com que aqueles que o possuem percam suas chaves, esqueçam-se de onde deixaram o carro, o guarda chuva, a pasta, etc. Tais perdas, portando, são devidas a causas biológicas naturais e não a causas metafísicas.
                                           Outra causa do determinismo mencionado, esta sim de natureza metafísica, pode ser atribuída a uma escolha individual do seu próprio espírito quando ainda desencarnado. Aqueles que acreditam em vida espiritual hão de convir que, antes de encarnar, seu espírito foi consultado se desejava fazê-lo (posto que o Reino de Deus, embora chamado de reino, consiste em uma pura democracia e não em uma monarquia absolutista) e, também, em que local e em que família queria viver esta existência. Você sabia, de antemão, o que precisava aprender para evoluir e foi você mesmo quem escolheu sua família e o local de seu nascimento. Portanto, essas pequenas perdas que hoje sofre foram escolhidas por você mesmo, buscando aprender através do sofrimento e tentando, de maneira esperta, escapar das grandes perdas, caso deixasse a escolha das pequenas perdas a cargo de alguma das várias divindades existentes no local de onde veio antes de encarnar. Assim tais perdas nada têm a ver com eventuais pecados cometidos em vida; já que, ações erradas cometidas em vida possuem, apenas, conseqüências e não castigos.
                                                 A qualidade das perdas e o seu número, escolhidos por você quando ainda na forma espiritual, não necessariamente podem se cumprir, após você ter encarnado, de forma exatamente igual em qualidade e quantidade como imaginou antecipadamente no local tranquilo onde se achava, ao lado de espíritos de luz e entidades divinas. Lembre-se de que por aqui impera a desorganização, a má vontade, o mau caratismo, os sentimentos baixos, etc. Por estas razões, algumas perdas, que dependeriam da intervenção de terceiros para serem consumadas, podem vir mais violentas do que o previsto e apresentar requintes de maldade, não previstos. 

                                           Outra hipótese é que alguma entidade maligna e sobrenatural, com poderes para ‘hackear’ o livro do seu destino, possa interferir em sua vida pessoal enviando perdas não previstas por você quando ainda sob a forma espiritual. Neste caso tal entidade poderia, inclusive, dependendo do status de maldade que desfrutasse no âmbito da malignidade, enviar-lhe até algumas grandes perdas, que o fariam lamentar-se amargamente por muitos anos.
                                                   Finalmente caso você, meu caro leitor, seja ateu e não acredite no determinismo das pequenas perdas, lembre-se de que esta crença é a mais favorável para que nós possamos encontrar paz interior e aceitar tais eventos desfavoráveis com uma certa tranqüilidade, sabendo-os sempre de pequena monta e passageiros. Embora tais perdas nos incomodem bastante, ao terem sido escolhidas por nós mesmos, quando ainda sob a forma espiritual, com certeza, teremos sido bastante condescendentes e benevolentes conosco, escolhendo-as bem leves e pequenas; sendo muito mais benevolentes do que terceiros o seriam, caso tivessem tido a tarefa de escolher as nossas perdas. 
                                                   Se, mesmo assim, você ainda acreditar que as perdas se tratam de eventos probabilísticos, faça uma análise da sua vida e, caso só tenha tido pequenas perdas, até agora, prepare-se para aquilo que o futuro próximo, com toda certeza, lhe está reservando...


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Trata-se de uma crônica de humor.


domingo, 21 de janeiro de 2018


163. Qual é o caminho, afinal?**




Jober Rocha*





                                 Todos nós, logo que atingimos a idade da razão, buscamos um caminho filosófico que, conjugando nossas preocupações de ordem metafísicas às nossas características psicológicas e sociais, permita que vivamos nossas vidas sem nos desesperarmos por desconhecer as respostas às três questões fundamentais da existência humana, formuladas, há muito, pelos primeiros filósofos gregos e jamais respondidas, nem pelos oráculos nem pelos adivinhos, relativas ao caminho que nos conduzisse a sanar à eterna dúvida acerca de: quem somos nós, de onde viemos e para onde vamos?
                                                Muito já se escreveu, no Ocidente, tentando mostrar qual seria esse caminho; tanto filosoficamente quanto religiosamente (no judaísmo, no islamismo e no cristianismo); mas, como sempre se tratou de escritos feitos por mãos humanas, sem a participação direta do Criador (que a respeito deste tema jamais proferiu uma única palavra; embora os humanos vinculados a correntes religiosas, que sobre o assunto deixaram algo por escrito, quase sempre, alegassem terem sido inspirados por Ele), a credibilidade daquilo que escreveram não tem sido suficiente para encerrar satisfatoriamente e em definitivo as discussões sobre a matéria.
                                              No Oriente, a predominância histórica das religiões sobre a Filosofia, bem como a utilização de línguas com estruturas totalmente diferentes em relação às línguas ocidentais, por exemplo, gerou uma visão de mundo oriental bem distinta em relação à visão de mundo ocidental. A filosofia oriental, talvez em razão do panteísmo que caracteriza as religiões ali difundidas (Hinduísmo, Budismo, Taoismo e Xintoísmo), por sua vez, também não marca de modo tão nítido as oposições que caracterizam a cultura ocidental, como, por exemplo, os conceitos de inteligível versus sensível; os de divino versus humano; os de cultura versus natureza; os de mente  versus corpo; os de espírito versus matéria e os de lógico-racional  versus estético-intuitivo. O presente ensaio, portanto, refere-se, tão somente, a visão ocidental do caminho incessantemente procurado.
                                                O fato é que, na medida em que o tempo tem avançado, ao invés de nos aproximarmos da verdade; isto é, do conhecimento que as respostas a estas três perguntas anteriores encerram, parece que nos afastamos, cada vez mais, dela. 
                                                 As populações ocidentais da atualidade ou tornaram-se tão materialistas que as respostas a tais perguntas já não mais lhes interessam e nem mesmo importam conhecer, ou tornaram-se tão fanáticas e radicais que aceitam as respostas simples (e de certa forma infantis) fornecidas por teólogos e pensadores religiosos que, sempre, falaram por si mesmos, ao apontar o caminho a seguir; embora, frequentemente, se utilizem do nome do Criador para dar credibilidade a tudo àquilo que dizem. No entanto, intimamente, o que todos os humanos sempre desejaram e ainda desejam, é atingir a felicidade, mesmo que seja a custa de desconhecer as respostas a estas três perguntas mencionadas anteriormente. 
                                                Os verdadeiros filósofos, em geral, identificam a denominada felicidade com a obtenção do conhecimento; os religiosos a identificam com uma vida virtuosa que conduza a uma convivência próxima do Criador em nova existência, após a morte. Os cientistas religiosos talvez a identifiquem com um pouco de ambas e os cientistas ateus com o sucesso financeiro e profissional.
                                             A Filosofia ocidental, ao longo da sua história, tem apontado alguns desses caminhos que poderiam ser trilhados pelos seres humanos, desejosos de atingir a felicidade mesmo sem conhecer a verdade. Todos os caminhos para a felicidade, apontados por ela, adquiriram adeptos, uns mais e outros menos; todavia, parece que consistiram em simples modismos, pois, com o decorrer do tempo, foram perdendo seguidores até passarem a fazer, apenas, parte da História da Filosofia. Em continuação apresentarei, superficialmente, alguns dos mais conhecidos; posto que vários destes caminhos já foram tratados em textos anteriores deste mesmo blog. Creio que esta apresentação inicial é importante, para que os leitores compreendam as conclusões a que cheguei ao final do texto.
                                     Uma das primeiras sendas para encontrar a felicidade, apontadas pela Filosofia, consistiu no Epicurismo, que se tratava de um sistema filosófico proposto pelo filósofo Epicuro (341 a.C - 271 a.C), conhecido como “Profeta do prazer e da amizade”, que pregava ‘a procura dos prazeres moderados, para atingir um estado de tranquilidade e de libertação do medo, com a ausência de sofrimento corporal, pelo conhecimento do funcionamento do mundo e da limitação dos desejos’. Quando os desejos fossem exacerbados, segundo ele, 'poderiam ser fonte de perturbações constantes, dificultando o encontro da felicidade, que consistiria em manter a saúde do corpo e a serenidade do espírito'.
                                                A finalidade da filosofia de Epicuro não era teórica, mas bastante prática. Ela buscava, sobretudo, ‘encontrar o sossego necessário para uma vida feliz e aprazível, na qual os temores perante o destino, os deuses ou a morte, estariam definitivamente eliminados’.  Epicuro defendia que 'nada estava além dos nossos sentidos e que não existiria nenhuma realidade que não pudesse ser entendida com auxílio dos nossos cinco sentidos, princípio este denominado naturalismo radical'. 
                                                 Epicuro pregava, ainda, que 'os deuses existiam, mas não estavam preocupados conosco’. Se os deuses não se encarregavam de nosso destino, benção ou maldição; caberia a nós mesmos esta responsabilidade. A felicidade ou o sofrimento dependeria, portanto, das escolhas de cada um. 
                                                   Em sua época, e mesmo posteriormente, Epicuro possuía muitos discípulos e seguidores.
                                                 Outro caminho proposto pela escola helenística, na mesma época, foi o Estoicismo, criado por Zenão de Citio (334-262 a.C), que apresentava uma visão unificada do mundo, consistindo de uma lógica formal, uma física não dualista e uma ética naturalista.  Os estoicos enfatizavam a ética como o foco principal do conhecimento humano. O estoicismo ensinava o desenvolvimento do autocontrole e da firmeza, como um meio de superar emoções destrutivas. Defendia que ‘tornar-se um pensador claro e imparcial, possibilitava compreender a razão universal (logos)’. Um aspecto fundamental do estoicismo envolvia a melhoria da ética do indivíduo e de seu bem-estar moral: 'A virtude consistia em um desejo que estava de acordo com a natureza'. Este princípio também se aplicava ao contexto das relações interpessoais; ‘libertar-se da raiva, da inveja e do ciúme e aceitar, até mesmo, os escravos como iguais aos outros homens, porque todos os homens são igualmente produtos da natureza’.
                                         A ética estoica defendia uma perspectiva determinista. Um estoico virtuoso alteraria a  vontade própria para se adequar ao mundo e permanecer, nas palavras de Epiteto, ‘doente e ainda feliz; em perigo e ainda assim feliz; morrendo e ainda assim feliz; no exílio e feliz; na desgraça e feliz’; assim afirmando um desejo individual ‘completamente autônomo’ e, ao mesmo tempo, um universo que é ‘um todo rigidamente determinista’.
                                                O estoicismo acabou por tornar-se a filosofia mais popular entre as elites educadas do mundo helenístico e do Império Romano.
                                             Outro dos caminhos consistia no Ceticismo, proposto por Pirro de Elis (360-275 a.C), que era tanto uma escola de pensamento filosófico quanto um método que atravessava disciplinas e culturas. Muitos céticos examinavam criticamente os sistemas de significado de sua época, e este exame muitas vezes resultava em uma posição de dúvida. 
                                                 O cético era aquele que, insatisfeito com as irregularidades do mundo em que vivia, saia procurando explicações que o levassem a verdades sobre como entender e resolver estas irregularidades. De posse da verdade o cético esperaria alcançar, enfim, paz de espírito. Porém nenhum sistema filosófico que ele havia estudado tinha sido capaz de lhe proporcionar qualquer certeza absoluta sobre os objetos de estudo. Ainda por cima, para todo sistema dogmático que afirmava ter descoberto a verdade, havia sempre outro sistema dogmático, oposto ao primeiro e igualmente convincente (antilogia), que também dizia ter encontrado a verdade. Diante destas contradições e incertezas, e dada, até então, a impossibilidade de alcançar uma explicação absolutamente verdadeira, o cético decidia-se por suspender seus juízos sobre o que quer que fosse, encontrando, com isso, a paz de espírito, que antes ele esperava alcançar através da posse da verdade. 
                                                 Outro caminho proposto foi o Cinismo, criado por Antistenes (445-365 a.C). Para os cínicos, ‘o propósito da vida era viver na virtude, de acordo com a Natureza’.
                                               O cinismo se espalhou durante a ascensão do Império Romano, no século I, quase se tornando um movimento de massas, e, assim, os cínicos eram encontrados pedindo dinheiro e pregando ao longo das cidades do império. A doutrina finalmente desapareceu no final do século V, embora alguns afirmem que o cristianismo primitivo adotou muitas de suas idéias ascéticas e retóricas.  
                                                      Por volta do século XIX, a ênfase sobre os aspectos negativos da filosofia cínica, levou ao entendimento moderno de cinismo; ou seja, significaria uma disposição de descrença na sinceridade ou bondade das motivações e ações humanas, e como uma caracterização das pessoas que desprezam as convenções sociais. Para encorajar as pessoas a renunciarem aos desejos criados pela civilização e convenções, os cínicos, de então, empreenderam uma cruzada de escárnio anti-social, buscando, assim, demonstrar as frivolidades da vida social. 
                                                      O cinismo foi uma das filosofias mais marcantes de toda a época helenística. O cinismo oferecia às pessoas a possibilidade de felicidade e liberdade do sofrimento em uma época de incertezas. Embora nunca tenha havido uma doutrina cínica oficial, os princípios fundamentais do cinismo podem ser resumidos da seguinte forma: 

1. O objetivo da vida era a felicidade e a clareza ou lucidez - significando libertação da nebulosidade, que, por sua vez, significava ignorância, inconsciência, insensatez e presunção.
2. A arrogância era causada por falsos julgamentos de valor, que causavam emoções negativas, desejos não naturais e um caráter vicioso.
3. O desenvolvimento humano dependia de auto-suficiência e indiferença para com as vicissitudes da vida 
4. Evoluía-se através de práticas ascéticas que ajudavam o indivíduo a tornar-se livre de influências - tais como riqueza, fama ou poder - que não tinham valor na natureza. 
5. A sabedoria maior consistia na ação, não apenas no pensar.
                                             Assim, um cínico não tinha bens e rejeitava todos os valores convencionais de dinheiro, fama, poder ou reputação. Viver de acordo com a Natureza requeria, apenas, as necessidades básicas para a existência e qualquer um poderia tornar-se livre, ao libertar-se de todas as necessidades resultantes das convenções.  

                                                      Vê-se, portanto, que tanto o povo quanto a elite do Império Romano já dispunham, desde aquela época, de conceitos filosóficos orientadores de seus pensamentos em busca da felicidade, conceitos estes que eles mesclavam com crenças religiosas sobre deuses, espíritos e demônios.
                                                         Com o fim do mundo helênico e o advento da Idade Média, a busca do caminho da felicidade desapareceu do horizonte da Filosofia. Estando relacionada à vida do homem neste mundo, ela não interessou aos filósofos cristãos que passaram a exercer influência sobre o pensamento dos europeus, a partir de então, como Agostinho de Hipona (354 d.C.- 430 d.C.), mais conhecido como Santo Agostinho; Anselmo de Canterbury (1033 - 1109) ou Tomás de Aquino (1225 - 1274); todos eles tornados santos, posteriormente, pela Igreja católica. Para a filosofia cristã, mais do que a felicidade, o que contava era a salvação da alma (que, implicitamente e sem que a primitiva psicologia se apercebesse, tratava da futura felicidade, não mais do corpo porém do espírito).
                                                 Alguns filósofos voltaram a se debruçar sobre o tema da felicidade na Idade Moderna. John Locke (1632 - 1704) e Leibniz (1646 - 1716), na virada dos séculos XVII e XVIII, e a identificaram com o prazer, um ‘prazer duradouro’. Algumas décadas depois, o filósofo iluminista Immanuel Kant (1724 - 1804), na obra ‘Crítica da Razão Prática’ definiu a felicidade como ‘a condição do ser racional no mundo, para quem, ao longo da vida, tudo acontece de acordo com o seu desejo e vontade’.

                                                  Outro caminho, cuja origem pode ser encontrada em Platão e no Cristianismo, consiste no Niilismo; muito embora, uma das primeiras menções ao termo tenha sido feita durante a Revolução Francesa para se referir àqueles que não eram nem a favor nem contra a revolução.
                                                A palavra Niilismo traduz um conceito que, por estar relacionado à Ética e à Moral (além de abranger restritamente a Filosofia e a Literatura), passou a alcançar também diferentes áreas do conhecimento humano, como a Ciência, a Arte, a Política, as Teorias Sociais, etc. Trata-se de um sentimento (ou de uma percepção) que acomete o indivíduo com relação à ausência de finalidade e de respostas ao porque da sua existência; isto é, refere-se à própria desvalorização do motivo de existir. Tal sentimento faz que os valores humanos sejam depreciados e os princípios que norteiam a vida social se dissolvam. 
                                           Um dos principais filósofos a estudar o Niilismo foi o alemão Friedrich Nietzsche (1844 - 1900); embora, depois dele, outros tantos tenham se ocupado deste tema (Spengler, Max Weber, Heidegger, Sartre e Albert Camus, por exemplo).
                                                Com relação a ausência de caminhos, que conduzam a explicações  ao ponto de responder de forma convincente as três perguntas formuladas no início (não respondidas, até hoje, de maneira comprovada, pela Religião e pela Filosofia) destaca-se, também, o  Ateísmo, num sentido amplo, que seria a ausência de qualquer crença  na existência de divindades. O ateísmo consistiria, portanto, no oposto ao teísmo, que, em sua forma mais geral, seria a crença de que existe, ao menos, uma divindade. Os ateus tendem a ser céticos com relação à afirmações sobrenaturais, citando, em defesa de suas convicções, a falta de evidências empíricas que provem as suas existências. Entretanto, segundo estudos realizados, apenas cerca de três por cento da população mundial se diz ateia. Com certeza existem ateus espiritualistas e, neste caso, o percentual mencionado deve ser mais elevado.
                                                  Por outro lado, da mesma forma que existem filósofos que acreditam em um Criador, há também filósofos que são ateus. Filósofos como Ludwig Feuerbach (1804-1872) e Sigmund Freud (1856-1939), sempre afirmaram que Deus e outras crenças religiosas seriam invenções humanas, criadas para atender às várias necessidades psicológicas e emocionais dos indivíduos.  
                                                  Freud estabeleceu o ‘Princípio do Prazer’, que, traduzido em outras palavras, seria  o desejo de gratificação imediata que acompanharia todos os indivíduos em suas ações. Tal desejo conduziria o ser humano a buscar o prazer e a evitar a dor, mais ou menos na mesma linha de raciocínio de alguns filósofos gregos mais antigos.  
                                                O ‘Princípio de Prazer’, por ele estabelecido, opor-se-ia ao ‘Princípio de Realidade’, que se caracterizaria pelo adiamento da gratificação do prazer. O ‘Principio da Realidade’ faria parte do amadurecimento normal do indivíduo, ao aprender a suportar a dor e adiar a gratificação do prazer. Ao fazer isso, ele passaria a reger-se menos pelo ‘Princípio do Prazer’ e mais pelo ‘Principio da Realidade’, embora, subjacente aos seus atos reinasse o prazer.
                                                  Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), influenciados pela obra de Feuerbach, argumentaram que a crença em Deus e na religião são funções sociais, utilizadas por aqueles no poder, para oprimir a classe trabalhadora. De acordo com Mikhail Bakunin (1814-1876), considerado um dos pais do Anarquismo, "a ideia de Deus implica a abdicação da razão e da justiça humanas; é a negação mais decisiva da liberdade humana, e, necessariamente, termina na escravização da humanidade, na teoria e na prática." Ele inverteu o famoso aforismo de Voltaire de que se Deus não existisse, seria preciso inventá-lo, escrevendo que "se Deus realmente existisse, seria necessário aboli-lo”.
                                                  Em sua tese de doutorado pela Universidade Federal de Pernambuco, cujo título é ‘A Crítica da Religião em Marx: 1840-1846’, Romero Junior Venâncio Silva, destaca como primeiro aprendizado fundamental com os textos de Marx, a partir de 1840, que: 
                                         “Toda religião, qualquer religião que possamos imaginar, é uma realidade situada num contexto humano específico: um espaço geográfico, um momento histórico e um meio ambiente social concreto e determinado. Uma consequência obvia: toda religião é sempre uma invenção de seres humanos em determinado momento histórico. Uma religião que não seja de determinados seres humanos é algo inexistente, uma pura fantasia da imaginação”.
                                                         Em que pese todo o arcabouço filosófico – religioso – ateísta, descrito, tentando encontrar um caminho que explicasse e respondesse as três velhas questões da humanidade, creio que nenhuma das teorias existentes, até o momento, foi suficiente para satisfazer e acalmar a ânsia daqueles mais curiosos, como eu mesmo.
                                                          Ocorre que, sendo eu um ateísta espiritualista, deparei-me, no ano de 2005, com uma situação inusitada, que descreverei a seguir e que me deu a plena convicção da existência de uma continuação da vida, após a chamada morte:               "Durante a realização de uma cirurgia, que durou cerca de sete horas, vi-me, tão logo me colocaram na mesa de cirurgia, deixando o meu corpo, vendo a sala do alto e seguindo sozinho por um longo túnel. Ao final deste túnel me encontrei em um local todo de mármore, com belos jardins floridos e, pasmem (como eu também fiquei pasmado na ocasião), onde estavam inúmeros parentes e amigos já falecidos, ao lado de outras pessoas que eu desconhecia. O ambiente era de puro sentimento de amor, alegria e felicidade. Minha primeira reação foi a de pensar: -  Então a vida, realmente, continua. Estão todos vivos aqui!"
                                               "Não posso precisar quanto tempo estive ali, sentindo meus poros irradiarem amor e felicidade; mas, de repente, fui puxado por trás de forma firme e contínua". 
                                                "Reparei, então, que havia um cordão em volta da minha cintura; cordão este que havia sido puxado por alguém detrás de mim, não sei por quem. Vim caindo de costas por dentro do túnel inicial, até, finalmente, desabar em cima de algo. Abri meus olhos e deparei com enfermeiros retirando-me da maca e colocando-me no leito do CTI, onde passei a noite. Meu primeiro pensamento, logo a seguir (ainda me lembro bem dele), foi: - Voltei de novo para esta merda!"
                                                Desde então,caros leitores, convenci-me de que existe, realmente, a continuação da vida. Não sei onde e nem como esse processo é executado e com qual finalidade, mas lá o ambiente que pude perceber era de intenso amor, como jamais vi ou senti igual em toda a minha vida. Essa constatação permaneceu muito viva em minha mente durante meses seguidos e afastou o receio que eu tinha da morte. Evidentemente que ninguém deseja morrer, deixando pendentes tantos assuntos terrenos. Entretanto, posso afiançar com toda a convicção que: existe vida após a morte. Vida baseada, exclusivamente, em amor. Esta vida possui uma ordem e seres que a dirigem, não sei com qual finalidade. O fato de alguém possuir ou não alguma religião não me pareceu importante, pois jamais tive qualquer uma e me senti imensamente querido por todos que lá estavam.

                                                     Voltando, agora, ao questionamento do início deste ensaio: “Quem somos nós, de onde viemos e para onde vamos?”. Embora seja opinião de vários  filósofos de que, nós humanos e nossos cérebros, jamais estaremos em condições de compreender os mistérios da criação, creio, com respeito às três questões mencionadas no início, que posso afirmar com convicção que nós somos uma das inúmeras manifestações de vida, criadas e espalhadas pelo Universo. Viemos de um Principio Criador, que criou a nós e a tudo o mais existente no Universo. Vamos em direção à evolução, quer seja ela material ou espiritual.
                                                             Quanto ao porque disto tudo, a única explicação lógica que me ocorre é a seguinte: O Principio Criador, certamente, já existia antes da Criação do Universo. Que motivo o terá levado a criar um Universo, com várias espécies diferentes, em vários locais da sua criação? A única resposta que encontro é a da solidão e do tédio que, em determinada ocasião, pode ter passado a dominar este principio criador. De que valeria tudo poder, sem a presença de seres inteligentes que compartilhassem parte deste poder de criação? De que valeria tudo poder, sem nada poder em um Universo inexistente. Veja o leitor que solidão e tédio não são virtudes nem vícios, são, apenas, estados da alma ou condições do espírito. 
                                                            Da mesma forma que a solidão e o tédio podem ocorrer conosco, seres criados que carregam em si parte do Criador; com toda a certeza eles, também, poderão ocorrer com o Criador de todas as coisas e que tudo pode, pois da mesma forma que Ele está presente em nós, nós estamos presentes Nele. Qualquer ser inteligente ao criar alguma coisa, coloca nesta criação parte de si mesmo; isto é, as suas emoções, o seu estado de espírito no momento, as suas preocupações e temores, os seus anseios e esperanças, as suas habilidades; em suma, o seu próprio Eu interior. O Criador, da mesma forma, também deve possuir em Seu íntimo estes estados da alma (a solidão e o tédio) que inseriu em todas as suas criaturas; até porque, como Ele poderia entender e julgar as Suas criaturas sem possuir, Ele mesmo, a capacidade de entender as decisões destas, seus sentimentos e seus valores? 
                                                               Não devemos confundir solidão com o simples fato de estarmos sós; posto que, a primeira é um estado da alma (espírito enquanto encarnado) ou uma condição espiritual (dos espíritos enquanto desencarnados) e a segunda é uma realidade concreta.
                                                           O Criador de todas as coisas, não sendo uma Entidade material, mas, sim, espiritual, embora não possua vícios e possua todas as virtudes, também poderá possuir estas condições espirituais de solidão e tédio, comuns às almas e aos espíritos. 
                                                           Creio, assim, terem sido estes os sentimentos que motivaram o Princípio Criador a encetar esta monumental obra de criação do Universo conhecido, pois, se o Principio Criador já existia antes e existia só, alguma razão lógica deve ter havido para que desejasse deixar de ser só, ao encetar a magnífica obra da Sua criação. Se Ele estivesse totalmente feliz com Sua condição de ser só, não teria a necessidade de criar aquilo que não existia (e se não existia, era porque não havia sido necessário, até então). 
                                                           A razão última desta magnífica e monumental criação, portanto, em meu ponto de vista, sempre foi tão simples que jamais os seres humanos dela se deram conta; isto é, a solidão do Criador. Por outro lado, como em um jogo que nunca terminará, a possibilidade e a necessidade de evolução material e espiritual da criação forneceria o meio de minorar, ou eliminar, o eventual tédio do Criador (e também das suas próprias criaturas); posto que, a cada dia, estas condições materiais e espirituais estariam se modificando e tornando o Universo dinâmico e sempre diferente daquilo que fora anteriormente. Podemos imaginar como seriam tediosas as nossas existências, se jamais houvesse a possibilidade da evolução material e espiritual.


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Ensaio



sexta-feira, 12 de janeiro de 2018


162.  A burocracia no Brasil: ou a eliminamos de vez ou ela comprometerá, inexoravelmente, o nosso futuro** 


Jober Rocha*



                              A maioria dos dicionários sintetiza o termo burocracia como sendo um conceito administrativo amplamente usado e caracterizado, principalmente, por um sistema hierárquico, com alta divisão de responsabilidades, onde seus membros executam, invariavelmente, regras e procedimentos padrões, como engrenagens de uma máquina. O termo também é usado com um sentido pejorativo, significando uma administração com muitas divisões, regras e procedimentos redundantes, desnecessários ao funcionamento do sistema.
                                 A burocracia pode se instalar, na administração publica e privada, de forma natural (primeiro sentido do dicionário) ou de maneira forçada (segundo sentido, pejorativo).
                                No primeiro destes casos ela costuma se instalar por necessidade, quando os agentes públicos e privados, considerados em princípio como de índole honesta, se defrontam com empregados e com um público, eventualmente, desonestos. Neste caso, se torna necessário o estabelecimento de normas, de procedimentos vários, de fiscalização e de controle, tendentes a evitar as fraudes, os desvios, os furtos, os desfalques, as malversações, as falsificações, etc.
                                        No segundo destes casos (sentido pejorativo) ela é imposta quando os agentes públicos e privados, considerados de índole desonesta, buscam estabelecer um ‘modus operandi’ que lhes permita ganhar muito dinheiro de maneira fácil. Assim, criam dificuldades para o público alvo obter o bem ou serviço que demandam, de modo a poder vender-lhe facilidades, através dos trabalhos prestados por prepostos e escritórios, que, dominando todo o emaranhado de normas existentes, regulamentos, portarias, formulários, taxas e impostos (desnecessários e artificialmente criados), conseguem, de maneira fácil e expedita, mediante um régio pagamento, obter o produto final desejado pelo cliente, representado pelo serviço que é prestado pela respectiva entidade pública ou privada.
                             O primeiro dos casos costuma ocorrer, com freqüência, no âmbito de entidades ou empresas privadas. O segundo dos casos ocorre, frequentemente, no âmbito de entidades do setor público federal, estadual e municipal.
                               Durante o último dos governos militares, na presidência do general João Figueiredo, que percebeu os entraves causados pelos dois tipos de burocracia ao desenvolvimento brasileiro, foi criado o Ministério Extraordinário da Desburocratização, que existiu de 1979 a 1986 e que tinha como objetivo primordial diminuir o impacto e as consequências da estrutura burocrática, historicamente existente,na economia e na vida social do país. Os ministros que ocuparam esta pasta foram, respectivamente, Hélio Beltrão, João Geraldo Piquet Carneiro e Paulo Lustosa.
                              Durante a vigência do Ministério da Desburocratização foram criados os Juizados de Pequenas Causas e o Estatuto da Microempresa, dois marcos na história da desburocratização brasileira.
                                              No primeiro ano da criação do ministério, em 1979, foi promulgado o Decreto 83.740, que instituiu o Programa Nacional de Desburocratização, ‘destinado a dinamizar e simplificar o funcionamento da Administração Pública’.
                                          Com base nesse decreto, o ministro Hélio Beltrão conseguiu abolir dos órgãos da Administração Federal, direta e indireta, a exigência de apresentação de atestados de vida, residência, pobreza, dependência econômica, idoneidade moral, de bons antecedentes e o reconhecimento de firmas em cartório.
                                             Ao ser extinta a pasta, em 1986, no início do governo Sarney, foram as suas atribuições absorvidas pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado.
                                          Infelizmente, desde então, como uma erva daninha que resiste a aplicação do herbicida, a burocracia tem criado raízes e se proliferado, notadamente a partir dos governos de esquerda que assumiram o poder no país desde o ano de 2003.
                                         Considerado como “entulho autoritário”, herdado do regime militar, o presidente Lula revogou o Decreto nº 83.740, de 1979, substituindo-o pelo Decreto nº 5.378, de 2005, que instituiu o “Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização – GESPÚBLICA e o Comitê Gestor do Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização”. Nada foi realmente realizado, a não ser a volta da desconfiança sobre os cidadãos, com o retorno do reconhecimento de firmas e dos atestados de vida e outros; bem como, do velho método de criar dificuldades para vender facilidades. 
                                          Não é a toa que a corrupção de agentes públicos campeou, desde então, aumentando o já elevado Custo Brasil (assim chamado o acréscimo aos custos normais dos bens e serviços, em decorrência da corrupção dos agentes públicos, da ignorância generalizada, da falta de infraestrutura, de logística, da falta de normas apropriadas, da falta de treinamento dos agentes públicos, etc.).  Na atualidade, inúmeros inquéritos policiais e processos criminais correm na justiça, relativos ao período destes governos de esquerda, contra ex-administradores de diversas entidades públicas responsáveis por desvios de recursos, concorrências fraudulentas, concussão, etc. 
                                            As dificuldades criadas para negociar com o poder público (comprar ou vender bens e serviços) eram e, ainda, são tantas, que só aqueles que conhecem o chamado ‘caminho das pedras’ conseguem atravessar o pântano de leis, decretos, regulamentos, normas, portarias, taxas, impostos, etc, artificialmente criados para dificultar ao cidadão comum acessar aquilo que deseja e obrigá-lo a contratar intermediários ou escritórios especializados em ‘azeitar’ a máquina pública, para que os interesses de seus clientes sejam concretizados.
                                           Este caminho das pedras é informação vendida a peso de ouro, como os antigos mapas que, durante a época das descobertas marítimas, eram negociados pelos cartógrafos reais europeus com os pilotos de caravelas e demais naus de longo curso, que se arriscavam pelo Oceano Atlântico e pelo Pacífico tentando descobrir novos caminhos marítimos para as Índias, Malaca, Cipango (Japão), Catay (China), Ofir (onde se localizariam as Minas do Rei Salomão) e para o Rio da Prata, a caminho das minas de ouro e prata do Peru.   
                                                O Presidente Temer, em 2017, promulgou o Decreto nº 9.094, que dispôs sobre a ‘simplificação do atendimento prestado aos usuários dos serviços públicos, ratificou a dispensa do reconhecimento de firma e da autenticação em documentos, produzidos no País, e instituiu a Carta de Serviços ao Usuário’, além de revogar o decreto do ex-presidente Lula, de 2005.
                                                Ocorre que em nosso país o tecido social está esgarçado de tal forma (como diria o Datena, conhecido apresentador de TV), em razão de todo um trabalho ideológico desenvolvido pela esquerda Fabiana no poder nas últimas décadas, e que, mediante uma transvaloração de valores (implantada através da adoção do denominado comportamento politicamente correto), tem feito com que grande parte do povo brasileiro seja complacente e aceite, pacificamente, a corrupção de agentes públicos e dos políticos, a malversação de recursos, o pagamento de propina, a compra de mercadorias roubadas e contrabandeadas vendidas nos chamados camelódromos, o roubo de carga e a sua distribuição nas favelas da periferia das cidades, dentre outros. 
                                        Tanto é assim que os roubos perpetrados por autoridades dos três poderes já são chamados por muitos de ‘malfeitos’ e de ‘erros’ e não mais de crimes. Tanto é assim que muitas autoridades e membros de partidos políticos acham normal o desvio de recursos públicos para as campanhas eleitorais e para a manutenção dos seus respectivos partidos. Tanto é assim que muitos consideram normal, nas diversas instâncias da administração pública, o desvio de material, a fraude nas licitações, o nepotismo, a concussão, o apadrinhamento. O argumento utilizado para tanto, denotando que se trata de atitude quase generalizada, é o seguinte: - Se eu não fizer, outro fará em meu lugar!
                                              A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) também já chegou a fazer um estudo sobre o custo da corrupção no Brasil, onde projetou que até 2,3% do PIB nacional são perdidos por ano com práticas corruptas. No documento, a entidade destacou que o custo extremamente elevado dessas ações ilícitas prejudica o aumento da renda per capita, o crescimento e a competitividade do país, compromete a possibilidade de oferecer à população melhores condições econômicas e de bem-estar social e às empresas melhores condições de infraestrutura e um ambiente de negócios mais estável.
                                             A Operação Lava Jato identificou a cifra de R$ 38 bilhões como sendo o valor desviado dos cofres públicos nos governos Lula e Dilma. Evidentemente esse valor deverá ser muito maior, posto que nem todas as operações fraudulentas e os desvios de recursos, ocorridos nestes governos, foram identificados. Muito desvio, simplesmente, não foi ainda descoberto.
                                            Segundo declarações do presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial, Edson Vismona, ‘quando empresas passam a se valer de brechas para ganharem mais negócios, elas desvirtuam o ambiente corporativo, praticam uma concorrência desleal e distorcem a competitividade. Empresas que usam mecanismos tais como o do pagamento de propinas, não são competentes; pois elas estão fraudando a concorrência. Elas pervertem o mercado, estimulam a ineficiência e trazem grandes prejuízos ao erário e ao cidadão’. 
                                           Algumas entidades já levantaram os efeitos negativos exercidos pela burocracia brasileira, aí incluída a corrupção dos agentes públicos. Dentre os principais, destacam-se: fica mais difícil às empresas e aos governos brasileiros, em suas três instâncias, tomarem créditos externos; fica mais difícil os empresários estrangeiros investirem no país; os negócios se reduzem, comprometendo o emprego e a renda da população; a concorrência desleal, através da fraude nas licitações, distorce a competição e impede inovações nas empresas, pois estas não são mais necessárias; os bens e serviços passam a possuir sobre-preços (incorporados para pagar a burocracia e as propinas dos agentes públicos venais) e as empresas tornam-se ineficientes, pois não necessitam competir entre si, já que as concorrências são fraudadas. 
                                            A população recebe menos bens e serviços, do que poderia receber; pois, parte dos recursos de imposto que paga vai para os bolsos dos agentes públicos corruptos, sob a forma de propinas ou de mordomias indevidas. Por outro lado, os bens e serviços prestados ao estado são de baixa qualidade, pois, como se trata de ‘uma ação entre amigos’, normalmente não existe fiscalização do poder público sobre a qualidade dos bens e serviços entregues.
                                              Outro ralo, por onde escorre dinheiro público, muitas vezes visando a interesses inconfessáveis, são as renuncias fiscais, os perdões milionários de dívidas, as liberações de emendas sem qualquer interesse maior público subjacente.
                                             Ocorre que a única forma de evitar a corrupção, na forma como ela é processada em nosso país, é a transparência e a desburocratização nas atividades dos três poderes do Estado e em seus três níveis. Fazer como fazem os países do Primeiro Mundo. Todo cidadão é responsável pela veracidade das suas declarações prestadas ao Estado e, em caso de fraude, a aplicação pura e simples de penas elevadas para os infratores. Fim das certidões; das firmas reconhecidas; das cópias autenticadas; da necessidade de contratação dos serviços de intermediários para obter certidões de organismos públicos; do pagamento de taxas de expediente abusivas. O estabelecimento de prazos para a entrega de certidões e despachos, bem como o fim da morosidade judicial. A utilização em grande escala da internet para as solicitações junto ao Estado, concorrências, etc. Quanto mais impessoal seja o contato entre o público e o Estado, melhor e menor a possibilidade de corrupção por parte dos agentes públicos. 
                                          Da mesma forma, com mais transparência, menos exigências e punições bem mais severas para fraudadores e corruptos (posto que, a corrupção de agente público passaria a ser crime hediondo), ao mesmo tempo em que diminuirá a burocracia forçada ou pejorativa, também tenderá a diminuir a burocracia natural, pois as razões pelas quais ela foi implantada tenderão a desaparecer.
                                         Outro aspecto da Administração Pública que necessitaria ser atacado são as mordomias indevidas, concedidas aos políticos e membros do executivo e do judiciário por eles mesmos, advogando em causa própria. Tais favorecidos possuem, em razão destas mordomias (carros blindados, casa, segurança, passagens aéreas, diárias, cartões corporativos, auxílios moradia, auxílios creche, planos de saúde, auxílios para compra de roupas, verbas de gabinete, aposentadoria integral após dois mandatos de quatro anos cada, etc. etc. etc.), renda real que rivaliza ou é superior a dos empresários donos das maiores empresas brasileiras. 
                                     Só que as mordomias empresariais são pagas pelos próprios empresários e a dos servidores da república pelos altos impostos extorquidos do sofrido povo brasileiro. No mundo inteiro, notadamente nos países democráticos do Primeiro Mundo, os servidores públicos dos três poderes não possuem as mordomias que aqui são concedidas e eles vivem, exclusivamente, dos salários que recebem. 
                                       Por outro lado, a corrupção deveria ser crime inafiançável e o de mais longa pena no Código Penal, pois se trata de um crime hediondo e contra a humanidade. Leis recentes de acesso a informação e de combate a corrupção, a par do desmantelamento da chamada ORCRIM – Organização Criminosa que, segundo os promotores da Operação Lava Jato, operava dentro dos últimos governos, já começam a fazer efeito, frente à população brasileira. Todavia, aqui no Brasil ainda ocorrem fatos, acho que únicos no mundo, em que políticos, condenados e presos, continuam recebendo seus salários integrais; pessoas presas se candidatam a cargos públicos, são eleitas e vão tomar posse, conduzidas por policiais; políticos presos são liberados, na parte da manhã, para comparecer às assembleias legislativas e câmara dos deputados, voltando à noite para dormir no presídio.
                                          A burocracia em nosso país só acabará quando todos a considerarem como ‘inimiga pública número um’ do nosso desenvolvimento econômico e social. Quando a burocracia pejorativa for punida com a execração popular e com altas penas de prisão. Quando o povo tiver enraizada a consciência de que ele é o patrão e os agentes públicos os empregados da edificação do país. Quando o judiciário estiver sempre do lado do povo. Quando a totalidade dos políticos procurar a política para ajudar no desenvolvimento do país e não para se enriquecer ilicitamente, como fazem alguns.
                                     Quanto mais cedo isto ocorrer, mais rapidamente sairemos da triste situação em que nos encontramos. Se isto, eventualmente, não chegar a ocorrer estaremos comprometendo, inexoravelmente, o nosso futuro. A decisão sobre o que fazer e sobre como fazer, cabe, exclusivamente, ao povo brasileiro...


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Ensaio

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018


161. Sobre a transvaloração de valores na atualidade**




Jober Rocha*




                            Um dos conceitos importantes surgidos desde o século XIX, sob os pontos de vista filosófico, sociológico e psicológico, segundo a minha modesta maneira de ver a questão, trata-se do que diz respeito a transvaloração de valores, enunciada pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900).
                                  Dentre os poucos filósofos que se ocuparam da genealogia da moral; isto é, da forma como a moral se origina, Friedrich Nietzsche foi o que apresentou as idéias mais revolucionárias sobre o tema, algumas delas já apresentadas em texto anterior, neste blog. 
                                         Em sua obra ‘Genealogia da Moral’, o filósofo faz uma crítica à moral vigente em sua época, buscando responder a perguntas tais, como: - Sob quais condições o homem inventou os juízos de valor contidos nas palavras bem e mal? Que valores possuem tais juízos? Eles estimularam ou impediram o desenvolvimento da Humanidade até os dias atuais? São eles sinais de indigência, de empobrecimento ou de degeneração da vida humana?
                                         Nesta sua obra, o autor distinguia duas classes de seres humanos: a dos senhores e a dos escravos (a aristocracia e a plebe ou o povo). Pertencentes à classe dos senhores, segundo ele, duas categorias distintas competiriam entre si pelo poder: a dos guerreiros ou a dos militares (esta praticava as virtudes do corpo e conduzia às coisas da guerra) e a dos sacerdotes (esta praticava as virtudes do espírito e conduzia às coisas divinas). 
                                      Desta competição e rivalidade entre as duas categorias, surgiriam duas morais distintas: a dos senhores, oriunda dos guerreiros, e a dos escravos, oriunda dos sacerdotes; já que estes, na luta pelo poder, acabaram por aliar-se aos escravos (povo) para, sobrepujando os guerreiros, vir a ocupar o lugar antes pertencente aos senhores. 
                                        Os sacerdotes, no decorrer da História, através de um trabalho de transvaloração de valores (conceito este formulado, pela primeira vez, por Nietzsche), conseguiram fazer prevalecer, sobre a moral dos senhores, a moral dos escravos (do povo), que passou a ser aquela mesma cultivada, aperfeiçoada e difundida pela religião cristã.
                                  Em outro livro seu, ‘O Anticristo’, Nietzsche condenava a religião cristã pelos meios de que se utilizava; dentre eles, o aviltamento e a autoviolação do homem por meio do conceito de pecado. 
                                   Segundo ele, “para dominar a massa era necessário fazê-la infeliz, criando os conceitos de pecado, de culpa e de castigo”. Assim, o homem deveria sofrer de modo a que sempre tivesse necessidade do sacerdote. Desta forma, segundo o filósofo, por meio da invenção do pecado era que o sacerdote dominaria senhores e escravos.
                                     Nietzsche afirmava que: “O pecado tem sua origem no sentimento de culpa, instigado nas massas pelos sacerdotes”. Segundo ele, “os sacerdotes, ao serem questionados pelos pobres de espírito (os seres mais fracos perante a Natureza) sobre as razões de seus sofrimentos, indicariam, como resposta, que eles deveriam buscá-la em si mesmo, em uma culpa anterior, e que deveriam entender o seu sofrimento como uma punição”
                                         Assim, o doente foi transformado em pecador e, para expiar seus pecados, teria que viver atrelado ao sacerdote; pois só ele poderia levá-lo ao reino dos céus, onde se livraria de todos os sofrimentos.
                                     Os argumentos utilizados por Nietzsche para defender os seus pontos de vista, contrários à moral implantada pela religião cristã, eram os de que a análise do que é bem ou é mal, estabelecida pela religião, iria contra os valores naturais e nobres daqueles que, por seus atributos naturais e seu comportamento guerreiro, desde tempos imemoriais, detinham o poder e a posse dos bens terrenos. 
                                        Ao estabelecer, a partir de sua impotência e do seu ressentimento, a valoração dos conceitos de bem e de mal, que beneficiariam os chamados escravos ou o povo em geral (utilizando-se de critérios considerados divinos), em detrimento dos senhores, a religião praticou uma transvaloração destes valores, convertendo em mal aquilo que antes era bem e em bem o que antes era mal. 
                                      Para o filósofo, vontade e poder não se separam. Os fracos, segundo ele, a partir do estabelecimento destes valores morais com base na religião, ocultariam a impotência com a máscara do mérito e da bondade. A baixeza transformar-se-ia em humildade, a covardia em paciência. Os fracos, ainda segundo Nietzsche, seriam, conforme esta transvaloração, os justos que odiariam a injustiça oriunda dos fortes. 
                                           Assim, a moral estabelecida com base em critérios religiosos e não mais em critérios de ordem natural, como nos primórdios, seria, para o filósofo, algo contra a Natureza do ser humano, negando a realidade da vida e justificando-se em critérios supostamente divinos. 
                                           A classe dominante, a partir de então, pela aceitação e pela adoção desta nova moral estabelecida pela religião (posto que, a religião cristã penetrou de tal forma na vida ocidental, que o Papa passou a coroar os reis e imperadores, mantendo ascendência sobre eles e sobre a nobreza das cortes), veio a sofrer de má consciência e criou a ilusão de que deter o poder, acumular riqueza e possuir o mando era algo considerado errado perante a religião cristã (religião basicamente dos pobres e sofredores, que nela viam a redenção de suas condições miseráveis em uma nova vida no ‘Reino dos Céus’). 
                                               Para Nietzsche a vida humana consistia, apenas, em vontade de poder, de dominação e, em última instância, em vontade de potência. A nova moral induzida pela religião veio, tempos depois, contribuir, junto com outras causas, para a queda do feudalismo, das monarquias e de impérios.
                                             As verdadeiras virtudes, para o filósofo, eram: o orgulho, a alegria, a saúde, o amor sexual, a amizade, a veneração, os bons hábitos, a vontade inabalável, a disciplina intelectual e a vontade de poder. Ele era contrário a qualquer tipo de igualitarismo e, até mesmo, à ideia do Imperativo Categórico de Immanuel Kant. Como ateu, ele era contra o estabelecimento da moral por critérios religiosos.
                                   Segundo Nietzsche não existiria uma moralidade na própria natureza do homem, conforme afirmava Kant, mas, apenas, no seu sentido social e cultural. Assim, a moral não teria a sua fundamentação em paradigmas metafísicos; mas, seria construída pelos seres humanos através do próprio movimento da História.
                                             Os argumentos de Nietzsche foram utilizados pelos nazistas, na época da Segunda Guerra Mundial, para defender as teses de supremacia racial alemã, o que fez com que alguns leitores, com pouca leitura, considerassem erroneamente Nietzsche como um precursor do nazismo.

                                                Voltando, agora, a nossa atualidade, vemos que o termo ‘Comportamento Politicamente Correto’, muito usado pelas esquerdas mundiais hoje em dia, objetiva o estabelecimento de uma nova moral, não mais determinada por critérios de ordem religiosa, como aquela até então vigente,  mas, sim, por critérios de ordem política e ideológica; até porque, o grande poder de que dispunham as religiões ocidentais cristãs tem sido substancialmente reduzido, no presente, principalmente naqueles países, como o Brasil, onde a esquerda fabiana assumiu o comando já há algum tempo e o Estado passou a se dizer laico; como também em razão dos inúmeros escândalos envolvendo sacerdotes católicos e protestantes e a aplicação dos recursos financeiros tanto do Vaticano quanto de igrejas protestantes, para operações suspeitas de serem ilegais (segundo notícias da imprensa). 
                                                 A mesma transvaloração apontada por Nietzsche com respeito à implantação da moral religiosa, sem dúvida, esta ocorrendo hoje com respeito ao estabelecimento daquilo que é considerado ‘o comportamento politicamente correto’, em tempos de uma nova moral sendo implantada pelo socialismo fabiano, a serviço da Nova ordem Mundial.  
                                            O chamado Socialismo Fabiano tem este nome em homenagem a Quintus Fabius Maximus, político, ditador e general da República Romana (275 - 203 a.C.), que conseguiu derrotar Aníbal na Segunda Guerra Púnica, adotando a estratégia de não fazer confrontos diretos e em larga escala (nos quais os romanos já haviam sido derrotados em anteriores combates travados contra Aníbal), mas, sim, de incorrer apenas em pequenas e graduais ações, as quais ele sabia que podia vencer, não importando o tanto que ele tivesse de esperar.  Fundada exatamente no ano da morte de Karl Marx, com o intuito de promover as idéias deste filósofo alemão por meio do gradualismo, a chamada ‘Sociedade Fabiana’ almejava condicionar a sociedade por meio de medidas socialistas disfarçadas.                                                  Ao atenuar e minimizar seus objetivos, a Sociedade Fabiana tinha o intuito de não incitar a reação dos inimigos do socialismo, tornando-os menos combativos. É o que ocorre em alguns países, na atualidade, com a implantação, pela esquerda, do chamado ‘decálogo de Antonio Gramsci’ (1891-1937). O gramscismo contagiou países da Europa e hoje está sendo aplicado na América do Sul.
                                             A finalidade da sua implantação é a de tentar transformar países democráticos ou não em repúblicas socialistas sob a inspiração da cartilha de Gramsci, que segue a orientação do socialismo Fabiano quanto a maneira de ser implementada.
                                                 Seus objetivos são: obter a hegemonia na sociedade civil, na sociedade política (Estado), estabelecer o domínio do intelectual coletivo (partido, classe) e silenciar os intelectuais independentes.
                                            O método utilizado para sua implementação (encontrado em “A Cartilha de Antonio Gramsci”, de Manoel Soriano Neto) os leitores brasileiros logo reconhecerão como sendo aquele, atualmente, aplicado em nosso país, mediante uma transvaloração de valores, como já explicado anteriormente no presente texto:
                                                “Realizar a transformação intelectual e moral da sociedade pelo abandono de suas tradições, usos e costumes, mudando valores culturais de forma progressiva e continuar introduzindo novos conceitos que, absorvidos pelas pessoas, criam o ‘senso comum modificado’, gerando uma consciência homogênea construída com sutileza e sem aparente conteúdo ideológico, buscando a identificação com os anseios e necessidades não atendidas pelo poder público.”
                                           Na Europa atual invadida por levas de refugiados islâmicos, com certeza, após a implantação da Sharia (código de leis do islamismo; já que em várias sociedades islâmicas atuais, ao contrário da maioria dos países ocidentais, não há uma separação clara entre a religião e o Estado ou entre a religião e a justiça) nas comunidades aonde os refugiados se instalarem, os costumes daquele país e a moral vigente serão, inexoravelmente, modificados com o passar do tempo, pela aplicação do gramscismo e do islamismo, através da esquerda socialista árabe e européia. 
                                                     Em muitos aspectos, certamente, estes novos conceitos de moral que surgirão nos países europeus, ocupados pelos refugiados, atenderão aos preceitos religiosos do islã e à doutrina marxista da esquerda fabiana européia. Estejam todos certos de que, muito em breve, a poligamia, os casamentos de adultos com crianças, as uniões entre pessoas do mesmo sexo, os conflitos de origem religiosa, a censura e as proibições de toda ordem e o aumento da violência serão acontecimentos comuns na vida diária dos europeus.
                                                   Acredito mesmo que essa imigração em massa, de muçulmanos para a Europa, tenha sido incentivada e aceita pelas elites mundiais, em decorrência de dois aspectos de interesse da Nova Ordem Mundial: o primeiro diz respeito à unificação das religiões (uma das propostas da NOM já aceita pelo papa católico). 
                                                 Os muçulmanos vivem, realmente, a religião em todos os aspectos das suas vidas, sendo capazes de morrer por ela, ao passo que os cristãos atuais não vivem a sua religião da mesma forma. Estes (que na atualidade são em muito menor número do que os muçulmanos) têm sido submetidos a muita literatura e filmes que destacam o papel do Império Romano na criação de uma religião estabelecida sobre bases fraudulentas, desde o início. 
                                                  Por outro lado, o Vaticano tornou-se uma empresa envolvida em inúmeros escândalos, desde o financiamento de atividades criminosas da Máfia e de outras organizações criminosas, através do Banco do Vaticano, até diversos casos de pedofilia envolvendo sacerdotes, casos estes que consumiram vultosos recursos da igreja em indenizações, pagas nos USA para encerrar os inquéritos em andamento. A islamização da Europa, no contexto da implantação de uma única religião mundial, seria mais simples de ser implantada, com o tempo, do que a cristianização dos países árabes.
                                                  O segundo aspecto diz respeito à reativação do mercado consumidor europeu, estagnado desde muito. Em breve os refugiados estarão trabalhando e consumindo, reativando as economias europeias deprimidas,
                                                       Voltando a transvaloração de valores, como exemplo de que a moral, até então vigente, está sofrendo uma transvaloração de seus valores, vemos que a Mídia mundial, sustentada por verbas públicas e comprometida com os detentores do poder interessados no estabelecimento desta Nova Ordem Mundial, não cansa de destacar e incentivar determinados comportamentos considerados imorais (contrários aos bons costumes tradicionais) e amorais (afastados de quaisquer preocupações de ordem moral), com base na moral tradicional estabelecida pela religião cristã. 
                                                 No caso do Brasil, muitos vícios já são considerados virtudes e muitas virtudes consideradas vícios. Leis são feitas pelo parlamento brasileiro para proteger ou acobertar comportamentos viciosos ou, até mesmo, criminosos. 
                                                    Muitos comportamentos imorais, antiéticos, delituosos ou criminosos já são tolerados ou aceitos pelas pessoas, pouco faltando para que sejam considerados comportamentos normais. Ao se referir aos delitos perpetrados pelos governantes, e objetos de processos judiciais, fala-se em ‘malfeitos’ e em ‘erros’, e não mais em crimes. 
                                                Muitos intelectuais, empresários e militares, membros todos eles de uma elite patriótica e voltada para o nosso desenvolvimento sócio-econômico em bases democráticas e capitalistas, já começam a ter receio de se expressar ou de proceder de maneira considerada politicamente incorreta, temerosos de alguma represália ou, até mesmo, por acreditarem, já influenciados pela Mídia, que esta maneira de se expressar ou de proceder é realmente errada (da mesma forma como chegaram a acreditar os senhores de antanho, quando da implantação da moral religiosa, segundo Nietzsche). 
                                                Por vezes, ao vermos artistas, intelectuais, políticos, autoridades públicas, etc. fazendo determinadas afirmações, totalmente imorais e antiéticas, como se fossem as coisas mais normais e naturais, nós percebemos que, realmente, a moral em nosso país está mudando. 

                                          Como bem destacou o filósofo Nietzsche, através do seu conceito da transvaloração dos valores, o bem pode passar a ser considerado mal e o mal passar a ser considerado bem por aqueles que, ambicionando o poder, conseguem ver os seus conceitos de moral vitoriosos, implantados e aceitos pelas populações.


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Ensaio