163. Qual é o caminho, afinal?**
Jober Rocha*
Todos nós, logo que atingimos a idade da razão, buscamos um caminho filosófico que, conjugando nossas preocupações de ordem metafísicas às nossas características psicológicas e sociais, permita que vivamos nossas vidas sem nos desesperarmos por desconhecer as respostas às três questões fundamentais da existência humana, formuladas, há muito, pelos primeiros filósofos gregos e jamais respondidas, nem pelos oráculos nem pelos adivinhos, relativas ao caminho que nos conduzisse a sanar à eterna dúvida acerca de: quem somos nós, de onde viemos e para onde vamos?
Muito já se escreveu, no Ocidente, tentando mostrar qual seria esse caminho; tanto filosoficamente quanto religiosamente (no judaísmo, no islamismo e no cristianismo); mas, como sempre se tratou de escritos feitos por mãos humanas, sem a participação direta do Criador (que a respeito deste tema jamais proferiu uma única palavra; embora os humanos vinculados a correntes religiosas, que sobre o assunto deixaram algo por escrito, quase sempre, alegassem terem sido inspirados por Ele), a credibilidade daquilo que escreveram não tem sido suficiente para encerrar satisfatoriamente e em definitivo as discussões sobre a matéria.
No Oriente, a predominância histórica das religiões sobre a Filosofia, bem como a utilização de línguas com estruturas totalmente diferentes em relação às línguas ocidentais, por exemplo, gerou uma visão de mundo oriental bem distinta em relação à visão de mundo ocidental. A filosofia oriental, talvez em razão do panteísmo que caracteriza as religiões ali difundidas (Hinduísmo, Budismo, Taoismo e Xintoísmo), por sua vez, também não marca de modo tão nítido as oposições que caracterizam a cultura ocidental, como, por exemplo, os conceitos de inteligível versus sensível; os de divino versus humano; os de cultura versus natureza; os de mente versus corpo; os de espírito versus matéria e os de lógico-racional versus estético-intuitivo. O presente ensaio, portanto, refere-se, tão somente, a visão ocidental do caminho incessantemente procurado.
O fato é que, na medida em que o tempo tem avançado, ao invés de nos aproximarmos da verdade; isto é, do conhecimento que as respostas a estas três perguntas anteriores encerram, parece que nos afastamos, cada vez mais, dela.
As populações ocidentais da atualidade ou tornaram-se tão materialistas que as respostas a tais perguntas já não mais lhes interessam e nem mesmo importam conhecer, ou tornaram-se tão fanáticas e radicais que aceitam as respostas simples (e de certa forma infantis) fornecidas por teólogos e pensadores religiosos que, sempre, falaram por si mesmos, ao apontar o caminho a seguir; embora, frequentemente, se utilizem do nome do Criador para dar credibilidade a tudo àquilo que dizem. No entanto, intimamente, o que todos os humanos sempre desejaram e ainda desejam, é atingir a felicidade, mesmo que seja a custa de desconhecer as respostas a estas três perguntas mencionadas anteriormente.
Os verdadeiros filósofos, em geral, identificam a denominada felicidade com a obtenção do conhecimento; os religiosos a identificam com uma vida virtuosa que conduza a uma convivência próxima do Criador em nova existência, após a morte. Os cientistas religiosos talvez a identifiquem com um pouco de ambas e os cientistas ateus com o sucesso financeiro e profissional.
A Filosofia ocidental, ao longo da sua história, tem apontado alguns desses caminhos que poderiam ser trilhados pelos seres humanos, desejosos de atingir a felicidade mesmo sem conhecer a verdade. Todos os caminhos para a felicidade, apontados por ela, adquiriram adeptos, uns mais e outros menos; todavia, parece que consistiram em simples modismos, pois, com o decorrer do tempo, foram perdendo seguidores até passarem a fazer, apenas, parte da História da Filosofia. Em continuação apresentarei, superficialmente, alguns dos mais conhecidos; posto que vários destes caminhos já foram tratados em textos anteriores deste mesmo blog. Creio que esta apresentação inicial é importante, para que os leitores compreendam as conclusões a que cheguei ao final do texto.
Uma das primeiras sendas para encontrar a felicidade, apontadas pela Filosofia, consistiu no Epicurismo, que se tratava de um sistema filosófico proposto pelo filósofo Epicuro (341 a.C - 271 a.C), conhecido como “Profeta do prazer e da amizade”, que pregava ‘a procura dos prazeres moderados, para atingir um estado de tranquilidade e de libertação do medo, com a ausência de sofrimento corporal, pelo conhecimento do funcionamento do mundo e da limitação dos desejos’. Quando os desejos fossem exacerbados, segundo ele, 'poderiam ser fonte de perturbações constantes, dificultando o encontro da felicidade, que consistiria em manter a saúde do corpo e a serenidade do espírito'.
A finalidade da filosofia de Epicuro não era teórica, mas bastante prática. Ela buscava, sobretudo, ‘encontrar o sossego necessário para uma vida feliz e aprazível, na qual os temores perante o destino, os deuses ou a morte, estariam definitivamente eliminados’. Epicuro defendia que 'nada estava além dos nossos sentidos e que não existiria nenhuma realidade que não pudesse ser entendida com auxílio dos nossos cinco sentidos, princípio este denominado naturalismo radical'.
Epicuro pregava, ainda, que 'os deuses existiam, mas não estavam preocupados conosco’. Se os deuses não se encarregavam de nosso destino, benção ou maldição; caberia a nós mesmos esta responsabilidade. A felicidade ou o sofrimento dependeria, portanto, das escolhas de cada um.
Em sua época, e mesmo posteriormente, Epicuro possuía muitos discípulos e seguidores.
Outro caminho proposto pela escola helenística, na mesma época, foi o Estoicismo, criado por Zenão de Citio (334-262 a.C), que apresentava uma visão unificada do mundo, consistindo de uma lógica formal, uma física não dualista e uma ética naturalista. Os estoicos enfatizavam a ética como o foco principal do conhecimento humano. O estoicismo ensinava o desenvolvimento do autocontrole e da firmeza, como um meio de superar emoções destrutivas. Defendia que ‘tornar-se um pensador claro e imparcial, possibilitava compreender a razão universal (logos)’. Um aspecto fundamental do estoicismo envolvia a melhoria da ética do indivíduo e de seu bem-estar moral: 'A virtude consistia em um desejo que estava de acordo com a natureza'. Este princípio também se aplicava ao contexto das relações interpessoais; ‘libertar-se da raiva, da inveja e do ciúme e aceitar, até mesmo, os escravos como iguais aos outros homens, porque todos os homens são igualmente produtos da natureza’.
A ética estoica defendia uma perspectiva determinista. Um estoico virtuoso alteraria a vontade própria para se adequar ao mundo e permanecer, nas palavras de Epiteto, ‘doente e ainda feliz; em perigo e ainda assim feliz; morrendo e ainda assim feliz; no exílio e feliz; na desgraça e feliz’; assim afirmando um desejo individual ‘completamente autônomo’ e, ao mesmo tempo, um universo que é ‘um todo rigidamente determinista’.
O estoicismo acabou por tornar-se a filosofia mais popular entre as elites educadas do mundo helenístico e do Império Romano.
Outro dos caminhos consistia no Ceticismo, proposto por Pirro de Elis (360-275 a.C), que era tanto uma escola de pensamento filosófico quanto um método que atravessava disciplinas e culturas. Muitos céticos examinavam criticamente os sistemas de significado de sua época, e este exame muitas vezes resultava em uma posição de dúvida.
O cético era aquele que, insatisfeito com as irregularidades do mundo em que vivia, saia procurando explicações que o levassem a verdades sobre como entender e resolver estas irregularidades. De posse da verdade o cético esperaria alcançar, enfim, paz de espírito. Porém nenhum sistema filosófico que ele havia estudado tinha sido capaz de lhe proporcionar qualquer certeza absoluta sobre os objetos de estudo. Ainda por cima, para todo sistema dogmático que afirmava ter descoberto a verdade, havia sempre outro sistema dogmático, oposto ao primeiro e igualmente convincente (antilogia), que também dizia ter encontrado a verdade. Diante destas contradições e incertezas, e dada, até então, a impossibilidade de alcançar uma explicação absolutamente verdadeira, o cético decidia-se por suspender seus juízos sobre o que quer que fosse, encontrando, com isso, a paz de espírito, que antes ele esperava alcançar através da posse da verdade.
Outro caminho proposto foi o Cinismo, criado por Antistenes (445-365 a.C). Para os cínicos, ‘o propósito da vida era viver na virtude, de acordo com a Natureza’.
O cinismo se espalhou durante a ascensão do Império Romano, no século I, quase se tornando um movimento de massas, e, assim, os cínicos eram encontrados pedindo dinheiro e pregando ao longo das cidades do império. A doutrina finalmente desapareceu no final do século V, embora alguns afirmem que o cristianismo primitivo adotou muitas de suas idéias ascéticas e retóricas.
Por volta do século XIX, a ênfase sobre os aspectos negativos da filosofia cínica, levou ao entendimento moderno de cinismo; ou seja, significaria uma disposição de descrença na sinceridade ou bondade das motivações e ações humanas, e como uma caracterização das pessoas que desprezam as convenções sociais. Para encorajar as pessoas a renunciarem aos desejos criados pela civilização e convenções, os cínicos, de então, empreenderam uma cruzada de escárnio anti-social, buscando, assim, demonstrar as frivolidades da vida social.
O cinismo foi uma das filosofias mais marcantes de toda a época helenística. O cinismo oferecia às pessoas a possibilidade de felicidade e liberdade do sofrimento em uma época de incertezas. Embora nunca tenha havido uma doutrina cínica oficial, os princípios fundamentais do cinismo podem ser resumidos da seguinte forma:
1. O objetivo da vida era a felicidade e a clareza ou lucidez - significando libertação da nebulosidade, que, por sua vez, significava ignorância, inconsciência, insensatez e presunção.
2. A arrogância era causada por falsos julgamentos de valor, que causavam emoções negativas, desejos não naturais e um caráter vicioso.
3. O desenvolvimento humano dependia de auto-suficiência e indiferença para com as vicissitudes da vida
4. Evoluía-se através de práticas ascéticas que ajudavam o indivíduo a tornar-se livre de influências - tais como riqueza, fama ou poder - que não tinham valor na natureza.
5. A sabedoria maior consistia na ação, não apenas no pensar.
Assim, um cínico não tinha bens e rejeitava todos os valores convencionais de dinheiro, fama, poder ou reputação. Viver de acordo com a Natureza requeria, apenas, as necessidades básicas para a existência e qualquer um poderia tornar-se livre, ao libertar-se de todas as necessidades resultantes das convenções.
Vê-se, portanto, que tanto o povo quanto a elite do Império Romano já dispunham, desde aquela época, de conceitos filosóficos orientadores de seus pensamentos em busca da felicidade, conceitos estes que eles mesclavam com crenças religiosas sobre deuses, espíritos e demônios.
Com o fim do mundo helênico e o advento da Idade Média, a busca do caminho da felicidade desapareceu do horizonte da Filosofia. Estando relacionada à vida do homem neste mundo, ela não interessou aos filósofos cristãos que passaram a exercer influência sobre o pensamento dos europeus, a partir de então, como Agostinho de Hipona (354 d.C.- 430 d.C.), mais conhecido como Santo Agostinho; Anselmo de Canterbury (1033 - 1109) ou Tomás de Aquino (1225 - 1274); todos eles tornados santos, posteriormente, pela Igreja católica. Para a filosofia cristã, mais do que a felicidade, o que contava era a salvação da alma (que, implicitamente e sem que a primitiva psicologia se apercebesse, tratava da futura felicidade, não mais do corpo porém do espírito).
Alguns filósofos voltaram a se debruçar sobre o tema da felicidade na Idade Moderna. John Locke (1632 - 1704) e Leibniz (1646 - 1716), na virada dos séculos XVII e XVIII, e a identificaram com o prazer, um ‘prazer duradouro’. Algumas décadas depois, o filósofo iluminista Immanuel Kant (1724 - 1804), na obra ‘Crítica da Razão Prática’ definiu a felicidade como ‘a condição do ser racional no mundo, para quem, ao longo da vida, tudo acontece de acordo com o seu desejo e vontade’.
Outro caminho, cuja origem pode ser encontrada em Platão e no Cristianismo, consiste no Niilismo; muito embora, uma das primeiras menções ao termo tenha sido feita durante a Revolução Francesa para se referir àqueles que não eram nem a favor nem contra a revolução.
A palavra Niilismo traduz um conceito que, por estar relacionado à Ética e à Moral (além de abranger restritamente a Filosofia e a Literatura), passou a alcançar também diferentes áreas do conhecimento humano, como a Ciência, a Arte, a Política, as Teorias Sociais, etc. Trata-se de um sentimento (ou de uma percepção) que acomete o indivíduo com relação à ausência de finalidade e de respostas ao porque da sua existência; isto é, refere-se à própria desvalorização do motivo de existir. Tal sentimento faz que os valores humanos sejam depreciados e os princípios que norteiam a vida social se dissolvam.
Um dos principais filósofos a estudar o Niilismo foi o alemão Friedrich Nietzsche (1844 - 1900); embora, depois dele, outros tantos tenham se ocupado deste tema (Spengler, Max Weber, Heidegger, Sartre e Albert Camus, por exemplo).
Com relação a ausência de caminhos, que conduzam a explicações ao ponto de responder de forma convincente as três perguntas formuladas no início (não respondidas, até hoje, de maneira comprovada, pela Religião e pela Filosofia) destaca-se, também, o Ateísmo, num sentido amplo, que seria a ausência de qualquer crença na existência de divindades. O ateísmo consistiria, portanto, no oposto ao teísmo, que, em sua forma mais geral, seria a crença de que existe, ao menos, uma divindade. Os ateus tendem a ser céticos com relação à afirmações sobrenaturais, citando, em defesa de suas convicções, a falta de evidências empíricas que provem as suas existências. Entretanto, segundo estudos realizados, apenas cerca de três por cento da população mundial se diz ateia. Com certeza existem ateus espiritualistas e, neste caso, o percentual mencionado deve ser mais elevado.
Por outro lado, da mesma forma que existem filósofos que acreditam em um Criador, há também filósofos que são ateus. Filósofos como Ludwig Feuerbach (1804-1872) e Sigmund Freud (1856-1939), sempre afirmaram que Deus e outras crenças religiosas seriam invenções humanas, criadas para atender às várias necessidades psicológicas e emocionais dos indivíduos.
Freud estabeleceu o ‘Princípio do Prazer’, que, traduzido em outras palavras, seria o desejo de gratificação imediata que acompanharia todos os indivíduos em suas ações. Tal desejo conduziria o ser humano a buscar o prazer e a evitar a dor, mais ou menos na mesma linha de raciocínio de alguns filósofos gregos mais antigos.
O ‘Princípio de Prazer’, por ele estabelecido, opor-se-ia ao ‘Princípio de Realidade’, que se caracterizaria pelo adiamento da gratificação do prazer. O ‘Principio da Realidade’ faria parte do amadurecimento normal do indivíduo, ao aprender a suportar a dor e adiar a gratificação do prazer. Ao fazer isso, ele passaria a reger-se menos pelo ‘Princípio do Prazer’ e mais pelo ‘Principio da Realidade’, embora, subjacente aos seus atos reinasse o prazer.
Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), influenciados pela obra de Feuerbach, argumentaram que a crença em Deus e na religião são funções sociais, utilizadas por aqueles no poder, para oprimir a classe trabalhadora. De acordo com Mikhail Bakunin (1814-1876), considerado um dos pais do Anarquismo, "a ideia de Deus implica a abdicação da razão e da justiça humanas; é a negação mais decisiva da liberdade humana, e, necessariamente, termina na escravização da humanidade, na teoria e na prática." Ele inverteu o famoso aforismo de Voltaire de que se Deus não existisse, seria preciso inventá-lo, escrevendo que "se Deus realmente existisse, seria necessário aboli-lo”.
Em sua tese de doutorado pela Universidade Federal de Pernambuco, cujo título é ‘A Crítica da Religião em Marx: 1840-1846’, Romero Junior Venâncio Silva, destaca como primeiro aprendizado fundamental com os textos de Marx, a partir de 1840, que:
“Toda religião, qualquer religião que possamos imaginar, é uma realidade situada num contexto humano específico: um espaço geográfico, um momento histórico e um meio ambiente social concreto e determinado. Uma consequência obvia: toda religião é sempre uma invenção de seres humanos em determinado momento histórico. Uma religião que não seja de determinados seres humanos é algo inexistente, uma pura fantasia da imaginação”.
Em que pese todo o arcabouço filosófico – religioso – ateísta, descrito, tentando encontrar um caminho que explicasse e respondesse as três velhas questões da humanidade, creio que nenhuma das teorias existentes, até o momento, foi suficiente para satisfazer e acalmar a ânsia daqueles mais curiosos, como eu mesmo.
Ocorre que, sendo eu um ateísta espiritualista, deparei-me, no ano de 2005, com uma situação inusitada, que descreverei a seguir e que me deu a plena convicção da existência de uma continuação da vida, após a chamada morte: "Durante a realização de uma cirurgia, que durou cerca de sete horas, vi-me, tão logo me colocaram na mesa de cirurgia, deixando o meu corpo, vendo a sala do alto e seguindo sozinho por um longo túnel. Ao final deste túnel me encontrei em um local todo de mármore, com belos jardins floridos e, pasmem (como eu também fiquei pasmado na ocasião), onde estavam inúmeros parentes e amigos já falecidos, ao lado de outras pessoas que eu desconhecia. O ambiente era de puro sentimento de amor, alegria e felicidade. Minha primeira reação foi a de pensar: - Então a vida, realmente, continua. Estão todos vivos aqui!"
"Não posso precisar quanto tempo estive ali, sentindo meus poros irradiarem amor e felicidade; mas, de repente, fui puxado por trás de forma firme e contínua".
"Reparei, então, que havia um cordão em volta da minha cintura; cordão este que havia sido puxado por alguém detrás de mim, não sei por quem. Vim caindo de costas por dentro do túnel inicial, até, finalmente, desabar em cima de algo. Abri meus olhos e deparei com enfermeiros retirando-me da maca e colocando-me no leito do CTI, onde passei a noite. Meu primeiro pensamento, logo a seguir (ainda me lembro bem dele), foi: - Voltei de novo para esta merda!"
Desde então,caros leitores, convenci-me de que existe, realmente, a continuação da vida. Não sei onde e nem como esse processo é executado e com qual finalidade, mas lá o ambiente que pude perceber era de intenso amor, como jamais vi ou senti igual em toda a minha vida. Essa constatação permaneceu muito viva em minha mente durante meses seguidos e afastou o receio que eu tinha da morte. Evidentemente que ninguém deseja morrer, deixando pendentes tantos assuntos terrenos. Entretanto, posso afiançar com toda a convicção que: existe vida após a morte. Vida baseada, exclusivamente, em amor. Esta vida possui uma ordem e seres que a dirigem, não sei com qual finalidade. O fato de alguém possuir ou não alguma religião não me pareceu importante, pois jamais tive qualquer uma e me senti imensamente querido por todos que lá estavam.
Voltando, agora, ao questionamento do início deste ensaio: “Quem somos nós, de onde viemos e para onde vamos?”. Embora seja opinião de vários filósofos de que, nós humanos e nossos cérebros, jamais estaremos em condições de compreender os mistérios da criação, creio, com respeito às três questões mencionadas no início, que posso afirmar com convicção que nós somos uma das inúmeras manifestações de vida, criadas e espalhadas pelo Universo. Viemos de um Principio Criador, que criou a nós e a tudo o mais existente no Universo. Vamos em direção à evolução, quer seja ela material ou espiritual.
Quanto ao porque disto tudo, a única explicação lógica que me ocorre é a seguinte: O Principio Criador, certamente, já existia antes da Criação do Universo. Que motivo o terá levado a criar um Universo, com várias espécies diferentes, em vários locais da sua criação? A única resposta que encontro é a da solidão e do tédio que, em determinada ocasião, pode ter passado a dominar este principio criador. De que valeria tudo poder, sem a presença de seres inteligentes que compartilhassem parte deste poder de criação? De que valeria tudo poder, sem nada poder em um Universo inexistente. Veja o leitor que solidão e tédio não são virtudes nem vícios, são, apenas, estados da alma ou condições do espírito.
Da mesma forma que a solidão e o tédio podem ocorrer conosco, seres criados que carregam em si parte do Criador; com toda a certeza eles, também, poderão ocorrer com o Criador de todas as coisas e que tudo pode, pois da mesma forma que Ele está presente em nós, nós estamos presentes Nele. Qualquer ser inteligente ao criar alguma coisa, coloca nesta criação parte de si mesmo; isto é, as suas emoções, o seu estado de espírito no momento, as suas preocupações e temores, os seus anseios e esperanças, as suas habilidades; em suma, o seu próprio Eu interior. O Criador, da mesma forma, também deve possuir em Seu íntimo estes estados da alma (a solidão e o tédio) que inseriu em todas as suas criaturas; até porque, como Ele poderia entender e julgar as Suas criaturas sem possuir, Ele mesmo, a capacidade de entender as decisões destas, seus sentimentos e seus valores?
Não devemos confundir solidão com o simples fato de estarmos sós; posto que, a primeira é um estado da alma (espírito enquanto encarnado) ou uma condição espiritual (dos espíritos enquanto desencarnados) e a segunda é uma realidade concreta.
O Criador de todas as coisas, não sendo uma Entidade material, mas, sim, espiritual, embora não possua vícios e possua todas as virtudes, também poderá possuir estas condições espirituais de solidão e tédio, comuns às almas e aos espíritos.
Creio, assim, terem sido estes os sentimentos que motivaram o Princípio Criador a encetar esta monumental obra de criação do Universo conhecido, pois, se o Principio Criador já existia antes e existia só, alguma razão lógica deve ter havido para que desejasse deixar de ser só, ao encetar a magnífica obra da Sua criação. Se Ele estivesse totalmente feliz com Sua condição de ser só, não teria a necessidade de criar aquilo que não existia (e se não existia, era porque não havia sido necessário, até então).
A razão última desta magnífica e monumental criação, portanto, em meu ponto de vista, sempre foi tão simples que jamais os seres humanos dela se deram conta; isto é, a solidão do Criador. Por outro lado, como em um jogo que nunca terminará, a possibilidade e a necessidade de evolução material e espiritual da criação forneceria o meio de minorar, ou eliminar, o eventual tédio do Criador (e também das suas próprias criaturas); posto que, a cada dia, estas condições materiais e espirituais estariam se modificando e tornando o Universo dinâmico e sempre diferente daquilo que fora anteriormente. Podemos imaginar como seriam tediosas as nossas existências, se jamais houvesse a possibilidade da evolução material e espiritual.
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
_**/ Ensaio